RE - 47934 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) em face da sentença de fls. 143-147v., que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder econômico cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio ajuizada pelo recorrente contra ARGEU RODRIGUES. 

Em suas razões, alega que a prova coligida demonstra a ocorrência de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio. Refere-se ao conteúdo do depoimento judicial das testemunhas Anderson Santos Daneli e Francisco Rodrigues Batista, que retratam a situação fática descrita na inicial. Destaca a prova produzida por meio da testemunha Diego Girotto, que expõe como era efetuada a venda de combustível e a distribuição dos respectivos vales.

Afirma que a testemunha Rogério Bernardelli apresentou nova versão dos fatos em juízo, contrariando a narrativa realizada em depoimento policial. Sustenta que o conjunto probatório atesta que Argeu Rodrigues, valendo-se de seu poder econômico, por meio do seu irmão Idanir Antonio Rodrigues, distribuiu litros de gasolina no período eleitoral para os eleitores do Município de Tapejara, a fim de angariar votos. Explica que, durante o inquérito policial, foram apreendidos vales-combustível, santinhos do vereador Argeu e nota de crédito de 500 litros, adquirido ao valor de R$1.900,00 por Idanir Antonio Rodrigues. Informa que o abuso do poder econômico restou demonstrado pelos gastos excessivos com combustível, destinados à obtenção de apoio político e à captação de votos ilicitamente. Ressalta que a norma contida no art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90 não exige potencialidade de o ato lesivo alterar o resultado da eleição para a configuração do abuso econômico. Aduz que a captação ilícita de sufrágio foi confirmada pela doação de vales-combustível aos eleitores, pretensamente entregues para auxílio na distribuição de propaganda eleitoral. Assevera a má-fé na conduta do investigado, em razão da existência de imagens de “bichinhos” nos vales distribuídos e do comportamento de Idanir Antonio Rodrigues, ao negar o apelido de “Dano” e ao sustentar o desconhecimento do material apreendido. Colaciona precedentes jurisprudenciais para demonstrar que a compra de um único voto é suficiente para configurar a captação ilícita de sufrágio e a possibilidade de pedido implícito. Invoca entendimento jurisprudencial do TSE no sentido de admitir a captação ilícita indiretamente realizada. Conclui que as condutas violaram a normalidade e a lisura do pleito. Requer a reforma da decisão para que seja julgada procedente a ação (fls. 158-164).

Em contrarrazões (fls. 170-175v.), Argeu Rodrigues suscita a preliminar de inépcia do recurso, ao fundamento de que as razões recursais repisam a tese defensiva lançada nas alegações finais, deixando de confrontar os argumentos firmados na decisão. No mérito, defende a manutenção da sentença e afirma que as provas constantes nos autos não comprovam a prática da captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder econômico. Postula o não conhecimento do recurso e, sucessivamente, requer o seu desprovimento.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso e pelas seguintes sanções: a) determinar a cassação do diploma do vereador Argeu Rodrigues; b) declarar a sua inelegibilidade pelo prazo de 8 anos, a contar da eleição de 2016; e c) condená-lo ao pagamento de multa no valor de mil a cinquenta mil UFIR (fls. 180-185v.).

É o relatório.

VOTOS

Des. Eleitoral Luciano André Losekann (relator)

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Tempestividade

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL foi intimado pessoalmente da sentença em 23.01.2018 (fl. 155) e interpôs o recurso em 25.01.2018 (fl. 157), dentro do tríduo previsto pelo art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual dele conheço.

Da inépcia do recurso de apelação

Em contrarrazões, o demandado ARGEU RODRIGUES argui a inépcia do recurso de apelação, alegando que as razões recursais apenas repetem a tese defensiva sustentada nas alegações finais, deixando de confrontar os argumentos consignados na sentença.

Postula pelo não conhecimento da apelação, com base no disposto nos arts. 330, inc. I, c/c art. 1.010, incs. II e III, e 932, inc. III, e 1.011, inc. I, todos do CPC.

Sem razão.

O recurso traz argumentos que tornam possível aquilatar as razões do inconformismo quanto à decisão de primeiro grau.

Ademais, o recorrente insurge-se referindo expressamente o entendimento da magistrada de piso quanto à análise da prova - e contrapondo-se a ele.

Em vista disso, não há falar em inépcia da peça recursal.

