RE - 26407 - Sessão: 09/04/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por CLÁUDIO AFONSO ALFLEN, GILMAR FRANCISCO APPELT, GUILHERME VOLMIR SCHNEIDER e COLIGAÇÃO UNIDOS PELA RENOVAÇÃO contra decisão do Juízo da 117ª Zona Eleitoral que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na presente representação e na Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 1-38 (apenso 1), para cassar o diploma de Guilherme Schneider, Cláudio Alflen e Gilmar Appelt e aplicar-lhes multa de 25.000 UFIR, com fundamento na captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A sentença (fls. 1028-1062) fundamentou estar comprovada a compra do voto da eleitora Márcia Kirst, em favor de Cláudio Alflen, pela degravação de conversa no aplicativo WhatsApp com Marcos Petri. Destacou que o perito da Polícia Federal concluiu pela existência de conversas no aparelho celular de Marcos que evidenciam a presença de um esquema de compra de votos de vários eleitores em benefício de Cláudio e Guilherme. Anotou estar comprovada a entrega de títulos de eleitores a Marcos, complementando que as explicações dadas pelas testemunhas não eram coerentes. Consignou haver diálogos entre Marcos e o médico Igor Gheller em que acertam consultas e exames, no fim dos quais o profissional deveria cobrar o voto dos eleitores atendidos, prova que não é afastada pelo testemunho de Igor. Registrou haver conversa entre Marcos e Elias sobre a compra dos votos de eleitores. Considerou estar demonstrada a transferência do valor de R$ 500,00 de Guilherme para Diógenes, com a finalidade de comprar seu voto, como evidencia diálogo pelo aplicativo WhatsApp, além de verificar-se ampla movimentação financeira na conta do candidato Guilherme durante o período eleitoral. Sustentou que as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa pouco acrescentaram à compreensão dos fatos. Fundamentou estar comprovado o envolvimento de Guilherme Schneider diante da transferência de valores e do colóquio direto com Marcos. Apontou ser evidente a participação ou anuência de Cláudio no esquema, na medida em que é próximo de Marcos, pessoa de sua confiança, a qual foi mantida na nova gestão após as notícias de compra de votos.

Após a sentença, única para a presente RP n. 264-07 e para a AIJE n. 1-38, esta última ação foi apensada à primeira (fl. 1064), conforme determinação do juízo, em razão da identidade de causa de pedir e pedido entre ambas.

Nas razões recursais (fls. 1074-1083), a COLIGAÇÃO UNIDOS PELA RENOVAÇÃO sustenta que os votos obtidos pelo candidato da proporcional, Guilherme Scheneider, não podem ser computados para sua legenda, pugnando por uma análise evolutiva do art. 175, §§ 3º e 4º do Código Eleitoral, destacando que os arts. 222 e 237 do mesmo diploma determinam que os votos nulos não podem ser computados para a legenda.

CLÁUDIO AFONSO ALFLEN e GILMAR FRANCISCO APPELT (fls. 1087-1108), preliminarmente, suscitaram ser inadmissível a juntada de documentos da Ação Cautelar n. 000148-98, pois não foram autorizados como prova emprestada e foram extraídos de procedimento ao qual os recorrentes não tiveram acesso, ferindo-se o princípio do contraditório. No mérito, referem que a testemunha Márcia Kirst é apoiadora dos adversários e manteve conversa com Marcos Petri propositalmente para incriminar os recorrentes. Alegam que não se extrai das conversas a participação dos recorrentes, inexistindo responsabilidade objetiva em matéria sancionatória. Argumentam estar comprovado que não houve o arranjo de atendimentos médicos pelo município em troca de votos. Sustentam ser desproporcional a pena de multa aplicada, caso seja mantido o juízo condenatório.

GUILHERME VOLMIR SCHNEIDER (fls. 1151-1179) sustenta que Mara Kirst recebeu pedido de voto para os vereadores (qualquer um), não havendo elementos que liguem Guilherme à ação do cabo eleitoral Marcos Petri ou que demonstrem ser de sua titularidade o suposto dinheiro empregado para compra de votos. Argumenta que Diógenes esclareceu que o valor de R$ 500,00 foi recebido a título de empréstimo, ausente qualquer finalidade eleitoral, e que as testemunhas negaram ter recebido vantagens ou tomado conhecimento de irregularidades. Sustenta ser incabível utilizar prova emprestada da AC n. 148-98 contra o recorrente, pois não foi parte naquela ação. Aduz ser desproporcional a sanção pecuniária imposta. Requer a improcedência da ação.

O juízo de primeiro grau havia determinado a execução imediata da sentença, com o afastamento dos recorrentes do exercício de seus cargos. Todavia, foi deferido o pedido formulado na AC n. 0600499-48 perante este Tribunal, para assegurar o efeito suspensivo aos recursos, com fundamento no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 1274-1301v.).

É o relatório.

VOTO

Preliminar

Tempestividade

Os recursos são tempestivos. A decisão da sentença foi publicada no dia 21.11.2017 (fl. 1068), o apelo da Coligação Unidos Pela Renovação foi interposto no dia 23.11.2017 (fl. 1074), e os recursos de Cláudio Alflen e Gilmar Francisco e de Guilherme Schneider em 24.11.2017 (fl. 1087 e 1151), respeitando o tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

 

Legalidade da prova emprestada

Inicialmente, os recorrentes sustentam ser ilegal a utilização dos documentos extraídos da Ação Cautelar n. 148-98, pois não teriam sido autorizados como prova emprestada, e foram extraídos de procedimento ao qual os recorrentes não tiveram acesso, ferindo-se assim o princípio do contraditório.

Não prospera a alegação.

O art. 372 do CPC estabelece que: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

O uso dos documentos produzidos na AC n. 148-98 foi expressamente autorizado pelo juízo de primeiro grau na decisão da fl. 295 do apenso 1. Tal permissão, ao contrário do que alegam os recorrentes, abrange também as provas juntadas na referida ação, pois autoriza o item 'c' do requerimento formulado na fl. 281 (do apenso 1), o qual alude expressamente, e de forma genérica, aos “autos n. 148-98”. 

O fato de os recorrentes não terem participado da produção dos documentos emprestados não fere o direito ao contraditório, que será diferido em casos tais, conforme pacífica doutrina e jurisprudência. No caso, as partes foram intimadas a se manifestar a respeito da prova (fl. 524v. e 714 do apenso 1), sendo-lhes viabilizado o pleno direito ao contraditório. Não há que se falar, portanto, em prejuízo aos recorrentes.

