RC - 1255 - Sessão: 08/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

JOSÉ DIMAS FONTANA DA SILVA, candidato não eleito ao cargo de vereador nas eleições 2016, interpõe recurso criminal contra a sentença que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para condená-lo à pena de 08 (oito) meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade, e 20 (vinte) dias-multa, por incursão nas sanções do art. 324 c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, que preveem, respectivamente, o crime de calúnia na propaganda eleitoral e a causa de aumento de facilitação da divulgação pela presença de várias pessoas, devido ao discurso político no qual se dirigiu à vice-prefeita e candidata à prefeita de Maçambará, ADRIANE BORTOLASO SCHRAMM, com a seguinte fala: “dar um basta no salário desta vice-prefeita, que é Secretária da Assistência Social, saiu somente para distribuir cestas básicas no município”.

A sentença julgou a denúncia procedente ao argumento de que o recorrente atribuiu à candidata a prática do crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral (fls. 120-122).

Em suas razões, sustenta que a condenação foi baseada em prova frágil, consistente no depoimento da suposta vítima, que é sua adversária política, e do filho da candidata. Afirma que sua manifestação se tratou de verdadeiro desabafo, e que não proferiu mentira alguma, pois teve o único objetivo de sugerir a renovação da chefia da administração municipal. Alega não ter imputado crime algum à candidata e pondera que a carga emocional envolvida em campanhas eleitorais torna comum que candidatos escutem dizeres desabonatórios. Requer a reforma da sentença, a fim de que seja absolvido, ou a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (fls. 132-136).

Com as contrarrazões pelo desprovimento do recurso (fls. 140-142), o feito foi remetido com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento parcial do recurso, a fim de que seja realizada a desclassificação do tipo penal para o delito de difamação na propaganda eleitoral, previsto no art. 325 do Código Eleitoral, com a consequente redução da pena aplicada (fls. 146-148v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso criminal é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo imediatamente ao julgamento do mérito, a iniciar pelos apontamentos realizados pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, que vão a favor da tese recursal sustentada pelo recorrente no sentido de que o fato apurado não caracterizou calúnia na propaganda eleitoral, delito previsto no art. 324 do Código Eleitoral:

CALÚNIA NA PROPAGANDA ELEITORAL

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Cumpre transcrever o trecho do discurso (áudio na mídia colacionada na fl. 21v.) proferido em comício realizado em 29.9.2016 e o tipo penal atribuído à vítima pelo recorrente e considerado afirmado perante juízo a quo:

“(…) pra dar um basta no salário desta vice-prefeita, que é Secretária da Assistência Social, saiu somente para distribuir cestas básicas no município (...)”.

CORRUPÇÃO ELEITORAL

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Acompanho o entendimento de que a fala impugnada não configura imputação do crime de corrupção eleitoral contra a candidata Adriane Bortolaso Schramm, pois em nenhum momento o acusado afirmou que a entrega de cestas básicas pela candidata opositora ocorria em troca de voto ou da abstenção.

Além disso, a notícia-crime feita à Promotoria Eleitoral pelo filho da vítima, Matheus Schramm Dias (fl. 11), não faz nenhuma referência à afirmação inverídica de compra de voto por parte do ora recorrente, mas sim que o acusado objetivava denegrir a imagem da vice-prefeita Adriana Schramm, “induzindo as pessoas a acreditar que a mesma não trabalhava e ainda se beneficiava da condição de Secretária de Assistência Social para fazer entrega de cestas básicas”.

Com essa convicção, colho no parecer ministerial (fl. 148):

Contudo, em nenhum momento é afirmado que a entrega de cestas básicas vinha acompanhada de pedido de voto ou era condicionada ao voto dos eleitores, apesar da afirmação do acusado dar a entender que a candidata seria oportunista, pois realizava exatamente aquela política pública que poderia lhe angariar votos.

Agora, entre executar uma atividade administrativa que traz visibilidade e atrai os votos do cidadão beneficiado e comprar voto através dessa atividade há uma distância, que, segundo entendemos, não foi percorrida pelo acusado quando da sua fala.

O art. 299 do Código Eleitoral dispõe sobre a entrega de vantagem em troca do voto do eleitor, e a mera afirmativa sobre a distribuição de cestas básicas sem referência à contraprestação consistente no voto ou abstenção não constitui esse tipo penal.

A própria Lei das Eleições prevê, no inc. IV do art. 73, ser permitida, no ano do pleito, a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público, estabelecendo somente caracterizar conduta vedada o uso promocional dessa prática em favor de candidato, partido político ou coligação.

O crime de calúnia apenas se consuma quando há imputação “específica sobre fato concreto e singular, que possibilite identificação de fato determinado que constitui o crime atribuído ao sujeito passivo” (PAZZAGLINO FILHO, Marino. Crimes Eleitorais, Editora Atlas S.A., 2012, p. 87).

