RE - 162 - Sessão: 02/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Submeto a julgamento os recursos eleitorais interpostos por LUCIANO DELFINI ALENCASTRO, eleito vereador de Camaquã nas eleições de 2016, e, conjuntamente, pelos candidatos eleitos ao cargo de vereador ELEMAR BARTZ WENZKE, ALDO DA SILVA SOARES e MOZART PIELECHOWSKI DOS SANTOS, e candidatos não-eleitos ALESSANDRA MENEZES DOS SANTOS NUNES, CARLOS LABASTI PORTES, DIOBEL MORAES RAMOS, DANIEL RODRIGUES DE BORBA, JOÃO GUILHERME CASSALHA GODINHO, EDINA MARIA DA SILVA BECKEL, ELISIANE GONÇALVES D`AVILA, ELECY RODRIGUES DE FREITAS, JOÃO JUSCELINO RODRIGUES, JOEL LUIS RODRIGUES PACHECO, LUCIANE BRANDÃO DE VARGAS, MARCO AURÉLIO DIAS, MARIA NEREIDA SOARES, JOSÉ VOLMIR VASCONCELOS DA SILVA, NILZA TESSMANN CASTRO, PAULO RENATO FLORES DE DEUS, PERIVALDO LACERDA DE OLIVEIRA, RAQUEL FONSECA JACKES, RENATO SANHUDO NUNES, TANIA MARIA FERREIRA e TONI ROGER MARTINS DE MARTINS, que concorreram pela Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã (PSDB-PSC), contra a sentença que julgou procedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta por MARCONI LUIZ DRECKMANN E LEOMAR BOEIRA DA COSTA, candidatos não eleitos ao cargo de vereador.

A sentença concluiu pela comprovação do cometimento de fraude no pleito, relativa à reserva de gênero da candidatura proporcional, prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, quanto às candidatas não eleitas CLENI BANDAR OKRASZEWSKI SONEMANN e MARIA NEREIDA SOARES, cassou os diplomas e os mandatos dos candidatos eleitos, declarou nulos os votos computados na eleição proporcional para a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã e determinou o recálculo do quociente eleitoral (fls. 435-443).

Em suas razões recursais (fls. 454-474), ALDO DA SILVA SOARES, ALESSANDRA MENEZES DOS SANTOS NUNES, CARLOS LABASTI PORTES, DIOBEL MORAES RAMOS, DANIEL RODRIGUES DE BORBA, JOÃO GUILHERME CASSALHA GODINHO, EDINA MARIA DA SILVA BECKEL, ELISIANE GONÇALVES D`AVILA, ELECY RODRIGUES DE FREITAS, JOÃO JUSCELINO RODRIGUES, JOEL LUIS RODRIGUES PACHECO, LUCIANE BRANDÃO DE VARGAS, MARCO AURÉLIO DIAS, MARIA NEREIDA SOARES, ELEMAR BARTZ WENZKE, JOSÉ VOLMIR VASCONCELOS DA SILVA, MOZART PIELECHOWSKI DOS SANTOS, NILZA TESSMANN CASTRO, PAULO RENATO FLORES DE DEUS, PERIVALDO LACERDA DE OLIVEIRA, RAQUEL FONSECA JACKES, RENATO SANHUDO NUNES, TANIA MARIA FERREIRA e TONI ROGER MARTINS DE MARTINS sustentam, à guisa de preliminar, a impossibilidade de se discutir o preenchimento do percentual de vagas por gênero, após a homologação do registro das candidaturas. No mérito, afirmam a inexistência de fraude, ressaltando que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã registrou uma candidatura feminina a mais do que o necessário, pois apresentou 9 candidatas do sexo feminino e 18 candidatos do sexo masculino. Alegam que a sentença está fundamentada em julgado do TRE de São Paulo que adotou entendimento divergente do verificado em precedentes do TRE-RS sobre o tema. Narram que as candidatas participaram da pré-campanha, da convenção partidária e realizaram atos de campanha, mas desistiram das candidaturas por motivos particulares. Aduzem que a candidata CLENI BANDAR OKRASZEWSKI SONEMANN é filiada ao PSDB desde 2012, e que se afastou da disputa em razão da moléstia do cônjuge. Asseveram que MARIA NEREIDA SOARES participa de atividades partidárias há mais de 20 anos, e que ela não apoiou a campanha do candidato ALDO DA SILVA SOARES porque na época ambos estavam separados. Argumentam que MARIA NEREIDA SOARES desistiu de concorrer ao pleito por não obter o apoio da família. Concluem que os fatos não são suficientes para caracterizar a fraude eleitoral. Invocam ofensa à autonomia partidária e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Requerem a reforma integral da sentença, a fim de que seja reconhecida a regularidade das candidaturas e mantido o resultado das eleições.

No seu apelo (fls. 485-519), LUCIANO DELFINI ALENCASTRO suscita as preliminares de: a) decadência por ausência de inclusão das agremiações partidárias que integraram a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã, PSDB e PSC, no polo passivo da lide; b) preclusão para a discussão sobre o preenchimento do percentual de candidaturas por gênero; c) violação ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, consistente na homologação do DRAP da coligação partidária, e falta de adequação do caso às hipóteses de anulação e fraude previstas nos arts. 220 e 221 do Código Eleitoral; d) ausência de individualização da conduta dos candidatos impugnados. No mérito, sustenta a ausência de fraude no percentual de gênero para as candidaturas. Insurge-se contra a falta de penalização das responsáveis pelos atos supostamente fraudulentos, pois as candidatas ficarão totalmente impunes, e afirma serem regulares as candidaturas apresentadas por CLENI BANDAR OKRASZEWSKI SONEMANN e MARIA NEREIDA SOARES. Invoca os princípios da soberania e da representatividade. Requer a declaração da nulidade do feito e, no mérito, a reforma da decisão. Subsidiariamente, pede que, em caso de confirmação da sentença, sejam os votos obtidos nas urnas computados para a coligação partidária.

Em contrarrazões (fls. 524-547 e 550-578), MARCONI LUIZ DRECKMANN e LEOMAR BOEIRA DA COSTA postulam o afastamento das preliminares suscitadas e arguem a intempestividade das fotografias de fls. 467-470, retratadas no corpo da petição recursal interposta conjuntamente por ALDO DA SILVA SOARES e demais candidatos impugnados. Asseveram a existência de conjunto probatório, demonstrando a fraude no registro das candidaturas. Rebatem a alegação de violação à soberania popular. Apontam que os candidatos eleitos se valeram dos votos atribuídos à legenda, beneficiando-se do número de candidatas que concorreram ao pleito. Requerem a manutenção da sentença.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela rejeição da matéria preliminar e pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são regulares, tempestivos, e comportam conhecimento.