Igualmente não prospera a alegação de prejuízo pelo uso de trechos descontextualizados de conversas de WhatsApp. Analisando-se os referidos documentos, vê-se que as conversas têm início, meio e fim, sendo plenamente compreensíveis os diálogos.

Ademais, a condenação dos recorrentes não se deu com base exclusiva nas conversas degravadas, mas em outros elementos de convicção que se somaram aos diálogos e permitem confirmar o contexto das degravações, como se verifica na fundamentação da sentença.

Regular, portanto, o uso dos documentos extraídos da AC n. 148-98.

 

Mérito

O juízo de primeiro grau condenou CLÁUDIO AFONSO ALFLEN e GILMAR FRANCISCO APPELT, respectivamente prefeito e vice-prefeito eleitos de Victor Graeff, e GUILHERME VOLMIR SCHNEIDER, vereador eleito no mesmo município, pela prática de captação ilícita de sufrágio, vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Reproduzo o texto do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

Analisando os autos, verifica-se a realização de compra de votos de eleitores por Marcos Petri em benefício do prefeito e candidato à reeleição, Cláudio Alflen, e do vereador Guilherme Schneider.

Os ilícitos estão comprovados pelas seguintes ocorrências: (a) oferta de vantagem à eleitora Márcia Mara Kirst; (b) entrega de dinheiro a eleitores; (c) realização de atendimentos de saúde em troca de voto; (d) transferência de valor bancário a Diógenes Amann em troca de voto.

Importa registrar que esse conjunto de provas foi separado apenas para expor os fatos comprovados de forma mais clara e didática.

Tais situações, analisadas e compreendidas em conjunto, integram um único esquema articulado por Marcos Petri para cooptar votos a favor de Cláudio Alflen, Gilmar Appelt e Guilherme Schneider.

Passo à análise individualizada de cada situação.

a) Captação ilícita de voto de Márcia Kirst

Diálogo travado entre a eleitora Márcia Kirst e Marcos Petri, pelo aplicativo WhatsApp, comprova que este último ofereceu o pagamento de passagem e se dispôs a verificar a possibilidade de pagar três anos de IPTU à eleitora em troca de seu voto para o prefeito Cláudio Alflen e para algum vereador do PDT.

O fato está comprovado pela ata notarial presente nas fls. 8 e 49 dos autos, retratando o diálogo a seguir reproduzido:

Marcos Petri:

Quero saber se você vai vir pra votar

Queria combinar contigo

Te pago a passagem

Marcia Mara Kirst:

Pra quem VC está fazendo campanha preciso mais do que a passagem. E o dia de trabalho quem vai pagar

Marcos Petri:

Me diga minha comadre

Quanto a passagem?

Marcia Mara Kirst:

Da cem pra ir e mais pra voltar

Marcos Petri:

Que mais vc quer

Te falo no dia pra quem a vereador

Mas a prefeito o claudio

Marcia Mara Kirst:

Não sei o que VC me dis quem e os candidato dis o nome deles

Marcos Petri:

(encaminha fogo com os candidatos a Vereador e Prefeito do PDT)

Marcia Mara Kirst:

Só vou se valer apena se vc sabe eu pagar três anos IPTU

Marcos Petri:

Quanto dah os tres anos?

Marcia Mara Kirst:

Não sei tem que ver ai na prefeitura quanto da

Marcos Petri:

Eu vejo

E se falamo

Marcia Mara Kirst:

Ta bom eu espero a tua resposta

A eleitora Márcia Kirst, ouvida em juízo, confirmou o teor da conversa, com a ressalva de que pediu mais alguma vantagem apenas para apurar o que ele daria. Negou que tivesse intenção efetiva de vender seu voto e disse que Marcos é padrinho de crisma de seu filho mais novo. Afirmou não ter voltado a conversar com Marcos após esse diálogo e negou ter recebido o valor das passagens e do IPTU.

Afasta-se a tese recursal de que Márcia teria armado uma situação para incriminar os candidatos recorrentes. O teor da conversa demonstra que Marcos foi o primeiro a propor a vantagem, indicando em quem a eleitora deveria votar. Marcos manteve uma postura ativa durante a conversa, incompatível com o comportamento de quem está sendo provocado pelo interlocutor.

Ademais, Marcos é padrinho do filho da eleitora, evidenciando uma relação mais próxima e de confiança entre os dois. Tal vínculo não permite supor que Márcia seria desleal com ele, embora a testemunha tenha afirmado que não se relacionam de forma mais íntima. Ao contrário, o teor da conversa mostra um diálogo normal entre pessoas conhecidas e sem intenções obscuras, retratando o real propósito dos interlocutores: ajustar o benefício em troca do voto.

O fato de o diálogo ter sido alcançado pela eleitora aos representados não altera a verdade dos registros notariais, cujo conteúdo, inclusive, não é negado pela defesa.

Assim, está demonstrada a oferta de vantagem por Marcos Petri à eleitora Márcia Kirst em troca de seu voto a favor de Cláudio Alflen, situação apta a caracterizar a compra de votos, independentemente da concretização da vantagem, como se extrai da própria conduta vedada pela lei de “oferecer” ou “prometer”.

Relativamente ao candidato ao pleito proporcional, Guilherme Schneider, não há evidências de sua participação na captação ilícita do sufrágio da eleitora Márcia Kirst especificamente. Além de não haver elementos que vinculem o candidato a esta conduta, Marcos pediu o voto de Márcia para qualquer um dos candidatos do PDT, de forma genérica, com o envio de suas fotos pelo WhatsApp.

A participação dos candidatos ao pleito majoritário será analisada mais adiante, após a exposição das condutas apuradas nos autos.

b) Entrega de dinheiro a eleitores

As provas indicam que Marcos Petri manteve um esquema de atendimentos médicos e distribuição de dinheiro a eleitores, em troca de seus votos.

O laudo criminal federal (fls. 174-220), que periciou o material apreendido na residência de Marcos Petri, apontou a existência de fotografias em seu aparelho celular retratando “diversos títulos de eleitor” (fl. 179) e uma folha com anotação de nomes associados a registros como “gás”, “escola” ou “gasolina” e um número: “100” ou “150”, os quais foram todos somados ao final da página: “1.250,-” (fl. 180).

