RE - 18892 - Sessão: 10/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CALI CRISTINA BARBOSA NUNES, concorrente ao cargo de vereador, contra sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista a existência de diversas irregularidades na contabilidade, notadamente a ausência de apresentação de recibos eleitorais relativamente às doações provenientes de Adrian Dario Pajolchek (fl. 46 e v.).

Nas razões (fls. 51-55), aduz, preliminarmente, o cerceamento de defesa, em razão de não ter sido oportunizada a sua manifestação acerca do parecer conclusivo, em infringência ao disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15. No mérito, sustenta a existência de erro material no lançamento das informações na contabilidade e salienta que os esclarecimentos prestados permitem a elucidação das divergências e a identificação da origem dos recursos, alcançando a finalidade do procedimento de análise das contas. Requer o provimento do recurso, para que, acolhida a preliminar, seja anulada a sentença, possibilitando-se a apresentação de manifestação, nos termos do art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15. Sucessivamente, postula a reforma da decisão e a aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 61-72v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral na data de 18.12.2017 (fl. 47) e o recurso foi apresentado em 22.01.2018 (fl. 50), em conformidade com o disposto na Portaria P n. 290/17, que estabeleceu a suspensão dos prazos processuais no período de 20 de dezembro de 2017 a 20 de janeiro de 2018, inclusive.

Preliminar da PRE. Nulidade da sentença.

Uma das irregularidades referenciadas pela sentença é a ocorrência de arrecadação de recursos em desacordo com o art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com base no comando normativo, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pela nulidade da decisão a quo, ao fundamento de negativa de vigência à Resolução TSE n. 23.463/15, pois o § 3º do art. 18 determina a restituição ou o recolhimento ao Tesouro Nacional conforme a forma prevista no art. 26.

Recentemente, na sessão do dia 14.12.2017, este Tribunal reviu seu posicionamento de remessa dos autos à origem para que nova decisão fosse proferida em decorrência de nulidade. Houve modificação do entendimento, pois apenas o candidato prestador de contas recorreu da sentença.

Daí, ausente recurso do Ministério Público Eleitoral, resta vedada a reformatio in pejus. O julgado paradigma tem ementa conforme segue:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(RE n. 636-62, Relator Dr. Luciano André Losekann, por maioria.)

Afasto, em tais termos, a preliminar.

Da preliminar de cerceamento de defesa

A recorrente suscita prefacial de cerceamento de defesa, ao fundamento de não ter sido oportunizada a sua manifestação acerca do parecer conclusivo, em infringência ao disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15. Em razão disso, requer a anulação da sentença e a concessão de prazo para defesa.

Relativamente à intimação para manifestação do parecer conclusivo, o art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15 dispõe:

Art. 66. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral o notificará para, querendo, manifestar-se no prazo de setenta e duas horas contadas da notificação, vedada a juntada de documentos que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada.

Consoante se observa no teor do dispositivo, apenas é necessária a abertura de prazo para a manifestação do parecer conclusivo quando o órgão técnico indicar a existência de falhas sobre as quais não se tenha oportunizado o contraditório ao candidato, situação que não se amolda ao caso dos autos.

Na situação em análise, verifico que a recorrente apresentou manifestação a respeito dos apontamentos indicados no procedimento técnico de exame da prestação de contas, ocasião em que inclusive foi deferida a dilação de prazo para a apresentação de resposta (fls. 30-33).

Além disso, antes da prolação da sentença, juntou os documentos nas fls. 43-45.

Desse modo, considerando que o parecer conclusivo apenas ratificou os apontamentos já realizados, confrontando-os com os argumentos apresentados pela prestadora, nada acrescentando de inovador, não se vislumbra a ocorrência de prejuízo à defesa, sendo descabida a alegação de seu cerceamento.

Portanto, escorreito o procedimento na origem, rejeito a preliminar.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo de 1º grau, que acolheu o parecer emitido pela unidade técnica no sentido da existência de irregularidades nas contas ensejadoras de desaprovação da contabilidade.

