RE - 851 - Sessão: 16/03/2018 às 12:00

Apresentará o voto divergente. 

VOTOS

Des. Federal João Batista Pinto Silveira (relator):

Tempestividade

A sentença foi publicada no DEJERS em 29.9.2017, sexta-feira (fl. 375), tendo sido opostos embargos de declaração por FABRÍCIO REBECHI HAUBERT e LEANDRO CANDIAGO, em 03.10.2017, terça-feira (fls. 381-385), os quais, contudo, não foram acolhidos (fls. 387-389), em decisão publicada no dia 06.10.2017, sexta-feira (fl. 393).

Assim, os recursos de FABRÍCIO REBECHI HAUBERT (Vereador de Imbé), SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA, DÓRIS LÚCIA COSTAMILAN LOPES e LEANDRO CANDIAGO, bem como o do ANDRE LUIS DIAS SARCONY NEVES, interpostos em 11.10.2017, quarta-feira (fls. 398 e 445), são tempestivos.

Contudo, não deve ser conhecido o recurso de ELIS REGINA DA SILVA, pois protocolado fora do prazo legal, isto é, em 13.10.017, sexta-feira (fl. 452), portanto, intempestivo.

Preliminar de nulidade da sentença

SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA e outros sustentam, preliminarmente, a nulidade da sentença, sob os seguintes fundamentos: a) admissão como meio de prova de manifestação intempestiva, sem contraditório e ampla defesa; b) ausência de notificação judicial das testemunhas arroladas pela defesa; c) falta da oitiva dos demais réus.

No que refere à ausência de intimação para manifestação a respeito da defesa apresentada por ANDRE LUIS DIAS SARCONY NEVES (fls. 307-309), o rito da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (art. 3º e seguintes da Lei Complementar n. 64/90), não prevê abertura de prazo após a defesa. Ademais, é possível constatar que houve manifestação dos recorrentes FABRÍCIO REBECHI HAUBERT e outros quanto à defesa em questão (fls. 355-357).

Assim, o processo foi conduzido com estrita observância ao procedimento legal da LC n. 64/90, com citação dos impugnados, apresentação do rol de testemunhas e alegações finais, não havendo nulidade a ser reconhecida.

Em relação à notificação das testemunhas, o art. 5º da LC n. 64/90 é expresso ao dispor que deverão comparecer por iniciativa da parte que as arrolou, o que, aliás, está devidamente explicitado no despacho da fl. 299.

Quanto ao depoimento pessoal dos réus, além de não haver previsão legal para tanto, em nenhum momento foi requerido nos autos.

Dessa forma, na esteira da manifestação da douta Procuradoria Eleitoral (fl. 503), não há que se cogitar em cerceamento de defesa, tendo em vista que: (i) os recorrentes tiveram oportunidade de se manifestar quanto à contestação apresentada pelo impugnado ANDRÉ – e, inclusive, o fizeram às fls. 355-357-; (ii) deveriam ter trazido as testemunhas independentemente de intimação – e não o fizeram -; (iii) não requereram a oitiva dos demais impugnados.

Rejeito as preliminares e passo ao exame de mérito.

O art. 14, § 10, da Constituição Federal, determina que: 

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Narrou o Ministério Público Eleitoral que a COLIGAÇÃO UNIDOS POR IMBÉ (PTB, PDT, PROS) apresentou chapa de candidatos à eleição proporcional formada por 11 (onze) homens e 6 (seis) mulheres, atendendo-se às exigências legais do percentual mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo, ou seja, a chamada reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, in verbis: 

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

[…]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Contudo, sustentou o Ministério Público Eleitoral que algumas das candidatas não agiram, de fato, como concorrentes às cadeiras legislativas municipais, circunstâncias que indicariam a ocorrência de fraude, uma das hipóteses de cabimento da AIME, definida a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1-49, em 04.8.2015, quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu: 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 149, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, data 21.10.2015, Página 25-26.) (Grifei.)