Passo ao exame do mérito.

 

Mérito

O MINISTÉRIO PÚBLICO atuante na 100ª Zona Eleitoral ingressou com Ação de Investigação Judicial Eleitoral por abuso de poder econômico cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio contra ARGEU RODRIGUES, eleito vereador no Município de Tapejara no pleito de 2016.

Agora, em seu recurso, o ente ministerial traz sua irresignação quanto ao juízo de improcedência da ação.

Antes de adentrar na análise dos fatos e das provas, cumpre tecer algumas considerações teóricas sobre os temas trazidos.

O abuso de poder político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

Trata-se de instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas por sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, trago a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 5ªed., 2016, p. 422)

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a regularidade da campanha, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

E, nesse sentido, bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio encontra-se disciplinada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999) 

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) 

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) 

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) 

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

No âmbito doutrinário, o Procurador da República Francisco de Assis Vieira Sanseverino (in Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege como bens jurídicos, de forma mais ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições decorrentes dos Princípios Democrático e Republicano e, de maneira mais específica, resguarda, a um só tempo, o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência, da liberdade de opção, e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Infere-se, portanto, que os elementos necessários para comprovar a captação ilícita de sufrágio são os seguintes: a) uma conduta (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor), ocorrida durante o período entre o registro de candidaturas e a data da eleição, com participação direta ou indireta do candidato; b) a especial finalidade de obter o voto (elemento subjetivo da conduta); e c) o direcionamento da conduta a eleitor(es) determinado(s) ou determinável(eis).

Delineados os parâmetros legais e teóricos, incumbe examinar se as provas colacionadas aos autos são, ou não, suficientes à caracterização do abuso de poder econômico e da conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Adianto que entendo que sim. Passo, pois, ao exame dos fatos.

Cumprindo mandado de busca e apreensão no Posto Oliveira, em 30.9.2016, sexta-feira, antevéspera das eleições municipais realizadas em 02 de outubro daquele ano, policiais civis avistaram Rogério Bernardelli tentando entregar ao frentista dois vales-combustível com duas imagens de gatos e carimbo do Posto Oliveira. Ao abordarem Rogério, verificaram que, além dos vales, ele trazia consigo propagandas do candidato a vereador ARGEU RODRIGUES. Questionado sobre a procedência dos vales, informou que foram entregues por "Dano Rodrigues" (Idanir Antônio Rodrigues), irmão de Argeu, em troca de votos para este. Esse é o fato objeto da presente ação.

O conjunto probatório colacionado aos autos tem origem na referida medida cautelar de busca e apreensão realizada no Posto de Combustíveis Oliveira Ltda, o Posto Oliveira, no qual foram apreendidos dois valescombustível com carimbo do posto e imagens de dois gatos (fl. 13), santinhos do candidato ARGEU RODRIGUES (fl. 14) e nota de compra de 500 litros de combustível no valor total de R$1.900,00. O acervo é complementado pela prova testemunhal colhida na fase instrutória judicial, constituída pelos depoimentos de quatro testemunhas: Anderson Santos Daneli, Francisco Rodrigues Batista, Diego Girotto e Rogério Bernardelli.

Das provas se extrai com clareza a prática de compra de votos por Idanir Antônio Rodrigues (“Dano”), irmão de Argeu, em favor da campanha e com o consentimento deste.

O estratagema é bastante simples e - infelizmente - corriqueiro, sobretudo em municípios de reduzido eleitorado, nos quais um vereador sagra-se eleito com cerca de 400 votos, como é o caso de Tapejara. 

O corruptor compra quantidade considerável de combustível e solicita que o posto emita vales-combustível, os quais são posteriormente fornecidos aos eleitores corrompidos em troca de seus votos.

Na fl. 25, consta nota fiscal emitida pelo Comércio de Combustíveis Oliveira que comprova a venda de 500 litros de gasolina, no dia 22.9.2016, para Idanir Rodrigues, irmão do representado, no valor total de R$1.900,00.

Também foram apreendidos pela polícia civil dois vales-combustível com carimbo do posto e imagem de dois gatos (fl. 13) e santinhos do candidato ARGEU RODRIGUES (fl. 14).

Na fase instrutória, foram ouvidas as testemunhas ANDERSON DOS SANTOS DANELI, FRANCISCO RODRIGUES BATISTA, DIEGO GIROTTO e ROGÉRIO BERNARDELLI.

