RE - 31631 - Sessão: 21/06/2018 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO contra a sentença de fls. 454-461v., proferida pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) (fls. 02-09) movida pelo recorrente em desfavor de ANTONIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER.

Em suas razões (fls. 465-473), afirma o recorrente que foram realizadas contratações com empresa “de fachada” objetivando a obtenção de apoio à eleição dos recorridos. Assevera ter sido desestabilizada a isonomia da disputa eleitoral. Sustenta que o serviço de extensão do calçamento, além de não estar previsto no edital, foi executado com diferença de metragem, restando em dimensão inferior à ajustada. Alega que o endereço da empresa contratada não foi localizado em diligência judicial. Aduz que o aditivo contratual foi de iniciativa da administração municipal, sem modificação do projeto ou de especificações, e em desacordo com os requisitos do art. 65 da Lei n. 8.666/93. Assevera a existência de uso indevido de recursos públicos. Informa que, além de a empresa ter sido reativada apenas por ocasião da contratação, não havia empregado registrado e sede comercial. Transcreve trechos da prova testemunhal coligida. Invoca violação ao disposto no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. Explica que o abuso de poder político foi determinante para o resultado do pleito. Requer a reforma da sentença para que sejam cassados os mandatos dos recorridos e seja declarada a sua inelegibilidade pelo prazo de 08 anos.

Com contrarrazões pelos recorridos (fls. 479-487), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso para que sejam aplicadas as sanções de cassação do diploma, nos termos do art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, decretação de inelegibilidade para eleições que se realizarem nos 08 anos subsequentes, conforme disposto no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 e pagamento de multa no valor de cinco a cem mil UFIR, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97 (fls. 481-488v.).

É o relatório.

 

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

Os recursos são tempestivos.

A sentença foi publicada no DEJERS em 13.12.2017, quarta-feira (fl. 462v.), tendo sido interposto o recurso no dia 18.12.2017 (fl. 465), segunda-feira subsequente, dentro do tríduo legal.

Por conseguinte, por tempestivo, conheço do recurso.

2. Mérito

Tangente ao mérito, o recorrente imputa aos recorridos o cometimento da conduta vedada tipificada no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, precisamente abuso de poder político e de autoridade.

Segundo aduz o recorrente, a contratação de empresa “de fachada” teve como finalidade a obtenção de apoio para a reeleição dos recorridos, desestabilizando a isonomia da disputa eleitoral.

A sentença ora recorrida julgou improcedente a pretensão, ao fundamento de não restarem demonstrados elementos probatórios suficientes para a caracterização da conduta vedada, bem como o abuso de poder político ou de autoridade, sob os seguintes argumentos:

 

(…) Por outro lado, no entender do investigante (e, surpreendentemente, também do MPE), o funcionamento da sede no mesmo endereço residencial dos proprietários, a situação de inatividade em exercícios anteriores ao ano 2016, a ausência de registro de empregados nesses exercícios e a inexistência de registro de contratações anteriores com o Município ou particulares denotariam o ilícito eleitoral. Todavia, como todo o respeito, trata-se de dedução precipitada e embasada unicamente em suposições e conjecturas, porquanto nenhuma das aludidas situações estavam previstas no edital como fatores impeditivos da contratação, não tendo, pois, o condão de impedir a participação da empresa nos processos licitatórios realizados pelo Município de Campo Novo-RS, no ano 2016, tampouco representam óbices a sua habilitação e classificação. E mais, restou demonstrado nos autos que a referida empresa realizou contratos similares com outros municípios da região em semelhante período (Redentora, v.g.).

Ora, o simples fato de uma empresa não possuir sede administrativa e empregados, por si só, não a torna "fantasma", mormente em tempos atuais em que é comum a tercerização de mão-de-obra e a aquisição de materiais de fornecedores diversos, sem a necessidade de estoque. De qualquer forma, embora o imóvel situado na Rua Operária, 655, em Campo Novo-RS (último endereço anotado pela empresa) se encontrasse fechado no momento da diligência cartorária realizada (fl. 191), tal circunstância não afasta a possibilidade de funcionamento da empresa naquele local em outros horários e datas. Aliás, não se tem conhecimento acerca da existência de regramento específico, dispondo sobre a obrigatoriedade de letreiros ou fachadas para identificação da empresa no endereço de sua sede, a meu ver uma prática opcional de marketing.

