RE - 51293 - Sessão: 02/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso, fls. 530-549v., em face da sentença, fls. 524-529v., a qual julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada contra COLIGAÇÃO EXPERIÊNCIA E UNIÃO POR ITATI, ANA PAULA BRUSCH KNEVITZ, ANDIARA WITT, LUCIENE VIEIRA KNEWITZ, SILMA REGINA DA SILVA CHAVES, DEROCI OSÓRIO FERNANDES MARTINS, DIOVANI CHAVES DA SILVA, EVERALDO INÁCIO DA SILVA, JOSÉ ODAIR JUSTIN, NILTON CELSO DA SILVEIRA, VALDIR DE MELO CARDOSO, VALOIR DA SILVA e NESTOR VOLN BECKER, ao entender não comprovado o lançamento de candidaturas femininas de forma fraudulenta, com o intuito de obedecer a proporção fixada na norma de regência.

Nas razões, o Parquet argumenta que há prova, nos autos, apta a comprovar o caráter fictício de uma das candidaturas femininas lançadas pela coligação recorrida, pois a candidata SILMA REGINA DA SILVA CHAVES não recebeu voto, além de não ter realizado campanha. Aduz que os depoimentos de SILMA perante o Ministério Público Eleitoral e o juízo foram contraditórios e que a candidata não teve receitas ou despesas de campanha eleitoral. Conclui, portanto, que a coligação recorrida concorreu com quinhão inferior ao mínimo legal de candidaturas femininas, incorrendo em fraude e abuso de poder. Requer o provimento do recurso e o reconhecimento da prática de fraude e de abuso de poder na composição da lista de candidatos às eleições proporcionais, desconstituindo-se os mandatos obtidos pela Coligação, titulares e suplentes e, por consequência, sejam considerados nulos os votos obtidos, distribuindo-se os mandatos conforme a legislação de regência.

Com as contrarrazões de SILMA REGINA DA SILVA CHAVES, fls. 556-561, de DEROCI OSÓRIO FERNANDES MARTINS, fls. 563-567, e de VALOIR DA SILVA E JOSE ODAIR JUSTIN, fls. 570-573, os autos vieram para esta instância, e a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso, por fundamento diverso: entende caracterizada a fraude, mas sem consequências jurídicas devido à exclusão do PTB de Itati da COLIGAÇÃO EXPERIÊNCIA E UNIÃO POR ITATI (fls. 576-581).

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

A sentença foi publicada no dia 20.11.2017 (fl. 528). O Ministério Público Eleitoral foi intimado no mesmo dia, fl. 529, e o recurso foi interposto em 21.11.2017, fl. 530v.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço da irresignação, até mesmo porque, a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1-49, em 04.08.2015, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que a Ação de Impugnação de Mandado Eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral.

Até então a Corte admitia seu manejo apenas em caso de fraude ao processo de votação.

Contudo, e adentrando o mérito da questão, saliento não ser possível, ainda que em tese e como deseja o recorrente, analisar os fatos sob a ótica do abuso de poder. Extraio da lição de José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. pp. 2-3):

Por poder compreende-se o fenômeno pelo qual um ente (pessoa ou grupo) determina, modifica ou influencia decisivamente o comportamento de outrem. Varia o fundamento do poder conforme a cultura e os valores em vigor. Nesse sentido, repousará na força física, na religião, em juízos ético-morais, em qualidades estéticas, dependendo do apreço que a comunidade tenha por tais fatores. Assim, o poder estará com quem enfeixar os elementos mais valorizados. Encontrando-se pulverizadas na sociedade, as relações de poder são sempre relações sociais, e, pois, travadas entre pessoas.

Assim, a par do político, diversos outros poderes coexistem na sociedade, entre os quais se destacam o poder econômico e o ideológico. Aquele se funda na propriedade ou posse de bens economicamente apreciáveis, os quais são empregados como meio de influir ou determinar a conduta de outras pessoas. Já o poder ideológico se firma em informações, conhecimentos, doutrinas e até códigos de conduta, que são usados para influenciar o comportamento alheio, de sorte a induzir ou determinar o modo individual de agir.

Ou seja, o caso dos autos deve aqui ser enfrentado sob a perspectiva de fraude à lei, visto que a suposta conduta de registro de “candidatas fictícias” não configura exercício de poder.

Sigo por examinar a alegação prática de fraude no registro de candidatura da COLIGAÇÃO EXPERIÊNCIA E UNIÃO POR ITATI em relação à sua nominata de candidaturas à Câmara de Vereadores no pleito de 2016, no tocante ao cumprimento da cota mínima de 30% por gênero.

Consoante aduz o Ministério Público Eleitoral em sua insurgência, houve a apresentação, à Justiça Eleitoral, de lista de candidatos à eleição proporcional, formada por oito homens e quatro mulheres, atendendo o percentual mínimo de 30% de cada gênero, conforme impõe o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, obtendo, assim, o deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários – DRAP.

A imposição de reserva de gênero tem os seguintes termos legais:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Na ótica do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, recorrente, o registro de SILMA REGINA DA SILVA CHAVES teria configurado candidatura fictícia visando, mediante fraude, preencher a proporção mínima do gênero feminino.