O policial civil ANDERSON DOS SANTOS DANELI informou que:

Na data dos fatos foram convocados para dar apoio a DP de Tapejara no combate a compra de votos. Realizavam abordagem no Posto Oliveira, no centro da cidade, e alguns colegas verificavam o escritório. O depoente cuidava a pista de abastecimento, momento em que chegou o veículo Gol, cor vermelha, conduzido por Rogério Bernardelli, o qual parou para abastecer e "puxou" dois papéis pequenos, entregando-os ao frentista. Visualizou o frentista fazendo sinal com a cabeça de que não poderia pegar os papéis e apontar para a loja de conveniência. Nesse instante o depoente e o colega Francisco saíram da loja e abordaram o veículo. Conversaram com o condutor e no ato de revista localizaram dois vales combustível com figura de gato e,  também, "santinhos" de propaganda política de Argeu Rodrigues. Rogério foi conduzido à Delegacia e lá referiu que havia recebido os "tickets" de "Dano Rodrigues", irmão do candidato Argeu, em troca de votos. Cada vale representava 10 litros de combustível no Posto Oliveira. O gerente do posto também foi conduzido à Delegacia, tendo relatado que havia vendido R$ 500,00 de combustível para Argeu ou "Dano", o depoente não recorda ao certo. Os vales foram emitidos e seriam distribuídos para o pessoal abastecer no Posto Oliveira em troca de votos. Confirma os fatos conforme narrado na petição inicial.

Também em testemunho colhido em juízo e sob o crivo do contraditório (fl. 90), o policial civil FRANCISCO RODRIGUES BATISTA assim informou:

Relatou que foram convocados para prestar apoio à Delegacia de Tapejara, a qual realizava trabalho para apurar compra de votos. O depoente e o colega Anderson foram escalados para cumprir uma busca num posto de gasolina no centro da cidade. Aduziu que já tinham apreendido diversos vales e, quando finalizavam as buscas, chegou no local um rapaz portando um vale de combustível e entregou o papel ao frentista. Nesse momento o rapaz foi detido e levado à Delegacia. Lembra que o sobrenome dele era Bernardelli. Não acompanhou o depoimento do referido na DP. Questionado, afirmou que localizaram diversos vales e pelo que foi apurado, cada candidato tinha uma forma de ser identificado para posteriormente ocorrer a cobrança do combustível.

Por sua vez, a testemunha DIEGO GIROTTO, gerente do Posto Oliveira, informou em juízo que:

É gerente do Posto de Combustível Oliveira. Referiu que costuma vender bastante combustível, seja no período eleitoral ou não. Disse que Idanir Rodrigues pediu para comprar 500 litros de gasolina, aproximadamente, e solicitou para dividir em vales. Confirmou que os vales apresentavam imagens de bichinhos e que esse fato ocorreu no período eleitoral. Idanir é irmão de Argeu. Idanir não disse para que utilizaria os vales. Disse que realiza negociações semelhantes com clientes que fornecem os vales para funcionários abastecerem no posto. Idanir comprou o combustível e pediu que fosse dividido em vales, mas não disse para quem iria entregá-los. Não recorda quantos litros de gasolina cada vale representava, 05 ou 10. O posto recebia os vales para controlar a saída do combustível e não ultrapassar a quantia vendida. Pelo que sabe Idanir trabalha em lavoura e tinha uma "coisa" de radiadores. Idanir tem filhos, dois, que abastecem bastante no Posto. Não sabe informar se ele tem funcionários, mas outras pessoas já abasteceram pra ele no Posto. Não sabe informar que pessoas utilizaram os vales ou se essas pessoas tinham propaganda de Argeu, pois fica no escritório, isso seria a parte do frentista. O depoente apenas vendia e confeccionava os vales, conferindo após a entrada no caixa. Confirma que vendeu combustível para Idanir e confeccionou os vales. Mostrado o documento da fl. 25, confirma que foi emitido pelo Posto. Mostrada a fl. 13, acredita que é cópia dos vales que emitiu. Questionado porque o vale possuía a estampa de dois gatos, disse que a figura era aleatória e que achou na internet para diferenciar a quantidade de litros. Cada figura distinta representava uma quantia. Questionado porque não estava escrito "vale tantos litros de gasolina" , disse que fez o que foi solicitado pelo comprador/cliente. Questionado pelo Promotor se não desconfiou que isso era para camuflar o vale, disse que desconfiar pode até ter desconfiado, mas "estava só querendo vender o combustível" , não pediu ao cliente o que ele faria com o produto. Disse que a pessoa que apresentava o vale recebia o combustível, sendo descontado do crédito que Idanir possuía. A nota fiscal era emitida no ato do abastecimento. Relatou que a venda antecipada, dependendo da quantidade de gasolina, acarretava num bom desconto. Exemplificou que 200 litros de combustível (gasolina comum) poderia vender por R$ 4,05 na forma antecipada. Já ocorreram tentativas de entrega de vales falsos, mas não com frequência. Não sabe precisar quando os vales de Idanir entraram, mas vários foram após o período eleitoral. Disse que Idanir não gostava de deixar a conta liberada para o filho e preferia fazer os vales. Ainda vende nessa forma, pois os clientes preferem em razão da inflação. Os vales não possuem validade. Os vales, em diferentes formatos, evitam falsificações. Explicou como faz os vales para os clientes. Não sabe quem utilizou os vales de Idanir. Disse que a polícia levou as planilhas de controle, assim não sabe informar quantos vales de Idanir foram trocados. Entregou 100 ou 50 vales, não sabe ao certo. Acha que ele possui um negócio de radiadores. Disse que o filho de Idanir retirou bastante combustível com os vales, mas não sabe se foi ele apenas. Fez os vales conforme Idanir pediu

