RE - 31898 - Sessão: 08/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO contra sentença proferida pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral, sediada em Coronel Bicaco, a qual julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta contra ANTONIO SARTORI, prefeito reeleito, e ILIANDRO CESAR WELTER, vice-prefeito, fundamentalmente por entender não haver provas suficientes para amparar a pretensão veiculada (fls. 454-462).

Nas suas razões (fls. 466-473v.), alega a existência de irregularidades na contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de varrição e limpeza das vias públicas, apontando os seguintes argumentos: a) ausência de especificação, no contrato, da quantidade de vias e do período para o término dos serviços; b) realização de aditivo de 25% na contratação, mediante solicitação do Secretário de Obras Esrael Simão Bindé, sem pedido formulado pela contratada e em desacordo com os requisitos exigidos pelo art. 65 da Lei n. 8.666/93; c) intenção eleitoreira da contratação; d) efetivação do contrato em 1º.6.2016 e celebração do aditivo em 22.8.2016, em infringência ao disposto no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97; e) existência de movimentação contábil, pela empresa contratada, apenas no período contratual e a falta de empregados registrados; f) existência de débitos da empresa contratada com o município e ausência de sede administrativa, em desobediência às condições para participar de licitação. Ainda, colhe trechos de depoimentos de testemunhas para sustentar a sua tese. Afirma que o valor pactuado para a realização do serviço não condiz com a realidade. Aduz que o proprietário da empresa contratada apoiou a campanha de candidato a vereador pertencente à coligação dos recorridos. Requer a reforma integral da sentença, determinando a cassação dos mandatos e a inelegibilidade dos recorridos por 08 anos.

Com as contrarrazões (fls. 479-489), vieram os autos, e a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 493-500v.).

É o relatório.

 

(Por unanimidade, suspenderam o julgamento em razão de conexão com outros processos de outros relatores.)

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve publicação no DEJERS em 13.12.2017, quarta-feira, e a irresignação foi apresentada na segunda-feira subsequente, dia 18.12.2017, conforme fl. 466.

O recurso é, portanto, regular e tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Superada a questão da existência de conexão com outros processos, suscitada na sessão de julgamento do dia 8 de maio, passo ao exame do mérito.

Mérito

EDISON BARALDI MACHADO recorre contra a sentença do Juízo da 140ª ZE, a qual entendeu não comprovadas práticas desobedientes à legislação eleitoral, de parte de ANTÔNIO SARTORI, prefeito reeleito do Município de Campo Novo.

De forma específica, entendeu-se como inviável a aplicação do art. 73, inc. V e § 10, da Lei n. 9.504/97, pois “não verificada irregularidade na contratação da empresa D. da Silva Neckel – ME […] tampouco se vislumbra tenham ocorrido práticas tendentes à captação de sufrágio”. Ainda, a decisão da origem concluiu que “não se pode presumir tenha a empresa beneficiada, na pessoa do seu proprietário […], passado a nutrir simpatia em relação aos investigados a ponto de lhes retribuir a graça através do voto e apoio eleitoral”.

O recurso é aguerrido; contudo, adianto que não merece provimento.

Explico.

Os cernes factuais alegados pelo recorrente são os seguintes: teria havido a contratação de empresa de “fachada” para a realização de contratos que não visavam ao atendimento do interesse público, mas sim à reeleição dos representados.

Além: as razões recursais indicam uma série de documentos (Pregão Presencial n. 39/2016, Contrato de Prestação de Serviços n. 70/2016, Memorando n. 49/2016, Planilha Orçamentária), os quais, cotejados com a legislação de regência, teriam resultado em irregularidades da contratação do serviço de limpeza e varrição de vias públicas e configurado o cometimento de abuso de poder político e a prática de conduta vedada.

Ainda conforme o recorrente:

a prova dos autos confirma que a Empresa Neckel só foi contratada no período antecedente às eleições municipais, e que esta encontrava-se em débito com os cofres públicos; que seu proprietário Darci Neckel fez campanha para o candidato a vereador que apoiou a coligação do Sartori; e que a empresa não possui sede social no endereço constante na certidão do CNPJ; e obteve privilégios com relação aos valores da prestação de serviços, às vésperas das eleições municipais, o que é vedado pela legislação, independentemente da legalidade da licitação, que não se pode cogitar, pois a empresa vencedora estava em débito com a municipalidade (certidão positiva).

À análise.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

Cabe considerar que a vedação ao abuso de poder é norma aberta, com a finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica e de posições públicas capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de VELLOSO e AGRA (2010):

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 2ª ed., 2010, p. 377.) (Grifei.)

