RE - 875 - Sessão: 09/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de DILERMANDO DE AGUIAR em face da sentença que desaprovou suas contas, referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de valores oriundos de detentores de cargos demissíveis ad nutum da Administração Pública, e determinou a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 5 meses, bem como o recolhimento de R$9.841,00 ao Tesouro Nacional (fls. 129-133v.).

Em suas razões, a agremiação pugna pelo recebimento do apelo no efeito suspensivo. Sustenta que os doadores são filiados ao partido político e que as contribuições decorrem de norma interna da agremiação. Alega a inconstitucionalidade da expressão “autoridade” prevista no inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95. Pugna pela suspensão do processo até o julgamento da ADI n. 5.494 pelo STF. Afirma que a Lei n. 13.488/17 deve ser aplicada retroativamente por representar disposição mais benéfica. Ao final, requer o provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas (fls. 139-142).

Nesta instância a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 150-157).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Passo ao exame das preliminares suscitadas.

Do recebimento de recurso no efeito suspensivo

Em relação ao pedido de recebimento do recurso no duplo efeito, destaco que o art. 60, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15 prevê a aplicação de penalidades apenas após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas.

Assim, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença em questão não gera qualquer restrição à esfera jurídica do partido, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse jurídico no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso.

Com essas considerações, não conheço do pedido preliminar.

Da inconstitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95

O recorrente suscita a preliminar de inconstitucionalidade do termo “autoridade” posto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original, protestando, subsidiariamente, pela suspensão do processo até o julgamento da ADIN n. 5.494-DF.

Conforme destacado nas razões de apelo, tramita no e. STF a ADIN n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República (PR), em face da expressão “autoridade”, contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. O acompanhamento processual do feito revela que, dada a relevância da matéria suscitada, o relator Ministro Luiz Fux entendeu por submeter o pedido de medida cautelar diretamente ao Tribunal, visando ao julgamento definitivo da matéria para o qual ainda não há sessão de julgamento aprazada.

Vê-se, portanto, que não há decisão cautelar em controle objetivo de constitucionalidade ou outra espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema. Desse modo, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

Ademais, a hipótese concreta não se emoldura a nenhuma previsão legal de suspensão ou afetação de processo até o pronunciamento das instâncias superiores, razão pela qual o feito deve prosseguir, inclusive em prestígio aos princípios da efetividade processual e da razoável duração dos processos.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não vislumbro indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

No âmbito do TSE, ao ponderar sobre o elemento finalístico da norma em comento, em resposta à Consulta n. 1428, o Ministro Cezar Peluso, relator, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

 

Com efeito, a vedação não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Desse modo, afasto a alegação de inconstitucionalidade e indefiro o requerimento de suspensão do processo.

Da aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17

Em derradeira prefacial, tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; RE n. 14-97, Relator Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

 

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC n. 96183/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador.

Dessarte, afasto a prefacial de retroatividade das disposições da Lei n. 13.488/17.

Do mérito

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente no exercício financeiro em questão, vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

No conceito de autoridade pública referido na norma, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, alhures mencionada, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. José Augusto Delgado, Relator designado Min. Antonio Cesar Peluso, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Tal entendimento foi, inclusive, solidificado na Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado nestes autos:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas;

(…)

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…) (Grifei.)

No caso dos autos, confrontando o Demonstrativo de Doações Recebidas, apresentado pelo recorrente (fls. 24-26), com a tabela de detalhamento de contribuições oriundas de fonte vedada, elaborada pela unidade técnica (fls. 97-101), é possível constatar o exercício das seguintes funções pelos doadores no período em questão:

- Alex Gonçalves Lahutte, Secretário de Obras;

- Alexandre da Costa Proença, Secretário da Agricultura;

- Celita da Silva, Secretária de Educação;

- Claudio Luiz Rubenich Flores, Secretário de Saúde;

- Francisco José Maciel Junior, Diretor da Fazenda;

- Humberto Luiz Paiz Machado, Procurador Jurídico;

- Jaime Wagner Duarte, Chefe de Gabinete do Prefeito;

- Janio Osvaldo Pereira de Oliveira, Diretor de Agricultura e Meio Ambiente;

- Maria Aparecida Menezes de Oliveira, Diretora Administrativa da UBS São José da Porteirinha;

- Marlize Flores Ziegler, Diretor de Projetos;

- Marta Eliane Mello da Silva, Diretor Secretaria;

- Ricardo da Rosa Nogueira, Diretor de Logística;

- Ronoel Pires dos Santos, Diretor de Cultura, Turismo, Desporto e Lazer;

- Rubem Antunes Brasil, Secretário de Educação;

- Virginia Mello Schmidt, Diretora Pedagógica;

- Viviane Leal, Diretora Administrativa.

O acervo probatório torna inequívoco o fato de que os doadores ocupavam funções de chefia ou direção à época em que realizadas as contribuições, em violação ao disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 - na redação vigente no exercício de 2015 - e ao art. 12, inc. VII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Cabe ainda afastar a alegação do recorrente no sentido de que a contribuição está prevista no estatuto da agremiação. Isso porque o fato de haver imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Dessa forma, o somatório das doações, no valor de R$9.841,00, porque originário de fonte vedada, deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Por fim, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de 1 ano na sentença, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, aplicando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

No mesmo sentido, destaco o seguinte precedente do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator(a) Min. José de Castro Meitra, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.) (Grifei.)

 

No caso dos autos, o valor recebido de fonte vedada representa 63,31% dos recursos financeiros arrecadados pelo Diretório Municipal em 2015 (R$15.543,78). Ademais, relevante consideração que, apesar do recebimento de valores de fonte vedada, a agremiação prestou os esclarecimentos necessários à identificação da origem e destino dos recursos.

Dessa forma, entendo proporcional a readequação da penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para o período de 04 meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo afastamento da matéria preliminar e pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 04 meses, mantidos os demais termos da sentença.

É como voto, senhor Presidente.