1. Preliminares

Passo ao exame da matéria preliminar arguida pelas partes:

a) Decadência por ausência de inclusão das agremiações partidárias que integraram a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã, PSDB e PSC no polo passivo da lide

Do exame dos autos, verifica-se que o feito foi ajuizado em desfavor da coligação pela qual concorreram os candidatos impugnados e, também, contra os partidos que a integraram. Todavia, pela decisão da fl. 193, o juízo a quo determinou a sua exclusão da lide com fundamento na natureza da ação.

Foi bem lançada a decisão.

Em sede de AIME, somente pode figurar no polo passivo o candidato eleito, detentor de mandato eletivo, havendo diretriz jurisprudencial consolidada no sentido de que “o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral” (AgR-AI n. 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011).

A propósito, a abalizada jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). CARGO MAJORITÁRIO. SUBSTITUIÇÃO. CANDIDATO. PRAZO. FRAUDE. OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA.

DESPROVIMENTO.

1. As coligações partidárias têm legitimidade para a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo.

2. A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal.

(...)

9. Agravo regimental desprovido e prejudicada a Ação Cautelar nº 453-64/SP.

(Agravo de Instrumento n. 1211, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 17.11.2016, Página 20) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. PERDA DE DIPLOMA OU MANDATO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE CANDIDATO E PARTIDO. AUSÊNCIA.

No Recurso Contra a Expedição do Diploma e na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, em que se discute a higidez do diploma ou do mandato, o partido não é litisconsorte passivo necessário (Precedentes).

(Recurso Ordinário n. 2271, Acórdão, Relator Min. Hamilton Carvalhido, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 168, Data 09.9.2014, Página 128.) (Grifei.)

Recurso ordinário. Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso do poder econômico.

1. O partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos que resultem na perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral.

(...)

Recurso ordinário a que se nega provimento.

(Recurso Ordinário n. 2369, Acórdão, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 01.7.2010, Página 3-4.) (Grifei.)

Dessa forma, não prospera a preliminar.

b) Preclusão para a propositura da ação, violação ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, e falta de adequação do caso às hipóteses de anulação e fraude previstas nos arts. 220 e 221 do Código Eleitoral

De acordo com os recorrentes, após homologado o Demonstrativo de Atos Partidários (DRAP) da coligação, seria inviável a cassação do mandato eletivo e a declaração da nulidade dos votos obtidos nas urnas fora das hipóteses de nulidade da votação, previstas nos arts. 220 e 221 do Código Eleitoral, sendo caso de reconhecimento de preclusão consumativa.

Sem razão.

A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) é expediente que se destina a desconstituir o mandato alcançado no pleito, na expressa dicção do nomen iuris da medida jurídica e do § 10 do art. 14 da CF: “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

Não se verifica, na hipótese dos autos, a violação aos princípios suscitados pelos recorrentes, justamente porque a própria Constituição Federal prevê a propositura da ação após a diplomação dos candidatos.

Além disso, o TSE assentou ser possível verificar, por meio de AIME ou de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), se o partido político efetivamente respeitou a normalidade das eleições no curso das campanhas eleitorais no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições.

Segundo a Corte Superior Eleitoral, é cabível o ajuizamento de AIME para averiguar se há lançamento de candidatas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

Confira-se o precedente paradigmático:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. Não houve ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem entendeu incabível o exame da fraude em sede de ação de investigação judicial eleitoral e, portanto, não estava obrigado a avançar no exame do mérito da causa.

2. "É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral" (AgR-AI nº 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011).

(...)

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

Recurso especial parcialmente provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Páginas 65-66.)

No bojo do referido acórdão, a Corte Superior Eleitoral assentou o cabimento de AIME para apurar fraude superveniente quanto aos percentuais mínimos de gênero, ressaltando que a alegação da matéria pressupõe a obtenção de mandato eletivo pela parte demandada:

Em outras palavras, ultrapassada a fase do exame do DRAP - que antecede o próprio exame dos pedidos de registro de candidatura -, a alegação de fraude superveniente, em razão da inexistência de candidaturas reais capazes de efetivamente atender aos percentuais mínimos de gênero previsto na legislação, ficaria relegada e somente poderia ser examinada se e quando fosse obtido o mandato eletivo, com o ajuizamento da respectiva AIME, ao passo que não haveria espaço para a apuração da ilicitude nas situações em que os autores do ardil ou as pessoas beneficiadas não obtivessem o mandato.

Dessa forma, é tranquila a posição jurisprudencial de que, após o deferimento do DRAP, é possível o manejo de AIME a fim de demonstrar o cometimento de fraude no tocante ao percentual de gênero das candidaturas proporcionais.

Conforme reconhece o TSE, “o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero”, prevista no art. 5º, caput e inc. I, da CF/88 (RP 29657, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.3.17).

Dada a importância do tema, a Corte Superior Eleitoral possibilita o ajuizamento de ação a fim de verificar se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas fictícias (RESPE 24342, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE 11.10.16).

A propósito, o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, data 21.10.2015, Página 25- 26.) (Grifei.)

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

c) Ausência de individualização da conduta dos candidatos impugnados

Em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, a decisão que conclui pela ocorrência de fraude no percentual de reserva de gênero da candidatura proporcional apresentada por coligação tem como consequência a invalidade do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) anteriormente aprovado, além da desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes.

Os candidatos impugnados são alcançados pela decisão porque seu efeito representa verdadeiro indeferimento do registro da candidatura proporcional, dado o reconhecimento da nulidade dos votos obtidos em fraude à lei.

Na hipótese dos autos, a ação impugnatória foi ajuizada para demonstrar que duas candidaturas femininas foram registradas com o objetivo de validar o registro dos demais candidatos que concorreram pela coligação, pois todos dependiam do atendimento ao percentual estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para ter o requerimento de candidatura deferido.

Daí porque, nos termos do art. 109 do Código Eleitoral, a procedência da ação gera a distribuição dos mandatos de vereador aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário, não havendo se falar em falta de individualização das condutas dos candidatos.

Assim, rejeito a alegação.

d) Intempestividade das fotografias de fls. 467-470, retratadas na petição recursal interposta conjuntamente por Aldo da Silva Soares e demais candidatos impugnados

A alegação merece ser afastada porque, do exame do feito, constata-se que as imagens colacionadas pelos recorrentes às fls. 467-470 são idênticas às contidas nas alegações finais dos próprios recorridos Marconi Luiz Dreckmann e Leomar Boeira da Costa às fls. 302-306.