E a sentença foi de procedência da demanda, por entender fraudulentas as candidaturas femininas de SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA e DÓRIS LÚCIA COSTAMILAN LOPES, sob a argumentação de que o lançamento das candidatas teve único propósito: garantir o percentual mínimo de candidaturas por gênero, configurando fraude eleitoral.

Em suas razões, os recorrentes se insurgem, em síntese, contra o entendimento pela ocorrência de fraude quanto ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, com a redação dada pela Lei n. 12.034/09, que estabelece a inclusão feminina no processo eleitoral, mediante norma que determina a reserva de gênero nas candidaturas.

Inicialmente, destaco que a controvérsia pressupõe análise acurada da ocorrência de violação ao bem jurídico tutelado pela ação afirmativa eleitoral, consubstanciado no postulado da igualdade, princípio constitucional que comporta tríplice perspectiva, abrangendo a sua dimensão formal, material e como reconhecimento, nos exatos termos sedimentados pelo Pretório Excelso no julgamento da ADC n. 41, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, in verbis: 

[…]

A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento.

No caso da norma eleitoral, verifico que o legislador entendeu alcançado esse desiderato pelo preenchimento do percentual mínimo de 30% por gênero, na ocasião do registro de candidaturas. Assim, observada a cota indicada na legislação de regência, depreende-se assegurada a participação feminina na política e, por conseguinte, atingido o fim colimado pela ação afirmativa.

Todavia, no plano fático, é cediço não ser possível aferir, com segurança, a higidez da manifestação da vontade de se candidatar na ocasião do julgamento do registro. Por isso, a jurisprudência foi consolidada no sentido de admitir a verificação do regular cumprimento dessa importante norma eleitoral a partir da observação dos atos de campanha e do próprio resultado do pleito.

Dessarte, demonstrada a inscrição fraudulenta de candidaturas, assim entendida aquela em que o registro é motivado exclusivamente para o preenchimento da cota de participação mínima, relegando ao oblívio a inserção feminina na política, impõe-se o reconhecimento de irregularidade do total das candidaturas envolvidas, na medida em que todos os candidatos são beneficiados pelo ato ilegal.

O juízo a quo entendeu pela existência de prova robusta no sentido da ocorrência de fraude nas candidaturas de SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA e DÓRIS LÚCIA COSTAMILAN LOPES e julgou procedente a ação, determinando a cassação dos mandatos obtidos pela COLIGAÇÃO UNIDOS POR IMBÉ, na eleição proporcional, e declarando nulos todos os votos para ela atribuídos.

Diante desse cenário, esclareço que o motivo do pedido de suspensão do julgamento do feito foi justamente a necessidade de ponderar melhor a prova produzida e a proporcionalidade da sanção atribuída, que representa uma espécie de responsabilização objetiva a todos os candidatos integrantes da coligação, uma vez que não se perquire a individualização de suas condutas.

Após muito refletir a respeito desse caso específico, rememorei que este Tribunal, por ocasião do julgamento do RCED n. 3-57, em que se discutia a inelegibilidade de candidato, afastou a aplicação da sanção por entendê-la, naquele caso, incompatível com o princípio da proporcionalidade.

Pela riqueza argumentativa, colho trecho do voto vencedor, de lavra do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet: 

[…]

Certo é que restrições de direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente e observar estritamente os assim chamados limites aos limites dos direitos fundamentais, ou seja, os parâmetros constitucionais que permitem distinguir entre uma intervenção restritiva legítima no âmbito de proteção de um direito fundamental (no caso, o sufrágio) e uma violação do direito fundamental objeto da restrição.

