RE - 10486 - Sessão: 19/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON, candidata ao cargo de Prefeito do Município de Gravataí, contra a sentença (fl. 135-v.) que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em virtude da emissão de cheques sem provisão de fundos e da ausência de assunção, pelo órgão nacional de direção partidária, da dívida de campanha, no importe de R$ 185.624,10.

Em suas razões, a candidata argumenta não ter se manifestado, na origem, a respeito da irregularidade em razão de falha na atualização do sistema “push”. Informa a intenção do diretório nacional em assumir a dívida de campanha e justifica que o ajuste não foi entabulado em decorrência de viagem do presidente do referido órgão partidário. Requer seja oportunizada a juntada posterior da documentação. Postula a reforma da decisão. Junta documentos (fls. 140-145).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento dos documentos juntados com o recurso. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do apelo (fls. 153-156v.).

É o relatório.

 

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, destaco que a preliminar relativa ao não conhecimento dos novos documentos apresentados pela recorrente comporta rejeição.

No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal, sempre com ressalvas apresentadas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, tem concluído, em casos excepcionais, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente o exame da contabilidade, de forma a prestigiar a conclusão pela retidão na aplicação de recursos e realização de despesas.

Assim, rejeito a preliminar e conheço dos novos documentos juntados com a peça recursal.

No mérito, as contas de campanha foram desaprovadas na origem em face da emissão de cheques sem provisão de fundos e da ausência de assunção, pelo órgão nacional de direção partidária, da dívida de campanha, no importe de R$ 185.624,10.

Ressalto que as irregularidades ensejadoras da desaprovação das contas serão apreciadas de forma conjunta, uma vez que os cheques devolvidos pela ausência de provisão de fundos espelham as correspondentes despesas que não foram adimplidas, integrando a dívida de campanha.

Em defesa, a recorrente argumenta não ter se manifestado a respeito da análise técnica em razão de falha na atualização do sistema “push”.

Ocorre que, consoante se observa da publicação da nota expediente no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral (fl. 123), a procuradora habilitada nos autos foi devidamente cadastrada, do que se extrai a perfeita regularidade da comunicação processual. Por isso, preclusa a oportunidade para manifestação, não merece reparo a decisão que, na origem, indeferiu o pedido de concessão de prazo.

Além disso, a candidata alega a intenção do diretório nacional em assumir a dívida de campanha e justifica que o ajuste não foi entabulado em razão de viagem do presidente do órgão partidário. Diante disso, postula seja oportunizada a apresentação da documentação pertinente.

A respeito do tema, o art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15 estabelece que a quitação de despesas de candidato não adimplidas até o prazo de apresentação das contas exige a assunção da dívida pelo partido político, por meio de decisão do órgão nacional de direção partidária.

Reproduzo o dispositivo:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil, idôneo ou por outro meio de prova permitido, emitido na data da realização da despesa.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º. (Grifei.)

Na situação dos autos, a minuta do ajuste apresentada com o apelo não atende à determinação regulamentar, seja por não ter sido perfectibilizado o ato, seja pela falta de anuência dos credores e do cronograma de pagamento e quitação. Ademais, considero totalmente descabida a pretensão de concessão de prazo para a apresentação da documentação em grau recursal, uma vez que a providência deveria ter sido adotada ao tempo da apresentação das contas, sendo injustificável a desídia da recorrente no particular.

Salienta-se que a determinação de assunção de dívida por decisão do órgão nacional reflete a norma inserta no art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 29. Ao receber as prestações de contas e demais informações dos candidatos às eleições majoritárias e dos candidatos às eleições proporcionais que optarem por prestar contas por seu intermédio, os comitês deverão:

[...]

§ 3º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político, por decisão do seu órgão nacional de direção partidária.

§ 4º No caso do disposto no § 3º, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas.

Especificamente sobre a aplicação do art. 29, § 4º, da Lei das Eleições aos pleitos municipais, é clara a doutrina de Elmana Viana Lucena Esmeraldo (Manual de contas eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 95):

Nesse caso, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral (Diretório ou Comissão Provisória Municipal nas Eleições Municipais) passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas (Lei nº 9.504/97, art. 29, §4º).

Observe que, em eleições municipais, quem assume a responsabilidade pelo débito é o órgão de direção municipal, mas quem decide sobre a assunção do débito é o diretório nacional partido.

A regra é de extrema relevância para a fiscalização da arrecadação do recurso que será utilizado para o custeio da despesa mesmo após as eleições, notadamente o pleno adimplemento da obrigação e a eventual utilização de fontes de recursos proscritas em campanhas eleitorais.

Importa frisar que a irregularidade envolve quantia elevada (R$ 185.625,10), que representa 54,29% do total de despesas da campanha (R$ 341.875,10), não sendo possível afastar o juízo de desaprovação das contas mediante a aplicação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Nesse sentido, colho recente precedente de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO A VEREADOR. DÍVIDAS DE CAMPANHA. APRESENTAÇÃO DE RELATÓRIO COM ORIGEM DE RECURSOS, CRONOGRAMA DE PAGAMENTO E ANUÊNCIA DE CREDORES. INSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DE ASSUNÇÃO DA DÍVIDA PELO ÓRGÃO NACIONAL DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. ART. 27, § 3º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. MONTANTE QUE IMPOSSIBILITA A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016.

1. A teor do art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, as despesas de campanha de candidato não adimplidas até o prazo de apresentação das contas exigem a assunção da dívida pelo partido político, por meio de decisão do órgão nacional de direção partidária.

2. Na espécie, o candidato apresentou acordo assumido com os credores, constando a origem e o valor da obrigação assumida, o cronograma de pagamento e a indicação da fonte dos recursos utilizados para a quitação do débito. Contudo, não foi observada a formalidade intransponível de assunção da dívida pelo diretório nacional, razão pela qual a prestação de contas deve ser reprovada.

3. A irregularidade envolve quantia que representa 47,08% do total de despesas da campanha, do que decorre a inviabilidade de aplicação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de afastar o apontamento da mácula às presentes contas. 4. Manutenção da sentença. Contas desaprovadas. Provimento negado.

(TRE-RS - RE n. 46379 São Vendelino - RS, Relator Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 08.11.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 202, Data 10.11.2017, Página 8.)

Dessarte, a reprovação das contas reflete a inobservância do preceito da transparência, que deve nortear tanto a gestão de recursos na campanha quanto a elaboração final das contas, em prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

 

Logo, a sentença deve ser mantida na sua integralidade.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a desaprovação das contas de ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON relativas às eleições municipais de 2016.