Dessa forma, não há inovação recursal alguma, mas apenas referência à prova já existente nos autos, ausente qualquer vício no proceder dos recorrentes.

Com esses fundamentos, rejeito toda a matéria preliminar arguida pelas partes.

2. Mérito

No mérito, a sentença concluiu pela comprovação da existência de fraude nas candidaturas ao cargo de vereador do Município de Camaquã, apresentadas por Cleni Bandar Okraszewski Sonemann e Maria Nereida Soares, apontando que os requerimentos serviram apenas para atender à determinação legal de que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

O percentual foi estabelecido pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(…)

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

(Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.

Os recorrentes alegam que as candidaturas não são fraudulentas, pois os registros foram realizados espontaneamente. Afirmam que as candidatas foram escolhidas em convenção, iniciaram a campanha, receberam propaganda eleitoral e, depois, desistiram por motivos alheios à vontade dos demais candidatos e da coligação partidária.

A matéria já foi enfrentada por este Tribunal em recentes oportunidades e tem sido objeto de amplo debate na jurisprudência de diversos Tribunais Regionais Eleitorais do país, devido, fundamentalmente, à relevante importância da previsão de reserva de gênero para a proteção da normalidade e da legitimidade das eleições.

Conforme o acórdão do Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Especial Eleitoral n. 24342, antes referido, “Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas, merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos, pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências".

Dessa forma, não é suficiente que a coligação atenda, no momento do registro de candidatura, ao percentual mínimo da cota de gênero, pois importa que as agremiações viabilizem o desenvolvimento desta candidatura para que se dê efetividade ao tratamento isonômico entre as candidaturas.

Esse apontamento é muito importante porque, nas razões de reforma, os recorrentes sustentam que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã registrou uma candidatura feminina a mais do que o necessário, apresentando 9 candidatas do sexo feminino e 18 candidatos do sexo masculino para o cargo de vereador.

Ocorre, entretanto, que esta afirmação se apresenta indevida, pois a coligação concorreu com 8 candidatas para o cargo proporcional, uma vez que a 9ª candidatura, relativa a Santa Emilia Silva da Peres, foi indeferida pelo magistrado a quo porque a candidata não é alfabetizada, ou seja, não sabe ler nem escrever.

Nesse sentido, a sentença prolatada no RCand n. 313-72:

Trata-se de pedido de registro de candidatura de SANTA EMILIA SILVA DA PERES, apresentado em 09/08/2016, com o objetivo de concorrer ao cargo de Vereador, sob o número 45190, pela coligação PARA MUDAR E RENOVAR CAMAQUÃ, no município de CAMAQUÃ.

(...)

A requerente não reúne condições para ter seu requerimento de registro atendido.

Com efeito, levando em consideração que a pré-candidata, convidada para fazer declaração de próprio punho de que sabe ler e escrever, não logrou êxito em fazê-lo, como se vê do documento de fl. 18.

Então, foi realizada audiência (fl. 21), para aferir se a requerente era alfabetizada. Na ocasião, a mesma não conseguiu ler o texto a ela apresentado e não quis se submeter ao teste de escrita.

Assim sendo, não preenchido o requisito constitucional previsto no art. 14, § 4º, da Constituição federal, o pleito deve ser indeferido.

ISSO POSTO, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de SANTA EMILIA SILVA DA PERES, para concorrer ao cargo de Vereador.

Prosseguindo ao exame do caso concreto, observo que a decisão recorrida fundamentou o juízo de procedência na sólida prova produzida durante a instrução processual, merecendo ser reapreciada a matéria relativamente a cada candidata para a qual é apontada a existência de fraude.

2.1. Cleni Bandar Okraszewski Sonemann

Quanto a Cleni Bandar Okraszewski Sonemann, a candidata prestou depoimento judicial no qual reconheceu ter comparecido à sede do PSDB de Camaquã em 25.07.2016, a fim de “colocar seu nome à disposição”, “ainda que fosse só para preencher vagas” para o cargo de vereador, comunicando que sequer poderia fazer campanha devido à condição de saúde de seu marido.

De fato, das cópias de documentos médicos contidas nas fls. 176-178 é possível verificar que o marido de Cleni, Walter Vieira Sonemann, estava passando por tratamento de grave doença, câncer (neoplasia maligna do cólon sigmoide e do trato intestinal), com baixa hospitalar aprazada para 26.7.2016, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a fim de submeter-se à cirurgia de retirada do tumor.

Após deixar o nome disponível, a candidata foi escolhida na convenção partidária do PSDB de Camaquã realizada em 31.7.2016 (fls. 122-123).

O pedido de registro de candidatura de Cleni Sonemann foi apresentado ao Cartório Eleitoral em 09.8.2016, durante o período de internação hospitalar do seu marido, o qual teve complicação médica em decorrência do surgimento de um abcesso no 8º dia após a realização do procedimento cirúrgico e alta médica somente em 17.8.2016, conforme demonstram os documentos das fls. 172-173.

Nesse ínterim, apesar de todas as dificuldades que qualquer pessoa enfrentaria diante da internação médica de um cônjuge em cidade diferente do local de residência, os candidatos Aldo Soares e sua mulher, Maria Nereida Soares, acompanhados de um advogado, compareceram ao Hospital de Clínicas para colher a assinatura de Cleni Sonemann nos documentos que instruíram o pedido de registro.

Na mesma ocasião, e ainda dentro do hospital, foi tirada a fotografia da candidata, imagem que foi posteriormente utilizada na sua propaganda eleitoral e na urna eletrônica, conforme comprovam as fotos das fls. 200 e 201, em que Cleni Sonemann é retratada com o crachá hospitalar.

Nesse contexto, tem-se que é perfeitamente verossímil a alegação de Cleni Sonemann no sentido de ter esclarecido a Aldo Soares e a Maria Nereida Soares que não teria condições de concorrer devido à inviabilidade de fazer campanha, oportunidade em que os candidatos afirmaram que seu nome “já tinha ido” e que ela não poderia “voltar atrás”.

Nos termos da sentença, também considero fora do comum e totalmente inusitado o ambiente em que formalizada a instrução do registro de candidatura, um quarto de hospital, fato que em momento algum foi devidamente explicado pelos recorrentes (fls. 439v.-440):

Em primeiro lugar, foi acostada aos autos fotografia dela assinando documento (segundo ela, relativos ao seu pedido de registro), dentro de um hospital (fotografia superior da fl. 200). Basta examinar a foto com mais cautela para depreender que ela ostenta um crachá de “acompanhante”, com o logotipo do Hospital de Clínicas (fl. 172), além de ser possível visualizar um leito hospitalar aos fundos.

