PC - 6783 - Sessão: 10/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se da prestação de contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) do exercício de 2013. Em 27.4.2016, a contabilidade foi desaprovada por este colegiado, sendo que tal julgamento foi posteriormente anulado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que determinou a inclusão dos dirigentes partidários na lide (fls. 482-487).

Foi determinada a reautuação e a inclusão na autuação de ADILSON TROCA e JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE (fl. 494).

Citados (fls. 509-510, 512 e 514), JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE apresentou defesa (fls. 518-520) em que alega ter exercido a função de tesoureiro e que nunca deliberou ou teve conhecimento acerca das receitas financeiras da agremiação. Aduz que, em razão de divergências internas, não era o responsável de fato pela tesouraria do PSDB/RS, e que o aprofundamento de tais divergências levou à sua desfiliação do partido, com a consequente falta de acesso a qualquer documento da entidade, impossibilitando, portanto, o exercício de seu direito de defesa. Requereu a inclusão no processo do tesoureiro adjunto, a sua exclusão da lide e, alternativamente, a absolvição.

ADILSON TROCA apresentou contestação (fls. 531-536) argumentando que, havendo deixado a presidência do partido, não tem mais acesso direto à administração partidária. Alegou que as doações apontadas como oriundas de fonte vedada não são descontadas em folha, mas sim autorizadas pelos contribuintes, no exercício de seu livre arbítrio, mediante débito em conta-corrente. Questiona que “chefe de gabinete” exerça função de autoridade, destaca que os cargos em análise não conferem poder de ordenar despesas e não se submetem  desincompatibilização para concorrer a mandato eletivo, e articula que tais percentuais de valores são pequenos diante do montante declarado na prestação de contas, devendo ser levados em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Requereu a aprovação das contas ou, alternativamente, a aprovação com ressalvas.

O PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) ofereceu defesa (fls. 541-548) alegando que as doações são lícitas, visto que no exercício de 2013 não havia definição legal acerca do conceito de autoridade. Acrescentou que a edição da Lei n. 13.488/17 esclareceu totalmente a questão, excluindo os filiados da vedação. Pontuou que o cargo exercido pelos doadores não detém poder de decisão. Juntou documentos que comprovariam a correta aplicação dos recursos do Fundo Partidário e requereu a aprovação das contas do partido.

Em nova análise técnica, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria (fl. 813) indicou que o partido apresentou a documentação comprobatória dos gastos efetuados com os recursos do Fundo Partidário e manteve a conclusão pela desaprovação das contas pelo recebimento de doações provenientes de fonte vedada.

A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou manifestação (fls. 816-820) opinando pela desaprovação das contas, bem como pelo recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 38.789,22 e pela determinação de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário por 12 meses.

Aberto o prazo para apresentação de alegações finais, o partido reportou-se aos termos da defesa anteriormente apresentada (fl. 829) e ADILSON TROCA reprisou as teses formuladas em sua defesa (fls. 832-835).

É o relatório.

 

VOTO

Em preliminar, JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE alega que exerceu a função de tesoureiro, mas que nunca deliberou ou teve conhecimento das receitas financeiras da agremiação. Menciona divergências internas que acabaram levando à sua desfiliação da agremiação, o que refletiria na falta de acesso a qualquer documento da entidade, de forma que requer a inclusão no processo do tesoureiro adjunto e sua exclusão da lide.

Ocorre que, conforme informação da fl. 498, verifico que o tesoureiro integrou a composição do diretório estadual da agremiação de 28.4.2013 até 20.4.2015.

Logo, considerando que as contas abrangem o exercício financeiro de 2013, subsiste a necessidade de o recorrente integrar, em litisconsórcio necessário com os demais dirigentes do exercício financeiro, o presente feito.

Essa é a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral quanto ao caso, tanto que a contabilidade está sendo trazida novamente à pauta em decorrência do entendimento acerca da necessidade de integração à lide dos responsáveis, uma vez que o “julgamento de contas traz consequências à esfera jurídica não só do partido mas também de seus dirigentes financeiros. Por esse motivo, estes devem ser chamados a integrar a lide para se manifestar a respeito de eventuais falhas” (fls. 482-487).

Na ausência de disposição que determine a inclusão do tesoureiro adjunto, e considerando que as controvérsias aqui examinadas não se referem a atos específicos atribuíveis a estes responsáveis, tenho que é desnecessária a inclusão de mais um interessado requerida na defesa de JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE.

Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade e indefiro o pedido de exclusão da lide.