Considerando que a vedação ao abuso preserva de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta tendente a afetá-la. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

[...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes (2016):

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663) (Grifei.)

 

A irregularidade atribuída, em específico, é a seguinte (Lei n. 9.504/97):

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

E a sentença entendeu não ter sido desobedecida a norma de regência, fundamentalmente nos seguintes termos:

[...]

Todavia, após acurado exame da prova encartada nos autos, não há como acolher a pretensão do investigante, pois restou comprovado, através dos documentos de fls. 51/121, que a contratação entabulada entre o Município de Campo Novo e a empresa Darci Neckel da Silva – ME, ocorreu após os devidos processos licitatórios, segundo as normas insculpidas na Lei das Licitações e regulamentações correlatas, não se identificando, ao menos até prova em contrário, mácula alguma nos procedimentos adotados, muito menos ilicitude de conotação eleitoral.

Paralelamente à referida prova documental, a prova oral colhida em audiência também impossibilita a formação do juízo de convencimento a favor do investigante, pois, de forma concatenada e segura, retrata ter havido observância dos trâmites legais que nortearam os procedimentos licitatórios, resultando nas contratações da empresa, na execução das obras e na prestação dos serviços, sendo tudo devidamente pago e liquidado.

Irretocável. Explico.

Os fatos indicados como irregulares não se adequam à acusação de prática de conduta vedada ou, sequer, forma larga, ao cometimento de abuso de poder.

Nessa direção, alinho-me às considerações do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, pois foram acompanhadas de minuciosa análise da prova testemunhal (fls. 496-498), a qual igualmente transcrevo, e as adoto como razões de decidir:

Consoante se extrai dos documentos juntados aos autos, a EMPRESA COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO ZETE LTDA contratou os garis JOSEMAR CLEITON, MICHAEL DOS SANTOS BUENO e ARI DOS SANTOS, para, conjuntamente com os servidores efetivos da Prefeitura de Campo Novo, exercer as tarefas de limpeza de ruas, recolhimento de galhões, pinturas de cordões e praças, no período de 01/06/2016 a 30/06/2016, conforme documento firmado pelo então Secretário Municipal de Obras e Viação, ESRAEL SIMÃO BINDÉ (fl. 85).

Ouvido em juízo, ESRAEL SIMÃO BINDÉ, disse que exerceu o cargo de Secretário de Obras no Município de Campo Novo em 2016 e que a empresa D DA SILVA NECKEL-ME foi contratada por licitação pela Prefeitura. Disse que os serviços foram concluídos e que três pessoas prestaram o serviço. Disse que a Prefeitura possui somente três funcionários que trabalham de gari e que um deles está em tratamento para drogas. Disse que era necessária a contratação dos serviços para a varrição das vias públicas. Disse que a empresa D DA SILVA NECKEL-ME não possui sede própria e que terceiriza os trabalhadores para prestar os serviços. Disse que o proprietário da empresa, Darci, fez campanha para o “vereador dele”. Disse que acha que Darci mudou para o lado de Sartori, mas que não tem certeza do voto. Disse que a Prefeitura necessitava complementar a prestação de serviços contratando empresas. Disse que o serviço de limpeza de rua sempre é feito e que a limpeza é feita pelos funcionários da Prefeitura, mas que “não dão conta” sozinhos, razão pela qual há a contratação de empresas. Disse que o serviço de limpeza não ocorre somente no período eleitoral, mas que continua acontecendo porque há necessidade.

CLEBER TADEU, ouvido como testemunha, disse que é funcionário concursado da Prefeitura e que foi candidato a vereador pelo mesmo partido do representado ANTONIO SARTORI. Disse que trabalha no setor administrativo na secretaria de obras e agricultura. Disse que em 2016 trabalhou na assistência social. Disse que atualmente a Prefeitura continua contratando empresas para a limpeza das vias públicas e que há serviços sendo realizados pela empresa D DA SILVA NECKEL-ME. Disse que há contrato atual de varrização, contratando por serviço, no total de 12 serviços o ano inteiro, tendo sido contemplada empresa de Ijuí.

A testemunha CLAUDIONIR DA ROSA, contador, concursado na Prefeitura de Campo Novo disse que a empresa de Darci da Silva Neckel já havia prestado serviços para o município. Disse que o serviço de limpeza das ruas é contratado com frequência pelo município, pois há uma carência dentro do município de pessoas que prestam esse serviço.

