RC - 10603 - Sessão: 17/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo Eleitoral da 37ª ZE, que julgou improcedente a denúncia oferecida para condenar o réu nas sanções do delito de inscrição fraudulenta de eleitor, previsto no art. 289 do Código Eleitoral, pelo fato assim descrito na peça acusatória:

No dia 07 de fevereiro de 2012, no interior do Cartório da 37ª Zona Eleitoral desta cidade, o denunciado tentou inscrever-se fraudulentamente eleitor (…), mediante apresentação de documentos falsos (carteira de identidade, certificado de dispensa de incorporação do Ministério da Defesa e como comprovante de endereço, apresentou um recibo de aluguel subscrito por Milton José Almeida Filho) com o seu prenome e o prenome de seu genitor diversos dos verdadeiros.

Por consequência, na ocasião do alistamento, houve colisão dos registros eleitorais, pois no sistema de cadastro de eleitores foi verificado que havia um eleitor lotado na 34ª Zona Eleitoral de Pelotas/RS com o mesmo nome e data de nascimento, todavia com os prenomes acima referidos diferentes. De imediato, a divergência foi constatada pelo funcionário que atendia o denunciado que, ao ser indagado sobre já possuir inscrição eleitoral, alegou que nunca a teve. Diante de tais fatos, foram solicitados ao acusado documentos adicionais, não tendo WALDEMAR retornado à 37ª Zona Eleitoral e, portanto, não logrando êxito em seu intento.

A denúncia foi recebida no dia 30 de outubro de 2013 (fl. 128).

O acusado ofereceu contestação nas fls. 183-187 e foi interrogado em 13 de maio de 2015 (fl. 328). As testemunhas foram ouvidas em 05 de outubro 2015 (fl. 375)

Alegações finais nas fls. 403-405 e 410-415.

Na sentença, fls. 417-420, o juízo considerou demonstrada a materialidade do delito pelo requerimento de alistamento eleitoral e condenou o réu à pena de um ano e seis meses de reclusão, aumentado-a em três meses por considerá-lo reincidente e, aplicando a minorante da tentativa, tornou a pena definitiva em um ano e dois meses de reclusão.

Irresignado, o réu interpôs recurso eleitoral, suscitando, preliminarmente, a nulidade do interrogatório e dos atos posteriores e, no mérito, requereu a reforma de decisão, aos argumentos de atipicidade da conduta e de ausência de dolo.

Com as contrarrazões (fls. 434-437), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento parcial do recurso apenas para afastar a reincidência na dosimetria da pena.

Este Tribunal acolheu a preliminar e declarou a nulidade do interrogatório e, consequentemente, da sentença, determinando a remessa dos autos ao juízo de 1º grau para a realização de novo interrogatório e abertura de prazo para apresentação das alegações finais, preservando-se os demais atos da instrução (fls. 451-456).

O juízo a quo deprecou o interrogatório do réu, que foi realizado perante o juízo da 34ª Zona Eleitoral – Pelotas (fls. 499-501).

Apresentaram alegações finais a acusação (fls. 508-510) e a defesa (fls. 512-518).

Na sentença (fls. 520-521), o juízo considerou os meios utilizados pelo réu para a obtenção da inscrição eleitoral inaptos para a consecução de seu objetivo, julgando improcedente a denúncia.

Em suas razões recursais (fls. 524v.-526v.), o Ministério Público Eleitoral aduz que a documentação apresentada pelo réu para instruir o requerimento de inscrição aparentava regularidade, reputando equivocada a caracterização da ineficácia absoluta do meio, e requer a reforma da sentença para condenar o réu nas penas do art. 289 do CE.

Em contrarrazões (fls. 531-534), o réu repisa a tese de inexistência de potencialidade lesiva e de atipicidade da conduta, pugnando pelo não provimento do apelo.

Nesta instância (fls. 539-543), a Procuradoria Regional Eleitoral afirma demonstradas a materialidade e a autoria do delito, bem como evidenciado o dolo, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso, para a reforma da sentença e condenação do réu.

É o relatório.

