RE - 43146 - Sessão: 10/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JOÃO VALMIR ASSUNÇÃO CARDOSO, concorrente ao cargo de vereador em São Miguel das Missões, contra sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral (fls. 99-100v.), que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2016, em virtude da constatação das seguintes falhas: (a) utilização em campanha de bem próprio que não integrava o patrimônio declarado pelo candidato quando do registro da sua candidatura; (b) recibo eleitoral (fl. 23) não assinado pelo doador; (c) abertura da conta bancária efetuada além do prazo de dez dias contados da concessão do CNPJ; (d) recebimento de valor superior a R$ 1.064,10, em recursos próprios, através de depósito direto em conta; (e) pagamentos realizados de forma diversa da estabelecida no art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões, o recorrente sustenta que o automóvel não estava na relação de bens declarados na ocasião de sua candidatura pois pertencia ao seu falecido pai, mas está em sua posse na condição de herdeiro e usufrutuário. Afirma que a omissão de assinatura do recibo eleitoral foi saneada com a juntada de cópia do documento contendo a devida subscrição. Alega que a conta bancária foi aberta com atraso de apenas um dia em relação ao término do prazo legal, devendo-se tal lapso à morosidade da instituição bancária. Assevera que os pagamentos foram realizados em desacordo com o art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15, em razão de restrição bancária imposta ao candidato - que não pode receber talão de cheques - e devido à entrega do cartão magnético ter sido efetuada somente 30 dias após a abertura da conta, impossibilitando a realização de transferências eletrônicas. Aduz que a doação realizada acima do valor de R$ 1.064,10, por meio de depósito, advém de recursos próprios, consoante comprova o documento de fl. 24, motivo pelo qual não compromete a contabilidade. Por fim, requer a reforma da sentença de primeiro grau para que as contas sejam julgadas aprovadas, ainda que com ressalvas (fls. 112-117).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 122-124).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Não havendo preliminares a enfrentar, passo à análise do mérito.

A primeira falha indicada pela análise técnica diz respeito à cessão de bem móvel próprio para a campanha, qual seja, um automóvel Belina, ano 1983, que não integrava o patrimônio declarado pelo candidato por ocasião do registro de sua candidatura, em infringência ao art. 19, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em sua defesa, o prestador de contas afirma que o veículo pertencia ao seu genitor, falecido em 2010. Alega que não houve a abertura de inventário até o momento e que o bem se encontra em sua posse, mas não em seu nome, razão pela qual não julgou adequado consigná-lo na declaração de patrimônio no registro de candidaturas. Acostou cópias do Certificado e Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) (fl. 37) e da Certidão de Óbito de seu pai (fl. 38), da qual é possível constatar que o genitor do candidato era viúvo e não possuía outros descendentes.

Nessas circunstâncias, por força do princípio da saisine, insculpido no art. 1.784 do Código Civil, conduz à depreensão de que o recorrente, único herdeiro necessário de seu pai, ostentava legitimamente a posse e a propriedade do bem móvel.

Ademais, a ausência do automóvel na declaração patrimonial anterior, diante da manutenção do nome do de cujus no CRLV, representa dúvida razoável ao indivíduo não ilustrado em matéria jurídica e contábil, a partir da qual não é possível extrair má-fé ou dolo omissivo por parte do prestador.

Como se não bastasse, foi atribuído o valor de R$ 900,00 à cessão do bem para todo o período de campanha.

Na prestação de contas, a teor do que dispõe o art. 55, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, é dispensada de comprovação a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 por pessoa cedente, o que não afasta a obrigatoriedade de registro da despesa. Vejamos: 

Art. 55. (…).

[…].

§ 3º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

[…].

§ 4º A dispensa de comprovação prevista no § 3º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I e II do referido parágrafo.

Desta forma, considerando que o valor estimado da cessão não atingiu R$ 4.000,00, não seria obrigatória a comprovação da operação, de modo que, também por tal argumento, a irregularidade apontada no parecer técnico deve ser superada.

Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa deste Regional: 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM RECURSO. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. VEÍCULO. DISPENSADA A COMPROVAÇÃO DA CESSÃO. VALOR DO BEM DENTRO DO LIMITE DA RESSALVA LEGAL. PAGAMENTO DE DESPESA EM ESPÉCIE POR MEIO DO FUNDO DE CAIXA. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. A apresentação de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando se trata de documentos simples capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visam salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha. Conhecimento dos documentos que foram juntados pelo candidato quando da apresentação do apelo.

2. Irregularidade consistente na ausência de comprovação de que veículo cedido para campanha fosse de propriedade da doadora. É dispensada de comprovação a cessão de bens móveis limitada ao valor de R$ 4.000,00 por pessoa cedente, o que não afasta a obrigatoriedade de registro da despesa. No caso, o valor estimado da cessão não atinge o limite legal. Falha superada.