Dentre tais critérios, avulta o da proporcionalidade, cuja testagem, como é amplamente conhecido, envolve a análise da presença cumulativa de três requisitos (v., por todos, Humberto B. Ávila, Teoria dos Princípios, São Paulo: Malheiros), designadamente, os critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Se a adequação em princípio pode ser dada como atendida, pois a inelegibilidade por mais oito anos contribui, ao menos em tese, para o objetivo de assegurar a moralidade do processo político-eleitoral, no caso do segundo nível de análise (da necessidade ou exigibilidade ou menor sacrifício), a situação já se apresenta substancialmente diversa. Com efeito, resulta quase elementar que existem meios menos gravosos do que a suspensão por mais oito anos dos direitos políticos além do período já suspenso for força da condenação criminal, para, no campo de uma concordância prática (Konrad Hesse), salvaguardar a moralidade administrativa e do próprio processo eleitoral. Mesmo que assim não se entenda, resta o terceiro nível da proporcionalidade, onde se trata de avaliar a razoabilidade da opção legislativa. A situação se revela de particular agudeza no presente caso, onde se trata de alguém condenado por crime contra o patrimônio privado (este já interpretado de forma extensiva), no caso a propriedade imaterial, cuja pena corporal foi substituída por penas restritivas de direitos e que já havia ensejado a suspensão dos direitos políticos pelo período do cumprimento da pena. (Grifei.)

Transpondo a conformação do preceito invocado no referido precedente para o caso dos autos, concluo que só será possível imputar a cassação de mandato ao candidato - que por vontade soberana dos eleitores logrou-se eleito -, pela ocorrência de fraude na reserva de gênero, se ao menos restar evidenciado que, ao tempo do registro de candidatura, fosse possível a ele inferir a manobra engendrada para obter a participação mínima feminina e, como consequência, possibilitar o lançamento de sua candidatura ao pleito.

Nessa esteira, entendo que a configuração de fraude requer a demonstração inequívoca de que as candidaturas tenham sido motivadas com esse fim exclusivo.

E essa demonstração não houve.

Do exame da prova é possível afirmar: a) cada uma das candidatas fez 1 voto; b) realizaram campanha nas redes sociais em favor do candidato da coligação Fabrício Rebechi.

Essas duas circunstâncias, entretanto, não levam à conclusão necessária e irrefutável de que a candidatura era fraudulenta.

Este Regional já se pronunciou no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, reproduzo os seguintes precedentes: 

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012. Matéria preliminar afastada. Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as cotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, acórdão de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.) (Grifei.)

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012. Representação julgada improcedente no juízo de origem. Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 41743, acórdão de 07.11/2013, Relator Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.) (Grifei.)

Ao serem ouvidas em juízo, Dóris e Simoni confirmaram ter participado ativamente da campanha eleitoral de suas agremiações e realizado campanha para o candidato Fabrício Rebechi. Simoni ainda informa que “a família toda sempre foi da política.”

Então, diferentemente dos outros feitos que aportaram nesta Casa, aqui há elementos suficientes para inferir que as candidatas de fato eram engajadas na política, satisfazendo o escopo da ação afirmativa.

De outra banda, a manifestação de André Luiz Dias Sarcony Neves, ao asseverar ter havido candidaturas fictícias (fl. 307), não pode ser considerada suficiente para caracterizar a burla, pois trata-se de uma “declaração” isolada nos autos, intempestiva e desprovida de qualquer outro elemento probatório.

Em síntese, o autor da ação não se desincumbiu de provar a existência do conluio, da fraude no registro de candidatura.

E, como a ilicitude não decorre de dedução ou meras presunções, o corolário lógico é o reconhecimento da improcedência da demanda, na esteira dos inúmeros precedentes dessa Casa: 

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADORES E SUPLENTES. ELEIÇÕES 2016. IMPROCEDÊNCIA NO PRIMEIRO GRAU. AFASTADAS AS PRELIMINARES DE PRECLUSÃO E INADEQUAÇÃO DA AÇÃO. ACOLHIMENTO DA PREFACIAL DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO INICIAL. MÉRITO. RESERVA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. COTAS DE GÊNERO. ABUSO DE PODER. FRAUDE À LEI. NÃO COMPROVADOS. NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminares. 1.1. Afastadas as prefaciais de preclusão e inadequação do feito. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, inclusive no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições. Cabível o ajuizamento de AIME para apurar essa nova modalidade de fraude, na forma procedida pelo Ministério Público Eleitoral. 1.2. Acolhida a preliminar de ampliação do mérito da ação por meio das alegações finais do Parquet de primeiro grau. Inviável conhecer da suposta fraude em candidaturas que não integraram o objeto inicial da lide e que não foram mencionadas como causa. A teor do art. 329 do Código de Processo Civil, após a estabilização da demanda não é mais permitida a modificação do pedido ou da causa de pedir.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Para alcançar tal objetivo, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que os percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo sejam preenchidos de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

3. Na espécie, suposto lançamento da candidatura fictícia do sexo feminino para atingir o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.

