RE - 50746 - Sessão: 29/01/2018 às 17:00

Submeto a julgamento o presente voto-vista, nos autos do RE n. 507-46, da relatoria do Desembargador Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, relativo à arguição de suspeição da PROMOTORA DE JUSTIÇA ELEITORAL que atuou no primeiro grau de jurisdição e ao recurso interposto contra a sentença que afastou a matéria preliminar e julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) proposta por JÚLIO MIGUEL NUNES VIEIRA e ALENCAR FURLAN em face de LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MAYERHOFER, prefeito e vice-prefeito eleitos de Sobradinho nas eleições municipais de 2016, respectivamente (fls. 2171-2226).

Em petição apartada das razões recursais, os recorrentes alegaram a suspeição da PROMOTORA ELEITORAL AMANDA GIOVANAZ, na forma do art. 145, inc. IV (interesse no julgamento em favor de qualquer das partes) e art. 493, ambos do CPC, com consequente declaração da nulidade dos atos praticados, sustentando que, somente após a prolação da sentença, tomaram conhecimento de suas manifestações na rede social Facebook, no sentido de ser “fato público e notório” que, “historicamente, possui, no bojo familiar, afinidade política ao partido PMDB”, agremiação pela qual concorreram os candidatos investigados (fls. 2228-2298).

Afirmaram que, ao expressar publicamente sua posição política no Facebook, a representante do Ministério Público Eleitoral demonstrou sua parcialidade para atuar nos autos, sobretudo porque “seu pai, Reni Giovanaz, por inúmeras vezes, concorreu a prefeito pelo partido e, por duas vezes, esteve à frente do executivo municipal de Gramado Xavier/RS”. Relataram que a referida promotora manifesta sua posição política por meio da rede social em diversas páginas e perfis, inclusive na página do PMDB/RS, através de “curtidas” e comentários (documentos de fls. 2299-2305).

Na origem, foi aberta vista à representante do Parquet Eleitoral para responder à alegação que se manifestou (fls. 2310-2322) asseverando a ausência de interesse no julgamento em favor de quaisquer das partes e a falta de preferência partidária pelo PMDB ou outra legenda.

Destacou a existência de vínculo estritamente familiar com o seu genitor e outros parentes militantes do PMDB (sobrinha e irmão), ressaltando que seu pai exerceu por duas vezes o cargo de Prefeito de Gramado Xavier, não logrando vitória no pleito de 2016, e invocando o art. 14, § 3º, do Código Eleitoral, por se tratar de município localizado em circunscrição diversa da Zona Eleitoral de Sobradinho. Referiu a impossibilidade de que eventual amizade, realizada no âmbito virtual e por intermédio do Facebook, possa representar, por si só, sua parcialidade para atuação no feito, noticiando ser amiga da advogada que subscreve a exceção de suspeição, Gézica Sachet, na referida rede social (fls. 2353-2356).

 Informou ter instaurado expedientes, junto à Promotoria de Justiça de Sobradinho, destinados a apurar os mesmos fatos narrados no âmbito da Justiça Comum (um Inquérito Civil e três Notícias de Fato – fls. 2323-2336), e ter ajuizado a Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa n. 11700007263, na 1ª Vara Judicial de Sobradinho, em face do ora recorrido Luiz Affonso Trevisan, prefeito eleito pelo PMDB (fls. 2338-2349), tudo a demonstrar sua isenção no exercício da função pública ocupada.

Ponderou que a alegação dos excipientes, em verdade, traduz-se em irresignação com a conclusão do parecer final do Ministério Público Eleitoral e com a sentença de improcedência da ação.

Ao final, defendeu a intempestividade e a ilegitimidade da arguição de suspeição, por ter sido apresentada em 24.8.2017, após o prazo de 15 dias previsto no art. 146 do CPC, em virtude de ter iniciado a atuação como Promotora de Justiça Eleitoral em 04.01.2017 e executado o primeiro ato no presente processo em 27.01.2017 (fl. 1618). Considerou que as postagens que dão azo à alegação, acessíveis ao público na rede mundial de computadores, datam de 22.11.2015, 20.8.2016, 23.8.2016, 24.8.2016 e 13.9.2016 (fls. 2229-2303), e que não foi observado o art. 145, § 2º, inc. II, do CPC, pois na primeira oportunidade em que veio a falar nos autos, a parte excipiente silenciou quanto aos fatos. Invocou doutrina e jurisprudência. Juntou documentos (fls. 2323-2358).

A juíza a quo relegou a análise da arguição de suspeição a este Tribunal (fl. 2359), e os recorridos apresentaram contrarrazões (fls. 2362-2375).

A Procuradoria Regional opinou pelo afastamento da alegação de suspeição, atentando para sua intempestividade, e pelo provimento parcial do recurso, com aplicação de sanção pecuniária por prática de condutas vedadas aos agentes públicos (fls. 2380-2390v.).

Na sessão de 19.12.2017, o ilustre Relator acolheu a arguição de suspeição, destacando o entendimento de que a representante do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau se mostrou publicamente favorável ao PMDB “com manifestações em rede social de afeição à agremiação, como demonstra o documento da fl. 2301 dos autos, no qual se vê um comentário à propaganda eleitoral de seu pai em que afirma: quem compara vota 15!”. Ressaltou que “a agremiação pela qual manifestou pública preferência – PMDB – é a mesma sigla partidária pela qual concorreram os representados,  ora recorridos, Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer”, e enquadrou o fato nos arts. 145, inc. IV, c/c 148, inc. I, e 146, § 7º, todos do CPC.

Após pedido de vista, o eminente Desembargador Eleitoral Luciano André Losekann, em 26.01.2018,  proferiu voto pela rejeição da suspeição, consignando sua intempestividade e a ausência de prova da parcialidade da digna Promotora Eleitoral, uma vez que o caso revela mero vínculo familiar com candidato ao pleito de 2016, em outra circunscrição eleitoral (Gramado Xavier/RS - ZE de Santa Cruz do Sul), na qual a Promotora não atua, sem denotar interesse ou envolvimento para beneficiar ou prejudicar qualquer dos litigantes. Acrescentou, ainda, que “as simples curtidas em páginas de familiares seus na rede social Facebook, ou o comentário genérico de apoio à candidatura de seu genitor em município não sujeito à circunscrição de Sobradinho/RS, não servem para fazer com que recaia sobre a representante do Ministério Público de piso a indigitada suspeita”.

É o que cumpre relatar.

Pedi vista dos autos para melhor examinar o feito a fim de decidir com segurança sobre a matéria destacada, relativa à suspeição e consequente parcialidade da representante do Ministério Público Eleitoral que atuou no primeiro grau de jurisdição.

Após ouvir as procuradoras dos excipientes, ler os memoriais apresentados, examinar os autos e refletir sobre o conjunto de fatos e provas, concluo que merecem acolhida as preliminares de intempestividade e de ilegitimidade suscitadas pela excepta na manifestação das fls. 2310-2322, em razão da inequívoca intempestividade da imputação de suspeição, apresentada somente em 24.8.2017, quando da abertura do prazo para interposição de recurso contra a sentença de improcedência da ação.

Todas as “curtidas” e “postagens” utilizadas pelos excipientes para amparar a alegação de suspeição foram realizadas há mais de um ano antes da arguição (22.11.2015, 20.8.2016, 23.8.2016, 24.8.2016 e 13.9.2016) conforme ata notarial apresentada na petição de suspeição (fls. 2299-2303), na qual se declarou que a informação estava disponível na rede mundial de computadores.