Conforme atesta o laudo pericial, nos manuscritos “é possível identificar o nome de pelo menos um dos titulares dos Títulos de Eleitor que aparecem na figura 1, […] a exemplo do nome de FABIO LARA” (fl. 179).

Foram encontradas ainda duas fotografias de dinheiro datadas de 30.9.2016. A primeira, uma “foto de uma pilha de dinheiro, composta predominantemente por notas de R$50 e R$100” (fl. 188). A segunda, uma foto “que apresenta maços de dinheiro separados e muitos deles com identificação de prováveis destinatários – o primeiro maço da pilha da esquerda possui, aparentemente, três nomes, sendo o último deles, 'Luciano(a)'. Na maior parte dos maços dispostos à direita, é possível visualizar documentos com aparência de Títulos de Eleitor ou Cédulas de Identidades inseridos no meio dos maços” (fl. 189).

Inegavelmente, esta última fotografia retrata conjuntos de notas de R$ 50,00 e R$ 100,00, reunidas por um atilho de elástico, e cada monte está associado ao que parecem nitidamente carteiras de identidade e títulos de eleitor. A disposição do dinheiro transmite a inequívoca ideia de que cada monte de notas está destinado ao titular do documento que o acompanha.

A fotografia ainda permite identificar sobre a mesa folhas de caderno destacadas, as quais se assemelham àquela retratada na fl. 180 dos autos, com nomes de pessoas associados a valores. Um desses nomes, de Fábio Lara, vinculado à anotação “gasolina” e “100”, é o titular de um dos documentos eleitorais da fl. 179.

Os eleitores que puderam ser identificados entre as fotografias foram ouvidos em juízo.

O eleitor Fábio Lara afirmou que efetivamente entregou seu título de eleitor para Marcos, a fim de pesquisar sobre a necessidade de realizar a biometria. Disse ser conhecido de Marcos, em quem confia, por isso não se preocupou em deixar seu documento com ele. Negou a oferta ou o recebimento de combustível ou dinheiro em troca de seu voto (fl. 829).

Pedro Nunes, cujo nome consta nas anotações ao lado de Fátima e Jorge, afirmou ser casado com Fátima Nunes e ter um filho chamado Jorge. Negou a oferta ou recebimento de qualquer benefício em troca de voto. Disse conhecer Marcos por ser Secretário da Saúde, com quem conversava eventualmente no posto de saúde, mas nunca sobre política (fl. 726).

Fátima Nunes disse ser amiga de Cláudio Alflen. Afirmou que sua filha precisou de atendimento de saúde, mas negou a oferta ou recebimento de qualquer vantagem com finalidade eleitoral. Confirmou que entregou seu título de eleitor para Marcos, de quem é amiga, para ele verificar se poderia votar com o nome de solteira, o qual foi devolvido já no dia seguinte (fl. 727).

Os testemunhos de Pedro e Fátima mostram-se contraditórios. Ambos são casados e Pedro negou qualquer amizade com o candidato Cláudio Alflen. Por sua vez, Fátima afirmou considerar-se amiga íntima do candidato, com quem janta por vezes. Não é possível que os cônjuges tenham percepções tão distintas sobre o relacionamento com Cláudio, nem se cogita que apenas Fátima seja próxima a ele, pois atestou que se reúnem para jantar às vezes, evento do qual seu marido certamente participa.

Fica evidente, assim, que tanto Pedro quanto Fátima não tiveram participação isenta no processo, além de apresentarem afirmação contraditória a respeito de seu relacionamento com uma das partes.

Seus testemunhos, assim, não se mostram seguros.

Elaine Maria dos Santos, cujo título de eleitor foi identificado pela parte autora na fotografia encontrada no celular de Marcos, negou ter-lhe entregado seu documento e não esclareceu como ele poderia ter tido acesso ao título.

A testemunha, entretanto, mostrou-se bastante incomodada, e chegava a já negar algumas perguntas ainda antes de serem concluídas. Sua postura mostrou-se defensiva e predisposta a negar as indagações. Tal comportamento não imprime confiança às suas afirmações, que pouco esclareceram sobre os fatos.

Assim, as provas demonstram a posse de documentos eleitorais de eleitores de Victor Graeff, associados a valores em espécie, além de anotações de nomes de eleitores ligados a claras vantagens, como quantias em dinheiro, “escola” e “gasolina”.

O agrupamento de nomes por família encontra respaldo na realidade e refere-se a pessoas que de alguma forma efetivamente conheciam Marcos Petri, seja pelo cargo público ocupado, seja por vínculos pessoais mais antigos.

O conjunto probatório fornece base segura para concluir pela fidedignidade das anotações, com evidente finalidade eleitoral, força probante que não chega a ser desconstituída pela prova testemunhal, por vezes contraditória e insegura, como acima explicitado.

c) Atendimentos de saúde em troca de votos

A perícia realizada no celular de Marcos Petri identificou conversas pelo aplicativo WhatsApp com o médico Igor Elias Gheller, conhecido como “Tocta”, por meio das quais solicitava agendamentos, confirmava atendimentos e cobrava que o profissional da saúde pedisse o voto dos pacientes em favor de Cláudio.

Em uma delas, realizada em 28.9.2016, Marcos deixa claro que Igor deveria “cobrar” o voto da eleitora, pedindo destaque para o fato de que apenas “nós” estamos fazendo cirurgias.

Segue a reprodução do diálogo (fl. 190-191):

Marcos Petri:

Tocta

Como foi a cirurgia da paciente?

Quero que fale pra ela e cobre o voto pro claudio pra prefeito…

Ela é muito de reclamar

Diga que ninguém tá fazendo cirurgias

Que soh nos estamos

Fala bem de nos e cobre

Mas cobre o voto dela e da família…

Elias Gheller:

Bem difícil

Tudo aderido

Várias cirurgias previas

Mas falo sim

Para te dar uma força

Marcos Petri:

Isso

O prefeito vai la na sexta

Visitar ela

Insista muito no voti

A irmã dela que ta junto tbem vota…

Elias Gheller:

Blz

Pode deixar

Em outra conversa, Marcos cobra um atendimento para uma eleitora, pois precisa “garantir votos” (fl. 1941):

Marcos Petri:

Tocta

Lembra da endo que te pedi

Pode ser semana que vem??