A questão central é examinar, então, se houve simulação de candidatura.

Ocorre que andou bem a sentença. Os elementos dos autos não podem levar à conclusão firme de que tenha havido fraude.

Transcrevo trecho da sentença, por elucidativo (fl. 525v.):

Analisando-se a prova oral produzida, em que pese tenha havido divergências no depoimento prestado pela candidata SELMA REGINA em Juízo e na Promotoria de Justiça, verifica-se que ela participou das campanhas eleitorais em seu município, com produção de material e visitas a residências de eleitores, o que se afigura incompatível com o alegado lançamento de candidatura fictícia.

Nesse ponto, destaco que o fato de a referida candidata não ter apresentado votação não caracteriza, por si só, a fraude ao processo eleitoral. Assinalo que são inúmeros os candidatos que obtém poucos ou até mesmo nenhum voto – como foi o caso -, e desse fato, tout court, não se pode concluir que haja irregularidades no pleito eleitoral.

Irretocável.

Como se percebe, de fato, a campanha eleitoral da recorrida SILMA REGINA não produziu o resultado que se deseja a qualquer candidato: ela não logrou sequer um voto.

Contudo, tal circunstância não pode ser considerada como determinante para a conclusão de ocorrência de fraude.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal Regional:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03.06.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.06.2014, Página 6-7.)

Isso porque o fato invocado – desistência informal – é bastante comum. Como asseverado nas contrarrazões da recorrida, muitos candidatos, mulheres e homens, desistem no decorrer da corrida eleitoral, exatamente por não vislumbrarem sucesso na empreitada.

Tal situação, contudo, não caracteriza fraude eleitoral, que impõe prova robusta, dada exatamente a gravidade das sanções.

Novamente, transcrevo a jurisprudência deste Tribunal:

RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. INCENTIVO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. FRAUDE NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam promover a participação feminina na política. Alguns partidos podem lançar candidaturas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar outras, do sexo masculino. Com o desiderato de combater tal postura, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que o percentual de candidaturas por gênero seja alcançado de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

2. Demonstrado que as concorrentes confirmaram o lançamento de suas candidaturas de forma espontânea e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos. Fraude não comprovada. A modicidade do investimento e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a pretendida caracterização de fraude, conforme orientação jurisprudencial. Reforma da sentença para julgar improcedente a ação.

3. Provimento

(RE n. 542-06. Rel. Des. Jamil Bannura. Julgado em 14.11.2017, unânime.)

Ademais, inexiste relação direta entre a inexistência de receitas e despesas e a ocorrência de fraude. Ao contrário, ela reforça a tese da desistência. Imagine-se, por exemplo, que uma candidatura que tenha por intenção ser fraudulenta movimente algum tipo de valor, pretenda impingir à situação uma aparência de realidade.

Assim, tenho que o acervo probatório demonstra que a candidata inicialmente pretendeu concorrer ao cargo de vereador da cidade de ITATI, e até buscou votos, ainda que de forma não exitosa, desistindo, na sequência, em virtude da constatação de insucesso.

A questão da propaganda eleitoral, ou de sua inexistência/pobreza, também é um ponto que não pode fazer concluir pela candidatura ficta.

Este Tribunal já se pronunciou no sentido de que o fato de as candidatas não realizarem propaganda eleitoral não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito o seguinte precedente:

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 41743, ACÓRDÃO de 07/11/2013, Relator(a) DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14/11/2013, Página 5.)

Reste claro, contudo, que a pouca representatividade das mulheres na política é fenômeno bem diagnosticado, sendo pertinentes e elogiáveis as medidas que buscam fomentar o exercício feminino dos direitos políticos passivos. Ainda que o mecanismo de promoção da participação feminina venha encontrando resistência desde sua positivação no Brasil, é possível encontrar eco na jurisprudência.

Como exemplo, decisão do Tribunal Superior Eleitoral, de relatoria do Ministro Henrique Neves da Silva, em cuja ementa constou que:

Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão de 16.8.2016.)

Contudo, no caso dos autos, não há prova robusta, concreta, de que a candidata tenha sido registrada com vício de consentimento, tenha promovido a campanha de terceiros, ou, ainda, não tenha efetivamente atuado em sua própria propaganda.

Há de se preservar a acertada sentença pela improcedência da ação.

Ademais, e a título de argumentação, ainda que se entendesse pela ocorrência de fraude, tem toda a razão o d. Procurador Regional Eleitoral: a constatação de conduta fraudulenta não acarretaria consequências jurídicas, pois o Partido Trabalhista Brasileiro de Itati foi excluído da COLIGAÇÃO EXPERIÊNCIA E UNIÃO POR ITATI, a qual restou composta apenas pelo PMDB e pelo PT daquele município.

Como tal coligação apresentou, ao cabo, 7 (sete) candidatos do sexo masculino e 3 (três) candidatas, as proporções legais restaram estabelecidas.

De qualquer maneira, é de se reconhecer o acerto da sentença. Não há conjunto de provas apto para que se conclua pela prática de fraude.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.