RE - 40927 - Sessão: 07/03/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por KARIN AMÉLIA BITENCOURT UCHOA, referente à Campanha Eleitoral de 2016, contra sentença do Juízo da 32ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas, quando concorreu ao cargo de vereador, e determinou o recolhimento do valor de R$ 3.000,00 ao Tesouro Nacional, tendo em vista a existência de doação em espécie acima de R$ 1.064,10, em desconformidade com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões, alega que o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não revogou, e nem poderia ter revogado, o art. 23, § 4º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Aduz que, por essa razão, a doação realizada mediante depósito em espécie, devidamente identificado e dentro do limite legal, não poderia motivar a desaprovação das contas. Diz que a forma de creditar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) na conta de campanha foi errada por ignorância da candidata, sustentando a inexistência de dolo ou má-fé da mesma. Defende que se trata de erro formal e irrelevante que não tem o condão de ensejar a rejeição dos registros contábeis. Requer a aprovação das contas com ressalvas e o afastamento da condenação de restituir valor ao Tesouro Nacional.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral que opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento do apelo em face de inovação recursal e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminar de inovação da tese recursal

A Procuradoria Eleitoral suscita preliminar de não conhecimento de tese nova trazida aos autos pela recorrente.

Em sua defesa (fls. 61-62 e 72-73), a candidata sustentou que a doação de R$ 3.000,00 (três mil reais) foi feita pela própria prestadora, não havendo má-fé, tratando-se de falha meramente formal.

Contudo, em sede recursal (fls. 126-128v.), trouxe tese inédita, qual seja, que o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não revogou, e nem poderia ter revogado, o art. 23, § 4º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Assim, a doação realizada em forma de depósito em espécie, devidamente identificado e dentro do limite legal, não poderia atrair a desaprovação das contas da candidata.

Dessa forma, houve inovação da tese de defesa, somente suscitada em sede de recurso eleitoral, razão pela qual não merece conhecimento o recurso nesse ponto, diante da ocorrência de preclusão.

Nesse sentido, peço vênia para transcrever os precedentes colacionados no parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPAGANDA IRREGULAR. PINTURA EM MURO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS.SÚMULA N. 182/STJ. INOVAÇÃO. TESE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Para que o agravo obtenha êxito, é necessária a impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, sob pena de subsistirem as suas conclusões. 2. Em sede de agravo regimental, não se admite a inovação de teses recursais.3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 27120, Acórdão, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 13.6.2011, p. 62.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 27/TSE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAL NULIDADE POR AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO NA RENÚNCIA DO REGISTRO DE CANDIDATURA. INOVAÇÕES RECURSAIS. INADMISSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.1. A tese ventilada pela vez primeira nas razões do agravo regimental configura inovação recursal, inadmitida pela jurisprudência desta Corte. Precedentes: AgR-REspe n. 1-43/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 17.8.2015; AgR-REspe n. 270-06/TO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 16.4.2015.2. No caso sub examine, a alegação fundada em suposta divergência jurisprudencial, bem como a discussão sobre eventual nulidade por ausência de advogado constituído na renúncia do registro de candidatura do ora Agravante, sequer foram ventiladas quando da interposição do apelo nobre, sendo trazidas pela vez primeira nas razões deste Agravo. 3. In casu, para a modificação da conclusão do TRE/MS - segundo o qual houve o registro de candidatura do Agravante, independente de suposta falsidade, e que, por isso, é incabível a pretensão de relativização da coisa julgada material no sentido de reconhecer a inexistência de seu requerimento de registro -, seria imprescindível o reexame do arcabouço fático-probatório carreado aos autos, providência inviável na estreita via do apelo excepcional, ex vi da Súmula n. 24/TSE.4. A deficiência da fundamentação atrai a incidência do Enunciado n. 27 da Súmula do TSE.5. Agravo regimental desprovido. (Agravo de Instrumento n. 27060, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 237, Data 07.12.2017, p. 31.)

Acolho a prefacial de não conhecimento do recurso no ponto em que inova a tese de que o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não teria aptidão de revogar o art. 23, § 4º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Ao mérito

Inicialmente, registro que este feito já foi examinado neste Tribunal no acórdão das fls. 101-104, oportunidade na qual foi anulada a sentença, pois ausente a determinação de recolhimento da quantia considerada de origem não identificada (R$ 3.000,00) ao Tesouro Nacional.

Nova sentença foi prolatada (fls. 109-111), constando a obrigatoriedade de recolher aos cofres públicos o valor considerado de origem não identificada, diante do descumprimento do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

O parecer técnico (fl. 74) identificou irregularidade quanto à forma de arrecadação de recursos financeiros utilizada pela candidata (R$ 3.000,00) que, a despeito da obrigatoriedade de transferência eletrônica, auferiu recursos por meio de depósito em espécie, infringindo o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Nesse ponto, impende salientar que a alegação de ignorância da norma não merece prosperar, na medida em que era seu dever diligenciar o cumprimento da legislação eleitoral, sobre a qual é defeso arguir o desconhecimento.

Entrementes, ressalvo que a recorrente poderia firmar a verossimilhança de suas alegações a partir da demonstração da origem da doação. Cito a juntada, por exemplo, de extratos da conta-corrente particular com a retirada da referida importância na mesma data, o que não se verificou.

Ainda, considerando que o depósito em espécie da importância de R$ 3.000,00 (três mil), em 16 de agosto de 2016, ultrapassa a quantia de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), e que o valor foi utilizado para realizar as despesas de campanha sem que tenha sido esclarecida sua origem, deve a quantia ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Nesse sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato.

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10.

Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(E.Dcl. no RE n. 203-27.2016.6.21.0092, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, Sessão de 26.7.17.)

De outra banda, não há se cogitar a aplicação do princípio da razoabilidade e considerar a ausência de má-fé da recorrente para o fim de relevar a irregularidade apontada, tendo em vista que a quantia impugnada representa percentual elevado em relação aos gastos da campanha (25,31%).

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar de inovação da tese recursal e pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de KARIN AMELIA BITENCOURT UCHOA e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 3.000,00 ao Tesouro Nacional.