Preciso confirmar com ela pra garantir votos

Elias Gheller:

Opa

Pode

Quinta as 14hrs

Igor Elias Gheller foi ouvido em juízo. Afirmou ter conhecido Marcos Petri quando ele começou a encaminhar pacientes para cirurgias em Soledade. Aduziu que mantinha conversas com Marcos apenas para encaminhamento de pacientes. Sobre a cobrança de votos para Cláudio, Elias declarou que o pedido era para esclarecer à eleitora que o Município de Victor Graeff estava pagando a cirurgia, informação efetivamente passada pelo médico, mas negou que tivesse realizado pedido de voto.

Seu testemunho não se mostra confiável. Indagado se era conhecido por algum apelido, imediatamente negou a pergunta. Após, foi perguntado sobre o termo “Tocta” e confirmou ser conhecido por essa alcunha, explicando que significa doutor em alemão. Em seguida, indagado se havia recebido algum pedido para cobrar voto de seus pacientes, novamente negou o fato. Somente depois de confrontado com a degravação da conversa esclareceu que o pedido era para lembrar a eleitora de que o município estava pagando a cirurgia.

A negativa não se sustenta, pois o pedido de Marcos é expresso e claro: “cobre o voto pro Claudio pra prefeito”, “cobre o voto dela e da família…”. As frases não deixam dúvidas nem empregam termos vagos, que possam ser interpretados como uma mera lembrança de que o município estava arcando com o atendimento. Não há dúvida de que Marcos buscava o pedido do voto, e que Igor, pessoa instruída, compreendeu e consentiu expressamente com isso ao responder: “falo sim. Para te dar uma força”.

Em outra passagem, afirma que não mantinha relação de amizade com Marcos, a quem conhecia somente por conta da sua profissão, mas os diálogos do WhatsApp apontam em sentido diverso, tanto que o próprio profissional da saúde tomou a iniciativa de perguntar a Marcos quem havia ganhado para o pleito majoritário e se o vereador apoiado por Marcos havia sido eleito, interessado em saber, ainda, a diferença de votos entre os candidatos, em uma conversa que demonstra intimidade entre os dois.

Este diálogo está retratado na fl. 191 dos autos:

Elias Gheller:

Ganhou o Cláudio?

Marcos Petri:

Ganhemo

É 12

Elias Gheller:

Mais ahhhh

Parabéns

Quantos votos?

Marcos Petri:

60

Elias Gheller:

E teu amigo

Se elegeu vereador?

Marcos Petri:

Mais votado

Fizemos maioria na camara

Tal interesse e ciência de detalhes sobre os candidatos apoiados por Marcos em outro município mostram uma relação mais próxima do que a estritamente profissional.

Esse próprio vínculo de amizade, evidenciado pelas conversas e omitido pela testemunha, mostra uma possível parcialidade de Igor, prejudicando a confiabilidade de suas declarações.

Como se vê pelos elementos acima destacados, o testemunho de Elias não é condizente com outros elementos extraídos dos autos, não se mostrando confiável em seu conjunto.

Ledi Rossi seria a eleitora atendida por Igor Gheller. Ouvida, disse ser filiada ao PDT, partido dos recorrentes, e negou ter recebido pedido de voto ou mesmo conversado sobre política com o médico. Afirmou, ainda, nunca ter mantido contato com Marcos Petri.

Embora Ledi tenha negado o pedido de seu voto por Igor, também negou ter conversado sobre política com o médico, contradizendo a própria afirmação de Igor de que informara à eleitora que o Município estava arcando os custos do atendimento.

Além da contradição, Ledi afirmou ser filiada ao PDT, partido dos representados, circunstâncias que prejudicam a sua força probante.

Assim, os diálogos entre Marcos e Igor Gheller comprovam o atendimento médico a eleitores em troca de seus votos, que eram cobrados pelo profissional da saúde na oportunidade da consulta. Os testemunhos, por sua vez, mostraram-se contraditórios e foram insuficientes para desconstituir o conjunto probatório no sentido do ilícito eleitoral.

d) Compra de votos para o vereador Guilherme Schneider

A perícia identificou ainda uma conversa entre Marcos Petri e Guilherme Schneider no dia 30.9.2016, antevéspera das eleições municipais, na qual ambos acertam a transferência de um valor de R$ 500,00 para Padilha, Wesley e Jocelia, sendo 200,00 para o combustível, mais R$ 100,00 para cada eleitor (fl. 207):

Marcos Petri:

Bom dia

Ontem a noite o Padilha confirmou que vem em três de lá

O Padilha

O Wesley e a Jocelia

Eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um.

500,00 no total

Sao de confiança.

Soh que precisa depositar na conta hoje

Na fl. 453 dos autos, cópia do extrato bancário comprova que o valor foi efetivamente transferido por Guilherme Schneider para a conta informada por Marcos, de titularidade de Diógenes Amann.

Wesley, citado na conversa, foi ouvido em juízo, confirmando que seu irmão se chama Diógenes e é conhecido como “Padilha”, e sua esposa chama-se Jocélia.

Diógenes, também ouvido, confirmou que foi votar em Victor Graeff, mas negou ter recebido benefício em troca de seu voto. Afirmou ser amigo íntimo de Marcos e ter recebido o valor a título de empréstimo do próprio Marcos, sem saber explicar porque se originou da conta do candidato Guilherme. Disse também que ainda não devolveu o valor emprestado.

Outros diálogos entre Marcos e o candidato Guilherme Schneider evidenciam que ambos tratavam da compra de votos de diferentes eleitores.

Em outro momento, Marcos informa a Guilherme o valor e os eleitores conquistados (fls. 209-210):

Marcos:

La na daiane fechei em 250

Lischinsky

Descobri voto do godoi no faxinal hoje

Quis reverter

Não teve jeito

Peguei pra prefeito

Se conseguir uns dois mil a mais

[…]

Marcos:

Joel Koehler esposa e filha querem 200 cada um pra vereador

Não consegui ir lá

Disse a eles que ia pedir pra ti passar e fazer direto

Oferece só 200

Eles querem a visita hoje a noite

Passa lá depois

Guilherme:

Mora aonde

[…]

Guilherme:

Daiane tá vendendo dobrado

Marcos:

Então não vou la

Lembra que disse pra ti que iria la

Ela vendei pro daniel?

Mas é uma china

Estranhei ela ter pedido pouco

Guilherme:

Sim fiquei sabendo à pouco

Marcos:

Entao não faco la

Boto esse dinheiro na bermeier

La do umbu

Os diálogos não deixam dúvida de que Marcos e Guilherme conversavam sobre a compra de votos de eleitores, trocando informações sobre os cooptados e os valores que eram destinados a cada um.