4. Para a procedência da alegação de fraude em sede de AIME é fundamental que a candidatura apontada como fictícia participe do pleito. Pedido de renúncia homologado judicialmente, circunstância apta a romper a cadeia causal do ilícito apontado.

5. Manutenção da sentença de improcedência da ação. Provimento negado.

(RE n. 910-16.2016.6.21.0085, julgado em 20.02.2018, Relator Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes.) (Grifei.)

Ante o exposto, não conheço do recurso de ELIS REGINA DA SILVA e, em relação aos demais apelos, voto pelo afastamento das preliminares e, no mérito, pelo provimento, ao efeito de julgar totalmente improcedente a ação.

 

Des. Luciano André Losekann:

(voto divergente)

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Pedindo redobradas vênias, estou a divergir do voto do eminente relator, ao efeito de manter a sentença de procedência do pedido, por entender, sim, no caso concreto, fraudulentas as candidaturas femininas de SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA e DÓRIS LÚCIA COSTAMILAN LOPES.

Com efeito, a prova dos autos demonstrou que o lançamento das candidaturas de Simoni e Dóris teve único propósito: garantir o percentual mínimo de candidaturas por gênero, configurando fraude eleitoral.

No ponto, a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo e incorporo como razões de decidir a análise da prova procedida pela ilustre magistrada de 1º grau (fls. 361-364):

Dóris Lúcia Costamilan Lopes, advogada, em depoimento pessoal, disse: “eu tenho conhecimento de que entrei para o preenchimento de vagas, para o percentual de vagas femininas”. Ainda, “Eu até tinha a intenção de alavancar minha candidatura, mas não foi possível. Então nós trabalhamos muito pelo partido e pelo vereador Rebechi.. (...). Com a intenção de alavancar a minha candidatura também. Só que não foi possível por problemas meus, meu marido foi hospitalizado”. Admitiu que não fez nenhum material de campanha, “Justamente por problemas pessoais, problemas com meu marido...”. Perguntado se fez campanha para outro candidato, respondeu “Eu fiz porque eu fiz por ele o que ele faria por mim, eu fiz pelo partido, eu fiz pela coligação”. “Eu fiz mais pelo Fabrício Rebechi” mas “Só nas redes sociais”. Também, admitiu que participou de carreata e caminhada em favor do referido vereador. Perguntado porque a doença do esposo impedia que fizesse campanha para si, mas não para outro candidato, respondeu “Financeiramente Dra., o meu problema financeiro não permitiu”. (fls. 322/324)

Simoni Schwartzhaupt de Oliveira, namorada do Vereador eleito Fabrício Rebechi, negou a prática da fraude. Não lembrava do número pelo qual concorreu e disse que o partido PROS forneceu o material de campanha e por isso não tem como comprovar. Perguntado se fez campanha para o então candidato Rebechi, já que em outro processo constava que teria feito, respondeu que “Não, se tem alguma coisa assim é porque nós somos namorados e na coligação PDT e PROS a gente “tava” sempre junto”. Disse que participa ativamente das atividades do partido, “porque a minha família toda sempre foi da política”, atribuindo o fato de ter recebido apenas um voto, o próprio, ao fato de que “Isso é relativo né, as pessoas votam se acham necessário votar na candidata”. Perguntado o motivo de ter participado da eleição, respondeu “Porque eu sou filiada no partido e o partido precisava realmente de candidatas, tive o convite do partido e pra mim ajudar o partido, eu me candidatei”. Sabia que o partido precisava de um número “x” de candidatas e “Participei para ser candidata a vereadora e para ajudar o partido”. A depoente trabalha em comércio e já foi professora municipal. Também, realiza trabalhos sociais, mas não lhe causou estranheza não ter recebido nenhum voto de terceiros. (fls. 320/322).