Além disso, conforme reconhecem os próprios excipientes, era fato público e notório, passível de alegação no prazo de 15 dias previsto no art. 146 do CPC, que o pai da excepta, Reni Giovanaz, foi Prefeito de Gramado Xavier nos períodos de 1993-1996 e 2009-2012, sendo logicamente explícita a sua condição de candidato ao cargo de prefeito, no mesmo município, nas eleições de 2016.

Não merece guarida a justificativa de que tal circunstância somente veio ao conhecimento dos excipientes após a prolação da sentença, dada a nítida e inequívoca possibilidade de verificação do fato logo após a primeira oportunidade em que a excepta atuou no feito, 27.01.2017, ocasião em que AMANDA GIOVANAZ se deu por intimada da decisão que determinou a produção de provas (fls. 1616-1617), apondo seu nome e assinatura nos autos (fl. 1618).

Anote-se que, até então, atuava na ação a Promotora Eleitoral Maria Fernanda Cassol Moreira, que se manifestou às fls. 1554-1556 sobre os pedidos de provas realizados pelas partes.

Logo depois da intimação da excepta, a advogada dos excipientes também foi intimada do conteúdo da decisão (fl. 1619), retirando os autos em carga (fl. 1620) e apresentando a petição da fl. 1621 e verso, protocolada em 21.02.2017, que silencia quanto à alegada suspeição do membro do Parquet Eleitoral que passou a atuar no feito.

Após, em 17.5.2017, as advogadas dos excipientes foram intimadas (fl. 2045 e v.) da decisão que aprazou audiência para oitiva de testemunhas referidas (fl. 2041), apresentando a petição das fls. 2048-2049, sem arguir a suspeição da represente do órgão do Ministério Público Eleitoral.

Referidas procuradoras novamente retiraram os autos em carga em 22.5.2017 (fl. 2052), sem apresentar qualquer petição, tampouco arguir a suspeição do Parquet.

Conforme ata da fl. 2074, na audiência realizada em 16.6.2017 a Promotora Eleitoral AMANDA GIOVANAZ estava presente, assim como os representantes, ora excipientes/recorrentes, e suas advogadas, solenidade em que também não foi arguida a suspeição da representante do órgão ministerial.

As procuradoras dos excipientes retiraram os autos em carga posteriormente em 21.6.2017 (fl. 2077) e ofereceram alegações finais em 26.6.2017 (fls. 2080-2111v.), igualmente sem a alegação de suspeição que, como consta dos autos, foi apresentada somente em 24.8.2017, no momento da interposição do recurso contra a sentença.

Ora, é manifesta a intempestividade da imputação.

De acordo com jurisprudência pacificada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, considera-se intempestiva a exceção de suspeição quando a motivação para o seu oferecimento já existia e não foi arguida no prazo de 15 dias previsto no CPC:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. AIJE. INTEMPESTIVIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Considera-se intempestiva a exceção de suspeição quando a motivação para o seu oferecimento já existia antes do ajuizamento da AIJE e não foi arguida no prazo de 15 dias previsto no art. 305 do CPC. Precedentes. 2. Na espécie, para afastar a conclusão da Corte Regional de que os fatos que ensejariam a parcialidade do magistrado eram preexistentes ao ajuizamento da AIJE seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe: 3618 CE, Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 14.4.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 90, Data 14.5.2015, Página 179.)

Exceção ritual. Suspeição. Apresentação após o prazo legal. Intempestividade reconhecida. Indeferimento. Recurso especial não admitido. Agravos improvidos. Aplicação do art. 305 do CPC. Precedentes. A exceção de suspeição deve ser ajuizada no prazo de 15 dias, contados do fato que a ocasionou, sob pena de preclusão.

(TSE - AAG: 6795 MG, Relator: ANTONIO CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 24.8.2006, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 14/09/2006, Página 123.) (Grifei.)

No caso dos autos, cabia aos excipientes a comprovação de efetiva impossibilidade de conhecimento do fato preexistente, o que não ocorreu, sendo manifesta a preclusão temporal para a arguição, pois apenas quando fundada em motivo superveniente a suspeição pode ser  alegada em qualquer tempo ou grau de jurisdição no prazo de 15 (quinze) dias contado do fato que a ocasionou (art. 146 do CPC).

A corroborar a conclusão pela inequívoca ciência dos fatos que amparam a alegação, tem-se que todas as postagens públicas realizadas pela excepta no Facebook também estavam acessíveis ao conhecimento dos excipientes por conta da amizade, na referida rede social, existente entre sua procuradora, Gézica Sachet, e a Promotora Eleitoral AMANDA GIOVANAZ (fls. 2353-2356), merecendo ser observado que a atuação da advogada teve início em 25.11.2016 (substabelecimento com reserva das fls. 1388-1389), antes do primeiro ato praticado pela excepta, no dia 27.01.2017.

Por tudo o que dos autos consta, parece-me claro que os excipientes se descuidaram de alegar, no prazo legal, os fatos “públicos e notórios” que ampararam a presente arguição de suspeição, a qual não comporta conhecimento em face da manifesta intempestividade, pois proposta em 24.8.2017, mais de sete meses após a Promotora Eleitoral passar a intervir no feito (27.01.2017), com base em fatos veiculados na internet há mais de um ano antes da alegação (22.11.2015, 20.8.2016, 23.8.2016, 24.8.2016 e 13.9.2016).

A questão atrai, igualmente, o disposto no art. 145, § 2º, inc. II, do CPC, segundo o qual é ilegítima a alegação de suspeição quando a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido, o que de fato ocorreu, porque após a intervenção de AMANDA GIOVANAZ no feito, na condição de fiscal da ordem jurídica, os excipientes receberam os autos em carga por três vezes, peticionando nos autos em três oportunidades e, inclusive, participando de audiência na qual a excepta também atuou, sem nada alegar quanto à eventual suspeição.

Com essas considerações, merece acolhida a arguição de intempestividade e de ilegitimidade da imputação, razão pela qual VOTO pelo não conhecimento da alegação de suspeição.

Destaco.

No mérito, sem perder de vista que a conclusão deste Colegiado servirá como diretriz para os demais feitos em que a referida PROMOTORA ELEITORAL exerce suas atribuições e, com muito respeito ao posicionamento contrário externado pelo nobre Relator, adianto que estou convencido da improcedência da alegação.

Agrego aos judiciosos argumentos lançados pelo Procurador Regional Eleitoral e pelo Desembargador Eleitoral Losekann que, do acurado exame do feito, não se verifica a vinculação da Promotora Eleitoral com as partes representadas, nem atuação de forma parcial, tendenciosa ou comprometida com o PMDB.

Foi oportunizada extensa produção probatória no curso da ação e não há evidência de qualquer malferimento à igualdade entre as partes litigantes ou prejuízo aos excipientes, restando sem comprovação a parcialidade por motivo de foro íntimo.

Efetivamente, a mera postagem genérica da agente ministerial no Facebook, fazendo manifesta alusão à candidatura do seu genitor em zona eleitoral diversa da circunscrição em que tramita a ação, não deve servir de fundamento para a declaração da suspeição do membro do Ministério Público Eleitoral.

Em verdade, as redes sociais, atualmente tão utilizadas como mecanismos de comunicação pela sociedade contemporânea, materializam o que o escritor Guy Debord chamou de “A sociedade do espetáculo” em obra de 1967. A expressão foi relembrada em recente artigo publicado pela Doutora em Filosofia Iná Camargo Costa, que a explicou como sendo “o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens”, modelo atual da vida que domina na sociedade (Para compreender a Sociedade do Espetáculo. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/570813-para-compreender-a-sociedade-do-espetaculo>. Acesso: 28 jan. 2018).

