E.Dcl. - 4475 - Sessão: 09/04/2018 às 18:00

RELATÓRIO

SPE – INCORPORADORA PADOVA LTDA. opôs embargos de declaração contra o acórdão desta Corte, que negou provimento ao recurso por ela interposto contra a sentença que havia julgado procedente representação por doação acima do limite legal, impondo-lhe a penalidade de multa no valor de R$ 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos reais), com fundamento no art. 81, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97.

Sustentou que o acórdão incorreu em contradição ao aplicar os princípios do tempus regit actum e da irretroatividade de lei mais prejudicial à parte, assim como em omissão ao deixar de enfrentar a tese de que a sentença condenatória não poderia ter sido proferida após a alteração legislativa introduzida pela Lei n. 13.165/15 no ordenamento jurídico-eleitoral. Postulou o provimento dos embargos, com atribuição de efeitos modificativos, para que seja afastado o referido sancionamento.

Após, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade Recursal

Os aclaratórios foram opostos tempestivamente, pois o acórdão foi publicado no DEJERS no dia 14.3.2018, quarta-feira (fl. 208), e a petição recursal protocolizada em 19.3.2018, segunda-feira (fls. 210), obedecendo-se o prazo de três dias previsto no art. 275, § 1º, do Código Eleitoral.

Preenchidos, também, os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

No mérito, a embargante aduziu existir contradição no acórdão, uma vez que o princípio tempus regit actum, adotado como fundamento central de julgamento – em virtude da qual se decidiu pela incidência do art. 81, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97 (com a redação vigente ao tempo da doação), bem como pela imposição de penalidade de multa equivalente a R$ 37.500,00 –, não poderia conviver validamente com o princípio da irretroatividade de normas mais gravosas, porque a Lei n. 13.165/15 teria introduzido um regime jurídico mais benéfico no tocante às doações efetuadas por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, ao vedá-las sem estabelecer o sancionamento respectivo.

Contudo, a alegada contradição traduz, em verdade, o inconformismo da parte com relação à linha interpretativa que vem sendo seguida por este Tribunal em representações análogas, a qual se encontra delineada no seguinte trecho do acórdão a seguir transcrito (fls. 200-201v.):

(...)

Preliminar de Impossibilidade de Condenação após a Revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97

Segundo defende a recorrente, a Lei n. 13.165/15 suprimiu, do ordenamento jurídico-eleitoral, a norma punitiva dirigida às pessoas jurídicas que constava do art. 81 da Lei n. 9.504/97, de modo que a incidência desse dispositivo legal, no caso dos autos, implicaria verdadeira ultratividade de norma sancionadora, efeito que, dentro da principiologia da hermenêutica jurídica, somente poderia ser admitido se tivesse havido o agravamento da penalidade imposta ao ilícito eleitoral.

Todavia, no âmbito deste Tribunal, vigora o entendimento de que, não obstante a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97 pelo art. 15 da Lei n. 13.165/15, as alterações introduzidas por esta lei não têm aplicação retroativa para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, com fundamento nos princípios da irretroatividade das normas, do tempus regit actum, da segurança jurídica, da certeza e da estabilidade do ordenamento jurídico.

O acórdão paradigmático proferido no RE n. 31-80, de relatoria do Des. Paulo Roberto Lessa Franz, julgado em 08.10.2015, recebeu a seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado.

(Grifei.)

Essa interpretação vem sendo mantida na jurisprudência desta Corte, como ilustram os seguintes arestos:

Recurso. Representação. Doação de recursos acima do limite legal. Pessoa jurídica. Exceção de pré-executividade.

Condenação ao pagamento de multa com sentença já transitada em julgado. Interposição contra decisão interlocutória que rejeitou a exceção de pré-executividade.

1. A cobrança de multa, salvo no caso das condenações criminais, será feita por ação executiva na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, tramitando perante os juízos eleitorais, nos termos do art. 367, inc. IV, do Código Eleitoral. Observância dos preceitos contidos na Lei n. 6.830/80 e no Código de Processo Civil, este último aplicável naquilo que a Lei de Execução Fiscal for omissa.