3. Pagamento de despesas em espécie por meio de fundo de caixa. Gasto comprovado na escrituração, mediante juntada do documento fiscal em valor exatamente coincidente ao do saque na conta de campanha, não havendo indicativo de prejuízo à transparência das contas. Irregularidade que representa valor absoluto diminuto.

4. Reforma da sentença para aprovar com ressalvas as contas. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE n. 212-55, Relator Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Sessão de 14.11.2017.)  (Grifei.)

Quanto ao recibo eleitoral apresentado sem assinatura do doador (fl. 23), verifica-se que, no prazo para manifestação acerca do parecer conclusivo, o candidato juntou o documento devidamente assinado (fl. 39). Portanto, o referido apontamento não subsiste.

Em relação à abertura de conta bancária após o prazo de 10 dias contados da concessão do CNPJ, ao contrário do sustentado pelo recorrente, não há evidências de que a instituição bancária tenha inobservado os prazos exigidos pela Resolução TSE n. 23.463/15, em especial o previsto em seu art. 11, inc. I.

Desse modo, o desatendimento do art. 7º, § 1º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15, não acarretando prejuízos à transparência da movimentação financeira, motiva a aposição de ressalvas sobre a contabilidade.

Comporta idêntica solução o apontamento relativo ao recebimento de R$ 1.500,00 através de depósito direto, em desacordo com o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Sobre o tópico, o magistrado sentenciante, analisando os extratos bancários de fls. 06 e 83, acertadamente concluiu pela comprovação de que a doação é procedente de recursos do próprio candidato, retirados de sua conta poupança, “o que está demonstrado pelos saques sucessivos e contemporâneos ao referido depósito”.

Muito embora a identificação da origem da doação e a confirmação da sua licitude afastem a imposição de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, a inobservância estrita do teor normativo impõe a atribuição de ressalvas às contas.

É o entendimento acolhido por este Tribunal: 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO E VICE. DOAÇÕES EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. CHEQUE. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. IDENTIFICADA ORIGEM DOS RECURSOS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminar. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo, quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

3. Realizado depósito de cheque, sem ter sido observada a determinação da transferência eletrônica, ultrapassando o limite legal previsto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. No entanto, demonstrada a compensação do cheque na mesma data em que foi efetuado o depósito, conforme sumário da conta-corrente pessoal do candidato principal, bem como identificado, por meio do CPF, o doador como sendo o próprio candidato. No caso concreto, a prova documental, tempestivamente apresentada pelo prestador, supre a exigência da transferência eletrônica, em razão de ter sido alcançada a finalidade da norma. Comprovada a origem lícita dos recursos e possibilitado o controle da movimentação financeira. Ausente prejuízo. Aprovação com ressalvas.

4. Provimento.

(TRE-RS, RE n. 452-51, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sessão de 23.8.2017.) (Grifei.)

Por derradeiro, o órgão técnico apurou a realização de saques para pagamentos em espécie, no somatório de R$ 3.038,00, em desacordo com o art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15, segundo o qual os gastos devem ser efetuados por meio de cheque nominal ou transferência bancária, sempre com identificação do beneficiário.

O recorrente argumenta que não recebeu talões de cheques por restrições bancárias, e que o cartão magnético não lhe foi fornecido em tempo hábil para a realização das despesas. Dessa forma, foi por meio de pagamento em espécie a única forma de realização oportuna dos gastos de campanha.

Não prosperam as razões invocadas, na medida em que as despesas poderiam ser adimplidas por meio de transferências bancárias, como faculta o art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15. Essa espécie de operação financeira prescinde da utilização de cartão bancário, pois pode ser efetivada a partir de internet banking ou pelo atendimento pessoal na própria agência bancária.

De outro modo, pretendesse o candidato quitar os gastos de pequena monta em dinheiro, deveria constituir uma reserva em sua conta bancária e observar os limites financeiros e os meios de comprovação impostos pelos arts. 34 e 35 da Resolução TSE n. 23.463/15, que disciplinam o manejo do chamado Fundo de Caixa, o que não ocorreu no caso em análise.

Outrossim, como bem ressaltado na decisão combatida, “houve pagamento em dinheiro de despesas no valor de R$ 1.250,00, R$ 636,88 e R$ 841,20, que ultrapassam o limite de R$ 300,00 disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.463/2015”, tornando o procedimento incompatível com a gestão lícita de recursos em espécie na campanha eleitoral.

Desse modo, a irregularidade em tela impossibilita o efetivo controle da Justiça Eleitoral sobre o financiamento da campanha e viola o ordenamento jurídico, comprometendo a regularidade, a confiabilidade e a transparência das contas apresentadas, importando na desaprovação da contabilidade.

Insta anotar que o valor da falha pontuada inviabiliza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que equivale a aproximadamente 44,5% do total das receitas arrecadadas (R$ 6.821,25).

Portanto, irretorquível a sentença que concluiu pela desaprovação das contas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.