À douta revisão.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 09.10.2017 (fl. 523) e o recurso foi interposto no mesmo dia, (fl. 524), dentro do prazo de 10 (dez) dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

MÉRITO

O réu foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 289 do Código Eleitoral, crime que ofende a formação, a higidez e a veracidade do corpo eleitoral, do próprio cadastro da Justiça Eleitoral:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

A respeito do tipo penal em destaque, a doutrina e a jurisprudência o reconhecem como sendo crime de mão própria (TSE - RESPE n. 10235/MS, Relator Min. Herman Benjamin, Julgado em 17.11.2016, DJE de 12.12.2016, p. 34-35.) e meramente formal (TRE-DF – RCRIM n. 963 DF, Relator Alfeu Machado, Julgado em 14.03.2012, DJE-DF de 21.3.2012, p. 3-4.).

Há, contudo, dissenso no que diz respeito à necessidade de dolo específico – para fins eleitorais, com a corrente majoritária entendendo pela desnecessidade, posição à qual me filio, pois conforme Suzana de Camargo Gomes: […] A exigência de dolo específico para a figura em comento não encontra sustentação legal, posto que o tipo do art. 289 do Código Eleitoral não impõe deva a inscrição fraudulenta ser realizada para um fim específico, não havendo sequer a menção de que seja levada a efeito para obtenção de alguma vantagem eleitoral para si ou para outrem (Suzana Camargo Gomes. In: Crimes Eleitorais, 3ª Edição, revista, atualizada e ampliada, Ed. Revista dos Tribunais).

No caso dos autos, inicialmente, observo que a peça acusatória se alicerça na informação prestada pelo Cartório Eleitoral, na qual é relatada a negativa de realização da inscrição eleitoral de WALDEMAR FERREIRA DOS SANTOS FILHO, em razão da coincidência verificada pelo sistema de gerenciamento do cadastro eleitoral entre as informações fornecidas pelo eleitor e as constantes no banco de dados da Justiça Eleitoral.

Por elucidativo, transcrevo trecho da peça acusatória:

Por consequência, na ocasião do alistamento, houve colisão dos registros eleitorais, pois no sistema de cadastro de eleitores foi verificado que havia um eleitor lotado na 34ª Zona Eleitoral de Pelotas/RS com o mesmo nome e data de nascimento, todavia com os prenomes acima referidos diferentes. De imediato, a divergência foi constatada pelo funcionário que atendia o denunciado que, ao ser indagado sobre já possuir inscrição eleitoral, alegou que nunca a teve. Diante de tais fatos, foram solicitados ao acusado documentos adicionais, não tendo WALDEMAR retornado à 37ª Zona Eleitoral e, portanto, não logrando êxito em seu intento.

A respeito do requerimento de alistamento eleitoral, o art. 33 da Resolução TSE n. 21.538/03 dispõe:

Art. 33. O batimento ou cruzamento das informações constantes do cadastro eleitoral terá como objetivos expurgar possíveis duplicidades ou pluralidades de inscrições eleitorais e identificar situações que exijam averiguação e será realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, em âmbito nacional.
§ 1º As operações de alistamento, transferência e revisão somente serão incluídas no cadastro ou efetivadas após submetidas a batimento.
§ 2º Inscrição agrupada em duplicidade ou pluralidade ficará sujeita a apreciação e decisão de autoridade judiciária.
§ 3º Em um mesmo grupo, serão sempre consideradas não liberadas as inscrições mais recentes, excetuadas as inscrições atribuídas a gêmeos, que serão identificadas em situação liberada.
§ 4º Em caso de agrupamento de inscrição de gêmeo com inscrição para a qual não foi indicada aquela condição, essa última será considerada não liberada. (Grifei.)

Consoante se observa do teor do dispositivo, apenas é possível inserir informações no cadastro eleitoral após a realização de cruzamento de dados pelo sistema informatizado, sendo, portanto, operação que antecede o requerimento de alistamento.

Na situação em análise, ainda que se conferisse aos documentos apresentados pelo acusado aparência de regularidade, e se reputasse comprovada a sua intenção de infringir a legislação eleitoral, verifica-se que sequer foi possível efetivar o procedimento no cadastro, diante da duplicidade identificada de imediato pelo sistema.