2. Teses trazidas pelo recorrente já analisadas em momento anterior, não havendo como se cogitar da relativização da coisa julgada. Aplicação da lei da época dos fatos, com a redação então vigente do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

3. Inadequação procedimental. Utilização de recurso eleitoral quando o adequado seria o agravo de instrumento. Inaplicável ao caso o princípio da fungibilidade recursal.

Não conhecimento.

(TRE-RS, RE n. 14-87, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez, julgado na sessão de 09.03.2017.) (Grifei.)

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81 da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

As alterações introduzidas pela Lei n.13.165/15, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Ultrapassados os limites impostos, que restringem a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência de sanção eleitoral. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação do permissivo legal.

Provimento parcial. 

(TRE-RS, RE n. 33-23, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado na sessão de 12.12.2016.)

(Grifei.)

Ademais, no julgamento da ADI n. 4650 (Relator Min. Luiz Fux, julgado na sessão de 17.9.2015), o STF declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, assentando que os efeitos dessa decisão somente seriam aplicáveis às eleições de 2016 e seguintes, não atingindo os pleitos anteriormente realizados, parâmetro judicial que foi adotado por esta Corte no enfrentamento de casos concretos dessa natureza.

No que concerne à alegada ultratividade da norma sancionatória do art. 81 da Lei n. 9.504/97 em prejuízo da parte, reporto-me ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral para afastar a pretensão anulatória da recorrente (fls. 181v.-182):

Em que pese a declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97, em virtude da necessidade de salvaguardar-se o ato jurídico perfeito, as doações realizadas sob sua égide devem ser consideradas lícitas, desde que obedecido o limite legal.

Por outro lado, não há razão para deixar-se de penalizar as pessoas jurídicas que realizaram doações em desacordo com o parâmetro então vigente. Se antes se proibiam as doações feitas acima do limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, agora se proíbe doação feita por pessoa jurídica em qualquer valor. Ou seja, a conduta de quem efetuou a doação em desacordo com o critério então vigente não deixou de ser contrária ao ordenamento jurídico, longe disso, continua a ser proibida por ele, agora de modo absoluto. Em outras palavras, não haveria se cogitar na retroatividade da norma mais benéfica, porque a norma que atualmente vige é seguramente mais prejudicial, na medida em que não propicia qualquer doação.

(Grifei.)

Por essas razões, igualmente afasto esta preliminar.

(...)

Como referido no acórdão impugnado, a declaração de inconstitucionalidade do art. 81, caput e § 1º, da Lei n. 9.504/97 pela Suprema Corte, com efeitos a partir das eleições de 2016, e a própria alteração introduzida pela Lei n. 13.165/15 implicaram um maior rigor no controle das ingerências indevidas do poder econômico sobre o processo eleitoral, passando a considerar absolutamente inadmissíveis as doações efetuadas por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, e não apenas aquelas doações que, sob a égide do regime anterior, ultrapassavam determinado patamar de faturamento e, por consequência, ensejavam o correspondente sancionamento.

Dessa forma, o inequívoco agravamento do regime jurídico disciplinador das doações desse gênero, sob o prisma do bem jurídico tutelado, torna de todo inaceitável a tese de retroatividade de situação jurídica mais favorável, com amparo no regramento instaurado pela Lei n. 13.165/15.

Por certo, como afirma a embargante, o princípio da aplicação retroativa de lei posterior mais benéfica constitui primado do direito sancionatório, com previsão constitucional expressa na seara criminal (art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal).

Entretanto, a aplicação desse princípio a fatos pendentes de julgamento, praticados durante a vigência de lei anterior mais rigorosa, é reservada às hipóteses nas quais o ordenamento jurídico deixa de reputar determinada conduta ofensiva ao bem protegido, ou passa a considerá-la menos gravosa ou relevante, reduzindo, por conseguinte, a penalidade imposta.