As publicações que embasaram a alegação de suspeição – diga-se, plenamente evitáveis em face da delicada posição da Promotora Eleitoral para atuar em feitos eleitorais devido ao vínculo partidário de seu pai, seu irmão e sua sobrinha com o PMDB – podem ser compreendidas como reflexo do que Guy Debord chamou de “espetáculo”, pois as postagens  são o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma na internet, expondo particularidades que deveriam estar reservadas à intimidade.

Contudo, importa ter presente que, durante os sete meses em que interveio no feito, a atuação da excepta limitou-se ao pedido de redesignação da data da audiência de continuidade da instrução (fl. 2054), à atuação na referida solenidade (fl. 2074) e ao parecer final das fls. 2139-2168v., em nada interferindo na produção de provas pelas partes.

Além disso, a leitura do parecer final ofertado pela representante do Ministério Público Eleitoral e da sentença prolatada pela magistrada a quo demonstram que as razões que fundamentam o convencimento são autorais, decorrentes da apreciação dos fatos e do juízo de valor sobre a prova produzida, não havendo vício algum na circunstância de a julgadora concordar com o Parquet em diversos pontos de sua decisão, porquanto devidamente explicitadas as razões de convencimento.

O parecer final do Ministério Público Eleitoral atendeu de forma suficiente a atribuição do órgão nos feitos eleitorais, relativas à intervenção como fiscal da ordem jurídica para velar pela fiel observância da legislação eleitoral e promoção do respeito às instituições do Estado Democrático Brasileiro, proporcionando, portanto, um processo eleitoral justo e igualitário.

Ademais, o interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes, para caracterizar suspeição, “deve ser um interesse imediato, palpável, que não dependa de circunstâncias que poderão determinar futuramente, na ocasião em que deveriam concretizar-se os fatos esperados” (TRE-SC - ES: 13034 SC, Relator: IVORÍ LUIS DA SILVA SCHEFFER, Data de Julgamento: 03.11.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 198, Data 06.11.2014, Página 4).

No caso concreto, as alegações trazidas pelos excipientes não são aptas a conduzir ao entendimento no sentido do interesse pessoal da Promotora Eleitoral no julgamento da ação em seu detrimento, não passando de meras suposições sobre eventual parcialidade da excepta.

Ante o exposto, no mérito, pedindo redobradas vênias ao Relator, acompanho o voto-vista do Desembargador Eleitoral Luciano André Losekann para rejeitar a alegação de suspeição.

Efetue-se o reparo da borda das fls. 1614, 1615 e 2228 do feito, que estão soltas dos autos, a fim de reinseri-las nos volumes correspondentes.

 

Des. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Sr. Presidente, meu voto é para acompanhar a divergência e não acolher a preliminar.

 

Des. João Batista Pinto Silveira:

Estou acompanhando, com a vênia do Relator, a divergência no sentido de rejeitar a alegação de suspeição.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol:

Com a vênia do eminente Relator, estou acompanhando a divergência.

 

MÉRITO

Des. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator)

No mérito, caso superada a preliminar, a presente ação fundamenta-se na prática de pretenso abuso de poder e condutas vedadas por Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer, eleitos respectivamente aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Sobradinho, em razão de cinco diferentes fatos: FATO 1) gastos com fundo habitacional para distribuição de materiais de construção em volume superior aos anos anteriores; FATO 2) elevação dos gastos com combustível no ano eleitoral; FATO 3) ampla e maior distribuição de britas a eleitores no ano do pleito; FATO 4) incremento de serviços públicos prestados à comunidade no ano eleitoral; e FATO 5) locação de máquina escavadeira para os munícipes sem fiscalização e cobrança adequadas, com finalidade eleitoral.

Passo à análise individualizada dos fatos.

 

FATO 1: uso do programa habitacional do Município

Sustenta o recorrente que a concessão de materiais distribuídos por força do fundo habitacional do município foi acelerada, com a entrega de benesses sem a observância dos requisitos legais, com a finalidade de obter a simpatia do eleitor em pleno ano eleitoral.

O referido fundo foi estabelecido pela Lei Municipal n. 2.377/03, a qual autoriza o financiamento de construções e reformas desde que observados os requisitos legais, ficando o beneficiário obrigado a pagar, em prestações, o custo da obra ou dos materiais recebidos.

Embora alguns eleitores tenham afirmado que desconheciam a obrigação do pagamento parcelado do material recebido, eles inscreveram-se no programa, qualificaram-se para o benefício e receberam também o carnê de pagamento das prestações.

Ademais, não se extrai dos autos, de forma segura, que a entrega do material tenha sido acompanhada de pedido de votos ou propaganda eleitoral. O único testemunho neste sentido é de Lurdes, pessoa filiada a partido político adversário, o qual restou isolado dentre as demais provas produzidas.

O juízo de primeiro grau analisou de forma exaustiva a prova produzida nos autos em relação a este fato, merecendo transcrição a sua bem lançada fundamentação (fls. 2187-2193):

FATO 1: utilização indevida de parcela do Fundo Habitacional Popular através do Programa Municipal de Habitação Popular

Referiram os representantes que o Fundo Habitacional Popular corresponde a um programa municipal de habitação popular, conhecido por PMHP, criado pela Lei Municipal 2.377/2003, sendo que para ser beneficiário do programa é necessário o preenchimento de requisitos específicos. Aduziram que no curso do ano de 2016, ano eleitoral, o atual prefeito de Sobradinho, Luiz Affonso Trevisan, candidato a reeleição, e Armando Mayerhofer, secretário de finanças e planejamento do Município, candidato a vice-prefeito, utilizaram-se de parcela do poder financeiro indevidamente, através do programa referido, de forma a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito.

Disseram, ainda, que foi realizada a distribuição de materiais de construção sem obedecer os requisitos legais, espalhando-se a notícia de que o prefeito estava distribuindo materiais de construção. Asseveraram que em nenhum momento foi informado que se tratava de um programa de financiamento habitacional, mas sim de que o prefeito estava dando os materiais, utilizando-se da função pública para acelerar a liberação do benefício, para que fosse distribuído para maior número de pessoas, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Discorreram acerca de quadro comparativo dos valores despendidos, ressaltando um aumento considerável no ano eleitoral.

Os representados, por sua vez, alegaram que não houve a prática de qualquer ato irregular na concessão de financiamentos via PMHP às pessoas carentes do Município, nem mesmo doação de materiais de construção. Disseram que sempre é observado o trâmite legal prévio, e em nenhuma situação é isentado o beneficiário do pagamento, ao contrário, após uma análise criteriosa pelos órgãos competentes é expressamente informado a cada um a forma de concessão e obrigatoriedade do pagamento. Asseveraram que as alegações dos representantes não tem nenhum suporte probatório.

Pois bem.

De início, importante tecer algumas considerações acerca do referido Fundo Habitacional Popular. Como pode ser verificado à fl. 71, a Lei Municipal nº 2377 de 06/06/2003 dispõe acerca da criação do Fundo Habitacional Popular - FHP, destinado a financiar a construção ou a reforma de habitações para os munícipes de baixa renda.