Como visto, o conjunto probatório mostra-se coeso e convincente, no sentido de evidenciar a higidez dos contratos realizados com a empresa Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda., precedidas dos processos de licitação n. 030/2016 e n. 044/2016, enfraquecendo sobremaneira as aventadas suposições de que a empresa teria sido criada unicamente para angariar apoio político e votos à candidatura dos investigados, o que, com a mais respeitosa vênia, não passa de ilação imaginativa da parte investigante.

Nada obstante, em relação à alteração societária da empresa Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda. ME, promovida em junho/2016, quando se observa o ingresso de Julião (fls. 65/66), é importante frisar que a discussão se mostra inócua e inoportuna. A uma, porque não se tem conhecimento de qualquer óbice legal para o ingresso de Júlio como sócio da empresa, até porque, pertencendo ela a pessoas de mesmo grupo familiar (irmã e esposa), a mudança não se mostra tão significativa, tampouco incomum. A duas, porque a empresa contratada preencheu os requisitos de habilitação aos certames, independentemente dos nomes constantes em seu estatuto social. A três, porque não parece razoável a este juízo perquirir os motivos que levaram à alteração da composição societária da empresa, nem é crível supor que as contratações com o município se efetivaram em razão da participação formal de Júlio, já que, quando da primeira licitação (pavimentação da rua), ele não integrava formalmente o grupo societário. E mais, caso se admitisse que Júlio tivesse pretensões políticas e tencionava realizar negócios espúrios com o Prefeito Sartori, não seria mais prudente omitir seu nome no estatuto da empresa? Ou seja, ele parece ter caminhado exatamente no sentido contrário, sem qualquer cautela.

É razoável convir, também, que, ao demonstrar interesse pela contratação para a realização da obra e dos serviços licitados, inexistia para a empresa qualquer garantia de que venceria o certame, já que outras propostas melhores poderiam ter sido apresentadas, de modo a frustrar, se fosse o caso, supostos pré-ajustes.

No tocante à questão afeta à inatividade da empresa Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda. ME em anos anteriores a 2016, quando realizou a prestação de serviços à municipalidade, importante notar que a empresa foi constituída no ano 2004, e embora não tenha registrado atividades ou faturamentos anteriores a 2016, manteve-se formalmente regular, tanto que foi possível sua habilitação em licitações realizadas em Campo Novo e outros municípios da região no ano 2016. Ou seja, a empresa contava com mais de 12 anos de existência formal, o que de plano afasta a equivocada presunção de que tenha sido criada por oportunismo eleitoral, sendo certo, também, que a inatividade não lhe impedia de, a qualquer momento, passar operar, uma vez que a sociedade não havia sido desconstituída. É, pois, forçoso reconhecer que a conotação eleitoreira atribuída pelo investigante à retomada das atividades da empresa não se sustenta, porquanto, reitera-se, de acordo com as provas coligidas nos autos, tal empresa, no ano da disputa, preencheu os requisitos para habilitação no processo de licitação, apresentou propostas condizentes e cumpriu os contratos pactuados.

Nesse prisma, uma vez que ocorreu a adjudicação e a homologação dos processos licitatórios e foram executados os objetos dos contratos pela empresa, conforme o Contrato n. 048/2016 (fls. 131/134), firmado em 15/04/2016, e o Contrato n. 079/2016 (fls. 93/95), firmado em 15/07/2016, a empresa fez jus aos pagamentos perpetrados por meio das liquidações correspondentes, inclusive, no que diz respeito aos aditivos. Portanto, a vantagem financeira a que se reportou o investigante decorre da própria contraprestação pecuniária paga pelos serviços/obras executadas, inexistindo ilicitude no seu recebimento ou mesmo margem para se cogitar conduta abusiva visando ao favorecimento da candidatura de Julião com repercussão na vitória obtida no pleito pelos investigados.

Impende ressaltar que a questão afeta ao cumprimento dos contratos pactuados entre o Município de Campo Novo-RS e a empresa Comércio de Materiais Zete Ltda. ME restou incontroversa, porquanto em nenhum momento o investigante questionou tais fatos. Ademais, qualquer recalcitrância nesse sentido seria facilmente dizimada, quer seja pelos laudos de vistoria de fls. 99 e 150 e registros fotográficos de fls. 152/156, quer seja pela prova testemunhal, que foi categórica ao confirmar a conclusão dos serviços e obras pela empresa, em fiel observância às licitações catalogadas.