Mas, não é só! Os documentos das fls. 16/25, mostram que as referidas candidatas, nem mesmo na rede social, lançavam suas próprias candidaturas.

Neste passo, o perfil do facebook de Dóris Lúcia Costamilan Lopes, onde consta a fotografia do então candidato Rebechi, com as seguintes manifestações da também candidata a vereadora: “Meu vereador!!! Rumo a vitória!!!!!”; “Parabéns meu vereador. Carreata magnífica, Rumo a grande vitória!!!!!¿. Segue, agora partilhando texto de outra eleitora: “Olá galera. Dia 2 de outubro ocorrem as eleições municipais, estamos na reta final e por isso contamos com o teu apoio para dar continuidade no progresso de Imbé. Por isso, para vereador vote em Fabrício Rebechi 12627. Vote na experiência de quem já fez e fará muito mais por Imbé! Fabrício está em seu terceiro mandato e já foi conselheiro tutelar de nossa Imbé. Neste eu confio e sei que ele tem experiência para continuar o progresso de nossa cidade. Vote 12627”. Na sequência, a suposta candidata, em razão de algum episódio envolvendo o vereador Nilton Guadério, lançou o seguinte comentário, este feito em nome de sua filha Karina Fajardo: “Boa noite amigos Imbeenses. Venho me manifestar como cidadã, como eleitora e advogada do Vereador Fabrício Rebechi sobre o triste acontecimento de hoje entre um apoiador dos nossos trabalhos e o Vereador Nilton Guaudério. (...)”. (fl. 16/17).

Às fls. 19/20, foram juntadas cópias de fotografias da então candidata Doris fazendo campanha explícita, passeata e carreata, em favor do candidato Fabrício Rebechi, portando bandeiras com o número deste candidato. Aqui, cabe registrar que em momento algum se vê o número da então candidata Doris. Diferente não foi no perfil do facebook de Simoni Schwartzhaupt de Oliveira onde todas as fotografias postadas trazem Fabrício Rebechi e seu número de candidato em primeiro plano. Mais uma vez, cabe registrar que em momento algum se vê o número da então candidata Simoni. (fls. 22/25)

Por fim, mas não menos importante, o impugnado André Luiz Dias Sarcony Neves, advogado, em causa própria, quando da contestação, afirmou que: “as candidaturas fictícias ocorreram de fato, bem como o abuso do poder econômico ficou evidente na campanha”, declarando, ainda, que “quando das reuniões de partido, ficou acertada a coligação do PTB com o PDT, sendo que estes teriam o número de mulheres suficientes para completar a nominata dos candidatos a vereadores” (fl. 307). Quanto as declarações de Doris, cabe registrar que a impugnada, bacharel em direito, admitiu lisamente ter ciência de que sua candidatura era para preencher a cota de gênero, tentando justificar, na sequência, supostas dificuldades no decorrer da campanha, como doença do marido - não há prova nos autos - mas, que não impediram que fizesse campanha por outro candidato, neste caso, Fabrício Rebechi.

Já, as alegadas dificuldades financeiras - também não provadas -, em nada socorrem os impugnados, somente permitindo concluir-se que, além da fraude nas inscrições das referidas candidatas, a Coligação Unidos por Imbé prejudicou a candidata mulher na medida em que não teria liberado verba para que, em especial Doris, pudesse alavancar sua candidatura.

Simoni, por sua vez, disse que o material de campanha foi providenciado pelo PROS, mas nada trouxe a comprovar a existência de tal material.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. Não houve ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem entendeu incabível o exame da fraude em sede de ação de investigação judicial eleitoral e, portanto, não estava obrigado a avançar no exame do mérito da causa.