Por decorrência lógico-conceitual, o princípio em tela não tem aplicabilidade quando, a exemplo do que ocorre nos autos, a alteração do ordenamento jurídico confere maior gravidade à conduta lesiva praticada contra o bem tutelado, proibindo-a de forma peremptória na ordem social, ainda que deixe de estabelecer sanções para o descumprimento da norma proibitiva. Nessas circunstâncias, a lei posterior mais gravosa não retroage para alcançar relações jurídicas pretéritas, justamente para preservar a segurança das partes interessadas e a estabilidade do sistema normativo.

Logo, eventuais questionamentos acerca da imposição de penalidade às pessoas jurídicas que transgredirem o comando normativo proibitivo das doações às campanhas eleitorais, inaugurado pela Lei n. 13.165/15, não atingem a esfera jurídica da embargante, que deve se sujeitar ao que dispunha o art. 81, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97, por força do princípio tempus regit actum.

No que concerne à alegada omissão de enfrentamento da tese de que a sentença condenatória não poderia ter sido fundada na norma revogada em questão (art. 81, §§ 1º, da Lei n. 9.504/97), uma vez que as decisões judiciais estariam igualmente sujeitas ao princípio tempus regit actum, as passagens do acórdão acima reproduzidas evidenciam que essa argumentação foi expressamente analisada em capítulo específico do aresto, intitulado “Preliminar de Impossibilidade de Condenação após a Revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97”, não se identificando, por consequência, qualquer omissão a ser sanada por meio do acolhimento dos embargos declaratórios.

De ver, portanto, que o ponto alegadamente contraditório foi decidido com base em orientação jurídica desfavorável à concretização do direito material postulado pela parte no processo, e que não subsiste a suposta omissão, de modo que a pretensão deduzida nos aclaratórios se reveste da tentativa de rediscussão da matéria objeto dos autos, não se amoldando, assim, às hipóteses de cabimento dessa espécie recursal, destinada, conforme disposto no art. 275 do Código Eleitoral, ao afastamento de obscuridade, dúvida, contradição ou omissão identificadas no acórdão.

Nesse sentido, a jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional, como se extrai das ementas dos seguintes arestos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. REDISCUSSÃO DA CAUSA. CONTRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os embargos de declaração são cabíveis apenas para sanar omissão, contradição ou obscuridade no julgado (art. 275 do Código Eleitoral), não sendo meio adequado para veicular inconformismo do embargante com a decisão embargada, que lhe foi desfavorável, com notória pretensão de novo julgamento da causa.

2. A contradição que enseja a oposição dos embargos declaratórios é aquela verificada entre a fundamentação do julgado e sua conclusão. Na espécie, embora tenham sido opostos os embargos com fundamento no art. 275, I, do Código Eleitoral contradição no julgado, o embargante não cuidou de demonstrar sua ocorrência, o que consubstancia ausência de fundamentação, apta a atrair, por analogia, a incidência do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. Embargos de declaração rejeitados.

(AI n. 198-15, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, DJE de 30.6.2015, pp. 70-71.)

 

Embargos de declaração. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Omissão e contradição. Art. 275, inc. II, do Código Eleitoral. Ausentes os vícios para o manejo dos aclaratórios. Inexistente omissão ou contradição a ser sanada. Decisão devidamente fundamentada, na qual debatidos os pontos trazidos pelo embargante.

Tentativa de rediscussão da matéria já apreciada, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. 301-12.2016.6.21.0092 – Rel. DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – J. Sessão de 11.5.2017.)

É desnecessário, enfim, que o órgão julgador justifique, explicitamente, as razões de não ter utilizado legislação ou entendimento diversos para a solução da lide, bastando que aborde os elementos essenciais e definitivos para a solução da causa de forma lógica e clara, expressando coerência entre os fundamentos adotados e as conclusões expressas em sua decisão, conforme preconiza o art. 93, inc. IX, Constituição Federal:

Art. 93. (...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; […]

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO por conhecer e acolher parcialmente os embargos declaratórios opostos por SPE – INCORPORADORA PADOVA LTDA., para integrar ao acórdão embargado a fundamentação acima, mantendo, todavia, as conclusões lá indicadas.