Contudo, em que pesem os argumentos lançados pelo ínclito julgador, entendo que o conjunto probatório aponta em sentido diametralmente oposto.

Consoante demonstrado nos autos, a empresa COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO ZETE LTDA. foi contratada pela Prefeitura Municipal de Campo Novo, mediante pregão presencial, para a construção de calçamento com pedras irregulares, no valor inicial de R$41.600,00 (Contrato n. 048/2016), e para a reforma de uma sala da Escola Municipal Campo Novo, pelo preço total de R$2.228,20 (Contrato n. 079/2016). Posteriormente, sobrevieram aditivos aos contratos (fls. 97 e 104), visando à construção (R$557,05) e à ampliação  (R$7.730,00) de calçamento.

Ainda, por meio das diligências efetuadas, verificou-se que, não obstante a empresa contratada tenha sido constituída no ano de 2004 (fls. 25-27), não houve qualquer atividade nos anos anteriores ao da contratação (fls. 178-182v. e 195-197). Mais: o estabelecimento comercial (uma loja de materiais de construção) não foi localizado no endereço declinado no contrato (fl. 191), tampouco foram identificados empregados registrados no aludido empreendimento, como faz prova o documento da fl. 328. É de indagar-se, assim: Como uma empresa de materiais de construção, não localizada na cidade de Campo Novo, nem pelo teor do contrato social, nem do ponto de vista fático, pode prestar serviços de calçamento e executar obras de reparos em escolas se sequer possui empregados registrados?

Além disso, constatou-se que a sociedade empresária contratada possuía como sócios Julio Cezar da Rosa (o "Julião"), candidato a vereador nas eleições de 2016, e Joana Pretto da Rosa, esposa do referido candidato (fl. 28). Nesse ponto, nos termos do Atestado de Visita Técnica (fl. 87) e do depoimento da testemunha Fernanda Bresolin Vieira (fl. 359v.), antes de integrar formalmente o quadro societário, o candidato, ainda no ano de 2014 - quando a sociedade empresária estava, tecnicamente, "desativada" e sem qualquer movimentação contábil -, representou a empresa em procedimento licitatório mediante procurações outorgadas por sua irmã e por sua esposa.

Em razão desse cenário fático, entendo totalmente comprometida a confiabilidade da pactuação, ainda que, aparentemente, tenha observado o envoltório formal exigido pelo regramento normativo vigente.

Isso porque a existência dos elementos mínimos de organização de uma atividade econômica é requisito essencial para que se possa conferir o tratamento jurídico dispensado ao empresário individual ou à sociedade empresária, prescindindo indicação específica no edital de licitação.

No mesmo sentido, importa ressaltar que a realização dos aditivos, em ambas as contratações, ocorreu sem qualquer justificativa e de forma unilateral, tanto os atos concernentes à contratação quanto aqueles  relativos à execução dos serviços  prestados próximo ao período das eleições municipais de 2016, em Campo Novo.

Outrossim, impende esclarecer que a efetiva realização dos serviços contratados e a celebração de outros ajustes com entes diversos no mesmo período não demonstra, por si só, a regularidade das pactuações, seja pela possibilidade de intermediação, seja por não ter sido objeto de qualquer prova técnica a conformidade da execução dos projetos.

Com fundamento nessas considerações, passo à análise individualizada das ocorrências.

2.1. Da conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97

O recorrente EDISON sustenta que o representado ANTONIO SARTORI, na condição de Prefeito de Campo Novo, teria contratado a Empresa COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO ZETE LTDA. às vésperas do período eleitoral, caracterizando a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Assim dispõe o art. 73, § 10, da Lei das Eleições:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

De fato, verifica-se que as contratações que ensejaram o ajuizamento da presente ação de investigação eleitoral foram realizadas nos meses de junho, julho e agosto de 2016, sem a demonstração de que integravam programa social ou de que estavam especificadamente autorizadas por lei orçamentária, situações excepcionadas pela norma proibitiva.

Portanto, inevitável a caracterização da conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, uma vez que as obras realizadas sem caráter de urgência, por empresa “fantasma”, como acima consignado, nos meses que antecederam o pleito municipal, não se enquadram nas exceções previstas na aludida norma de regência.

Ao contrário disso, a conduta evidencia situação que o legislador buscou evitar com a edição da referida regra, ou seja, a possibilidade de que aqueles que estão revestidos pelo poder o utilizem em benefício próprio, de sua agremiação partidária ou de outrem, em franco prejuízo à paridade de oportunidades no pleito eleitoral, seja pelo indiscutível envolvimento e favorecimento do candidato a vereador, seja, precipuamente, pela possibilidade de influência dessas ações no resultado do pleito.

Registra-se a desnecessidade do dolo específico em auferir qualquer vantagem político-eleitoral com a conduta irregular, bastando a simples prática do ato para que se tenha como configurada a conduta vedada prevista no § 10 da Lei das Eleições.

No caso dos autos, salienta-se que os demandados venceram o pleito majoritário de Campo Novo por uma diferença de 188 votos em relação ao segundo colocado, ora recorrente, em um universo de 3.630 votos válidos.

Consequentemente, conclui-se que as contratações, tanto no que se refere ao período em que foram realizadas, quanto em relação à ausência de total confiabilidade da empresa contratada, representada por candidato a vereador da agremiação partidária dos recorrentes, revestiram-se de potencialidade para cooptar votos e interferir sobremaneira no resultado do pleito, haja vista que 188 votos seriam suficientes para alterar o desfecho da eleição.

Ante o exposto, a conduta mostra-se grave o suficiente para ensejar a cassação do diploma dos eleitos, tal como prevê o § 5º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, além da aplicação de sanção de multa no valor de 5 mil UFIR para cada recorrido, conforme determina o art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei n. 9.504/97.

2.2. Do abuso de poder

Como já referido, a sentença deixou de reconhecer o abuso de poder político, considerando ausente a gravidade da conduta praticada.

Pois bem.

O caput do art. 22 da LC n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio, ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifei.)

O abuso de poder político é reconhecido no âmbito da Justiça Eleitoral como abuso de autoridade, ou abuso no exercício de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta, praticado em infringência às leis eleitorais brasileiras, para beneficiar abusivamente candidatos a cargos eletivos, principalmente candidatos à reeleição.

É o uso indevido de cargo ou função pública com a finalidade de obter votos para determinado candidato.

Para Pedro Roberto Decomain, o abuso de poder político é o “emprego de serviços ou bens pertencentes à administração pública direta ou indireta, ou na realização de qualquer atividade administrativa, com o objetivo de propiciar a eleição de determinado candidato” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade & Inelegibilidade. Obra jurídica, 2000, p. 72).

Assim, o abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder se vale de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto, caracterizando-se, dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

No caso dos autos, como anteriormente analisado, ficou devidamente comprovada a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 praticada pelo Prefeito ANTONIO SARTORI, em razão da contratação irregular de obras para a construção de calçamento com pedras irregulares, no valor de R$41.600,00 (Contrato n. 048/2016), e para a reforma de uma sala da Escola Municipal Campo Novo pelo preço de R$2.228,20 (Contrato n. 079/2016).

Tal conduta, a meu sentir, ostenta gravidade inquestionável, caracterizando-se como evidente abuso de poder político e de autoridade.

Registro que a realização de contratações de empresa "fantasma", nos meses que antecederam o pleito municipal, caracteriza situação de extrema gravidade que não pode, de maneira alguma, ser enquadrada nas exceções previstas no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Cabe reprisar que os demandados venceram o pleito majoritário de Campo Novo por uma diferença de 188 dos 3.630 votos válidos. Consequentemente, é inquestionável a capacidade de interferência da irregularidade no resultado das eleições.

Inegável, portanto, a ofensa à legitimidade do pleito.

A olho desarmado, visualizando-se a situação isoladamente, até se poderia entender que ela não se reveste de gravidade suficiente para impor a cassação do registro e do diploma dos recorridos ANTONIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER.

Contudo, o contexto fático permite que se dê a tudo isso, sim, contornos de gravidade.

Frise-se que o município de Campo Novo é pequeno, com pouco mais de 4 mil eleitores, de modo que a repercussão desse tipo de ação é capaz de alcançar grande parcela da coletividade envolvida e afetar, consequentemente, a isonomia entre os candidatos a cargos públicos, diferentemente do que se verificaria se tais fatos ocorressem em um município de grande extensão.

