RE - 44177 - Sessão: 25/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso contra a sentença que julgou improcedente a representação por condutas vedadas a agentes públicos ajuizada contra JULIANO DA SILVA e MOACIR MARCHESAN, candidatos à reeleição como Prefeito e Vice-Prefeito de Cruz Alta, respectivamente, FÁBIO RODRIGO PRUDÊNCIO DE CAMPOS, servidor público municipal, e PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) DE CRUZ ALTA, entendendo não comprovada, por insuficiência de provas, a infração ao disposto no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 nos fatos narrados na inicial.

Nas razões recursais, sustenta ter sido comprovada a conduta vedada relativa à utilização da sede da Prefeitura de Cruz Alta, dos telefones custeados pela municipalidade e de servidor público, em benefício da campanha dos candidatos recorridos. Alega que as fotografias colacionadas ao feito e a prova testemunhal demonstraram que o candidato JULIANO DA SILVA permitiu a realização de filiações ao PDT nas dependências do imóvel público, e que o servidor FÁBIO RODRIGO PRUDÊNCIO DE CAMPOS, em horário de expediente e no mesmo local, recebeu contribuições em favor do partido. Aponta ter sido evidenciado o uso de telefone e do trabalho de servidores do Município de Cruz Alta, em horário de expediente, para convocar eleitores a comparecerem na sede do PDT. Assevera a ocorrência de quebra da isonomia do pleito em função do uso da máquina pública em benefício da campanha dos recorridos e de seu partido político. Invoca os §§ 4°, 8° e 9° do art. 73 da Lei das Eleições, doutrina e jurisprudência. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença (fls. 195-203).

Com as contrarrazões (fls. 207-212v.), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 215-222).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Conforme consta dos autos, o pedido condenatório é baseado nas seguintes condutas vedadas: realização de filiações ao PDT das eleitoras Júlia de Lourdes Baptista da Silva e Cirlei Flores Pereira e recebimento de suas respectivas contribuições partidárias, em benefício da agremiação, nas dependências da Prefeitura de Cruz Alta; uso de telefone custeado pela municipalidade para efetuar ligações telefônicas à eleitora Ana Paula Mayer de Lima e utilização do trabalho do servidor Fábio Rodrigo Prudência de Campos em benefício do partido político.

Relativamente a Júlia de Lourdes Baptista da Silva, o juízo a quo considerou que os fatos não foram devidamente comprovados porque, muito embora a eleitora tenha prestado depoimento ao Ministério Público Eleitoral, na fase extrajudicial, narrando ter assinado a ficha de filiação ao PDT na sede da prefeitura, em juízo a versão não foi confirmada.

Na audiência de instrução, Júlia disse que assinou a ficha de filiação na pet shop de propriedade de Marco Antônio dos Santos Porto Alegre e que, após, o empresário a levou até a prefeitura para que conhecesse o prefeito e tirasse uma foto.

Marco Antônio dos Santos Porto Alegre, por sua vez, prestou depoimento judicial confirmando a versão de Júlia de Lourdes Baptista da Silva.

A fotografia em questão foi postada nas redes sociais e no texto da publicação está escrito: “Obrigado dona Júlia! Hj filiada no PDT. Com Prefeito Juliano 12!!”. Não há referência à assinatura da ficha de filiação nas dependências do prédio público.

No tocante à realização de telefonemas a partir de telefones custeados pelo Poder Executivo Municipal, a informante Ana Paula Mayer de Lima declarou ter recebido ligações, em horário de expediente, para comparecer a eventos políticos, mas não soube dizer com quais servidores públicos conversou.

A testemunha Rosane dos Santos Mello, telefonista da prefeitura, e a informante Pâmela da Silva Ferreira, assessora do Prefeito Juliano, negaram a prática das infrações.

Os Deputados Estaduais Darci Pompeo de Mattos e Gilmar Sossella em nada contribuíram para a elucidação dos fatos.

Ocorre, no entanto, que a testemunha Cirlei Flores Pereira ratificou as declarações prestadas inicialmente à Promotoria Eleitoral e reconheceu ter comparecido à sede da prefeitura em 03.02.2016, ocasião em que falou com “uma tal de Carla” para realizar a filiação ao PDT.

Depois dessa data, ou seja, no ano do pleito, a eleitora confirmou ter realizado pagamentos de contribuições partidárias em favor da agremiação, pela manhã, no horário de expediente da administração municipal, entregando os valores ao servidor Fábio Rodrigo Prudência de Campos e a outro rapaz lotado na Secretaria Municipal de Educação, cujo nome não identificou.