Em outras passagens, tanto o teor da conversa quanto a preocupação dos interlocutores em serem vistos evidencia o teor ilícito das combinações, que denotam tratativas para entrega de dinheiro a Marcos.

Em 25.9.2016 Marcos pergunta: “Algum retorno sobre o que falamos ontem? Confirmado mais salame????”. Guilherme responde: “vamos ter mais salame”. Na sequência Marcos indaga se será “muito” ou “pouco”, e Guilherme responde que não sabe “como vai ser ainda. Mas tem” (fl. 204).

No dia 27.9.2016 Guilherme diz que às 20h30 estará em casa, e pede para Marcos: “Entra pelo fundo”. Em seguida Marcos diz a Guilherme: “Me arruma dois sacos de quirela. Pra amanhã de manhã” (fl. 205). Por volta das 21h30, Marcos avisa que já está no local, e pede para Guilherme abrir a garagem. Guilherme responde: “Nos fundos diabo” (fl. 206).

Já no dia seguinte, Marcos indaga à Guilherme se ele quer fazer “alguma coisa amanhã a noite”, e em seguida alerta: “Mas não acho que seja prudente alguém ver o que vamos fazer...eu e você. Soh”. Guilherme então responde: “Claro que só nos dois” (fl. 206).

A defesa alegou que os termos “salame” e “quirela” se referiam à atividade de Guilherme, e não a dinheiro. O juízo de primeiro grau bem justificou porque tal explicação não se mostra coerente diante do contexto em que foram empregados na conversa:

A tese da defesa de Guilherme no sentido de que “salame” e “quirela” seriam expressões utilizadas para se referir exatamente a esses produtos, comercializados pelo representado na cidade de Victor Graeff, subestima a inteligência do julgador. Marcos Petri era Secretário de Saúde, não produtor rural, de forma que o pedido de tais produtos não teria sentido na conversa. Também não faria sentido a frase de Marcos no sentido de que: “nao acho prudente alguem ver o que vamos fazer... eu e vc... soh”, afinal a compra de produtos de consumo e para alimentar animais não poderia ser, de forma alguma, considerado imprudente. Por fim, não faria sentido que estivessem tratando de alimentação própria ou de animais, em meio a conversações sobre eleições, sobre votos, contagem de eleitores, números apontados para eleitores, enfim. Desnecessário prosseguir nas inconsistências da tese defensiva, que é obviamente dissociada da lógica.

 

Seguem, ainda, os diálogos denotando acerto de transferência de dinheiro. Logo após acertar a transferência para “Padilha”, Guilherme fala para Marcos pegar “3” amanhã com o Silvano. Marcos afirma que 3 é pouco (fl. 208):

Guilherme:

Amanhã busca com Silvano 3

Blz

Marcos:

OK

É pouco 3

Ve se arruma mais.

Verifica-se que as inúmeras conversas travadas entre Marcos e Guilherme tratam, por vezes de forma expressa, de dinheiro para eleitores (sendo uma delas concretizada diretamente da conta de Guilherme para o eleitor), e em outras oportunidades de forma mais velada, empregando termos como “salame”, “quirela” ou simplesmente “3”, mas sempre acompanhadas da preocupação de não serem vistos, evidenciando a ilicitude das operações ajustadas por eles.

O contexto de todas as conversas mostra que Marcos e Guilherme tratavam da entrega de valores e da preocupação com a quantidade ainda disponível. Tal operação evidentemente não era lícita; daí a preocupação em não falarem abertamente sobre a entrega do dinheiro e em não serem vistos juntos.

O destino desses valores para a compra de votos fica evidente em outras passagens; pauta constantemente presente nos diálogos entre os dois, como se depreende quando Marcos fala: “Joel Koehler esposa e filha querem 200 cada um pra vereador... Disse a eles que ia pedir pra ti passar e fazer direto. Oferece só 200.”, ou quando diz: “La na daiane fechei em 250.” ou então, referindo-se a Diógenes Amann: “Eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um.”.

Além da clara finalidade de captação ilícita de votos demonstrada por esses diálogos, em relação ao eleitor Diógenes Amann também há, por assim dizer, a materialidade da captação ilícita de seu voto, com a prova da efetiva transferência bancária do valor.

A intenção de obter-lhe o voto em troca de tal transferência fica evidente, não apenas pelo contexto no qual está inserida, mas também pelo teor da conversa especificamente relacionada a ele, na qual Marcos afirma ter Padilha confirmado que "virá em três pessoas", e quer “o combustível (200) e 100 pra cada um”, seguido da afirmação: “Sao de confiança.”.

A defesa não nega o conteúdo das conversas, nem apresenta explicação para os diálogos que conduza a outra conclusão que não a captação ilícita de sufrágio, claramente tratada nas conversas.

e) Reduzido valor probatório da prova testemunhal

Além das inconsistências pontuais analisadas em cada depoimento, cumpre fazer um registro das características gerais da prova testemunhal produzida nestes autos, as quais também evidenciam o prejuízo de sua confiabilidade.

As testemunhas limitam-se a contradizer os fatos documentalmente retratados, mas não desconstituem o conteúdo desses documentos. Confirmam o aspecto lícito dos fatos, mas negam a sua finalidade eleitoral, sem apresentar argumentos plausíveis para justificar outra conclusão que não seja a compra de voto, coerentemente extraída do contexto probatório.

Diógenes Amann, por exemplo, recebeu R$ 500,00 diretamente do candidato Guilherme, para pagar a gasolina (R$ 200,00), e mais R$ 100,00 para cada eleitor, Diógenes, Wesley e Jocelia. Tanto a quantia depositada quanto a viagem dos eleitores, que são parentes, são confirmados pela prova testemunhal, mas o eleitor afirma que o valor era um empréstimo de Marcos, sem finalidade eleitoral. Nem a testemunha nem a defesa esclarecem porque Marcos emprestaria dinheiro a Diógenes por meio de Guilherme, tampouco explicam por que tal empréstimo não é referido nas conversas de WhatsApp.

Da mesma forma o médico Igor Gheller, que, pelo diálogo degravado, claramente se compromete com Marcos a pedir o voto de uma eleitora atendida para o candidato Cláudio, mas em seu testemunho, embora reconheça a conversa, tenta explicar que a expressão “cobre o voto dela” significava apenas que deveria lembrar à paciente a cobertura das despesas pelo município.

