E.Dcl. - 4809 - Sessão: 09/03/2018 às 12:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão das fls. 303-307v. que, por unanimidade, desaprovou as contas do diretório regional do Partido Republicano Brasileiro (PRB) relativas ao exercício financeiro de 2015, determinou o recolhimento da quantia de R$ 17.966,00 ao Tesouro Nacional e suspendeu o repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um) mês.

Em suas razões (fls. 312-321), sustenta a existência de contradição e de omissão no tocante ao disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, o qual requer o prequestionamento, bem como quanto à jurisprudência do TSE indicada expressamente no parecer às fls. 224-231. Alega que, a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 4930, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral expandiu o alcance do conceito de “autoridade”, passando a abranger os agentes políticos. Argumenta que a decisão, sem demonstrar a superação do entendimento do Tribunal, apreciou o recurso tão somente com base nas razões relativas ao enquadramento dos cargos demissíveis ad nutum, silenciando quanto à integração dos agentes políticos no conceito de autoridade. Em relação à mudança do posicionamento adotada na CTA n. 109-98, invoca a violação ao princípio da isonomia/paridade de armas no âmbito eleitoral entre os partidos políticos, tanto em relação àqueles que cumpriram o disposto na consulta quanto aos que não cumpriram mas foram punidos, salientando a necessidade de observância da segurança jurídica, com arrimo em precedente jurisprudencial do TSE. Postula o conhecimento e acolhimento dos embargos para sanar as omissões e contradições e conceder efeitos modificativos, a fim de que sejam considerados como provenientes de fontes vedadas os recursos oriundos de agentes políticos.

É o relatório.

VOTO

Os aclaratórios merecem ser rejeitados, em que pesem os argumentos expostos pelo Parquet.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, dispositivo legal que, na redação vigente à época da arrecadação de recursos, vedava o recebimento de doações advindas de autoridade é o fundamento e está mencionado em todos os precedentes arrolados no voto condutor do acórdão, quais sejam, a Consulta n. 0602250-55, do Tribunal Superior Eleitoral, os Recursos em Prestação de Contas ns. 3316 e 3236, do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, e a Prestação de Contas n. 23788, do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas.

Assim, não há como entender que a decisão tenha se omitido quanto a tal regra, tampouco tenha sido contraditória no particular.

Ademais, quanto ao pedido de prequestionamento, a novel redação do art. 1.025 do Código de Processo Civil considera incluídos no acórdão os elementos suscitados pelo embargante, ainda que o recurso seja inadmitido ou rejeitado, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Quanto à superação do juízo adotado na CTA n. 109-98, tenho que a evolução do posicionamento deste Tribunal não representou afronta ao princípio da isonomia e da paridade de armas entre os partidos políticos.

Primeiro porque, conforme foi consignado na decisão embargada, o “TSE não tem posição definida sobre a doação de titulares de mandatos eletivos”, e a matéria pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal, de modo que o jurisdicionado não detinha a segurança jurídica necessária para afirmar que a mudança de entendimento deste Tribunal implicaria violação da isonomia e da paridade de armas. Dito de outro modo, a questão é controversa, e a falta de definição dos tribunais superiores sobre a matéria impede que o jurisdicionado tenha legítima expectativa de continuidade das decisões em um ou outro sentido.

Segundo, tendo em vista que o precedente invocado pelo embargante – RE n. 14-97, em voto de lavra do Des. Eduardo Augusto Dias Bainy – trata de sucessão de leis no tempo e, como se sabe, nosso sistema jurídico não atribui a mesma força normativa a atos legislativos e decisões judiciais. O magistral voto do Des. Bainy invocado nos aclaratórios diz respeito à situação diversa: alteração de dispositivo de lei e sua aplicação no tempo, e não o que se apresenta aqui, evolução no posicionamento do colegiado acerca de interpretação jurídica sobre expressão constante em dispositivo legal.

Marcelo Roseno de Oliveira, em artigo denominado “Viragem jurisprudencial em matéria eleitoral e segurança jurídica: estudo sobre o caso da declaração de inconstitucionalidade do recurso contra expedição de diploma pelo Tribunal Superior Eleitoral” (Estudos Eleitorais, Brasília, DF, v. 9, n. 2, p. 83-105, maio/ago. 2014. Disponível em http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/1606, acesso em 24.01.18), menciona que: 

Ainda que se cogite, na atualidade, sobre uma crescente aproximação entre as famílias jurídicas romano-germânica e anglo-saxã, a distinção entre os sistemas forjados numa e noutra matriz reside fundamentalmente no reconhecimento da jurisprudência como fonte de direitos e, portanto, em sua função criativa (LIMA, 2013, p. 59).

O contraste, segundo Wambier (2009, p. 130), está em que “nos sistemas de common law, o direito é feito pelo juiz (judge-made-law) e, nos sistemas de civil law, quem cria o direito é o Poder Legislativo”.

Terceiro, em razão de que a modulação dos efeitos da alteração da jurisprudência é possibilidade que o Código de Processo Civil, no § 3º do art. 927, confere ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores nos casos de jurisprudência dominante ou julgamento de casos repetitivos.

Note-se: se em espécies de tal repercussão – jurisprudência dominante e casos repetitivos – a modulação é apenas uma possibilidade, não uma imposição, tal providência certamente não é exigível em decisões de tribunais regionais que representem viragens jurisprudenciais.

Mesmo o Supremo Tribunal Federal, quando recomendou a aplicação do princípio da anterioridade eleitoral também em relação às mudanças jurisprudenciais, o fez em relação às decisões do Tribunal Superior Eleitoral, e não de forma irrestrita, como se verifica na ementa do processo julgado em regime de repercussão geral:  

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. [...]

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral deve adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: [...]

(2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

(RE n. 637485, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 01.8.2012, Acórdão Eletrônico, repercussão geral, mérito DJe-095, divulgação em 20.5.2013, publicação em 21.5.2013) (Grifei.)

 

Dessa forma, por qualquer ângulo que se observem os argumentos veiculados nos aclaratórios, não é possível vislumbrar contradições, omissões ou afronta ao princípio da isonomia e da paridade de armas.

Com essas considerações, VOTO pelo conhecimento e rejeição dos aclaratórios.