A testemunha Fernanda Bresolin Vieira disse que é usual o município de Campo Novo contratar empresa para a prestação de serviços de limpeza e varrição de ruas e que, inclusive publicou edital para nova contração em 2017. Disse que pelo menos desde 2014, ano em que ingressou na Prefeitura, há a contratação de serviço de limpeza e varrição de vias públicas. Disse que é comum as empresas contratadas não possuírem sede e não terem empregados contratados para a realização dos serviços. Disse que as licitações são feitas de acordo com a regulamentação (Lei n. 8.666) e que não há qualquer interferência do Prefeito ANTONIO SARTORI no processo licitatório. Em relação ao termo aditivo ao contrato n. 70/2016, disse que foi feito a pedido do Secretário de Obras, porque teve duração de apenas 90 dias e não por 12 meses.

A testemunha Jussara disse que trabalha no setor de compras na Prefeitura de Campo Novo. Disse que a empresa D DA SILVA NECKEL presta serviços até hoje para a Prefeitura e participa dos processos licitatórios, ora vencendo, ora não. Disse que se trata de empresa regular, que trabalha. Não acredita que tenha havido favorecimento da referida empresa para vencer a licitação. Disse que a referida empresa participou recentemente de outro processo de licitação para prestação de serviços de manutenção da limpeza das ruas, pintura de cordão, porém não sagrou-se vencedora. Disse que os funcionários da Prefeitura “não dão conta” de fazer a manutenção dos serviços. Disse que a limpeza e varrição das vias públicas e praças públicas é serviço essencial e que deve ser prestado com frequência.

Daí, em que pese as aguerridas linhas do recurso interposto, não se vislumbra a “eleição parelha que só foi decidida em razão do abuso de poder político utilizado pelos investigados” (fl. 473v.). As provas dos autos não dão suporte à tal alegação.

Não há como elaborar a afirmação com tal dose de contundência.

Há, de fato, uma situação bastante regulamentada pelas normas de regência, exatamente para evitar o uso desmedido da máquina pública para fins eleitoreiros: a contratação de serviços públicos. E a sentença observou o gabarito legal, não merecendo reforma.

Note-se que a documentação dos contratos encontra-se regular e que os testemunhos não dão suporte firme para que se entenda que as acusações procedem, como aferido acima.

Ora, o fato de uma empresa não possuir sede física, ou empregados permanentes, não pode lhe cominar o rótulo de “empresa de fachada”; ademais, há a comprovação e regularidade formal de D DA SILVA NECKEL nos anos anteriores à contratação sob discussão, bem como comprovação de que, ao contrário do alegado no recurso, não fora apenas um casal a laborar no serviço de varrição pública, mas sim três trabalhadores, os quais se juntaram a outros dois, vinculados à Prefeitura de Campo Novo.

Nessa linha, vide a documentação acostada às fls. 56-82 e 85.

A mesma empresa, aliás, já havia contratado com o Município de Campo Novo nos anos de 2011-2012 (fls. 276-277).

Portanto, diante do quadro de claudicância probatória, há de se concluir pela improcedência do pedido – lembre-se das graves consequências das Ações de Investigação Judicial Eleitoral e da necessidade de uma postura minimalista da Justiça Eleitoral, como vem apontando uma série de julgados do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, evitando-se que os tribunais, cada vez mais, tornem-se locus de verdadeiros “terceiros turnos” da competição eleitoral.

Por tudo isso, a prova, para a condenação por abuso de poder ou por prática de conduta vedada, há de ser forte, irrefutável.

O que não é o caso dos autos. A má-fé não pode ser presumida.

Nessa linha, precedente deste Tribunal, o RE n. 344-49, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder. Condutas vedadas. Art. 73, incisos I, II, IV e § 10, da Lei n. 9.504/97. Fornecimento de brita e prestação de serviços com maquinário. Eleições 2012.

Ainda que existente lei municipal autorizadora para as práticas apontadas na inicial, o chefe do executivo municipal e candidato à reeleição, em ano eleitoral, somente pode beneficiar eleitores, de forma gratuita, em regime de exceção.

Não tendo o conjunto probatório comprovado a ocorrência ou não da contraprestação pecuniária, bem como a intenção eleitoral por parte dos recorridos, torna-se temerária eventual condenação com base em indícios e presunções.

Provimento negado

(RE n. 344-49. Julgado em 21.8.2014. Unânime.)

Diante do exposto, e na linha do parecer ministerial, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença pelos próprios fundamentos.