Essa fotografia dá credibilidade à alegação de que pessoas ligadas ao partido a que é filiada foram ao seu encontro quando estava acompanhando seu marido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Além disso, na mesma folha dos autos (200), consta uma segunda fotografia, com formato de “santinho”, na qual se percebe que Cleni Bandar está vestindo a mesma blusa que usava quando da referida assinatura. A via original seria a fotografia constante da fl. 201.

E, ao que parece, a foto para a urna (fl. 92) é a mesma.

Não foi realizada prova pericial, mas tudo está a indicar que foram feitas no

mesmo dia, na mesma oportunidade. Quer dizer, aproveitaram a viagem (literalmente) para colher sua assinatura e registrar a foto para o “santinho” e para a urna eletrônica.

Não há dúvidas de que essa não é uma conjuntura ordinária nem se trata de um ambiente apropriado para providenciar um pedido de registro de candidatura.

Esse encontro - jamais negado, inclusive no que diz com sua finalidade, pelos demais demandados - é marcado por sua excepcionalidade.

Cleni Bandar estava acompanhando seu esposo, internado hospital situado em outra cidade, para tratamento de doença grave (neoplasia maligna do colon sigmoide e do trato intestinal), onde permaneceu por três semanas.

Veja-se que a internação hospitalar se deu em 26/07/2016, quer dizer, antes da convenção partidária (realizada em 31/07/2016) e, por via de consequência, antes do protocolo do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários - DRAP e do pedido de registro de candidatura de Cleni Bandar.

Nos documentos médicos das fls. 172 e 173, que apresentam o sumário da alta médica realizada em 17.8.2016, e o plano pós-alta, constam a recomendação dada ao marido de Cleni Sonemann no sentido de fazer repouso por pelo menos 1 mês e evitar esforço físico por cerca de 3 meses, além da necessidade de comparecer a consultas em Porto Alegre, para avaliação médica.

Daí porque merece ser considerada válida a afirmativa da candidata relativamente à ausência total de intenção de fazer campanha.

Apesar de a candidata ter igualmente reconhecido, quando da sua oitiva, que se ofereceu para participar da eleição de forma fraudulenta, na esperança de ser nomeada para um cargo em comissão junto à administração municipal, é manifesta a sua atuação junto a Maria Nereida Soares e Aldo Soares, em um conluio para formar número nas cotas de gênero pertinentes à Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã.

Por certo que não se ignoram as cópias das mensagens enviadas em fevereiro e março de 2017, depois das eleições, por Cleni Sonemann ao candidato Aldo Soares, por intermédio do aplicativo Messenger (fls. 245-247), nas quais a candidata pede 1 salário mínimo em troca de seu sigilo acerca dos fatos e ameaça contar todo o estratagema à Promotoria Eleitoral caso a escolha fosse “pagar para ver”.

Contudo, a par de demonstrar a animosidade existente entre Cleni e Aldo Soares, circunstância declarada pela candidata em juízo no momento em que confessou sua insatisfação por não ter obtido o cargo público, as mensagens também evidenciam a consciência de ter sido cometida uma grave infração durante o pleito, bem como o conhecimento sobre as consequências que porventura seriam advindas caso a questão chegasse ao conhecimento da Justiça Eleitoral.

Tanto é assim que os recorrentes registraram as ameaças por meio da ata notarial da fl. 244 e que a candidata efetivamente noticiou os fatos ao Ministério Público Eleitoral, prestando declarações perante a Promotoria Eleitoral de Camaquã (fls. 195-201).

Nessas circunstâncias, o fato de a candidata ter levado para a audiência de instrução a totalidade de santinhos de propaganda eleitoral, produzidos pela coligação com a foto tirada no hospital, apenas corrobora a afirmativa de que Cleni Sonemann nunca fez nem teve o objetivo de fazer campanha e se eleger. Ademais, Cleni Sonemann realmente obteve votação zerada, a despeito de ter comparecido às urnas junto de seu marido para votar no dia da eleição.

Destarte, é perfeitamente acertada a conclusão alcançada pelo juízo singular no sentido de que a ausência de interesse na campanha foi sem dúvida manifestada pela candidata em momento anterior ao pedido de registro, denotando a artificialidade da sua candidatura, merecendo transcrição as bem-lançadas razões de decidir (fls. 438v.-439):

Então, o ponto nevrálgico, em relação a Cleni Bandar, diz respeito ao momento em que deixou de ter interesse de participar do pleito. Se, de um lado, é possível afirmar que ela, em algum momento, quis concorrer ao cargo, já que ela mesma disse que no início concordou em participar, de outro, pode-se dizer que ela acabou demovida dessa intenção, bem antes do dia da eleição, já que sequer fez campanha eleitoral. Na verdade, antes mesmo de postular o registro como candidata.

A presença ou a falta de autenticidade da intenção da candidata não é fácil de comprovar. Mas o contexto da candidatura, aí incluídos (a) o registro e seus meandros, (b) a campanha eleitoral e (c) o resultado da eleição servem de subsídio para aclarar a questão.

Avaliando os fatos no sentido inverso de sua cronologia, verifica-se que, quanto ao resultado das eleições, a candidata Cleni Bandar não recebeu um voto sequer. Em audiência, de forma espontânea, disse que ela e seu marido votaram, mas nenhum deles registrou voto em seu favor. O resultado da eleição proporcional comprova zero voto (fls. 26/27).

Retrocedendo um pouco mais, também está autorizado asseverar que Cleni Bandar não realizou campanha eleitoral.

Ela não fez propaganda de rádio, que é gratuita, não distribuiu “santinhos” (ela disse que estava com todos eles em sua bolsa no dia da audiência), não participou de comícios, não realizou propaganda escrita, enfim, jamais atuou como uma verdadeira candidata. Ao menos não há qualquer prova em contrário da alegação dela (não se lhe podendo exigir demonstração, já que a prova seria negativa, diga-se de passagem).

Não há dúvidas de que quem pretende concorrer a cargo eletivo realiza propaganda eleitoral. Isso é elementar.

A esses elementos de prova o magistrado acrescenta ter sido consignada, na prestação de contas de Cleni Sonemann, a ausência de qualquer movimentação financeira (fl. 276), sequer tendo sido declarados os gastos com a confecção dos santinhos, tudo a sustentar a alegação de falta de atos de campanha.

Portanto, apesar do esforço dos recorrentes em sustentar que a internação hospitalar do marido foi um fato superveniente que culminou com a ausência de campanha e com a desistência involuntária de concorrer ao pleito, há robusta prova de que esse relevante quadro já estava presente muito antes do pedido de registro de candidatura.