O art. 3º aponta os requisitos para a concessão do financiamento, que correspondem a pessoas de baixa renda com rendimento mensal inferior a dois salários-mínimos; que residam em Sobradinho há mais de cinco anos; tenham ocupação remunerada ou proventos, pensão ou benefício previdenciário afim; que não tenham outro imóvel no município; e não tenha possuído imóvel há menos de cinco anos no município.

Além dos referidos requisitos, deve haver parecer favorável da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos após levantamento socioeconômico da situação do candidato, bem como aprovação do Conselho Municipal de Habitação (COMHAB) e, por fim, a liberação do financiamento pelo Prefeito à conta do FHP (art. 4º).

O valor do financiamento corresponderá a até 75% do custo total da construção ou da reforma e a amortização do financiamento será feita em até 120 parcelas iguais, mensais e consecutivas, vencendo-se a primeira 60 dias após a conclusão das obras.

Dito isso, vejamos o que disseram as testemunhas acerca do tema.

A testemunha NILTON SANTOS referiu que estava precisando de umas madeiras para construir sua casa e foi falar com o Prefeito Maninho, o qual disse que lhe daria as madeiras. Disse que após fazer três orçamentos foi informado por uma mulher que teria que assinar um documento e pagar pelas madeiras, recebendo um carnê de 24 prestações, que ainda não pagou por estar desempregado. Mencionou que foi falar novamente com “Maninho” e ele disse que “se ele deu tá dado”. Não sabe o que estava escrito no papel que assinou, pois não sabe ler. A casa do depoente não foi feita, porque não tem terreno. O valor das madeiras foi de R$1.500,00 ou R$1.700,00. O pedido de material foi feito pelo depoente no final de setembro e recebeu o material e o carnê de pagamento após as eleições. O Prefeito nada mencionou a respeito de troca de favores quando disse que daria as madeiras para o depoente, não pediu voto.

LURDES MEDINA, ouvida como informante por ter filiação partidária ao PT, mencionou que foi até a prefeitura pedir o material de construção, tendo sido informada que deveria levar orçamentos das lojas para ver onde era mais barato. Disse que levou os orçamentos até o prefeito, o qual liberou os materiais para a declarante. Aduziu que assinou alguns papéis, mas que ninguém falou que teria que pagar pelos materiais de construção. Afirmou que foi por conta própria na prefeitura pedir os materiais de construção. Asseverou que reside em Sobradinho há mais de 30 anos. Referiu que o próprio prefeito foi com a depoente fazer o orçamento na obra; ocupou dez folhas de Brasilit. Disse que a obra consistiu em uma peça nova construída na casa da declarante. Pediu orçamentos em três lojas. Ressaltou que ninguém falou que teria que pagar pelo material. Relatou que na época da campanha o prefeito foi até a casa e disse que deu os materiais de construção e que por isso era para ajudá-lo, não sabendo o que significou esse "ajudá-lo". Questionada se a ajuda era com relação ao voto, a declarante referiu que achava que sim, e depois disse “com certeza”. Disse que recebeu o valor total do custo da obra e não somente uma parte. Referiu que foi na Assistência Social, ocasião em que lhe deram a lista dos materiais necessários para a obra para que levasse às lojas e pedisse os orçamentos, e, também, assinou os papéis. Asseverou que desde o dia em que foi pedir os materiais até recebê-los demorou um mês e pouco, não lembrando ao certo quando foi, acha que foi há uns seis meses atrás. Negou que no dia da campanha eleitoral tenha impedido o representado Luiz Affonso de entrar na sua casa, tendo falado com ele no muro da casa que fica na calçada. Disse que na oportunidade o prefeito estava com o candidato a vice, Armando.

A informante arrolada pelos representados, JORJA APARECIDA DE OLIVEIRA, referiu que postulou junto ao CRAS pedido de materiais para reforma/construção, tendo sido encaminhada para uma moça que trabalha na Prefeitura. Disse que fez três orçamentos e a moça pediu documentos pessoais de toda a família e falou que fariam uma consulta para ver se a depoente se encaixava e se teria como pagar por mês. Posteriormente, recebeu uma ligação telefônica e foi até a prefeitura onde estava tudo pronto, tendo recebido dois carnês para pagamento mensal. Não ouviu falar que não precisava pagar os materiais. Não falou com o prefeito a respeito. Não foi condicionada a aprovação do processo a votar em algum dos representados. Recebeu o material há cerca de dois ou três meses da audiência e já está fazendo pagamentos das parcelas. Um pedreiro foi na casa da declarante e disse o que precisava de materiais para fazer a obra, tendo anotado em um papel de caderno, o qual levou até as lojas para ver quanto custaria. Relatou que quando os orçamentos estavam prontos, os levou na prefeitura, mas como a sua renda não era suficiente para todo o valor que precisava, recebeu apenas uma parte dos materiais. Está trabalhando para juntar dinheiro e pagar o restante para concluir a obra.

A testemunha JOEL LUIZ LIRA disse que não se inscreveu no programa habitacional e não conhece ninguém que tenha recebido material. Não ouviu falar de pedido de voto em troca de material de construção.

Foram acostadas atas notariais às fls. 167/171, referentes à gravações ambientais de conversas, nas quais Gicelda de Brito, Juliana e Lurdes Medina descrevem como receberam materiais de construção.

Gicelda de Brito (fl. 168) disse que ficou sabendo que estavam dando materiais de construção na prefeitura e foi pedir também, já que estava precisando fazer uma varanda. Referiu ter falado com o prefeito, o qual foi junto até a casa da declarante, "deu aval", e a pedido dele foi solicitar três orçamentos para pegar o material. Depois disso a declarante disse que levou até o prefeito, “ele assinou”. Referiu que quando foi na prefeitura “pra eles trazer o material” é que ficou sabendo que teria que pagar “um tanto por mês”, recebendo um carnê para pagamento.

Juliana referiu ter sido beneficiada com madeiras, tábuas e brasilites do prefeito atual “Maninho Trevisan”, o que seria entregue na segunda quinzena de outubro, mas não foi porque a prefeitura estava sem dinheiro. Disse que a entrega foi prometida então para novembro. Mencionou que se tratou de promessa de campanha, pois quando estava fazendo campanha no bairro ele prometeu e falou para a declarante e sua mãe que haviam sido beneficiadas por ele e que tinha que votar nele para poder ganhar (fl. 170).

Lurdes Medina, que também foi ouvida em juízo, conforme relato acima, falou por ocasião da gravação (fl. 172) que ganhou um material de construção na época da campanha do prefeito, sendo que este e o candidato a vice estiveram pedindo ajuda da declarante já que tinha recebido os materiais, que não precisava pagar nada, mas depois que passou a eleição estão cobrando o pagamento. Referiu que ganhou os materiais e ninguém tinha dito que precisava pagar.

Esta é a prova produzidas nos autos acerca do fato.

Passo à análise do caderno probatório.

Pela narrativa da testemunha NILTON SANTOS, observo que passou pelo procedimento de análise acerca de seu enquadramento legal como beneficiária do financiamento, sendo aprovado, ocasião em que lhe foi entregue um carnê de pagamento.

O mesmo se constata da narrativa apresentada pela informante arrolada pelos representados, JORJA APARECIDA DE OLIVEIRA.

Ainda, não obstante os relatos de Nilton, Jorja e Lurdes no sentido de desconhecimento da necessidade de pagamento do material de construção, não há como acolhê-los, pois não houve prova de que tal oferta foi realizada pelo prefeito, e os declarantes confirmaram ter recebido o carnê de pagamento das parcelas.