Em síntese, o órgão técnico apontou as seguintes falhas que comprometem a regularidade das contas:

a) o recebimento de doações financeiras acima de R$ 1.064,10, sem observância da formalidade prevista no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15;

b) a escrituração de doações recebidas de outros prestadores sem o registro nas prestações de contas respectivas;

c) a ausência de comprovação documental da regularidade dos recursos estimados recebidos;

d) divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários.

A respeito do primeiro apontamento, a prestadora arrecadou em sua conta de campanha, por meio de depósito em dinheiro, a quantia de R$ 3.000,00, em 29.8.2016, em desacordo com a previsão contida no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que exige a transferência entre contas bancárias para a movimentação de recursos financeiros de valor igual ou superior a R$ 1.064,10:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

Em defesa, a prestadora alega ter corrigido a irregularidade ao proceder ao saque do valor depositado irregularmente.

Entrementes, em consulta ao extrato eletrônico, observo que os recursos foram utilizados para a compensação dos cheques de números 02 e 03, sendo que o saque da quantia apenas foi realizado em 14.9.2016, ou seja, após 15 dias do depósito irregular.

Por isso, remanesce o vício da quantia depositada irregularmente, razão pela qual o recurso deve ser considerado como proveniente de origem não identificada.

No ponto, ressalto que a exigência normativa de realização de doação de campanha por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação.

Ademais, cabe salientar que, após efetuar o saque da quantia, a candidata não realizou o aporte do recurso por meio de transferência bancária, o que atesta em desfavor da sua tese argumentativa.

Como consequência lógica, não apenas o aporte do recurso infringiu a determinação regulamentar, mas também a sua retirada, uma vez que, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15, a realização de gastos eleitorais de natureza financeira apenas podem ser efetuados por meio de cheque nominal ou transferência bancária.

Ainda, friso que a quantia impugnada representa 77,80% dos recursos movimentados na campanha, não sendo possível relevar a irregularidade mediante a aplicação dos princípios da insignificância, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Relativamente ao segundo apontamento, não obstante a prestadora não tenha apresentado as notas fiscais relativas aos recursos declarados como provenientes do órgão partidário, a fim de demonstrar a origem e a licitude das receitas, em consulta ao site eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/ (que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos), constatei a perfeita correspondência entre os valores declarados como recebidos pela prestadora e os constantes no balanço contábil do doador respectivo, de modo que não subsiste a irregularidade identificada.

Na sequência, quanto à ausência de comprovação documental dos recursos estimados recebidos, entendo que os documentos apresentados nas fls. 44-45 atestam que o bem cedido para campanha pertence ao doador, demonstrando, assim, a regularidade do lançamento contábil.

Ainda que assim não fosse, acrescento que o art. 55, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15 dispensa a comprovação da cessão de bens móveis, limitada à quantia de R$ 4.000,00 por pessoa cedente, conforme se observa no particular.

Dessarte, afasto a irregularidade.

Por fim, no que se refere às divergências identificadas entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários, de fato, observo que a prestadora assumiu a realização de lançamentos contábeis equivocados, sem, no entanto, demonstrar documentalmente a verossimilhança das suas alegações.

Registro que, malgrado não se olvide a veracidade das informações prestadas, a existência de discrepâncias entre os lançamentos contábeis e a realidade apresentada nos extratos bancários impõe ao candidato o dever de diligenciar para que os esclarecimentos sejam instruídos com os documentos necessários à elucidação das controvérsias.

Ocorre que, no caso dos autos, a candidata não apresentou notas fiscais, tampouco recibos eleitorais, ônus que lhe incumbia.

Consequentemente, a falha em comento, identificada não apenas quanto às doações provenientes de Adrian Dario Pajolchek, mas em relação a outros fornecedores, aliada ao depósito feito de forma irregular, em quantia que abrange a quase totalidade dos recursos movimentados em campanha, revela a existência de irregularidades que atestam em desfavor da transparência que deve revestir a contabilidade.

Logo, maculada a confiabilidade da escrituração, torna-se imperativa a manutenção da desaprovação das contas.

Assim, a decisão combatida deve ser mantida em sua integralidade.

ANTE O EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.