Também merecem nova referência os testemunhos de Fábio Lara - cujo título de eleitor estava na posse de Marcos Petri e que tinha seu nome associado à anotação de “gasolina” e “100” - e de Fátima Nunes. O eleitor confirma que entregou seu título a Marcos para saber se precisaria realizar biometria, e Fátima disse ter deixado seu documento para Marcos apurar se ela poderia votar com o nome de solteira. Ambas são dúvidas que poderiam ser esclarecidas pelos próprios eleitores mediante um telefonema para a zona eleitoral, ou pelo próprio representado Marcos Petri, sem a necessidade de reter os títulos para obter as informações.

Como se vê, os documentos apreendidos e as degravações realizadas apresentam registros e informações coerentes com a realidade e chegam a ser parcialmente confirmados pelas testemunhas que, por outro lado, limitam-se a negar o caráter ilícito dos fatos claramente extraído do contexto probatório, sem apresentar uma justificativa plausível para suas versões.

Deve-se ter presente que os fatos apurados nestes autos a partir da degravação das conversas de Marcos Petri pelo aplicativo WhatsApp podem caracterizar, em tese, também a prática de corrupção eleitoral do art. 299 do Código Eleitoral, cuja conduta de “receber…vantagem...para...dar voto” é igualmente crime eleitoral.

Assim, é natural que os eleitores beneficiados com o recebimento de vantagem em troca do voto resguardem-se ao prestar declarações em juízo, pois, caso confirmem a vantagem em troca do voto, podem estar confessando a prática delitiva. Diante disso, embora tenham sido ouvidos formalmente como testemunhas, estavam materialmente envolvidos nos fatos, a ponto de serem eventualmente incriminados na seara penal, com aptidão bastante para motivá-los a omitir circunstâncias ou apresentar versões favoráveis à sua própria defesa futura.

O fato de os eleitores terem negado o recebimento de vantagem não conduz à natural improcedência da representação, primeiro, porque a prova testemunhal não é a única forma válida e admissível para a comprovação da captação ilícita de sufrágio, segundo, porque a prova testemunhal não foi capaz de refutar o conjunto probatório produzido nos autos a respeito a compra de votos.

Tem-se, assim, um conjunto coerente de provas documentais, cujo valor não é afastado pela prova testemunhal, que (a) não desconstitui as informações extraídas da perícia técnica; (b) mostra-se contraditória e inconsistente; (c) provém de pessoas envolvidas com os investigados ou com a própria conduta supostamente delitiva de “receber” vantagem.

Por tais razões, não se pode conceder primazia à prova testemunhal em detrimento do restante do conjunto probatório.

f) Responsabilidade dos candidatos pelas condutas

f.1) Guilherme Schneider:

Todos os fatos apurados envolvem diretamente o Secretário da Saúde, Marcos Petri, sem evidenciar uma atuação direta dos representados.

Todavia, é inequívoco o apoio político de Marcos Petri ao candidato a vereador Guilherme Schneider. A perícia apontou o armazenamento, no celular de Marcos, da foto de um "santinho" de Guilherme Schneider (fl. 185).

Seu apoio fica claro também pela conversa entre Marcos e Igor Gheller após a eleição. Igor indaga se o amigo de Marcos foi eleito vereador e ele responde que o candidato é conhecido por “Mão”, como se identifica Guilherme Schneider em sua propaganda, afirmando em seguida: “O que apoiei foi o mais votado” (fl. 191-192).

Ademais, os diálogos havidos entre Marcos e o candidato Guilherme sobre as conversas com eleitores e o acerto das quantias para cada um, além da transferência de R$ 500,00 diretamente da conta de Guilherme para Diógenes, motivada pela afirmação de Marcos de que “eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um”, não deixam dúvidas a respeito da ciência da compra de votos, além da participação direta no esquema, dispondo-se a visitar eleitores e disponibilizar valores que claramente eram destinados à captação ilícita de votos.

Não importa, no presente caso, que as testemunhas tenham negado qualquer contato com os candidatos, pois quem agiu de forma direta, buscando votos, acertando e entregando valores em troca de seus votos, foi Marcos Petri, o qual contou com a anuência e auxílio material do candidato Guilherme Schneider, como foi acima exposto.

f.2) Cláudio Alflen e Gilmar Appelt:

Em relação à participação dos recorrentes Cláudio Afonso Alflen e Gilmar Francisco Appelt, a sentença considerou o vínculo profissional e de afeição entre Marcos e Cláudio, além da assunção de Marcos ao cargo de assessor do prefeito após a publicização dos ilícitos praticados, cargo de maior remuneração e mais próximo ao gestor municipal, para concluir que tanto Cláudio quanto Gilmar tinham ciência das irregularidades praticadas.

Os recorrentes sustentam que não há provas da participação dos candidatos na prática ilícita de Marcos Petri. Argumentam não ter havido troca de mensagens entre Marcos e os candidatos e ser impossível a ciência de todos os atos de campanha.

Apesar da proximidade entre Marcos e Cláudio Alflen, de fato, não se extrai dos autos qualquer elemento objetivo que evidencie o conhecimento ou a participação dos candidatos ao pleito majoritário nos ilícitos, diferentemente do que foi verificado em relação ao candidato a vereador, Guilherme Schneider.

A perícia técnica que deu origem ao processo e embasou boa parte da procedência da representação teve acesso a todo conteúdo do celular de Marcos Petri, “e atingiu não apenas os arquivos diretamente acessíveis, mas também aqueles previamente apagados que puderam ser recuperados...” (fl. 178), como anotou o responsável técnico.

Todavia, não houve a indicação de uma conversa sequer entre Marcos e Cláudio ou Gilmar.

Tanto assim, que a própria perícia se limita a informar sobre evidências da participação do candidato a vereador Guilherme na compra de votos, sem referir eventual envolvimento de Cláudio ou Gilmar (fl. 218).

Ademais, o contexto probatório mostra que Marcos não foi cauteloso nas conversas, tratando da cobrança expressa de pedidos de votos para o médico Igor Gheller e escrevendo dados bancários para transferência de valores para o eleitor Diógenes, sem falar ainda nas fotografias de grandes volumes de dinheiro associados a títulos eleitorais.

Esses elementos evidenciam o uso do aparelho sem resguardo por parte de Marcos. Se fosse certa a participação de Cláudio, seria razoável encontrar conversas entre os dois tratando dos ilícitos, tendo em vista a normalidade com que Marcos lidava com o tema no WhatsApp, mas não foram encontradas conversas com os candidatos ao pleito majoritário.