2. "É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral" (AgR-AI nº 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011).

3. Para modificar a conclusão da Corte de origem e assentar a existência de oferta de benesse condicionada ao voto ou de ato abusivo com repercussão econômica, seria necessário o reexame do conjunto probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial (Súmulas 7 do STJ e 279 do STF).

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições previstas no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências. Recurso especial parcialmente provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 65-66.) (Grifei.)

De qualquer sorte, a justificativa judicial de Dóris mostra-se conveniente, mas não afasta a fraude, pois declarou, já no primeiro momento, que sua candidatura foi meramente formal, para preencher as vagas destinadas às mulheres, admitindo lisamente que realizou campanha para outro candidato, situação facilmente constatável das manifestações nas redes sociais e das fotografias juntadas.

Pelo que se depreende das prestações de contas juntadas às fls. 26/43, a candidata Doris não apresentou gastos de campanha. Diga-se que Doris sequer abriu conta para eventuais doações, enquanto Simoni não movimentou nenhum valor na referida conta.

Quanto a Simoni, o fato de existir mais um candidato na família - namorado -, em que pese possa ser, em parte, motivo para afastamento da então candidata da própria campanha, não socorre nem ele, nem a coligação. Isso porque o citado relacionamento não foi descoberto, ou surgiu durante o pleito, pois já era de conhecimento público, de domínio de todos, quando do lançamento da coligação e das candidaturas. Logo, além de não justificar a inexistência de desempenho eleitoral da candidata no caso, demonstra que existia reserva mental de todos os envolvidos a respeito de que, unicamente, a candidatura desejada era a do “namorado” Fabrício Rebechi, e não a sua. Não se mostra crível que, duas candidatas mulheres que se dizem atuantes no Município, tanto politicamente, como na prática de trabalhos sociais, conhecidas na comunidade, tenham obtido apenas um voto, o próprio, não convencendo o argumento ingênuo de Simoni no sentido de que “Isso é relativo né, as pessoas votam se acham necessário votar na candidata”. De fato, a prova colhida nestes autos não deixa dúvidas da ocorrência da fraude à legislação eleitoral, com a utilização de candidaturas meramente formais para preenchimento dos requisitos eleitorais, especificamente o percentual de gênero. Os documentos juntados, somado a confissão judicial de Dóris, as declarações escritas do impugnado André Luís e o relato nada convincente da impugnada Simoni, constituem prova suficiente para fundamentar a procedência da ação, restando caracterizada a fraude eleitoral.

Como bem posto pela DD. Representante do Ministério Público Eleitoral, “Há que se considerar que a Lei n. 9.504/97, em seu artigo 10, § 3º, visa instituir política afirmativa da participação das mulheres nos pleitos eleitorais, de modo que exige dos partidos políticos o mínimo de 30% para candidaturas de cada sexo, com o preenchimento mais equilibrado das cadeiras do parlamento.

Por conseguinte, o preenchimento da lista com o mínimo de 30% de mulheres é condição indispensável para a participação do partido/coligação nas eleições proporcionais, haja vista a opção legislativa pela substituição da expressão “deverá reservar” pelo vocábulo “preencherá” na atual redação do dispositivo acima referido, que torna nítida a vontade do legislador de incluir as mulheres na disputa eleitoral.

Contudo, no caso dos autos, a Coligação não apresentou candidaturas reais, mas, meramente, formais e fictícias, de modo que não foi respeitado, de fato, o mínimo de 30%, o que, se conhecido previamente, levaria à inadmissão do registro.

Assim, se somente foi possível alcançar o percentual mínimo legal em razão da fraude lançada na lista, em face de "candidaturas fictícias", resta claro que os diplomas que lhes foram conferidos pela Junta Eleitoral decorreram, então, da fraude praticada no início da corrida eleitoral.

Por conseguinte, comprovada, plenamente, a fraude que "possibilitou" o registro, a disputa e a recepção dos votos que permitiram o quociente partidário capaz de eleger os Candidatos Impugnados, necessário desconstruir os mandatos obtidos a partir do censurável expediente.

Consabido que o objetivo jurídico da impugnação é proteger a higidez das normas relativas à lisura do pleito eleitoral e, no caso dos autos, restou, indubitavelmente, comprovado que as candidaturas foram fraudulentas e, portanto, que configurada a ilicitude eleitoral.

Gize-se que a ação de impugnação de mandato eletivo prevista no artigo 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, tem exatamente este fim: “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.”

Registre-se que a fraude cogitada no mencionado dispositivo constitucional é compreendida como qualquer manobra que objetive enganar a Justiça Eleitoral ou o próprio eleitorado e proporcionar resultados diversos daqueles que seriam possíveis, fosse regular e imaculado o ambiente da disputa, o que restou evidente no caso dos autos.

Acrescento que cabe a Justiça Eleitoral examinar eventuais abusos ou fraudes à legislação eleitoral. Do contrário, teriam os partidos políticos total liberdade na formação da lista de candidatos, podendo, inclusive, lançarem mão de candidaturas fictícias, com a única finalidade de preencher os percentuais previstos para a reserva de gênero, agindo em fraude à lei, sem que qualquer sanção pudesse ser aplicada. Assim fosse possível, mais correto seria não legislar acerca da matéria.

As candidatas Doris Lúcia e Simoni apresentaram um comportamento padrão de desistência sem formalizar a renúncia, como ausência de aporte de recursos, de atos de campanha e, agravando a presente situação, a realização pública de atos campanha para candidato diverso, o que basta para revelar o caráter fictício das candidaturas lançadas.

Com isso, os argumentos no sentido de que o percentual a ser observado para o gênero no pleito eleitoral é em relação apenas as candidaturas e não ao resultado do pleito e de que não há obrigatoriedade da confecção de material de campanha, não merecem guarida para fins de elidir a fraude na formação da Coligação, apenas para atender formalmente à reserva de gênero, pois fosse de outra forma o partido seria premiado por conta de um problema que este mesmo criou, já que não estabeleceu um padrão uniforme de incentivo a todos os candidatos lançados - homens e mulheres -, em flagrante burla à vontade do legislador de inclusão de ambos os gêneros no cenário político.

O preenchimento apenas sob o aspecto formal da lista de candidatas pela Coligação Unidos por Imbé (PTB, PDT PROS) compromete a lisura e a moralidade do pleito, pois configurada fraude à lei, no que tange à reserva de gênero.

Com isso, verifico elementos fortes para a conclusão de que as candidaturas de Dóris Lúcia e Simoni foram lançadas de maneira fictícia, visando apenas o aspecto formal no preenchimento do percentual previsto no art. 10, §3º, da Lei das Eleições, configurando fraude à lei, comportando o julgamento pela procedência do pedido formulado na inicial.

 

Entendo, portanto, caracterizada a fraude nas candidaturas de SIMONI SCHWARTZHUPT DE OLIVEIRA e DÓRIS LÚCIA COSTAMILAN LOPES, assim como identificado pelo Juízo de origem, diante da robusta prova produzida nos autos.

Nesse sentido, recente precedente desta Casa, originário do município de Viadutos:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. COTAS DE GÊNERO. ELEIÇÃO 2016. PRELIMINARES AFASTADAS. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ART. 14, § 10 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA COLIGAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. CONSEQUÊNCIAS REFLEXAS NO DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS – DRAP. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM LUGAR PÚBLICO. LICITUDE. MÉRITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. FRAUDE COMPROVADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. INDEFERIMENTO DO DRAP. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS À COLIGAÇÃO IMPUGNADA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DOS MANDATOS NOS TERMOS DO ART. 109 DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Preliminares afastadas. 1.1. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Não configurada a inadequação da via processual. 1.2. A teor do suprerreferido artigo, na ação de impugnação de mandato eletivo não podem figurar, no polo passivo, a pessoa jurídica e o candidato não eleito no pleito, uma vez que o expediente se destina a desconstituir o mandato obtido nas urnas. Na espécie, contudo, condiderando que a AIME pode gerar efeitos jurídicos também à coligação, se constatada a fraude na composição da proporção das candidaturas, o DRAP sofrerá as consequências originárias, devendo-se privilegiar a ampla defesa no seu aspecto material, redundando, excepcionalmente, no reconhecimento da sua legitimidade para figurar no polo passivo da ação. 1.3. O art. 5º, inc. X, da Constituição Federal tutela a intimidade e a privacidade, sendo ilegal a gravação que vá de encontro a este preceito. No caso, a gravação se deu em lugar público e na presença de outras pessoas, não havendo ofensa a tal regra, reconhecendo-se a sua licitude.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o dever de preenchimento de o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

3. Na espécie, a prova coligida demonstra que a coligação impugnada indicou o nome de uma das candidaturas com o único objetivo de atender o percentual de mulheres exigidos pela legislação, 30% de candidatas do sexo feminino, para tornar possível a indicação do número máximo de candidatos homens para concorrerem ao pleito pela coligação no município. Fraude comprovada que afeta, na origem, o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários – DRAP. Revogação do deferimento do registro de candidaturas da chapa proporcional.

4. Recaindo os efeitos sobre o DRAP de toda a chapa proporcional da coligação, não há necessidade de individualização das condutas dos candidatos para aferição de suas responsabilidades.

5. Não se aplica o art. 224 do Código Eleitoral, na medida em que as sanções aplicadas não devem ultrapassar a coligação que deu causa à fraude, devendo ser declarados nulos os votos atribuídos a ela, com a consequente cassação dos diplomas obtidos. Declarados nulos todos os votos atribuídos à coligação impugnada na eleição proporcional do ano de 2016, com a distribuição dos mandatos de vereador por ela conquistados, nos termos do art. 109 do Código Eleitoral, aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário (cálculo das sobras eleitorais).

Parcial procedência.

(RE n. 495-85.2016.6.21.0003, julgado em 13.12.2017, Relator Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy.)

E, não respeitado o percentual - ou atingido fraudulentamente, como no caso - não há como deferir o registro da coligação e, consequentemente, de todas as candidaturas, pois não há se falar em formação de coisa julgada quando o provimento judicial foi obtido mediante fraude à lei.

Não me impressiona o argumento trazido da tribuna no sentido de que, em casos tais, os efeitos sobre o DRAP de toda a chapa proporcional não atende ao princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, na medida em que essa foi a consequência legislativamente arquitetada para casos tais. Ou seja, para os casos de fraude, como o dos autos, a gravidade é a não subsistência do DRAP, como forma de servir de desestímulo e de alerta para que as agremiações deixem de agir dessa maneira, subvertendo os propósitos legais, sob pena de transformar o desiderato do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 em letra morta e sem qualquer repercussão em pleitos futuros. Onde há fraude, como penso ter havido no caso dos autos, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade. O jus, o Direito, não pode transigir com o injus. Não se transige ou se atenua o rigor daquilo que ofende o propósito da lei. Ou as candidaturas de gênero são levadas a sério, e os partidos políticos devem contribuir para isso, ou tudo permanecerá como antes, de modo que a maioria do eleitorado nacional, que é justamente formado por mulheres, continuará sem qualquer representatividade nos parlamentos e na vida política do país.

Ante o exposto, Sr. Presidente e eminentes Colegas, VOTO pelo não conhecimento do recurso de ELIS REGINA DA SILVA e, em relação aos demais apelos, pelo afastamento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento, mantendo a bem-lançada sentença de procedência do pedido.

 

Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Li atentamente os votos e estou acompanhando a divergência.

 

Des. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Acompanho a divergência.

 

Des. Jamil Andraus Hanna Bannura:

Estou acompanhando o relator.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol:

Sr. Presidente, estou acompanhando o voto do relator.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti (voto de desempate do Presidente):

Com a vênia do criterioso voto divergente, estou acompanhando o relator.