Embora a eleitora tenha frisado que se dirigiu à prefeitura de forma espontânea, porque seu marido já era filiado ao PDT, seu testemunho vai ao encontro da tese exposta na inicial, no sentido de que o servidor público Fábio Rodrigo Prudência de Campos trabalhou a serviço do PDT quando estava cumprindo horário de trabalho na Prefeitura de Cruz Alta.

Sobre a questão, a magistrada sentenciante ressaltou a fragilidade do conjunto probatório, porquanto o depoimento de Cirlei Flores sobre a realização de pagamentos de contribuições partidárias ao servidor Fábio Prudêncio é uma versão “absolutamente isolada nos autos, nada havendo que se preste a corroborá-la”.

Além disso, concluiu que o fato não seria suficiente para se caracterizar como conduta vedada por utilização de bem público em benefício de candidato ou partido, porque a percepção do numerário não seria tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos e gerar desequilíbrio no pleito eleitoral.

Consigno que meu entendimento é diferente do alcançado pela nobre juíza singular quanto à configuração da infração.

As condutas vedadas constituem-se em espécie do gênero “abuso de poder”, e o fato considerado como conduta vedada (art. 73 da Lei das Eleições) pode ser apreciado como abuso de poder apto a gerar a inelegibilidade prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Precedentes.

O abuso de poder político ou de autoridade consiste em ação ímproba do administrador com o objetivo de influenciar o Pleito de forma ilícita, usando indevidamente do cargo ou da função pública para beneficiar determinada candidatura, situação evidenciada do exame dos autos.

Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, pág. 503-504) traz lição sobre as condutas vedadas, no sentido de que estas visam tutelar o princípio da isonomia entre os candidatos, sendo desnecessária a verificação de ofensa à lisura, normalidade ou legitimidade da eleição, pois é suficiente que seja afetada a igualdade entre os candidatos:

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.(...)

 

Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73, da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei)

É cediço que as campanhas eleitorais são marcadas pela coleta de valores utilizados para alavancar as candidaturas, sendo certo que o recebimento de recursos por servidor municipal, durante o horário de expediente da administração pública, é facilidade indevida dirigida ao fomento dos candidatos apoiados pela situação em prejuízo dos demais concorrentes ao pleito.

Seja pela utilização indevida do prédio público ou do serviço do funcionário público, que deixa de realizar suas atividades de rotina para trabalhar em benefício do partido político, há prática de infração eleitoral caracterizadora de conduta vedada nos fatos narrados na inicial, prevista nos incs. I e III do art. 73 da Lei das Eleições, independentemente da efetiva influência dos fatos no resultado do pleito.

Todavia, na hipótese dos autos, entendo que foi correta a decisão de improcedência, pois o único elemento que fundamentaria eventual condenação consistiria em prova testemunhal única e exclusiva. O art. 368-A do Código Eleitoral é expresso ao determinar que “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Ainda que seja possível fixar somente multa para sancionar a prática de condutas vedadas a agentes públicos, entendo que, no caso dos autos, a prova coligida não se apresenta robusta e incontroversa, sendo incapaz de atrair o decreto condenatório.

A respeito deste tema, a elucidativa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que invoca a compreensão da reserva legal proporcional:

ELEIÇÕES 2008. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo. A posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave abuso, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade.

(...)

5. Inviável no caso concreto novo reenquadramento jurídico dos fatos, pois necessário seria o reexame das provas dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral.

6. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1627021, Acórdão de 30.11.2016, Relator Min. GILMAR MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 20.3.2017, Página 90) (Grifei.)

 

AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, III, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a incidência das sanções de multa e de cassação do diploma (art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97) deve observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

2. No caso dos autos, os agravados foram multados pela prática da conduta vedada do art. 73, III, da Lei 9.504/97, pois o Secretário Adjunto de Saúde de Pirapora/MG e sua assistente ordenaram que duas agentes comunitárias convidassem gestantes durante o horário de expediente para palestras e consultas médicas que ocorreriam em 1º.9.2012. Esse convite, porém, teve como real objetivo a participação dessas pacientes na gravação de programa eleitoral.

3. Considerando que o ilícito foi praticado uma única vez e contou com a participação de somente quatro servidores, a imposição de multa no mínimo legal a cada um dos agravados revela-se consentânea com esses princípios.

4. Agravos regimentais desprovidos.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 122594, Acórdão de 25.6.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Tomo 148, Data 12.8.2014, Página 100-101) (Grifei.)

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.