Ou seja, para a configuração da calúnia deve haver imputação de fato certo e determinado tipificado como crime, e não apenas manifestação genérica. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Ação penal. Crimes contra a honra. Decisão regional. Procedência parcial. Recurso especial. Alegação. Violação. Art. 324 do Código Eleitoral. Calúnia. Não-configuração. Imputação. Ausência. Fato determinado.

1. A ofensa de caráter genérico, sem indicação de circunstâncias a mostrar fato específico e determinado, não caracteriza o crime de calúnia previsto no art. 324 do Código Eleitoral.

2. O agravo regimental, para que obtenha êxito, deve afastar, especificamente, todos os fundamentos da decisão agravada.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 25583, Acórdão de 31.10.2006, Relator Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 30.11.2006, Página 96.)

 

Ação penal. Condenação. Calúnia. Art. 324 do Código Eleitoral. Nota. Jornal. Fato. Afirmação genérica. Não-caracterização. Divulgação de fato inverídico ou difamação. Enquadramento. Impossibilidade. Prescrição da pena em abstrato.

1. A afirmação genérica não é apta a configurar o crime de calúnia, previsto no art. 324 do Código Eleitoral, sendo exigida, para a caracterização desse tipo penal, a imputação de um fato determinado que possa ser definido como crime.

2. Impossibilidade de se enquadrar o fato nos tipos previstos nos arts. 323 do Código Eleitoral, que se refere à divulgação de fato inverídico, ou art. 325 do mesmo diploma, que diz respeito ao crime de difamação, em face da ocorrência da prescrição pela pena em abstrato para esses delitos.

Recurso especial provido a fim de declarar extinta a punibilidade.

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 21396, Acórdão n. 21396 de 19.02.2004, Relator Min. Francisco Peçanha Martins, Relator designado Min. Fernando Neves da Silva, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Volume 1, Data 02.4.2004, Página 106 RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 1, Página 28221403.)

 

1 - A descrição típica do crime de calúnia exige um elemento normativo, contido na expressão "falsamente", imputando a alguém fato definido como crime. A imputação falsa deve consistir em fato determinado. Referências genéricas não caracterizam o crime de calúnia.

2 – Atipicidade da conduta, com o consequente arquivamento dos autos.

(TRE-CE, EXPEDIENTE SEM CLASSIFICACAO n. 11183, Acórdão n. 11183 de 13.4.2005, Relator Celso Albuquerque Macedo, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Volume 078, Data 27.4.2005, Página 123/124.)

Conforme se verifica, ocorre calúnia somente quando há imputação falsa de crime de forma certa e específica.

Portanto, na fala apontada não se verifica a ocorrência de calúnia, tendo em vista que o discurso não menciona a compra de votos ou de abstenção de eleitores disposta no art. 299 do Código Eleitoral.

No tocante ao pedido de emendatio libelli para que seja atribuída nova definição jurídica para o fato, a fim de que seja capitulado no art. 325 do Código Eleitoral (difamação na propaganda eleitoral), deve ser considerado que o crime de difamação prevê pena menor do que o delito de calúnia, atendendo ao disposto no art. 617 do Código de Processo Penal quanto à proibição da reformatio in pejus:

Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

Com efeito, em nosso sistema processual penal, o réu defende-se da imputação fática, e não da imputatio iuris, sendo, portanto, possível que o magistrado dê nova definição jurídica ao fato narrado na denúncia, conforme prevê o art. 383 do Código de Processo Penal:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Estabelecidas essas premissas, transcrevo o artigo que define o crime de difamação na propaganda eleitoral:

DIFAMAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

De acordo com a Procuradoria Regional Eleitoral, ficou comprovado nos autos que a candidata a prefeita Adriane Schramm não era Secretária de Assistência Social (portarias às fls. 12-13) e, portanto, não fazia, nessa condição, entrega de cestas básicas.

Pondera que, por essa razão, a afirmação falsa de que ela era Secretária de Assistência Social somente para entregar cestas básicas teria confundido o eleitorado, imputando à vítima fato ofensivo à sua reputação por dar a entender que não trabalhava e se limitava à entrega de cestas básicas: “Ou seja, a candidata a Prefeita, integrando a Administração, nada fazia pela população salvo a entrega do benefício assistencial que poderia lhe granjear votos”.

Segundo Marino Pazzaglino Filho, na difamação eleitoral, o bem jurídico tutelado é a honra no aspecto objetivo, isto é, a reputação, o conceito, a boa fama, a imagem do indivíduo no grupo social em que convive, não sendo necessário à configuração do crime que a imputação seja falsa, ao contrário do que ocorre na calúnia (Crimes Eleitorais, Editora Atlas S.A., 2012, p.89-90).