A prestação de contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), do exercício de 2013, foi anteriormente desaprovada por este colegiado em razão de o órgão técnico ter verificado indícios de ocorrência de doações/contribuições oriundas de fonte vedada - no caso, de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que ostentavam condição de autoridades, ou seja, que desempenhavam função de direção ou chefia - no montante de R$ 38.789,22, indicados na tabela da fl. 157. Além disso, foi apontada a insuficiência da comprovação da correta aplicação dos recursos oriundos do Fundo Partidário em despesas que totalizam R$ 172.196,34.

Após a anulação do primeiro julgamento, foram juntados documentos reputados aptos a comprovar os gastos efetuados com os recursos do Fundo Partidário, de forma que a segunda mácula foi afastada.

Remanesce, dessa forma, a questão do recebimento de doações provenientes de suposta fonte vedada. Observo no documento da fl. 157 que as contribuições questionadas foram realizadas pelos detentores dos cargos de Chefe de Gabinete, Chefe de Gabinete de Líder e Coordenador Geral de Bancada, todos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

Antes de adentrar no mérito do feito, registro que esta Casa, em 12.12.2017, definiu que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO. 

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. 6. Provimento parcialArt. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(RE n. 14-97, Relator Dr. Luciano Andre Losekann.) (Grifei.)

Dessarte, passo ao mérito da contabilidade seguindo esse entendimento.

Com efeito, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada: 

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei.)

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção. (Grifei.)

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos com potencial de malferir a paridade de armas entre os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:  

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.432/14, que, em seu art. 12, inc. XII e § 2º, disciplinou o assunto:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

XII – autoridades públicas; (…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Dessarte, a vedação imposta pela referida Resolução do TSE não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Assim, mesmo que se admita, em tese, que no exercício de 2013 não havia definição legal acerca do conceito de autoridade, pelo menos desde 2007, quando da publicação da resposta à Consulta n. 1428, o Tribunal Superior Eleitoral já estabeleceu que não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que é o caso dos autos.

E a jurisprudência deste Regional seguia o mesmo entendimento, consoante colacionado no julgado que segue, lavrado em 2012:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 1997, Acórdão de 30.7.2012, Relator Dr. Eduardo Kothe Werlang, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 138, Data 01.8.2012, Página 4.) (Grifei.)

Na espécie, os doadores são detentores de cargos de chefia e coordenação, todos considerados fonte vedada, nos termos do que foi acima explicitado.

O fato de as doações serem espontâneas ou a ausência do poder de decisão, de ordenar despesas e de submissão ao regime de desincompatibilização para concorrer a mandato eletivo dos contribuintes não tem aptidão para afastar a irregularidade, sobretudo porque é objetiva a vedação de recebimento de recursos provenientes dos ocupantes de determinados cargos, conforme se expôs.

Assim, a quantia arrecadada de fonte vedada, no total de R$ 38.789,22, deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Embora o valor absoluto não seja inexpressivo, há de se considerar que, em termos percentuais, a mácula não se mostra exorbitante, pois representa tão somente 3,59% do total de receitas (R$ 1.078.875,11), o que autoriza a adoção dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas, ainda que com ressalvas, consoante já assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2010. PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADES. REVALORAÇÃO JURÍDICA DAS PREMISSAS FÁTICAS. POSSIBILIDADE. MONTANTE INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA CAMPANHA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. RECURSOS RECEBIDOS DE FONTE VEDADA. IMPOSIÇÃO DE DEVOLUÇÃO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. In casu, o deslinde da questão implica apenas na análise da realidade fática devidamente assentada pela Corte de origem.

2. O Tribunal a quo, ao retomar o julgamento dos embargos de declaração, registrou que a soma dos itens glosados correspondeu a 3,4% do montante arrecadado.

3. O TSE já decidiu que, diante do caso concreto, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas nas quais as irregularidades verificadas não alcançam montante expressivo em relação ao total dos recursos movimentados na campanha. Precedentes.

4. Agravo regimental provido para acolher parcialmente o recurso especial e, reformando o acórdão regional, aprovar com ressalvas as contas do candidato, com a imposição de devolução de valores recebidos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional.

(Recurso Especial Eleitoral n. 8407, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE, Tomo 206, Data 29.10.2015, Página 46/47.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO no sentido de afastar a preliminar de ilegitimidade e, no mérito, por aprovar as as contas, com ressalvas, do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) relativas ao exercício de 2013, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 38.789,22.