Basta verificar, pelas cópias de documentos médicos contidas às fls. 176-178, que a doença do marido de Cleni Sonemann, neoplasia, era preexistente, e que a cirurgia realizada em 26.7.2016 foi eletiva, e não emergencial.

A simples alegação de que a candidata era militante do PSDB há mais tempo, com filiação partidária realizada em 2015, não tem o condão de afastar a certeza que se extrai dos autos quanto à efetivação de uma candidatura por pura formalidade, sem sinceridade, apenas para manter as aparências.

Nessa direção, as judiciosas ponderações colhidas da sentença recorrida (fl. 440):

Dito em outras palavras, ela apresentou o pedido de registro de candidatura sabendo da gravidade dos problemas de saúde do esposo. Aliás, o requerimento foi apresentado em cartório ao tempo em que ele estava internado.

Certamente, a doença do cônjuge não se trata de impedimento a qualquer cidadão. Contudo, inegavelmente é um empecilho para quem pretende concorrer a um cargo eletivo. O que se quer dizer com isso é que a doença de Walter Vieira Sonemann foi irrelevante para a apresentação de requerimento de registro de candidatura. Cleni Bandar sabia da doença e de sua gravidade e, mesmo assim, formulou o pedido.

Porém, mesmo depois da alta hospitalar, que se deu no segundo dia em que permitida a propaganda eleitoral (17/08/2016), ou seja, dispondo de tempo para trabalhar sua candidatura, a impugnada Cleni Bandar não realizou qualquer ato de campanha. Em assim sendo, não há se falar em fato superveniente. Ao tempo do pedido de registro de candidatura, já se sabia da ausência de interesse de efetiva participação no pleito.

Forte nesses fundamentos, acompanho o entendimento de que a prova dos autos é apta a demonstrar, de forma  segura e suficientemente robusta, que Cleni Sonemann, candidata ao cargo de vereador no pleito proporcional de 2016 de Camaquã, jamais buscou captar um voto sequer, tendo apresentado candidatura fictícia voltada apenas para preencher o percentual mínimo de cotas do sexo feminino, em manifesta afronta à legitimidade das eleições proporcionais realizadas.

2.2. Maria Nereida Soares

Relativamente à alegação de fraude na apresentação do registro de candidatura de Maria Nereida Soares, os recorrentes alegam ter sido demonstrado que a candidata tinha filiação partidária e ativa atuação política na militância junto ao PSDB, em data muito anterior ao registro de candidatos de 2016.

Na versão dada em juízo por Maria Nereida (mídia da fl. 253), o seu registro de candidatura foi formalizado em virtude de sua atuação partidária “há mais de 20 anos” e do intento de “deixar o nome conhecido ainda que não fosse eleita”.

A candidata afirmou que, na época em que apresentada a candidatura, estava separada de fato do marido, o candidato a vereador Aldo Soares, e que estava determinada a concorrer e a fazer campanha. 

Maria Nereida disse que até pediu votos. Alegou, porém, que na metade do período de campanha desistiu da eleição por pressão de suas filhas, as quais não queriam a divisão de votos entre pai e mãe, e também porque logo percebeu que não se elegeria. Por fim, reconheceu não ter formalizado a renúncia da candidatura por “uma falha”.

Todavia, não foi produzida prova alguma, durante toda a instrução processual, acerca dessas alegações, seja quanto à suposta separação do marido, seja no tocante à realização de campanha eleitoral por curto período.

Diversamente, os recorridos lograram demonstrar, por meio dos documentos juntados aos autos, que Maria Nereida Soares realizou, antes e após o pedido de registro de candidatura, e durante todo o período de campanha eleitoral, numerosas postagens públicas no Facebook divulgando a propaganda eleitoral do marido, Aldo Soares.

A propósito, colaciono as publicações consideradas na sentença para fundamentar o juízo condenatório (fls. 437 e v.), uma vez que demonstram que a candidata fez campanha aberta em favor do cônjuge, desde o final de 2015 até as vésperas das eleições, sem jamais fazer qualquer menção à própria candidatura:

Vejamos algumas dessas publicações:

- Ainda em 29 de dezembro de 2015 divulgou fotografia onde aparecem Aldo Soares e Ivo Lima Ferreira (esse eleito Prefeito Municipal na eleição), apontando-os como “nosso futuro” (fl. 94);

- 27/07/2016 - fotografia do casal, com a mensagem “O Aldo Soares, PRE candidato a VEREADOR, e eu desejamos uma BOA QUARTA FEIRA para todos!!” (fl. 214);

- 02/08/2016 - fotografia de Aldo Soares com um bebê no colo, com a frase “o nosso PRÉ candidato a VEREADOR Aldo Soares” (fl. 218);

- 03/08/2016 - fotografia de Aldo Soares, Ivo Lima Ferreira, Jair Martins (candidato a Vice-Prefeito) com a sigla PSDB e a postagem “meus PRÉ candidatos” (fl. 219);

- 14/08/2016 - postagem com foto do casal e uma criança, com os dizeres “PAI, avo, e este ano pré candidato a VEREADOR, Aldo Soares, desejamos um FELIZ DIA DOS PAIS a ti e a todos os PAIS!!!” (fl. 225);

- 16/08/2016 - no dia de início da campanha eleitoral, postou fotografia posando ao lado de Aldo Soares, Ivo Lima Ferreira, Jair Martins e mais uma mulher, com a seguinte mensagem: eu e minha amiga Tania Scherer iniciando a nossa “caminhada” para eleger nossos candidatos, a prefeito Ivo Lima Ferreira e seu vice Jair Martins, e o NOSSO vereador Aldo Soares, nº 45 688 (fl. 95);

- 21/08/2016 - foto com Aldo Soares e os candidatos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito (fl. 100);

- 27/08/2016 - propaganda eleitoral de Aldo Soares (fl. 102);

- 07/09/2016 - fotografia com uma menina e a mensagem de que ela “foi junto fazer caminhada pelo 45, pelo 45688” (número do candidato Aldo Soares) (fl. 105); - 19/09/2016 - mais uma vez foto de Aldo Soares, com a mensagem pensem com carinho... sou 45 sou 45688” (fl. 108);

- 22/09/2016 - fotografia típica de comício eleitoral, onde aparece Aldo Soares em destaque e a repetição da frase “sou 45 sou 45688” (fl. 112);

- 29/09/2016 - publicação de fotografia de Aldo Soares, além de imagem com reprodução do que seria uma urna eletrônica, com o número 45688 (fl. 117).