Ademais, a Ata nº 03/2016 (fl. 332), lavrada em 09/03/2016, comprova a análise da solicitação de material de construção concedido pelo FHP por Lurdes Medina, dentre outros, com a aprovação das avaliações socioeconômicas, de modo que se verifica que foi observado o trâmite disposto na Lei n. 2.377/03.

Tal fato comprova que não se tratou de promessa de campanha, mas de prévio pedido feito pelos interessados no recebimento do financiamento para a aquisição do material.

Conforme se vê nas Atas nºs 04/2016, 07/2016 e 08/2016, lavradas em 04/04/2016, 05/07/2016 e 08/08/2016, respectivamente (fls. 335, 344 e 348), Lurdes, Nilton Santos, Gicelda de Brito e Jorja Aparecida de Oliveira fizeram prévio pedido.

Além disso, não houve comprovação nos autos de que a concessão dos financiamentos ou materiais de construção teriam alguma vinculação ao voto do eleitor em favor do candidato, o que seria imprescindível para a configuração do ilícito eleitoral.

Nilton e Jorja disseram ter sido beneficiadas com o financiamento e que não houve pedido de voto do prefeito.

A testemunha JOEL LUIZ LIRA, em que pese tenha dito que não se inscreveu no programa habitacional, afirmou que não ouviu falar de pedido de voto em troca de material de construção.

A única pessoa ouvida em juízo que afirmou que o Prefeito pediu “ajuda/voto” em troca da concessão de materiais de construção, sra. Lurdes, foi ouvida como informante por ser filiada ao partido dos representados, o que deve ser considerado com reservas, sendo indispensável que sua narrativa seja corroborada pelas demais provas nos autos, pois é, por si só, inidônea, para gerar o acolhimento do pedido principal.

No ponto, registro que, como bem referiu o Ministério Público às fls. 2143/2144, a narrativa apresentada pela informante Lurdes apresentou determinadas contradições que geram dúvidas acerca da veracidade de seu depoimento, vejamos.

Primeiramente, a depoente Lurdes disse não saber o que significava a referida “ajuda” e, somente quando questionada se era a respeito de voto, ela disse que achava que sim, evidenciando que não houve pedido expresso de voto pelo Prefeito.

Depois, à fl. 2143v, o Ministério Público bem ressaltou que “a informante também se contradiz quando refere que tratou tudo com o Prefeito (levou o pedido de materiais a ele, tendo ele ido na casa da informante e feito o orçamento, além de ele ter liberado os materiais), mas logo após refere que todos os procedimentos que a informante fez para obter o financiamento do PMHP foram realizados na Assistência Social.”

Neste diapasão, a narrativa da informante Lurdes mostrou-se parcial - evidenciando seu interesse jurídico na procedência do pedido -, e contraditória, não conferindo a certeza que se exige.

Ainda, as atas notariais às fls. 167/171, referentes à gravações ambientais de conversas, nas quais Gicelda de Brito e Juliana descrevem como receberam materiais de construção devem ser consideradas como elementos unilaterais, uma vez que não foram confirmados em juízo, não sendo respeitado o direito constitucional do contraditório, tornando prejudicada sua análise, pois não se sabe se existe algum tipo de interesse das pessoas que firmaram o documento, nem o seu ânimo em relação aos representados, tampouco em que circunstâncias em que as gravações foram obtidas para fins de apurar sua legalidade e constitucionalidade.

Assim, neste contexto probatório, a meu sentir, a narrativa da informante em juízo não foi confirmada pelas demais provas, não existindo prova robusta e inconteste de pedido de voto ou doação de materiais pelos representados.

E, como já referido, a ocorrência do abuso não pode ser presumida, conforme entendimento sedimentado pelos Tribunais Superior, já citados no ponto 2.

Desta forma, não verifico que houve a prática de distribuição de bens de forma gratuita pelos representados, nem mesmo de qualquer irregularidade no procedimento adotado para a concessão dos financiamentos habitacionais, assim como de vinculação destes com a campanha política dos representados, conforme alegado na inicial, de modo que improcede o pedido no ponto.

O aumento do valor orçado para o programa, com consequente aumento dos valores efetivamente investidos, por si, não caracteriza abuso ou ilícito eleitoral.

Da mesma forma, a alegada falta de fiscalização ou o cumprimento indevido de algumas disposições legais, como o envio antecipado dos carnês de pagamento, não comprovam o seu uso eleitoral, sendo matéria mais adequada à eventual sanção administrativa.

Essas ocorrências devem ser interpretadas à luz das demais provas produzidas. Como acima explicitado, as pessoas beneficiadas enquadravam-se nas exigências legais, e não há provas seguras a respeito de pedidos ou desvios de finalidade do programa em prol da candidatura dos recorridos.

Assim, deve ser mantida a sentença no ponto.

FATO 2: aumento de gastos com combustível

Alegam os recorrentes que os recorridos gastaram no ano de 2016, somente até outubro daquele ano, R$ 668.058,71 com combustíveis, valor bastante superior ao executado nos anos anteriores.

Resta incontroverso que o gasto com combustível em 2016 foi superior aos anos anteriores. Todavia, comparativo elaborado pelo Ministério Público de primeiro grau mostrou que o aumento foi paulatino e razoável, considerando o esperado aumento de serviços públicos e do próprio custo do combustível com o passar do tempo.

A sentença bem enfrenta a questão (fls. 2193-2194):

De início, registro que, à vista do documento de fl. 688, restou comprovado que o gasto com combustíveis no ano de 2016 não foi no valor de R$ 1.139.810,19 como constou na exordial, sendo gasto efetivamente até o mês de outubro o valor de R$ 668.058,71.

No ponto ressalto que o Ministério Público, de forma pormenorizada e exaustiva, apresentou comparativo dos gastos com combustíveis pelo Município nos anos de 2013 até 2016, apontando que a média mensal de gastos foram os seguintes: R$44.705,43 em 2013; R$43.99,36 em 2014; R$57.856,03 em 2015; e R$66.805,87 em 2016, demonstrando que não houve consumo desproporcional de combustível, como querem fazer parecer os representantes.

Ainda, deve-se observar que a quantidade de litros de combustível adquiridos permaneceu regular, conforme relatório de fls. 689/690.

E mais, os empenhos de fls. 675/1148 demonstram que a aquisição dos combustíveis foi feita de acordo com a necessidade do serviço de cada Secretaria Municipal, pelo menos é o que consta nos autos, não havendo prova em contrário.

Outrossim, deve ser considerado, como é de conhecimento público, que o valor dos combustíveis teve relevante elevação de preço no mesmo período, refletindo, por evidente, no valor gasto mensalmente.

Por fim, ressalto que não houve prova de redução do consumo de combustível no período de férias do prefeito Luiz Affonso, ora representado, de 31/08/2016 a 30/09/2016 e de 01/10/2016 a 14/10/2016, período em que a chefia do Poder Executivo foi exercida pelo vice-prefeito Jurandir João Serena, o qual, pelo que se vê nas fotos e documentos de fls. 307/312, apoiava a candidatura dos representantes, evidenciando que o consumo de combustível era indispensável ao atendimento das necessidades da Administração Pública.

Ademais, não há evidência sobre eventual benefício eleitoral obtido pelos recorridos com o aumento dos gastos com combustível. O incremento pode ter ocorrido pelo simples aumento dos serviços prestados, do seu custo ou até mesmo por má gestão. Mas não há notícia de que o aumento tenha ocorrido para obtenção de um benefício eleitoral, como distribuição de combustível ou a troca de favores com a empresa vencedora da licitação. O simples aumento dos gastos com combustível não caracteriza ilícito eleitoral.