Registre-se que a perícia realizada sobre o celular identificado como sendo de Igor Gheller, juntado pelo Ministério Público nos seus memoriais, também não aponta conversas entre ele e o candidato majoritário (fls. 909-942).

Não se pode ignorar o trabalho eficaz realizado nos autos para apurar os fatos investigados. Desde a perícia técnica destacando os diálogos de Marcos, a identificação das testemunhas referidas nas conversas e nas anotações de caderno, passando pela sua oitiva em juízo e até a quebra de sigilo bancário de parte dos investigados, permitiu que as provas se complementassem.

Não obstante o amplo alcance dos métodos e esforços empregados para investigar os fatos, não se levantou um elemento objetivo que apontasse para a anuência ou participação de Cláudio ou Gilmar no esquema articulado por Marcos.

A afirmação de que Cláudio visitaria a eleitora atendida por Igor não permite, por si, concluir pela participação do candidato na captação de sufrágio. Visita a eleitores é prática corrente durante a campanha eleitoral, de forma que seria possível que Marcos ajustasse a compra de voto por meio de Igor e depois acertasse a visita de Cláudio, sem seu conhecimento sobre o ilícito. Visita a eleitores não é evidência de compra de votos.

Além do mais, a eleitora em questão, identificada como sendo Ledi Rossi, negou ter recebido a visita do candidato, também pouco contribuindo para a elucidação dos fatos.

A manutenção de Marcos em cargo de confiança do prefeito mesmo após a publicização dos diálogos ilícitos pode ter ocorrido em razão da crença em sua inocência ou até mesmo por conta da relação de afeição entre os dois.

De fato, esta não é a conduta esperada de um governante comprometido com a moralidade administrativa, o qual não deve pactuar com qualquer pessoa que tenha cometido ilícitos eleitorais de tal gravidade, mas não se pode ignorar que esta infelizmente é uma prática corriqueira no Brasil.

Entretanto, devem ser separadas as situações. Ignorar os ilícitos comprovadamente praticados por Marcos, mantendo-o em importante cargo público pode até ser questionado sob o ângulo da improbidade administrativa, mas não é prova suficiente da participação de Cláudio na compra de votos. Não se pode sancionar um erro com as penalidades de outro.

É pacífico o entendimento da jurisprudência sobre a necessidade da prova da participação ou anuência do candidato beneficiado com a captação ilícita de votos praticada por terceiros, como se extrai das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

2. O art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 tutela justamente a livre vontade do eleitor, combatendo, com a razoável duração do processo, as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto. Exigem-se, pois, provas seguras que indiquem

todos os elementos previstos naquela norma (doar, oferecer, prometer ou entregar alguma benesse, com a finalidade de obter o voto de eleitor individualizado; e a participação ou a anuência do candidato), sendo que a ausência de qualquer deles deve, obrigatoriamente, levar à improcedência do pedido.

[...]

(TSE, Agravo de Instrumento nº 186684, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 24, Data 02/02/2017, Página 394-395)

 

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. PREFEITO E VICE. VEREADOR. IMPROCEDÊNCIA. CABOS ELEITORAIS. PROCEDÊNCIA. MULTA. ELEIÇÕES 2016.

[...].

2. Ausência de provas que indiquem a participação no ilícito, mesmo que indireta, dos representados candidatos aos cargos de prefeito, vice e vereador. Necessária a comprovação de que a prática tenha sido anuída, consentida ou tolerada pelos candidatos, o que não se demonstrou in casu.

[...]

Provimento negado. (TRE/RS, Ag/Rg n. 152-05, Relator Dr. Luciano Losekann, julgado em 18.7.2017.)

Assim, apesar das robustas provas sobre a compra de votos realizada por Marcos Petri e Guilherme Schneider, não foi apurado elemento objetivo ligando os candidatos ao pleito majoritário à ação ilícita.

Indícios dessa responsabilidade, como a proximidade de ambos e a relevância dos cargos ocupados por Marcos na gestão de Cláudio acabam mostrando-se insuficientes, especialmente diante do amplo alcance dos métodos de investigação empregados e do empenho na instrução do feito, que foram capazes de esclarecer os ilícitos mas não apontaram dados capazes de implicar os candidatos nos ilícitos.

Assim, deve-se modificar a sentença, para afastar a condenação de Cláudio Alflen e Gilmar Appelt nas penas do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

g) Valor da multa

Insurgem-se os recorrentes contra o valor da multa, fixada pela sentença em 25.000 UFIR, equivalente a R$ 26.602,50, sob a alegação de que a multa é desproporcional e foi fixada sem justificativa plausível, além de ignorar a condição econômica dos recorrentes.

Afastada a responsabilidade de Cláudio Alflen e Gilmar Appelt pelos ilícitos apurados, fica prejudicada a análise do ponto em relação aos recorrentes, remanescendo sua apreciação quanto a Guilherme Schneider.

A sanção pecuniária é prevista em “mil a cinquenta mil UFIR” pelo art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97.

A sentença, em sua fixação, levou em consideração dados concretos, como o número aproximado de eleitores cooptados, os valores disponibilizados, o volume de dinheiro empregado no esquema e a condição econômica dos recorrentes. Transcrevo o trecho da sentença (fl. 1059):

No exame da multa aplicável, cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no artigo 41-A, da mencionada lei, de acordo com a capacidade econômica dos infratores, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu. Assim, considerando as intensas movimentações financeiras registradas nos extratos bancários do representado Guilherme Volmir Schneider, em valores expressivos, de até R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), tratando-se de agroempresário, bem como considerando que o representado Cláudio já era proveniente de um mandato como Prefeito, tendo sido despendidas consideráveis quantias de dinheiro em sua campanha, a julgar inclusive pelas imagens das fls. 188/189-RP, e ainda as informações das testemunhas no sentido de que o Vice-Prefeito também se dedica à atividade rural, analisando-se também a quantidade de eleitores captados pela conversa entre Marcos e Guilherme (entre 75 e 80), com remuneração média entre R$ 100,00 e R$ 300,00 (80 x 300 = 24.000), bem como a média de condenações em eleições semelhantes, mostra-se razoável a imposição de multa no valor de 25.000 Ufirs, para cada um dos representados.

Não há o que reparar na dosimetria da pena pecuniária imposta.