Também consta postagem no Facebook de terceira pessoa, Raquel Jackes (posteriormente aprovada em convenção como candidata em substituição), com fotografia junto ao casal, sobre almoço realizado, em 11 de agosto (fl. 223).

Como concluiu o magistrado sentenciante, remanescem provas de que antes e durante a campanha Maria Nereida Soares fez propaganda eleitoral exclusivamente para o marido Aldo Soares, mesmo tendo assumido que recebeu material de campanha próprio, circunstâncias que enfraquecem não somente a tese de que sua candidatura foi genuína, como também a justificativa de que a formalização do registro foi realizada em virtude de uma separação conjugal.

Demais disso, a candidata compareceu junto de Aldo Soares no Hospital de Clínicas de Porto Alegre para que Cleni Sonemann assinasse os documentos do pedido de registro, tudo levando a crer que seu agir estava dirigido a perfectibilizar não somente a fraude na própria candidatura, como também a fraude na candidatura de Cleni.

A respaldar a convicção de que a única intenção de Maria Nereida Soares era a eleição do marido como vereador, tem-se o apontamento de que, na sua prestação de contas eleitoral, foram registradas movimentações de recursos em dinheiro, próprios da prestadora, no valor de R$ 1.500,00, realizadas no mês anterior à eleição, setembro de 2016, e despesas em igual montante, também de setembro, com materiais impressos e militância política/cabos eleitorais (fls. 256-273).

No entanto, Maria Nereida reconheceu, em juízo, que contratou cabos eleitorais em seu nome para trabalhar na campanha de Aldo Soares, em favor de quem também efetuou doação eleitoral.

Esses fatos denotam não somente o cometimento de fraude no momento do requerimento de registro, mas a inverdade dos recursos declarados na prestação de contas de campanha de ambos os candidatos, Maria Nereida e Aldo Soares, pois os militantes pagos por Maria Nereida Soares trabalharam para seu marido.

Esse é o raciocínio extraído da sentença recorrida (fl. 438):

Some-se a isso a ausência de realização de propaganda gratuita em rádio e não participação em comícios eleitorais na condição de candidata.

Em contrapartida, ela não produziu nenhuma prova das alegações que fizera, sobretudo a respeito da realização de campanha parcial, sobre o que não há nenhum elemento de prova. A propósito, até mesmo a alegada separação do casal não passou do campo da alegação, destoando, em muito boa medida, das postagens em redes sociais, as quais, ao contrário do que sustenta Maria Nereida, sugerem uma relação bastante harmoniosa do casal no período eleitoral.

Por derradeiro, ela não recebeu sequer um voto, o que corrobora a ideia de que sua participação foi meramente formal.

Na verdade, embora tenha realizado seu registro de candidatura, a impugnada Maria Nereida envidou esforços com finalidade eleitoral em prol de seu esposo, desde antes da escolha dos candidatos em convenção, sem que tenha realizado atos efetivos de campanha eleitoral em seu favor.

Logo, é possível afirmar que, de fato, não participou como pretendente ao cargo de Vereador, de modo que sua candidatura foi mesmo fictícia.

Nesse contexto, o caderno probatório evidencia uma total negligência para com a candidatura, revela menosprezo das concorrentes para com a seriedade do processo eleitoral, além de demonstrar o manifesto descaso da coligação na qual se registraram com o respeito às regras das eleições proporcionais, especialmente quanto ao acompanhamento de campanhas a fim de ser promovida a renúncia e substituição de candidatas.

Assim, inafastável existirem elementos nos autos que geram certeza quanto ao cometimento da fraude, sendo certa a presença de provas robustas e incontestes, aptas a ensejar a desconstituição do mandato eleitoral concedido pelo voto popular, nos termos da jurisprudência.

Ao consagrar o princípio constitucional da igualdade como máxima, a Constituição Federal de 1988 estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Em verdade, a Constituição Cidadã é uma referência na luta por igualdade de gênero e contra a discriminação, pois vivemos um contexto histórico em que a mulher sempre foi tratada de forma discriminatória.

Tal conclusão é reforçada quando avaliamos a representação feminina na política, onde, a par dos dados antes elencados, é possível concluir que as mulheres não estão exercendo os direitos políticos e eleitorais em condições de igualdade.

O Tribunal Superior Eleitoral divulgou em seu portal na internet um levantamento estatístico mostrando que 52,13% dos eleitores aptos a votar nas eleições municipais de 2016 eram mulheres: 74.459.424 mulheres (52,13%) e 68.247.598 homens (47,79%). (<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/mais-de-16-mil-candidatostiveram-votacao-zerada-nas-eleicoes-2016>. Acesso em: 20 abr. 2018).

Nas eleições de 2016, 16.131 candidatos terminaram a eleição sem ter recebido sequer um voto, sendo bem maior o número de mulheres com votação zerada em relação ao de homens. Em todo o Brasil, 14.417 mulheres se candidataram mas não receberam sequer o próprio voto. Já os homens somam apenas 1.714 nessa situação, e o número de vereadoras foi reduzido em 13 capitais, totalizando somente 13,19% de mulheres do total de eleitos.

Ainda que a Reforma Eleitoral de 2015 tenha contribuído para o fomento da participação feminina na política, com a edição da Lei n. 13.165/15, que ampliou a aplicação do Fundo Partidário e o incentivo de campanhas eleitorais realizadas por mulheres (inc. V do art. 44 e inc. IV do art. 45, ambos da Lei dos Partidos Políticos), os pretendidos resultados ainda não foram atingidos.

Por oportuno, anote-se o acórdão deste Tribunal, da minha lavra, que indeferiu parcialmente DRAP de partido político, relativo às eleições municipais 2016, com relação à candidatura proporcional, por reconhecimento de fraude do órgão diretivo da agremiação ao indicar, em vaga remanescente, candidata do sexo feminino para simular atendimento ao determinado no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, reproduzido pelo § 2º do art. 20 da Resolução TSE n. 23.455/15, a fim de preencher a cota mínima de 30% por gênero:

Recurso. Registro de candidatura. Partido. DRAP - Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários. Reserva de gênero. Eleições 2016. Decisão do juízo eleitoral que deferiu o registro. Fraude do órgão diretivo do partido ao indicar, em vaga remanescente, candidata do sexo feminino a fim de preencher a quota mínima de 30% por gênero. A postulação de registro, pelo qual evidentemente a pré-candidata não tinha qualquer interesse, evidencia o propósito vedado pela norma, qual seja, o deferimento do DRAP em desacordo com as proporções de gênero. A apresentação de mero simulacro de candidatura configura fraude ao determinado no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, reproduzido pelo § 2º do art. 20 da Resolução TSE n. 23.455/15, impondo-se o indeferimento do registro partidário no tocante aos concorrentes à Câmara Municipal. Indeferimento parcial do DRAP, com relação à candidatura proporcional, pois sobre ela incide a obrigatoriedade de reserva de gênero. Provimento.