Desconsiderar a realidade existente na localidade em que a conduta foi praticada podaria totalmente o sentido das proibições contidas no art. 73 da LE!

Tenho dito que o só fato de possibilitar a reeleição de ocupantes dos Chefes do Poder Executivo nos três níveis de governo é, hoje, fonte de grandes questionamentos, mormente porque o uso da máquina pública, vale dizer, a prática de condutas vedadas e, bem assim, de abusos do poder político e econômico são uma constante. E foi o que, infelizmente, constatou-se em Campo Novo, na situação trazida ao conhecimento desta Justiça Especializada por meio da AIJE aqui proposta.

É de indagar-se: Qual a percepção que os eleitores envolvidos teriam caso o Judiciário Eleitoral dissesse, em alto e bom tom, que os atos descritos “não são graves” e não ensejam a cassação do registro e do diploma? Entenderiam, ou passariam a entender, que tudo pode, tudo vale, que nada ocorre! Na próxima eleição, certamente, esses atos voltariam a se repetir, de maneira mais ou menos velada!

Já afirmei em outra oportunidade que atos deste jaez têm um nome genérico: corrupção eleitoral.

Nesse sentido, o controle das fraudes eleitorais, da corrupção e das chamadas "práticas sujas" (aqui antevistas nas chamadas condutas vedadas) é objetivo de qualquer sistema de regulação de candidatos e de partidos políticos. É esse o objetivo maior dos dispositivos aqui invocados da Lei n. 9.504/97.

Quando uma eleição é levada a cabo, é essencial assegurar que todos os cidadãos tenham confiança na integridade do processo, independentemente de terem apoiado os ganhadores ou os perdedores. A seriedade da fraude eleitoral, da corrupção e as práticas injustas põem em dúvida a confiabilidade do processo eleitoral e, dessa forma, vulneram a própria democracia.

Portanto, concluo que as condutas ilícitas perpetradas pelo Prefeito ANTONIO SARTORI, com a nítida utilização da máquina pública, configuraram, sim, abuso de poder político e de autoridade apto a ensejar o juízo condenatório, razão pela qual deve ser declarada a sua inelegibilidade pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

Em relação ao candidato a Vice-Prefeito ILIANDRO CESAR WELTER, embora tenha sido beneficiado pelas condutas ilícitas, a ele não se pode imputar ato de abuso de autoridade, haja vista não estar investido em cargo público que tornasse tal circunstância perfectível, razão pela qual deixo de declarar a inelegibilidade deste demandado.

 

3. Das sanções

Em razão do reconhecimento do enquadramento da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, deve ser imposta a condenação a ANTONIO SARTORI (candidato reeleito ao cargo de prefeito), assim como a ILIANDRO CESAR WELTER (candidato ao cargo de vice-prefeito), da sanção de multa no patamar mínimo de R$5.320,50, de forma individualizada para cada um dos representados, considerando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Em virtude da gravidade das condutas vedadas praticadas pelo Prefeito ANTONIO SARTORI, cabe ainda a aplicação da sanção de cassação dos diplomas deste e do Vice-Prefeito ILIANDRO CESAR WELTER.

Por fim, em razão do abuso do poder político e de autoridade, deve ser declarada a inelegibilidade de ANTONIO SARTORI, pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 2.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

 

4. Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO para:

a) condenar ANTONIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER ao pagamento de multa de R$5.320,50 cada, conforme prevê o art. 62, § 4º, da Resolução TSE n. 23.547/15, dispositivo que regulamenta o art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, pela conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97;

b) cassar os diplomas dos representados ANTONIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER, sanção prevista no art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; 

c) declarar a inelegibilidade de ANTONIO SARTORI, pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, por abuso de poder político e de autoridade;

d) comunicar ao Juízo Eleitoral de origem, a fim de que adote as providências pertinentes, após transcorrido o prazo para eventuais embargos de declaração e o seu respectivo julgamento:

d1) a cassação dos diplomas de ANTONIO SARTORI (prefeito) e ILIANDRO CESAR WELTER (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Campo Novo; 

d2) a realização de novas eleições municipais majoritárias no Município de Campo Novo, conforme dispõem o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.

Por fim, de ofício, determino a extração de cópias de todo o processado, com remessa ao Ministério Público Eleitoral, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul para que tomem ciência dos fatos aqui retratados e adotem as providências que entenderem cabíveis.

É como voto, senhor Presidente.