RE - 23396 - Sessão: 26/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ANA ROSA SANTOS XAVIER referente à Campanha Eleitoral de 2016, na qual a recorrente concorreu ao cargo de vereador de Porto Alegre/RS pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), contra sentença que desaprovou suas contas com fundamento no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15 e art. 30, inc. III, da Lei n. 9.504/97, diante de inconsistências verificadas no confronto entre as informações prestadas pela candidata e as declaradas pelo doador em sua escrituração (fl. 37 e v.).

A recorrente alega, em suas razões (fls. 42-43), que prestou informações, declarando que o equívoco contábil originou-se da conta do candidato a prefeito Maurício Alexandre Dziedricki, sendo que esta foi devidamente retificada e enviada ao sistema da Justiça Eleitoral. Argumenta não ser razoável ter suas contas desaprovadas em razão de erro cometido por terceiro. Requer a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para manifestação quanto ao disposto nos arts. 18 e 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15 e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 49-58v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou preliminar de anulação da sentença porque não teria havido determinação de recolhimento do montante apontado como irregular.

A sentença desaprovou as contas em razão da existência de registro de doações estimáveis em dinheiro realizadas pelo candidato Maurício Dziedricki, em benefício da candidata ora prestadora, com valores diversos dos anotados na presente prestação de contas.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

A decisão não fundamentou a desaprovação na ausência de identificação do doador. Pelo contrário, as contas foram desaprovadas em razão da divergência entre as presentes contas e a contabilidade de Maurício Dziedricki.

Neste feito, nem se poderia falar de recurso de origem não identificada. Trata-se, portanto, de divergência de informações e não de omissão do doador, pois caso houvesse mesmo a doação tal como registrada pelo candidato Maurício, seu doador estaria perfeitamente identificado.

Assim, como a sentença não se baseia em ausência de identificação do doador, não há que se falar em omissão de recolhimento de valores nem em nulidade da decisão, pois o juiz não se omitiu na aplicação de uma norma de ordem pública, mas interpretou os fatos, concluindo pela caracterização de irregularidade distinta da pretendida pelo Ministério Público.

Ademais, essa situação apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, nos termos do que decidido pela Casa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 63662, Acórdão de 14.12.2017, Relator Dr. Luciano André Losakann.) (Grifei.)

Do exposto, máxime frente a ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica da recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Passando ao mérito, o levantamento técnico contábil apurou divergência entre os valores declarados como recebidos em recurso de bem estimável em dinheiro pela prestadora e os que foram informados na prestação de contas do doador Maurício Alexandre Dziedricki, bem como apontou a omissão do registro de doações na escrituração da recorrente.

Equivale dizer, o examinador realizou cruzamento de dados entre as informações declaradas pela prestadora das contas e pelo doador.

Em que pese a importância desse procedimento para averiguação de eventual caixa dois ou da veracidade das informações contabilizadas, tenho que, na espécie, a divergência detectada não maculou a confiabilidade das contas e não pode servir de amparo para a rejeição da contabilidade.

Explico.

Em suas razões recursais, a candidata alegou que as informações foram devidamente esclarecidas, e a escrituração do candidato Maurício retificada, reputando superada qualquer dessemelhança entre os valores registrados.

Diante desse cenário fático, consultei o site eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral <http://divulga candcontas.tse.jus.br/>, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos, e observei a perfeita correspondência entre os valores declarados como recebidos pela prestadora e os constantes no balanço contábil do doador respectivo, o candidato a prefeito Maurício Alexandre Dziedricki.

Por isso, concluo que, malgrado a divergência inicial, tanto a recorrente (fl. 31) quanto o doador retificaram as suas contas, suplantando as irregularidades indicadas no parecer técnico.

Nesse sentido, colaciono ementa de recente julgado deste Tribunal, no qual se apurou divergência igualmente entre os valores registrados nas contas do doador Maurício Dziedricki e do prestador:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DIVERGÊNCIA ENTRE O ENTENDIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO LEGAL NÃO CARACTERIZADA. MÉRITO. DIFERENÇAS NO REGISTRO DE DOAÇÕES ENTRE AS CONTAS DO PRESTADOR E DO CANDIDATO DOADOR. VALOR IRRISÓRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

Preliminar de nulidade rejeitada. A sentença não fundamentou a desaprovação das contas na ausência de identificação do doador, razão pela qual não houve a alegada omissão na aplicação do disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Negativa de vigência e de nulidade não caracterizadas.

Divergência entre o registro de doações realizadas pelo candidato ao cargo de prefeito e as informações lançadas na prestação de contas do recorrente. O montante do valor irregular representa 0,9% do total arrecadado, insignificante para prejudicar a confiabilidade das contas. Reforma da sentença para aprovar as contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(RE n. 240-88.2016.6.21.0113, julgado em 25.01.2018, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura.) (Grifei.)

Dessarte, os esclarecimentos prestados evidenciam que as doações estimáveis em dinheiro restaram devidamente registradas no balanço contábil, sendo as diferenças constatadas pelo órgão técnico corrigidas na escrituração do doador e da candidata, não remanescendo divergência em relação aos valores.

Por fim, cabe salientar que se trata de recursos estimáveis, e não financeiros, a justificar as incongruências iniciais apresentadas nas contas e afastar a hipótese de ocorrência de manipulações transversas.

Com esses fundamentos, as falhas constadas merecem ser consideradas como apenas uma ressalva na escrituração, devendo ser reformada a decisão que concluiu pela desaprovação da contabilidade.

Ante o exposto, afasto a preliminar e VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau, para aprovar as contas da candidata com ressalvas.