FATO 3: aumento da distribuição de brita

Os recorrentes sustentam que houve o aumento da produção e distribuição de brita no ano eleitoral, além do reparo de um amplo número de vias públicas, com o intuito de conferir benefício eleitoral aos candidatos recorridos.

A prova produzida indica que a distribuição de brita era serviço prestado desde o início da gestão de Luiz Trevisan.

Da mesma forma, resta comprovado que a brita era utilizada não apenas para a manutenção ou ampliação de vias públicas, mas também para a entrega a eleitores, de forma individualizada.

Alaor da Silva Lemos testemunhou que seus vizinhos receberam brita, incluindo um eleitor de apelido “Alemão”. Conforme descreveu a sentença, “disse que na quarta-feira antes das eleições o caminhão da Prefeitura foi até a casa do vizinho do declarante 'e largou a brita no pátio’, a qual ‘está lá até hoje’” (fl. 2198). No mesmo sentido é o testemunho de Almedo Costa, que disse ter visto a Prefeitura esparramar a brita dentro do pátio de seu vizinho, cujo nome desconhece.

Também o testemunho de Carlos Adomenico de Moura, operador de máquinas da Prefeitura, destacado para operar o britador, confirmou que o serviço era realizado por ordem do prefeito, que definia onde seria entregue a brita. Afirmou, ainda, que o material às vezes era destinado à pavimentação de vias públicas e às vezes para particulares, explicando que, nessa última hipótese, constava nas ordens de serviço o nome do particular beneficiado, exemplificando a situação com o eleitor Bernardi.

A sentença bem descreve o teor de seu testemunho (fls. 2203-2205):

A testemunha CARLOS ADOMENICO DE MOURA disse ser concursado como operador de máquinas da Prefeitura, ficando lotado no britador quando está funcionando e, quando não está, fica na cidade com a outra máquina. Desempenha função no britador desde que entrou na prefeitura, na Administração anterior, onde carrega o britador (pega a pedra e coloca dentro do britador) e após carrega os caminhões. Alencar opera o caminhão que faz a brita. Referiu que recebem a informação de onde deverá ir a brita, carregam os caminhões com a quantia mais exata possível e depois os caminhões fazem a entrega, sendo que quem define para onde vai as britas é o prefeito, é direto com ele. Em 2016 o depoente disse que recebia ordens do prefeito, mediante as folhas e anotações dele. O motorista chega, é carregado o caminhão e o depoente diz para onde deve ser levada. Disse que passa a limpo, fazendo um controle das listas, no computador pessoal de sua casa. O declarante era o responsável pela saída da brita do britador, sendo que quando a ordem era dada por telefone, anotava nas ¿costas da lista¿ para ter um controle. Na lista tinha o nome da pessoa, o endereço de entrega e a metragem que era para carregar. O declarante anotava no seu controle a data que era feita a entrega, o nome do motorista, o local de entrega e a quantidade. A lista era feita pelo prefeito de forma manuscrita. A parte da frente da lista é escrita pelo prefeito e a parte de trás pelo depoente que corresponde a alguma informação passada por telefone e passava a limpo em casa. O declarante levava os controles para casa, porque não tinha como deixar na máquina, já que às vezes a máquina era substituída. Disse que levava as listas para casa porque não tinha como deixar na máquina, sendo que desde que entrou no serviço no britador o controle se dava desta forma, não somente em 2016. O declarante pegava a lista e fazia a entrega de acordo com ela. Referiu, ainda, que a extração de pedra no britador era feita por detonação e por trator de esteira e escavadeira hidráulica. Disse que em 2013 não foi produzida brita no britador em razão das novas eleições que foram realizadas no Município; em 2014 foi feito 1500m³ de brita; em 2015 foi feito 300m³ de brita e em 2016 foram feitos 5.500m³, ao longo de todo o ano. Referiu que conforme iam produzindo era feito estoque e a entrega era de acordo com a lista, sendo que em todos os meses foi entregue brita, uns mais, outros menos, não sabendo dizer a quantia exata dos meses que antecederam a eleição. Mencionou que a brita feita no britador do município é de fácil identificação, pois tem o pó, a terra, a graúda e a miúda junto e que as outras britas são granuladas, diferenciadas. Os motoristas não entregavam nada para o depoente, apenas dava as ordens do local de entrega. A lista de controle foi exigida pelo prefeito. As britas que saíam do britador eram destinadas para estradas, vias públicas e nomes de pessoas. Quando eram destinadas à estradas, o depoente anotava o nome da localidade e a estrada, e quando era destinada para uma pessoa, anotava o nome da localidade e o nome da pessoa. No período das eleições foram entregues britas para particulares, como por exemplo para Bernardi, que consta anotado na fl. 200, que a brita foi entregue na casa. Confirmou que a letra que consta na frente do documento é a do prefeito e a que consta no verso é do depoente. Disse que onde consta o nome da rua no documento quer dizer que a brita foi entregue na rua, e quando não constar a palavra "rua" é porque foi entregue para particular. Mencionou que ao final da lista, o declarante levava ao prefeito para ele conferir. Ressaltou que recebia ordens do prefeito, inclusive em setembro, o qual telefonava normalmente do celular que era da prefeitura, sendo que o vice-prefeito foi uma vez no britador no período em que este em exercício como prefeito, e somente cumprimentou todos, não tendo nem descido do carro. Somente na última semana antes da eleição é que ¿Pequeno¿ levou a lista ao depoente. Após as eleições não foi mais realizado serviço no britador, pois na sexta-feira o declarante levou a máquina para o pátio ao meio-dia e trabalhou dois ou três dias com a máquina em propriedades, sendo que então ela quebrou e não foi mais levada ao britador. Referiu que o britador está funcionando, mas não tem pedra no momento para transformar em brita. O depoente trabalhou com outras máquinas depois disso, mas não voltou mais ao britador. Não entregou as listas de antes das eleições nas mãos do prefeito, porque este pediu que as deixasse na máquina, a qual depois quebrou e foi levada para a oficina. Referiu não questionar a entrega das britas para particulares, pois é funcionário e obedece a hierarquia. Mencionou que o controle da saída das britas produzidas pelo britador era feita somente pelo depoente. Ocorreu de particulares buscarem brita diretamente no local, sendo Nilo Weber (duas cargas pequenas), Ilceu Bernardi (três cargas) e Ilo (cinco metros). Referiu que se o britador está funcionando perfeitamente, a média diária de produção é de 8 a 10 cargas, cerca de 80m³ por dia. O controle era feito no computador do depoente desde 2014 e entregou dois relatórios ao prefeito desde então, um em 2015 e outro em 2016, o que não foi presenciado por ninguém. Os motoristas que fazem a entrega da brita são: Rudi (de apelido Fuleco), Carlão, Kiki e Chico. Disse que ficou sabendo do sumiço das listas após o ajuizamento da presente demanda, não tendo consentido, nem conhecimento da juntada dos relatórios no processo. Confirmou que o prefeito ficava com uma via das listas para controle e o depoente não fazia protocolo das entregas do prefeito, não existindo papel formalizado acerca das listas.

Os testemunhos são confirmados pela prova documental, como as anotações, realizadas à mão, juntadas nas folhas 200 a 210 dos autos, onde consta o nome de eleitores a quem era destinada a brita, como esclarece a referida testemunha.