Para a configuração do tipo penal é necessária a ação (imputação do fato ofensivo à reputação do sujeito) e o dolo (vontade consciente), que deve ser específico (difamação com fins de propaganda irregular). Também, como se trata de crime de dano, o momento consumativo ocorre quando terceiros ficam sabendo da difamação proferida.

Entendo que o discurso impugnado - aliado ao depoimento pessoal do réu - comprova a prática do delito de difamação na propaganda eleitoral, com todos os seus elementos caracterizadores.

O réu José Dimas Fontana da Silva, em juízo, reconheceu saber que a candidata a prefeita Adriane Bortolaso Schramm exercia, pelo segundo mandato consecutivo, o cargo de Vice-Prefeita de Maçambará e confirmou o conteúdo da fala, no sentido de ter afirmado que Adriane era Secretária Municipal de Assistência Social.

Disse que seu discurso consistiu em uma crítica contra a candidata, que estava “sempre pela Secretaria Municipal de Assistência Social” e “saía pelo interior para distribuir cestas básicas, não só naquele ano como em outros anos”. Explicou ter exercido o cargo de vereador por dois mandatos, entre 1996 e 2000 e entre 2008 e 2012, oportunidade em que fez denúncias contra Adriane Bortolaso Schramm por mau uso de recursos públicos. Negou ter presenciado a candidata distribuir cestas básicas, narrando que diversas pessoas lhe comunicaram sobre essa prática.

Por fim, declarou ter proferido a fala em comento a fim de que os eleitores não votassem em Adriane Bortolaso Schramm para prefeita, e sim no candidato que apoiava, Germano Geremia.

Como se vê, o discurso de José Dimas Fontana da Silva, proferido em comício ocorrido no dia 29.9.2016, às vésperas do pleito realizado no dia 2.10.2016, teve o intuito de imputar fatos ofensivos à reputação da candidata e prejudicar sua imagem junto ao eleitorado.

A honra é fator determinante para a respeitabilidade social dos candidatos e, consequentemente, confiabilidade por parte dos eleitores, e a natureza difamatória da gravação, é importante referir, não é negada pela defesa.

Portanto, em relação ao crime de difamação, a materialidade e a autoria restam comprovadas, sendo possível concluir que a fala atentatória à honra da vítima ocorreu com a intenção clara de difamação durante o período de propaganda eleitoral com intenção de influenciar o eleitorado.

Assim, merece acolhida o requerimento de que seja procedida a desclassificação e o reconhecimento da prática do tipo de difamação na propaganda eleitoral, previsto no art. 325 do Código Eleitoral.

Impõe-se a readequação do quantum da pena, levando-se em conta os parâmetros considerados pelo juízo a quo.

Para o crime de difamação previsto no art. 325 CE, que prevê pena de detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa, o nobre julgador considerou neutras as circunstâncias do art. 59 do CP.

Nesses termos, fixo a pena base em 3 (três) meses de detenção e 5 dias-multa.

Além disso, foi considerada a incidência da atenuante prevista no art. 65, inc. I, do CP, tendo em vista que o réu tem mais de 70 anos, a qual segue sem valoração em razão da reprimenda ficar fixada no mínimo legal.

A sentença também considerou a causa de aumento de pena prevista no art. 327, inc. III, do Código Eleitoral, tendo em vista que a fala foi proferida em comício de campanha, com a presença de diversas pessoas:

Art. 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

(...)

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.

Assim, a pena corporal deve ser aumentada em 1 (um) mês, e a pena de multa em 1 (um) dia.

Ausente outras modificadoras, fixo a pena definitiva em 4 (quatro) meses de detenção e pagamento de 6 (seis) dias-multa à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, considerada a situação econômica do acusado, que se declarou mecânico.

A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida, inicialmente, em regime aberto (CP, art. 33, § 2º, letra c).

O acusado preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal. Portanto, considerando que a pena privativa de liberdade não ultrapassa 6 (seis) meses, substituo-a por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária que, nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, e levando em consideração as condições financeiras do réu, fixo na importância de 1 (um) salário mínimo, a ser destinado à entidade pública sediada na respectiva Zona Eleitoral.

Fica o réu advertido de que, no caso de descumprimento injustificado da restrição imposta, a pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade, conforme disposto no § 4º do art. 44 do Código Penal, com seu recolhimento à prisão.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para o fim de:

 

a) absolver JOSÉ DIMAS FONTANA DA SILVA da condenação pela prática do crime de calúnia previsto no art. 324 c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal;

b) acolher o pedido de desclassificação para o fim de condenar JOSÉ DIMAS FONTANA DA SILVA pela prática do delito de difamação na propaganda eleitoral, previsto no art. 325 do Código Eleitoral, com a consequente redução da pena para 4 (quatro) meses de detenção e pagamento de 6 (seis) dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária na importância de 1 (um) salário mínimo, a ser destinado à entidade pública sediada na respectiva Zona Eleitoral, nos termos da fundamentação.