(TRE-RS, RE 56693, deste Relator, julgado em 11.10.2016, publicado em sessão.)

Também, em igual sentido, o Recurso Eleitoral n. 370-54.2016.6.26.0173, julgado pelo TRE/SP em 01.8.2017, tendo como relatora a juíza Cláudia Lúcia Fonseca Fanucchi, cujas razões de mérito foram traduzidas em ementa da qual destacamos o seguinte trecho:

(...)

Mérito. Candidaturas fictícias. Atingimento de cota para o sexo feminino apenas com o fim de eleger mais candidatos. Cumprimento de mera formalidade. Ato desprovido de conteúdo valorativo e sem incentivo à participação feminina na política. A apresentação de mero espectro das candidaturas femininas aqui questionadas configura fraude ao dispositivo em comento e consequente abuso do poder com a gravidade necessária a macular a lisura do pleito de 2016.

(…)

(RECURSO n. 37054, ACÓRDÃO de 01.08.2017, Relatora CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 8.8.2017.)

Nas razões de decidir, enfatizou a e. relatora que não há que se admitir a inscrição de candidaturas sem que tenham um objetivo real de participar da “vida política”, ou que estaria afastada a ilicitude do ato com o simples cumprimento da norma no momento do registro, cuja mens legis assim traduziu:

O original propósito da lei ao dispor que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo foi o incentivo a uma democracia com representação mais igualitária para cada gênero, visto que a participação feminina na política é um tanto quanto branda.

Portanto, desarrazoado é considerar que uma simples obrigação formal, desprovida de qualquer conteúdo valorativo e real, é o bastante para se ver satisfeita aquela aspiração legal.

A compreensão de que há ocorrência de fraude, com consequente abuso de poder político e burla ao instituto das cotas de gênero, em face de candidaturas registradas com único propósito de preencher o regramento do art. 10, parágrafo 3º, da Lei n. 9.504/97, comprometendo a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições proporcionais, é muito bem expressada no seguinte acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2016. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. FRAUDE. ABUSO DO PODER POLITICO. BURLA AO INSTITUTO DAS COTAS DE GÊNERO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, § 3º, LEI Nº. 9.504/97 E AO ART. 5º, I, DA CF/88. COMPROVAÇÃO. A CONSTATAÇÃO DE FRAUDE NA COTA DE GÊNERO MACULA TODA A CHAPA, PORQUANTO O VÍCIO ESTÁ NA ORIGEM. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS E REGISTROS DOS CANDIDATOS ELEITOS, SUPLENTES E NÃO ELEITOS, RESPECTIVAMENTE, OS QUAIS CONCORRERAM AO PLEITO PELAS CHAPAS PROPORCIONAIS CONTAMINADAS PELA FRAUDE. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS AOS CITADOS CANDIDATOS, RECONTAGEM TOTAL DOS VOTOS E NOVO CÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. SANÇÃO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMA. ALCANÇA OS CANDIDATOS QUE DERAM CAUSA AO ILÍCITO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Os fatos narrados na inicial não foram atribuídos aos Presidentes das Agremiações. Preliminar de ausência de litisconsórcio rejeitada. 2. Candidaturas registradas com único propósito de preencher o regramento do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Manifesto desvio de finalidade, comprometendo a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições proporcionais, circunstâncias que se amoldam às condutas previstas no art. 22, incisos XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90. 3. A existência de vício ou fraude na cota de gênero contamina toda a chapa, porquanto o vício está na origem, ou seja, o seu efeito é ex tunc e, assim, impede a disputa por todos os envolvidos. 4. Reconhecida a fraude, devem ser cassados os diplomas e registros dos candidatos eleitos, suplentes e não eleitos, respectivamente, declarando nulos os votos a eles atribuídos, com a imperiosa recontagem total dos votos e novo cálculo do quociente eleitoral. 5. Em não havendo prova da participação efetiva dos demais candidatos, e diante do caráter personalíssimo da inelegibilidade prevista no art. 22, XIV, LC 64/90, seu alcance restringe-se às candidatas fictícias, pois concorreram para efetivação da fraude às cotas de gênero, porquanto conscientemente disponibilizaram seus nomes para fins de registro de candidatura, sem a intenção de disputar o pleito eleitoral de 2016. 6. Não existindo comprovação da participação dos candidatos majoritários, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido nessa parte. 7. Recursos parcialmente providos.

(TRE-PI - AIJE: 19392 VALENÇA DO PIAUÍ - PI, Relator ASTROGILDO MENDES DE ASSUNÇÃO FILHO, Data de Julgamento: 12.9.2017, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 176, Data 27.9.2017, Página 17-18.) (Grifei.) 

Na lição de Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos, “as leis de cotas surgem com a finalidade de efetivar esse direito intrinsecamente relacionado à democracia: a igualdade e a participação de adultos – homens e mulheres – nas tomadas de decisões da vida política” (Participação política feminina e a regulamentação legal das cotas de gênero no Brasil: breve análise das eleições havidas entre 1990 e 2014. In: Adriana Campos Silva; Armando Albuquerque de Oliveira; José Filomeno de Moraes Filho. (Org.). Teorias da democracia e direitos políticos. 1 ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 427-448).

Basta remontarmos ao início dos debates para a aprovação do sufrágio feminino para que percebamos o apego ao conservadorismo, incluindo-se a perda da rara oportunidade histórica de termos sido pioneiros nesse tema.

É o que nos mostra Débora Vicente do Carmo, servidora integrante deste TRE/RS, em sua Dissertação de Mestrado, aprovada com nota 10, intitulada O Impacto das Nações Unidas no Direito Internacional das Mulheres e seu Reflexo no Brasil (Dissertação de Mestrado, defendida na UFRGS, em 14.7.2017, aprovada com nota 10 e ainda pendente de publicação. Capítulo Mulheres no Poder e na Liderança), verbis:

O Brasil poderia ter sido a primeira nação do mundo a aprovar o sufrágio feminino. No dia 1º de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda de autoria de Saldanha Marinho ao projeto da primeira Constituição Republicana, conferindo direito de voto à mulher. A pressão, no entanto, foi tamanha, que Epitácio Pessoa, um dos subscritores da emenda, dez dias depois retirou o seu apoio. Entre aqueles que se mantiveram a favor da emenda constitucional estiveram Nilo Peçanha, Érico Coelho, Índio do Brasil, César Zama, Lamounier Godofredo e Fonseca Hermes (RIBEIRO, Antônio Sérgio. A mulher e o voto. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2012. Disponível em: < http://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=277>. Acesso em: 19 Set. 2016.)