Também as fotografias das folhas 211 a 213 mostram a brita esparramada no interior das residências. As fotografias da fl. 213 retratam a brita acomodada em frente às residências, mas fica claro que o material não se destinava ao calçamento público, composto de paralelepípedo, bastante distinto dos montes de brita disponibilizados em frente às residências.

As provas demonstram, portanto, que houve a entrega de brita a eleitores no ano eleitoral, cuja distribuição ficava inteiramente vinculada às ordens do prefeito.

A conduta enquadra-se na vedação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, o qual proíbe a distribuição gratuita de bens no ano em que se realizar a eleição quando não houver estado de calamidade ou de emergência ou não existir programa social instituído por lei e já em execução no ano anterior:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

A previsão de condutas vedadas pela legislação eleitoral busca tutelar a igualdade entre os candidatos, estabelecendo limites à Administração Pública para garantir a continuidade dos serviços públicos sem que isso importe em benefício desmedido aos candidatos à reeleição.

Nesse intuito, o dispositivo acima transcrito não condiciona o ilícito à finalidade eleitoral do serviço ou distribuição dos bens, pouco importando se o benefício é condicionado ao voto do eleitor ou mesmo se é acompanhado de propaganda eleitoral.

Para ser irregular, basta que ocorra a entrega de bens pela Administração no ano eleitoral sem a existência de lei instituindo o programa e sem execução orçamentária anterior.

Nesse sentido, invocando precedente do TSE, José Jairo Gomes leciona que “segundo se tem entendido, para a configuração da presente conduta vedada ‘não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito. [...]' (TSE – AgR-REspe no 36026/BA – DJe, t. 84, 5-5-2011, p. 47)” (Direito Eleitoral, 13ªed., 2017, p. 705).

Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral esclarecem o alcance do texto legal, ao estabelecer que a doação de bens no ano eleitoral somente é possível se houver lei criando o programa social, dotação orçamentária específica e execução já no ano anterior ao pleito:

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. DISTRIBUIÇÃO DE BENS. PROGRAMA SOCIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO

AGRAVADA.

1. O Tribunal Regional Eleitoral assentou que houve a distribuição, em ano eleitoral, de diversos bens a eleitores carentes por meio de programa social não instituído por lei específica, caracterizando abuso de poder político e

econômico. Diante das premissas que fundamentam o acórdão, não é possível novo enquadramento jurídico dos fatos.

2. Segundo a jurisprudência do TSE, somente a existência cumulativa da lei de criação do programa social e da previsão orçamentária específica atende à exigência do art. 73, § 10, da Lei das Eleições. Precedentes.

3. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 172, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 229, Data 02.12.2016, Página 46.)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGRAVO MANEJADO EM 23.5.2016. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, II, IV E § 10, DA LEI Nº 9.504/97. CARACTERIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO.

DESNECESSIDADE. CONDUTAS INDIVIUALIZADAS. NÃO PROVIMENTO.

1. A parte se defende dos fatos e, não, da capitulação jurídica apresentada na exordial.

2. Desnecessária a formação de litisconsórcio entre candidato beneficiário e agente executor da conduta vedada, quando atua na qualidade de simples mandatário.

3. O programa social deve estar previsto em lei e em execução orçamentária no ano anterior à eleição, para atrair a incidência da ressalva do § 10 do art. 73 da Lei das Eleições.

4. O art. 73, § 8º, da Lei das Eleições prevê a aplicação de multa a partidos, coligações e candidatos que se beneficiarem das condutas vedadas.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 63449, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 189, Data 30.09.2016, Página 39.)

Resta incontroverso que não há lei disciplinando a distribuição de brita no município, nem previsão orçamentária específica.

Ao contrário, embora se possa extrair dos autos que as britas eram distribuídas já em anos anteriores, fica clara a absoluta ausência de critérios para a concessão do benefício. Tanto a prova documental como a testemunhal esclarecem que o serviço era prestado por exclusiva ordem do prefeito, sem a explicação, nos autos, de quais critérios eram observados para definir sua realização. Ao contrário, os servidores ouvidos informaram que entregavam as britas de acordo com a ordem de serviço dada diretamente pelo prefeito.

A ausência de lei disciplinando a distribuição e a absoluta ausência de critérios para sua realização – condicionada exclusivamente à escolha do prefeito – são suficientes para caracterizar a irregularidade do serviço, amoldando-se à vedação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Segue a mesma sorte a construção de bueiro pela Administração Municipal na propriedade de Olair Ruoso, descrita no FATO 4, mas que vai ser aqui tratada por uma questão de pertinência temática.

A prova demonstra que a obra foi realizada para o eleitor individualmente, sem a existência de lei regulamentando programa social nesse sentido.

Olair Ruoso admitiu que a obra foi realizada dentro de sua propriedade, beneficiando unicamente a ele e a terceiros com quem contratou o arrendamento de sua terra (fls. 1603-1604):

E esse bueiro da acesso só a sua propriedade?

Da minha propriedade de mais alguns que plantem em cima da minha área.

O senhor tem arrendamento dessa terra?

Tenho

[…]

Esse bueiro então ele O. dentro da sua propriedade?

É vai, é dentro da minha propriedade sim

Dentro?

Não deixa de ser.

Sobre o fato também incide a mesma vedação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Houve a prestação de um serviço – construção de bueiro – para eleitor específico sem a previsão dessa assistência em lei e execução no ano anterior, sendo indiferente que a obra tenha sido realizada com ou sem finalidade eleitoral.

FATO 4: incremento de serviços públicos

O recorrente sustenta que foram realizadas obras públicas durante o período eleitoral com a finalidade de exaltar a figura do candidato à reeleição.

Com exceção da obra realizada na propriedade de Olair Ruoso, não se verifica a incidência de irregularidade eleitoral neste tópico.

No tocante às obras referentes às pontes de Vila Gramado e Rincão do Segredo, não se verifica qualquer ilícito eleitoral.

Trata-se de obras de melhoria em vias públicas, com a finalidade de aprimorar a mobilidade no Município, que não beneficiaram só eleitores específicos, mas famílias locais, prejudicadas em seu deslocamento.

O testemunho de Rosimar Rodrigues, pessoa contratada para realizar a construção das referidas pontes apenas referiu que foi contratado verbalmente, sem observância de formalidades legais, informando que o prefeito tinha urgência na conclusão da obra.

A testemunha não indica desvio de finalidade ou ganho eleitoral. Ademais, seu testemunho também deve ser avaliado com ponderações, considerando que a testemunha falou em juízo motivada pelo inadimplemento da Prefeitura, que não quitou o valor acertado após a conclusão das obras.

As eventuais irregularidades na contratação de Rosimar, como a dispensa de licitação ou a inobservância de formalidades legais, é matéria afeita à seara administrativa e não à matéria eleitoral.

Da mesma forma, não se verifica ilícito eleitoral relativo às obras realizadas na quadra EMEI Santa Rita de Cássia e no acesso Euclides Bento Pereira, as quais foram realizadas com dispensa de licitação, sem projeto técnico e licença ambiental.

Não há qualquer indício da finalidade eleitoral das obras. Não se pode confundir ilícito eleitoral com eventual ilícito administrativo. A inobservância de regras administrativas por si só não é ilícito eleitoral, e, no caso, não há provas ou sequer indícios de que tais obras foram realizadas em contrariedade à legislação eleitoral.