A captação do voto de eleitores mediante a oferta de dinheiro é a forma mais rasteira de se fazer política, que corrói o sistema democrático na sua fonte: a livre escolha do representante popular pelo próprio cidadão. Com isso, não há exercício de poder legítimo, e o eleitor, no mais das vezes, por ausência de políticas públicas eficazes, é mantido na mesma condição econômica desfavorável, da qual se favorece o candidato para manter-se no poder.

Na hipótese, Marcos Petri, na condição de Secretário de Saúde, marcava consultas médicas para eleitores com o médico Igor Gheller com a clara finalidade de obter seus votos, tanto que pedia ao profissional que “cobrasse” o voto do eleitor, como acima exposto.

Não se trata de captação de sufrágio pela simples entrega de dinheiro em troca do voto. Ao contrário, o ilícito envolveu o sistema de saúde público, serviço de fundamental importância para os cidadãos, do qual os recorrentes se valeram para cooptar os eleitores atendidos.

Ademais, as fotografias das fls. 188 e 189 demonstram que o esquema envolveu a vultosa quantia de R$ 36.950,00, como apontou o laudo da perícia criminal.

A grande quantidade de valores distribuídos aos eleitores fica evidente também pelo teor das conversas de Marcos, nas quais são mencionados quantitativos de R$ 200,00 (fl. 196 e 209), R$ 500,00 (fl. 207) e R$ 250,00 (fl. 208).

O número estimado de eleitores cooptados é extraído de uma conversa na qual Guilherme pede “uma estimativa” para Marcos, que, após fazer uma confirmação pelo aplicativo, diz que “vai ficar entre 75 e 80” (fls. 212-213).

Também a capacidade econômica de Guilherme mostra-se adequada à multa fixada. O recorrente é produtor rural, além de ocupar o cargo de vereador. Ademais, extratos bancários do período de julho e agosto evidenciam expressiva movimentação de valores pelo representado, de R$ 59.000, R$ 25.000 e até R$ 77.000,00 (fls. 777-778), demonstrando plenas condições de suportar a multa aplicada.

Dessa forma, considerando a condição econômica do condenado, a forma como perpetrada a captação ilícita de sufrágio, envolvendo o sistema de saúde, e a considerável quantidade de valores e eleitores envolvidos, a multa de R$ 26.602,50 mostra-se adequada ao caso.

h) Contagem dos votos de Guilherme Schneider para a legenda

A COLIGAÇÃO UNIDOS PELA RENOVAÇÃO recorreu, pretendendo que os votos obtidos por Guilherme Schneider não fossem contados para a legenda partidária.

Não prospera a pretensão da recorrente.

O art. 175, § 4º, do Código Eleitoral estabelece expressamente que a decisão de cancelamento do registro proferida após a realização do pleito não prejudica a contagem dos votos para a agremiação partidária:

art. 175

§ 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.

§ 4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.

 

A preservação dos votos para a legenda partidária se dá por uma questão de segurança jurídica e estabilização dos blocos de representação no Poder Legislativo. Tais princípios não são afastados pela moralidade, mas com ela ponderados, a fim de minimizar os efeitos da ilicitude sobre os trabalhos da Câmara de Vereadores.

É pacífica a jurisprudência no sentido da incidência do referido dispositivo legal, como se verifica pela seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. VEREADOR ELEITO E NÃO DIPLOMADO. ANULAÇÃO DOS VOTOS PELO REGIONAL. DETERMINAÇÃO DE RECÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO NA DATA DAS

ELEIÇÕES. CANDIDATO A CARGO PROPORCIONAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. EFEITO AUTOMÁTICO. PERDA SUPERVENIENTE DA CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 175, § 3º, DO CÓDIGO ELEITORAL.

IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAR EXTENSIVAMENTE AS HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. CÔMPUTO DOS VOTOS CONFERIDOS AO CANDIDATO ELEITO E NÃO DIPLOMADO PARA A RESPECTIVA LEGENDA PELA QUAL CONCORREU. INTELIGÊNCIA DO ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DECISÃO

MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. A anulação total dos votos impõe sua contagem para a legenda partidária (nulidade parcial) incidindo nas eleições proporcionais quando os candidatos preencherem, na data do pleito, as condições de elegibilidade e não incorrerem nas

causas de inelegibilidade, mas que, por força de decisão superveniente, sejam declarados inelegíveis ou tenham seu registro cancelado, após a realização da eleição a que concorreram, ex vi do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

2. In casu, o ora Agravado concorreu às eleições com o registro de candidatura deferido, sobrevindo condenação criminal que suspendeu os seus direitos políticos, acarretando a nulidade dos votos a ele conferidos.

3. A despeito de terem sido considerados nulos para o candidato eleito, os votos a ele conferidos devem ser computados a favor da legenda, visto que a suspensão dos direitos políticos consubstancia condição de elegibilidade, plasmada no art. 14, §3º, II, da Constituição da República, a qual não se insere nas hipóteses previstas no art. 175, § 3º do Código Eleitoral.

4. A exegese que melhor se coaduna com o art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral é aquela no sentido de que os votos obtidos por candidato cujo registro se encontrava deferido na data da eleição não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar posteriormente cassado ou não diplomado se candidatou, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

5. Agravo regimental desprovido.

(TSE, REE n. 1950, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 27.09.2016, Página 90-91.) (Grifei.)

Registre-se que os arts. 222 e 237 do Código Eleitoral não conflitam com o art. 175, § 4º, do mesmo diploma. O art. 222 estabelece a anulabilidade da votação em caso de falsidade, vício ou fraude, e o art. 237 dispõe que o abuso de poder será coibido e punido, sem disciplinar o alcance dessas nulidades ou punições, o que é conferido pela interpretação sistemática com o art. 175, § 4º.

Dessa forma, correto o juízo de primeiro grau, ao preservar a contagem dos votos do candidato para sua legenda partidária, pois amparado em dispositivo legal aplicado em consonância com a interpretação a ele conferida pelo TSE.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso interposto por CLÁUDIO AFONSO ALFLEN e GILMAR FRANCISCO APPELT para julgar improcedentes os pedidos da Representação n. 264-07 e da Ação de Investigação Judicial n. 1-38 (apenso) em relação a eles, e pelo desprovimento do recurso de GUILHERME VOLMIR SCHNEIDER e da COLIGAÇÃO UNIDOS PELA RENOVAÇÃO.

Os votos conferidos a Guilherme Schneider, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, devem ser computados para a legenda pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta.

Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se a Zona Eleitoral para imediato cumprimento do acórdão.