ROGÉRIO BERNARDELLI prestou as seguintes informações em juízo (fl. CD de fl. 121): 

Rogério Bernardeli, 45 anos, vigilante, acha que não responde a processo criminal referente as eleições passadas, afirmou não ser parente nem amigo íntimo de Argeu Rodrigues, não tem interesse algum no resultado deste processo, compromissado, afirmou ter pego uma vale do irmão do Argeu do Idanir para mim distribuir uns panfletos e eu não sabia, eu distribui, mas esse negócio de compra e voto, eu pra ele sou do PMDB, não me envolvo, se eu quisesse eu poderia ter adesivado meu auto né, como pegaram meu auto meu gol, muita gente me ofereceu dinheiro né, afirmou ter sido ouvido na delegacia no dia da apreensão dos vales, disse que foi o (…) que me deu para girar na cidade, segundo a Juíza o que ele falou na polícia foi diferente, após ler o depoimento na fase policial o mesmo afirma que lá eles podem colocar o que querem, eu to de mão amarrada vou fazer oque? Perguntado se estava amarrado lá o mesmo diz que não, afirmou estar falando a verdade, afirmou ser a sua assinatura na fl. 17, e ao ser questionado se assina sem ler, o mesmo diz quer que eu faça o que? Ao ser questionado se lhe dessem um documento com outras coisas que não fosse isso que ele falou se ele assinaria? O mesmo diz que sim. Ao ser advertido pelo Promotor sobre o falso testemunho o mesmo entendeu. Afirmou que recebeu um vale equivalente a 10 litros de gasolina só aquele dia que ia descer no interior entregar os vales, entregar uns folhetos parte do irmão dele, eu com ele não tenho nada, afirmou ter recebido dois vales do (Dano Idanir), que era pra colocar no próprio auto. Ao ser questionado se foi vinculado a algum pedido de compra de voto pelo irmão dele, afirma que não, que conhece ele assim, que é PMDB, para arrumar voto, entregar panfleto, mas não vinculado a coisas de compra de voto, você acha que vou me vender por dois vale de compra de gasolina, pelo amor de Deus, não tem nem lógica isso ai. Ao ser questionado sobre se na entrega dos vales veio algum santinho, o mesmo afirma que na hora que eu peguei, ele me deu isso aqui para eu entregar no interior ou la em casa, para minha mãe, nos vizinhos se querem votar né, santinho do irmão dele do Argeu Rodrigues. Não viu policiais civis no dia, diz que foi abordado na hora que foi abastecer para descer pro interior o resto não viu, afirma que foi abordado, diz que passou quase como um bandido, porque reviraram minha carteira, meu auto, fizeram oque quiseram lá, diz que foram apreendidos os vales e os santinhos naquela ocasião, diz que foi pressionado, que fala coisa que não tem oque falar. Ao ser questionado se após isso foi procurado pelo Argeu ou o Idanir para falar do processo o mesmo afirmou que não, diz que não tem nada, e que nem vota para o partido dele. Diz que não era simpatizante da candidatura do Argeu, diz que sempre foi do mesmo partido. Questionado porque aceitou os santinhos, o mesmo diz ser amigo do Dano, que o mesmo havia pedido se ele podia ir entregar, e eu disse me da uma gasolina girar na cidade entregar uns folheto né, eu fiz né, eu cai. Ao ser questionado se não tivesse ganhado gasolina se ele entregaria os panfletos, o mesmo diz que se descesse lá pra baixo sim, é uma coisa que quem quiser vota, que era no caminho, que parte era no caminho, Linha Três, Linha Quatro, não só ali. Afirma sem PMDB que todo mundo sabe e ao ser questionado porque estava entregando santinho da oposição, o mesmo afirma porque era amigo do irmão dele, que o mesmo havia pedido, que mesmo que não tivesse ganhado gasolina iria distribuir os panfletos. Ao ser questionado pela defesa se alguma vez o Argeu alguma vantagem em dinheiro, algum presente ou combustível ou algo assim, o mesmo jurou pela mão que não tem nada com ele. Que houve muitas propostas do Argeu para adesivar o carro, e ao ser questionado novamente pela defesa o depoente afirma que não, e que teve proposta de outros candidatos para adesivar, e diz que as propostas eram de pagar de 600,00 até 700,00 pila pra adesivar, mas meu auto não estava adesivado, não gosto, diz que não aceitou. Ao ser questionado pela Juíza quem ofereceu o mesmo disse ser o Pinguela, que não sabia o nome dele, e que o partido era PMDB, que mais alguns, mas que ele não ia adesivar o carro para ficar aparecendo, porque que ia vender o voto por 600,00 pila. Diz que os locais que iria percorrer para entregar os santinhos era no interior, Linha Quatro, Linha Três, nos parente.

Compreendo que a prova reunida aos autos é suficiente a amparar a configuração tanto da captação ilícita de sufrágio quanto do abuso de poder econômico, razão pela qual respeitosamente discordo da posição da ilustre magistrada sentenciante, que concluiu que a prova material (vales-combustível, cópia dos santinhos e pedido de compra de combustível em nome do irmão do réu) é insuficiente “para fornecer suporte à medida tão grave que é a cassação de um vereador eleito” (fl. 147).

Contraponho-me, de igual modo, e com a mesma mesura à conclusão da nobre julgadora, ao entendimento de que “o depoimento de Rogério Bernardelli é confuso, havendo alteração de versão em Juízo. Não é forte o suficiente para embasar a procedência da representação”; e de que “somente ele (Rogério) teria recebido o vale, mas nem chegou a abastecer o veículo pois o frentista se negou a fornecer” (fl. 147).

Ao contrário, o conjunto probatório é robusto, coerente, e demonstra a prática sub-reptícia de compra de votos por meio de troca por combustível. 

O esquema era travestido de auxílio para distribuição de propaganda eleitoral do candidato, visto que havia santinhos do candidato ARGEU RODRIGUES no interior do veículo do eleitor ROGÉRIO, os quais foram apreendidos.

No momento da apreensão, ROGÉRIO tentava justamente abastecer seu veículo utilizando dois vales recebidos de IDANIR (DANO) RODRIGUES, irmão do candidato ARGEU RODRIGUES. Tais fatos foram comprovados pela prova material apreendida (vales e santinhos), assim como pelo testemunho do próprio ROGÉRIO. 

Contudo, ROGÉRIO afirmou que não recebeu os vales em troca do seu voto, pois sequer apoiou a candidatura de ARGEU RODRIGUES, candidato pelo PRB, visto que é e sempre foi simpatizante do PMDB.

Entretanto, sob minha ótica, tal circunstância – de que ROGÉRIO não teria sido adepto ou simpatizante da candidatura de ARGEU – reforça ainda mais a convicção da prática do ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

É importante ressaltar que a situação foge completamente do senso comum, do ordinário; ainda mais se levarmos em conta a declaração da testemunha ROGÉRIO no sentido de que sequer era simpatizante da candidatura de ARGEU.

Ora, o cidadão recebe do irmão de candidato a vereador dois vales para trocar por combustível, acompanhados de santinhos do candidato, e pensa que nada de anormal existe em tal situação? E recebe tais vantagens mesmo não sendo simpatizante do aludido candidato? Essa situação pode ser até corriqueira, comum, mas apenas dentro de um cenário de ilegalidade.

No panorama de relações pautadas pela ética, pela reverência ao espírito democrático, pelo respeito à lei, não se admite que um indivíduo, irmão de candidato, ofereça vales-combustível a outro e que este simplesmente os aceite sem que haja nenhum interesse nisso. Ainda mais quando tal oferta é acompanhada de santinhos do candidato. Isso não ocorre em situações normais e é muito importante ter-se isso em mente. Isso não é, nem pode, ser tido como normal.

Lembro que a captação ilícita de sufrágio se perfectibiliza com a simples oferta, não sendo, por razões óbvias, necessária a comprovação de que o eleitor a aceite, ou, mais, que efetivamente vote no candidato corruptor. E digo isso por razões óbvias, porque no nosso sistema, como é de conhecimento de todos, o voto é secreto. Para a defesa da legitimidade do processo eleitoral, é necessário que o eleitor tenha o seu direito de sufrágio resguardado pelo invólucro do sigilo, razão pela qual não se pode exigir, seja para a configuração da captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, seja para a realização do tipo penal disposto no art. 299 do Código Eleitoral, a comprovação inequívoca de que o eleitor tenha de fato votado no corruptor. Referida exigência tornaria impossível a constatação da ocorrência do ilícito, até porque tal informação fica adstrita ao aspecto subjetivo do eleitor, ao conteúdo imaterial da sua mente, no campo de seus pensamentos. Portanto, aquele eleitor que eventualmente ocupe a posição de corruptor/corrompido, aceitando oferta de dádiva em troca de seu voto, pode fazê-lo em relação a um ou até a vários candidatos, pois nenhum desses terá a certeza de que o eleitor cumprirá com sua promessa.

Portanto, eminentes colegas, o senso comum não nos permite chegar a conclusão de que é normal um cidadão receber vales-combustível e santinhos do irmão de um candidato e, efetivamente, tentar trocá-los no posto de gasolina, sem que isso tenha qualquer interesse eleitoreiro.

Ninguém sai por aí, seja em período eleitoral, seja fora deste, distribuindo vales-combustível de forma desinteressada. E, por outro lado, ninguém aceita benesse dessa natureza sem desconfiar do interesse escuso por trás da oferta, ou quando menos, não deveria aceitar.

Nunca é demais registrar que o fato se deu em pleno período eleitoral, de forma que a compra dos 500 litros de gasolina realizada por IDANIR RODRIGUES em 22 de setembro de 2016, a apreensão dos vales, propagandas e planilhas, e o flagrante do eleitor ROGÉRIO foram realizados em 30 de setembro de 2016, tudo às vésperas das eleições de 02 de outubro.

Mais: DIEGO GIROTTO, gerente comercial do Posto Oliveira, em seu depoimento em juízo informou que outros “clientes” também solicitaram venda por meio de vales-combustível (CD de fl. 113). Ao ser questionado se “O fato de o cliente pedir pra você em vez de botar que vale dez litros e botar uma figura de um bicho assim, você não desconfiou que isso era pra camuflar o vale?”, Diego respondeu: “Na verdade sim desconfiar eu posso até ter desconfiado, mas eu tava só querendo vender o combustível...eu não pedi pro cliente o que ele ia fazer com o combustível”.

Cumpre registrar que a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 não exige a participação direta do candidato. A prática pode se dar de forma indireta, caracterizada pela simples anuência, como ocorreu no presente caso.

As circunstâncias foram bem abordadas pelo Ministério Público Eleitoral de piso, razão pela qual transcrevo os argumentos do Parquet, adotando-os também como razões de decidir:

Ainda, ficou amplamente comprovada a captação ilícita de sufrágio feita em benefício do representado, em com seu consentimento (já que era em seu benefício), por seu irmão Idanir Rodrigues. (...) Ora, se o intuito de Idanir Rodrigues era apenas adquirir litros de gasolina, não teria solicitado expressamente ao gerente do Posto Oliveira, Sr. Diego Girotto, que colocasse tickets em forma de “bichinhos”, e não a quantidade de litros que cada ticket dava direito. Tal conduta demonstra claramente a má-fé dos captadores, pois obviamente as imagens de “bichinhos” nos tickets foi utilizado como forma de ludibriar a justiça, caso alguma apreensão fosse realizada. Porém não é somente isso, fosse lícita a conduta de Idanir Antônio Rodrigues porque ele teria negado que seu apelido era “Dano”, quando depôs na polícia (fl. 18)? Assim agiu porque Rogério Bernardelli disse que recebeu a gasolina da pessoa conhecida por “Dano” (fl. 17). Desta forma, sabendo que praticou conduta ilícita, Idanir Rodrigues negou que seu apelido fosse “Dano”. Ademais, no mesmo depoimento, Idanir Rodrigues afirmou que não conhecia os “vales apreendidos”, (fl. 18). Data vênia, fosse lícita sua conduta, absolutamente desnecessário era o mesmo não querer se vincular aos referidos. A sua postura, evitando vinculação com os vales com desenho de gatos, demonstra que os mesmos foram utilizados para fins eleitorais ilícitos.

Portanto, a distribuição de combustível, ainda que realizada de forma indireta pelo candidato, durante o período eleitoral, demonstra o dolo específico de obter o voto do eleitor, configurando o ilícito do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

E nesse sentido aponta a consolidada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Vejamos:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. CARREATA. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO DESTINATÁRIO. PEDIDO IMPLÍCITO DE VOTOS. ILÍCITO CONFIGURADO. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

2. A mera doação de combustível a eleitores correligionários e cabos eleitorais para participação em carreata, a princípio, não caracteriza a captação ilícita de sufrágio, (REspe nº 409-20/PI, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 27.11.2012 e AgR-RCED nº 726/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 3.11.2009).

3. In casu, o Tribunal de origem assentou que a distribuição de combustível deu-se de forma indiscriminada, isto é, a entrega ocorreu em benefício de qualquer eleitor, independentemente se participante de carreata ou não.

4. A entrega irrestrita de combustível a qualquer destinatário subverte a ratio essendi da construção jurisprudencial que admite a distribuição de combustível a apoiadores voluntários para a participação em carreatas. Assim, a doação de combustível, quando realizada indiscriminadamente a eleitores, evidencia, ainda que implicitamente, o fim de captar-lhes o voto, caracterizando o ilícito eleitoral descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

5. No caso vertente, houve entrega de combustível indiretamente pelos candidatos, durante o período eleitoral, de forma indiscriminada, o que revela o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor. Portanto, restam evidentes na espécie os elementos indispensáveis à configuração do ilícito eleitoral previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.

6. Recurso especial desprovido. 

(REE n. 35573, Acórdão de 06.9.2016, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 209, Data 31.10.2016, Página 7.) 

Em relação ao abuso de poder econômico, entendo que, de igual modo, restou comprovado. 

Em consulta aos dados de prestação de contas disponíveis no site divulgacandcontas.tse.jus.br, vinculado ao TSE, verifica-se que o requerido declarou ter gasto R$2.340,00 em sua campanha eleitoral. 

Desse total, 81% foram gastos com a compra de combustível destinado a angariar votos e apoio político de forma ilícita (500 litros de gasolina, no valor de R$1.900,00), tal como já referido anteriormente.

Assim, caracterizado está o abuso do poder econômico, haja vista o alto índice do percentual de gastos ilícitos frente ao total de recursos utilizados da campanha. Tal conduta comprometeu a normalidade e a legitimidade das eleições, trazendo desequilíbrio à disputa, uma vez que o candidato, ao distribuir combustível, vulnerou a livre vontade do eleitor.

Registro que os atos de abuso devem apresentar aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral, sendo desnecessário, todavia, a certeza de que o resultado do pleito tenha sido diretamente por eles afetado.

Situação similar foi julgada por este Tribunal nos autos da AIJE n. 480-19.2016.6.21.0100, em que a vereadora eleita em Tapejara VERA LÚCIA LUCION foi condenada por abuso de poder econômico em virtude de esquema de doação de combustível para eleitores que adesivassem seus veículos em sinal de apoio à candidatura desta. A vereadora teve seu diploma cassado, foi declarada inelegível pelo prazo de 08 (oito) anos a contar da eleição de 2016 e condenada ao pagamento de multa no valor equivalente a 5.000 UFIR.

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART 41-A DA LEI N. 9.504/97. VEREADORA. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADAS. INVERSÃO DO SILOGISMO. NÃO APRECIAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS. AUSÊNCIA DE OITIVA DA REPRESENTADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENÇA “ULTRA PETITA”. MÉRITO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS A ELEITORES. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA DA COMPRA DE VOTOS. MULTA AFASTADA. RECONHECIDO O ABUSO DE PODER. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Questões preliminares. 1.1. Sentença regularmente fundamentada com uso de técnica de redação consistente na inversão do silogismo. Prática não desobediente ao art. 93, inc. IX, da Constituição Federal. 1.2. Observado o respeito à garantia do devido processo legal. 1.3. O demandado, nos feitos de natureza eleitoral, deve se defender dos fatos a ele imputados, não se restringindo à capitulação legal indicada na petição inicial. Não configurada, assim, a ocorrência de sentença “ultra petita” por extrapolação das penas requeridas na demanda. Prefaciais de nulidades afastadas.

2. Captação ilícita de sufrágio. A incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 exige, ao menos, três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: a) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); b) a existência de uma pessoa física (eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

3. Abuso do poder econômico. O “caput” do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 busca impedir que o poder econômico seja utilizado por candidato em detrimento da liberdade do voto, preservando os princípios da moralidade e da igualdade a que têm direito os postulantes a cargo eletivo na corrida eleitoral.

4. Matéria fática: esquema de distribuição de combustível a eleitores. Não comprovada a ocorrência da captação ilícita de sufrágio, pois não caracterizada a negociação de votos mediante os atos praticados; evidenciado, no entanto, o abuso de poder econômico no sistema irregular de distribuição de vale combustível em benefício da candidata ao cargo de vereador. Recebimento de dez litros de gasolina pelo eleitor que colocasse adesivo da candidatura da recorrente e se dirigisse ao posto participante da atuação ilícita. Conjunto probatório formado por testemunhas, lista de placas de veículos, planinha de cadastro de distribuição do combustível, cópias dos adesivos e notas fiscais do comércio com referência às quantidades envolvidas na entrega. Reforma da sentença para absolver da condenação pela prática do art. 41-A da Lei das Eleições, afastando a multa aplicada. Mantido o reconhecimento do abuso de poder econômico, com a consequente penalidade de cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade.

Parcial provimento.

(TRE-RS – RE n. 480-19.2016.6.21.0100 – Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy – Julgado na Sessão de 12.12.2017.)

Desse modo, pelas razões acima expostas, entendo configurado o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio, razão pela qual passo ao exame das sanções cabíveis à espécie.

 

Das sanções

Em relação às sanções previstas ante o reconhecimento da prática de captação ilícita de sufrágio, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

Por sua vez, o art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90 e o art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988 trazem as seguintes disposições quanto ao abuso de poder:

LC 64/90

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997)

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

CF/1988

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

 

Desse modo, o reconhecimento da prática de captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder econômico por ARGEU RODRIGUES impõe a aplicação das penalidades de cassação do diploma, inelegibilidade e multa.

Em relação à sanção de inelegibilidade, deve se dar para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou o ilícito, conforme prevê o inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Assim, tendo em vista que o pleito no qual se deu o ilícito ocorreu no dia 02.10.2016, a inelegibilidade subsistirá até o dia 02.10.2024.

Tangente à aplicação da multa, em virtude da gravidade das circunstâncias, bem como do valor utilizado para a prática do ilícito (R$1.900,00), tenho por afastá-la do grau mínimo previsto no caput do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, aplicando-a no montante de R$5.000,00. Entendo que tal patamar mostra-se proporcional e razoável, visto que a previsão legal estabelece que a multa deve ser de mil a cinquenta mil UFIR.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, aplicando as seguintes sanções a ARGEU RODRIGUES:

a) pagamento de multa de R$5.000,00, nos termos do previsto no caput do art. 41-A da Lei n. 9.504/97;

b) cassação do diploma, sanção prevista no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; 

c) declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, por abuso de poder econômico;

Após transcorrido o prazo para eventuais embargos de declaração e o seu respectivo julgamento, comunique-se ao Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências pertinentes à cassação do diploma.

É como voto, senhor Presidente.

 

(Pedido de vista da Desa. Marilene Bonzanini. Demais julgadores aguardam. Julgamento suspenso.)