Também a instalação de postes de luz em Vila Gramado refere-se à realização de obra de interesse da comunidade, sem qualquer indício de desvio de finalidade ou ganho eleitoral. A continuidade dos serviços públicos, com a realização de melhorias em vias públicas em benefício da comunidade por si só não caracterizam ilícito eleitoral.

Ademais, como destacou a sentença, os empenhos foram assinados pelo vice-prefeito, opositor dos recorridos no pleito de 2016, de forma que, se houvesse uma verdadeira finalidade eleitoral, em contrariedade à legislação eleitoral, é válido concluir que tais obras não teriam o aval de simpatizante da oposição.

Diversa é a situação referente à construção do bueiro na propriedade de Olair Ruoso, a qual já foi acima tratada, por enquadrar-se na conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

 

FATO 5: locação de máquina escavadeira

Afirmam os recorrentes que houve a intensificação do aluguel de máquina escavadeira pelo Município, a fim de atender o maior número possível de eleitores durante o período eleitoral.

Todavia, o ilícito não foi confirmado pela prova dos autos.

A prova produzida indica que a escavadeira era alugada aos munícipes nos termos de lei municipal e mediante prévio requerimento e pagamento de aluguel pelo uso da máquina.

Merece transcrição a sentença no ponto em que enfrenta o tema (2221-2222):

Veja-se que de tais relatos não há menção a compra de votos mediante concessão de uso do serviço de escavadeira. Pelo contrário, há referência de utilização do serviço mediante prévio pagamento da taxa correspondente e do beneficiamento coletivo das obras realizadas no Município.

Nesse sentido também foi a prova documental apresentada nos autos, que não demonstrou grande diferença de proporcionalidade na prestação dos serviços durante o ano de 2016 com o mês de setembro/2016, conforme apontado na inicial.

Como bem discorreu o Ministério Público à fl. 2.167, os documentos de fls. 1322-1375 apontam os empenhos referentes aos serviços de máquinas e veículos, que demonstram uma regularidade que não destoa do proporcional, à exceção do mês de agosto.

No entanto, cabia aos representantes o ônus da prova de que tais serviços foram prestados de forma irregular e com abuso de poder econômico ou político pelos representados, ônus do qual não se desincumbiram.

Pelo contrário, os representados demonstraram que os serviços foram prestados mediante prévia contribuição dos munícipes, sem vínculo ao voto, rendendo aos cofres públicos a quantia de R$109.006,01 (fl. 1376), o que se entende favorável ao Município.

Ademais, em observância aos documentos de fls. 1307-1319, verifica-se que foram dispendidos gastos com a utilização de equipamentos para a realização de obras no Município nos anos anteriores ao pleito eleitoral de 2016, sendo que em 2013 foram gastos R$50.880,00, em 2014 R$24.687,65, em 2015 R$15.982,52 e em 2016 R$38.040,00.

Desta forma, a prestação de serviços de horas-máquina não foi prestado somente em 2016, mas também nos anos anteriores da Administração Pública, e não houve aumento significativo de gastos, tampouco provas de fins eleitorais, que configurariam abuso de poder dos representados.

Outrossim, importante ressaltar novamente, que em setembro/2016 o prefeito estava em gozo de férias, período este em que é imputado o gasto excessivo com locação de horas-máquina, o que poderia ter sido vedado pelo prefeito em exercício (apoiador público da campanha dos representantes) e não o foi.

Sustentam os recorrentes, ainda, que os documentos apresentados pelos recorridos não indicam de forma clara as datas dos alugueis e as máquinas destacadas para essa finalidade, pretendendo que seja aplicada a pena de confesso aos recorridos.

A alegação, entretanto, não prospera, pois os detalhes faltantes são irrelevantes para o deslinde da questão e a sua ausência não gera a presunção de que os fatos alegados pelos recorrentes é verdadeiro, inclusive porque estes estão em contrariedade com as demais provas produzidas, no sentido da existência de lei regulamentando o serviço, de pedidos prévios e de pagamento de aluguel pela utilização da escavadeira, que, pelo documento da folha 2021 gerou uma receita de R$ 110.479,81 para o Município.

Da mesma forma, a divergência entre o valor informado na contestação, R$ 109.006,01 é irrisório frente ao total arrecadado, de R$ 110.479,81, que pode ser perfeitamente atribuído à diferença de datas em que os documentos foram elaborados, acrescendo-se novas receitas no documento apresentado por último.

Assim, também em relação ao fato cinco não se vislumbra a existência de ilícito eleitoral.

SANÇÕES

Conforme acima fundamentado, apenas em relação ao FATO 3 – distribuição de brita – e parte do FATO 4 – construção e bueiro – está caracterizada a conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, pois os fatos tratam da distribuição de bens públicos e realização de serviço a eleitores específicos sem que tais benesses estivessem disciplinadas em lei, previstas em dotações orçamentárias específicas e já em execução no ano anterior ao do pleito.

As sanções para tal irregularidade estão previstas no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97, envolvendo multa de R$ cinco a cem mil UFIRs (R$ 5.320,50 a R$ 106.410,00, conforme Resolução TSE n. 23.457/15) e cassação do diploma:

art. 73.

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5o  Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

No tocante à pena de multa, entendo que a sanção deva ser fixada no mínimo legal, de R$ 5.320,50. Entre a ampla gama de fatos trazidos a juízo, apenas poucas ocorrências restaram comprovadas: a entrega de britas a particulares e a realização de um serviço em propriedade privada. O número de particulares beneficiados não pode ser precisado e não foi suficientemente demonstrado o aumento do serviço no ano eleitoral. Ademais, não restou comprovada a realização de propaganda eleitoral quando da prestação do serviço ou entrega de brita.

Assim, a fixação da multa em seu patamar mínimo mostra-se adequada à gravidade do fato.

Relativamente à pena de cassação do registro ou diploma, esta somente será aplicada em casos de maior gravidade, conforme o justifique critérios de proporcionalidade e razoabilidade, nos termos de pacífica jurisprudência:

Agravo regimental em recurso especial. Eleições 2012. Representação por conduta vedada. Art. 73, III, da Lei nº 9.504/97. Acórdão recorrido que concluiu pela cassação do diploma dos candidatos eleitos. Pintura de paredes e limpeza de comitê de campanha. Utilização de dois servidores públicos em uma única oportunidade.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda conduta vedada reconhecida pela Justiça Eleitoral acarreta a automática cassação de diploma, competindo ao magistrado exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta. Entendimento que se reforça com a edição da Lei Complementar nº 135/2010, que cria como causa de inelegibilidade, pelo prazo de oito anos, a condenação à cassação de diploma com fundamento no art. 73 da Lei nº 9.504/97 (art. 1º, inciso I, alínea j, da Lei Complementar nº 64/90), exigindo-se do julgador uma visão criteriosa no momento da fixação da severa sanção de cassação de diploma.

2. Fatos e circunstâncias anódinos e que não são graves a ponto de influenciar o resultado do pleito. Sanção de multa proporcional ao ilícito eleitoral praticado. 3. Acórdão regional que diverge da jurisprudência do TSE. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido. (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 43580, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 202, Data 27.10.2014, Página 58.)

Na hipótese, os fatos, embora ilícitos, não demonstraram gravidade acentuada, orientando inclusive a fixação da pena pecuniária em seu mínimo legal. Diante desse panorama, não se justifica a aplicação da pena de cassação do diploma, mostrando-se proporcional a aplicação apenas da sanção de multa.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aplicar aos recorridos pena de multa no valor de R$ 5.320,50.