Por isso, considerando que a inserção de dados e informações é pressuposto para a configuração de crime, entendo que a decisão de piso foi proferida com acerto, ao reconhecer a ineficácia do meio empregado pelo réu para a realização da inscrição fraudulenta.

Isso porque, tendo o réu se valido de documento contendo informações verdadeiras quanto a sua identificação civil, o sistema automaticamente reconhece a possibilidade de coincidência e impede a efetivação da operação.

Nesse sentido, colho os seguintes arestos:

Recurso Criminal. Inscrição fraudulenta. Eleitor. Declaração falsa para fins eleitorais - Art. 289 da Lei 4.737, de 15.7.1965 (Código Eleitoral). Ação julgada procedente. A fraude consistente na apresentação de documento particular com finalidade de obter inscrição eleitoral. Transferência eleitoral não realizada. Ausência de potencialidade lesiva. Atipicidade da conduta. Absolvição, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Concurso de Agentes. Recurso interposto por um dos réus. Extensão da absolvição.Recurso provido.

(RC n. 805267, Acórdão de 18.10.2010, Relator Maurício Torres Soares, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico - TREMG, Data 21.10.2010.)

 

RECURSO CRIMINAL - DENÚNCIA - CRIME ELEITORAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - DECLARAÇÃO FALSA EM DOCUMENTO PARTICULAR PARA FINS DE TRANSFERÊNCIA ELEITORAL - CONDENAÇÃO DO RECORRENTE EM 1ª INSTÂNCIA - INEFICÁCIA DO MEIO EMPREGADO - CRIME IMPOSSÍVEL - REFORMA DA SENTENÇA - ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE. - A hipótese prevista no art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, inserção de declaração falsa em documento público ou particular, enquadra-se na categoria de "crime meio", pela qual se objetiva alcançar um resultado, também ilícito, e, portanto, tipificado como crime, que no caso dos autos, revela-se pela conduta prevista no art. 289, ou seja, inscrição fraudulenta. Detecção, pela justiça eleitoral, do ardil que pretendia utilizar o recorrente. A transferência eleitoral sequer foi iniciada. O estratagema documental, que pretendia implementar o recorrente, não teve potencialidade para enganar, ocorrendo, in casu, a hipótese de crime impossível, prevista no art. 17 do Código Penal, quando nem mesmo a tentativa é punida, haja vista a ineficácia do meio empregado.

(TRE-SC - RC EM PROCESSO n. 3 SC, Relator Samir Oséas Saad, julgamento em 06.7.2009, publicado no DJE - Diário de JE, Tomo 123, Data 10.7.2009, Página 4.) (Grifei.)
 

RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. ART. DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. OMISSÃO DE BENS. CANDIDATURA. DOLO NECESSÁRIO. FINALIDADE ELEITORAL. POTENCIALIDADE DANOSA RELEVANTE. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. PRECEDENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Para caracterização do crime do art. 350 do Código Eleitoral, eventual resultado naturalístico é indiferente para sua consumação - crime formal -, mas imperiosa é a demonstração da potencialidade lesiva da conduta omissiva, com finalidade eleitoral.

 

(TSE - ARESPE n. 28422 SP, Relator: Joaquim Benedito Barbosa Gomes, julgamento em 19.8.2008, publicado no DJ - Diário da Justiça, Data 12.9.2008, Página 13.)

Por isso, entendo que a absoluta ineficácia do meio empregado pelo réu para se passar por eleitor diverso, detectado de plano pelo sistema informatizado da Justiça Eleitoral, inviabiliza a ocorrência do delito, nos exatos termos do art. 17 do Código Penal, que dispõe:

Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

Ressalto, por fim, que não se trata de ignorar a gravidade da conduta do réu, tampouco relegar ao oblívio a aparência de veracidade da documentação apresentada aos servidores da Justiça Eleitoral, mas sim de reconhecer, na hipótese, a impossibilidade de dano ou prejuízo ao bem juridicamente tutelado, isto é, a higidez e a fidedignidade do cadastro de eleitores.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.