Em votação no plenário, a maioria dos constituintes foi contrário à emenda, rejeitando-a. Resume-se o pensamento dominante do Congresso nas palavras do deputado Pedro Américo, durante a sessão de 27 de janeiro de 1891:

A maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialética exibida em prol da mulher-votante, não quis a responsabilidade de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano (AMERICO, Pedro, 1891 apud PEREIRA, Rodrigo Rodrigues; DANIEL, Teofilo Tostes. O Voto Feminino no Brasil. São Paulo: Procuradoria Regional da República 3a Região, 2009. Disponível em:< http://www.prr3.mpf.mp.br/institucional2/180-o-voto-feminino-no-brasil>. Acesso em: 25 Set. 2016.).

E foi dessa forma que o Brasil perdeu para a Nova Zelândia a chance de ser o primeiro país do mundo a conceder o direito de voto às mulheres (A Nova Zelândia foi o primeiro país no mundo a conceder o voto às mulheres em 1893). César Zama, defensor do sufrágio universal, assim lamentou o fato: "Bastará que qualquer país importante da Europa confira-lhes direitos políticos e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação (ZAMA, César, 1891 apud PEREIRA; DANIEL, 2009).

A jurista registra, invocando destaque da “Revisão de 20 anos da Plataforma de Pequim”, que a participação das mulheres na política é fundamental não só por razões de justiça e igualdade, mas porque a presença ativa das mulheres pode promover maior inclusão das questões de gênero nos espaços de deliberação e decisão, além de incentivar o acompanhamento da implementação de políticas e programas favoráveis aos direitos das mulheres (ONU, 2015b. CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL – ECOSOC. Relatório. E/CN.6/2015/3, Nova York, 2015. Review and appraisal of the implementation of the Beijing Declaration and Platform for Action and the outcomes of the twenty-third special session of the General Assembly. New York: ONU, 2015, p. 103, parágrafo 385. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/CN.6/2015/3&referer=http://www. unwomen.org/en/digitallibrary/publications/2015/02/beijing-synthesis report&Lang=E>. Acesso em: 4 Jul.2016.).

A participação feminina – aduz Débora - é algo que extrapola a presença numérica em fóruns de tomada de decisão. Trata-se, em realidade, de uma questão de representação democrática, pluralismo político, valores e princípios previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Nessa toada, não causa perplexidade a dificuldade para que se logre implementar os ditames da lei no que tange às cotas de gênero.

O Brasil vive uma sub-representação feminina muito grande. É preciso ser reconhecido que não basta garantir o número de vagas, sendo necessário conferir às candidatas mulheres as mesmas condições, mesmo espaço político e igualdade de oportunidades, e não lançar verdadeiras candidaturas fictícias com objetivo único de cumprir a proporção imposta pela lei.

A participação feminina nos espaços de poder é necessária para o aperfeiçoamento e a consolidação da democracia. Apesar dos avanços obtidos, muito ainda há o que ser feito para mudar o quadro atual da pouca presença de mulheres na esfera político partidária no Brasil e superar a desigualdade de gênero na política, cabendo à Justiça Eleitoral um decisivo papel na fiscalização do desenvolvimento das candidaturas de cada pleito.

Em elucidativo artigo, a ex-Ministra do TSE Luciana Lóssio, atualmente integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos, menciona que a participação da mulher no cenário político eleitoral brasileiro é desoladora, apontando:

O discurso de que a mulher brasileira é despida de ambição política — eleitoral, a justificar sua irrelevante participação na definição do futuro do país, não se sustenta. Basta olharmos para as salas de aula, onde a metade, pelo menos, dos que buscam se aprimorar e crescer profissionalmente são mulheres. E o mesmo se pode dizer em relação aos partidos políticos, já que somos 44% dos filiados (Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017- ar-13/lucianalossio-participacao-mulher-politica-desoladora>. Acesso em: 20 abr. 2018).

Segundo Luciana, não se trata de desinteresse feminino, mas de omissão por parte dos partidos políticos na disponibilização de legenda, de tempo de acesso aos programas políticos e de maior alcance ao Fundo Partidário.

Esse é o cenário dos autos.

Com essas considerações, entendo ter sido comprovado à saciedade que as candidaturas de Maria Nereida Soares e de Cleni Bandar Okraszewski Sonemann serviram apenas para preencher cotas de gênero pertinentes à Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã, tendo sido formalizadas em fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 (redação determinada pela Lei n. 12.034/09), pois apresentado o pedido de registro com o único desiderato de propiciar a candidatura dos concorrentes do sexo masculino, sem que elas tivessem autêntico interesse em participar do pleito.

Nessa medida, a cassação dos mandatos eletivos dos vereadores eleitos com burla à legislação é medida imperativa, pois os votos obtidos são nulos de pleno direito. Tenho, assim, que as sanções fixadas na sentença mostram-se adequadas e proporcionais ao caso em tela, devido à grave e insanável ofensa à legitimidade da eleição.

Por fim, peço vênia aos colegas para fazermos o registro de uma menção de louvor em reconhecimento ao excelente trabalho do juiz monocrático prolator da sentença, Dr. Felipe Valente Selistre, que apresentou profundo zelo na condução do processo e análise probatória.

3. Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento dos recursos interpostos, para manter a sentença que reconheceu a ocorrência de FRAUDE na constituição da COLIGAÇÃO PARA MUDAR E RENOVAR CAMAQUÃ, formada para a eleição PROPORCIONAL, consistente na utilização de candidaturas fictícias do gênero feminino ao cargo de vereador, em burla expressa ao determinado no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 (redação determinada pela Lei n. 12.034/09).

Como consequência, mantenho a cassação dos mandatos eletivos e dos diplomas obtidos pelos candidatos a vereador, titulares e suplentes, que concorreram pela COLIGAÇÃO PARA MUDAR E RENOVAR CAMAQUÃ na eleição PROPORCIONAL, declaro nulos todos os votos atribuídos e determino a redistribuição dos mandatos aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário no pleito em questão, conforme estabelece o art. 109 do Código Eleitoral, (cálculo das sobras eleitorais).

Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento, registrando-se as sanções nos sistemas pertinentes.

Consigno que fica prequestionada toda a matéria de defesa invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal.