RE - 60892 - Sessão: 08/03/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por LUCIANO LEITES ROCHA e OLAVO JOSE TRASEL, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Arroio dos Ratos nas Eleições 2016, contra a sentença que desaprovou a prestação de contas de campanha e condenou o primeiro recorrente ao recolhimento do valor de R$ 14.422,21 (quatorze mil quatrocentos e vinte e dois reais e vinte e um centavos) ao Tesouro Nacional (fls. 251-253v.).

Em suas razões (fls. 254-271), os recorrentes alegam, preliminarmente, cerceamento de defesa, visto que a oportunidade concedida pelo juiz eleitoral não foi suficiente para que postulassem a produção das provas necessárias à instrução do processo, sobretudo a prova testemunhal. No mérito, quanto ao recebimento de doações sem observância do estipulado em regulamento, argumentam que houve equívoco de forma e que os depósitos estão identificados com o CPF dos doadores. Acrescentam que várias dessas doações foram feitas pelo próprio candidato Luciano, que não é cliente da mesma instituição financeira onde foi aberta a conta de campanha e que, no decorrer do período eleitoral, alienou um bem que possibilitou a realização de um desses depósitos. Argumentam que todos os depósitos foram feitos por pessoas físicas e que boa parte deles se deu na reta final da campanha, quando o candidato “estava ocupado com inúmeras atividades desenvolvidas, havendo poucas pessoas para ajudá-lo na parte burocrática da prestação de contas”. Aduzem que todos os procedimentos foram efetuados de boa-fé, e que a formalidade desrespeitada é irrelevante no conjunto da prestação de contas. Afirmam que todos os doadores foram identificados corretamente, e que eventual entendimento diverso deve acarretar a restituição a eles da importância doada. Na hipótese de ser mantida a determinação de que sejam devolvidos os valores ao Tesouro Nacional, requerem a redução do montante, pois não dispõem de recursos para arcar com a condenação sem comprometer sua subsistência. Quanto às bandeiras utilizadas em carreata, afirmam tratar-se de bandeiras institucionais, “encaminhadas pelo Diretório Estadual do PSB, antes do período eleitoral, aos seus militantes” e ao diretório municipal, de forma que não houve omissão quanto ao registro desses objetos na prestação de contas. Sobre o ônibus utilizado na carreata, aduzem que não houve contratação do veículo por parte da campanha, tendo sido manifestação espontânea de eleitor proprietário/detentor do veículo. Acerca da nota fiscal e de tecidos utilizados em decoração de palanque, argumentam que o material pertence ao partido há bastante tempo, sendo utilizado pela entidade em seus eventos, e que a retificação do documento fiscal para detalhamento dos serviços prestados não foi possível em razão da forma jurídica assumida pelo prestador (MEI). Requerem o reconhecimento da preliminar suscitada, a reforma da sentença e o provimento do recurso para aprovação das contas com ressalvas. Alternativamente, rogam a restituição de valores aos doadores ou a redução do quantum (fls. 254-271).

Com contrarrazões (fls. 276-277), nesta instância, a Procuradoria Regional opinou pela desconsideração dos documentos anexados com o recurso, pela rejeição da preliminar de cerceamento de defesa e pelo desprovimento da irresignação (fls. 280-290).

Intimados os recorrentes para regularização da representação processual (fl. 292), apenas LUCIANO LEITES ROCHA trouxe aos autos instrumento conferindo poderes à advogada subscritora do recurso (fl. 299).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

No entanto, tendo em vista que OLAVO JOSE TRASEL, devidamente intimado (fl. 292), não regularizou sua representação processual ao efeito de conferir poderes à causídica que firmou o recurso, tenho que este não pode ser conhecido em relação ao omisso.

Portanto, conheço apenas do recurso de LUCIANO LEITES ROCHA.

Antes de ingressar na análise da irresignação, deve-se esclarecer que estes autos estão retornando para exame após a anulação da primeira sentença por decisão deste Tribunal, proferida em 19.9.2017, de minha relatoria, que restou assim ementada:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. PRELIMINAR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. NÃO DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. NULIDADE DA SENTENÇA. ELEIÇÕES 2016.

Preliminar de nulidade da sentença acolhida. O magistrado reconheceu a existência de recursos de origem não identificada na prestação de contas, mas não determinou o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, conforme determinação expressa nos arts. 18 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Circunstância que conduz à nulidade da sentença. Afastada prefacial de renovação da instrução. Retorno dos autos ao juízo de origem.

Após o retorno dos autos à instância ordinária, foi proferida a decisão ora recorrida, no mesmo sentido da primeira, acrescida da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Feita essa observação, devem ser repelidos os argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral acerca da necessidade de desconsideração dos documentos anexados com o recurso, visto que foram anexados após a sentença anulada, mas antes da prolação da decisão de mérito ora questionada, de forma que não subsiste obstáculo ao seu conhecimento.

Observe-se que os documentos impugnados pelo Parquet constam das fls. 190-207, a sentença recorrida está nas fls. 251-253v. e o recurso que devolveu a matéria ao conhecimento do tribunal consta das fls. 254-271, ou seja, os documentos foram colacionados antes da sentença válida.

Dessa forma, os documentos das fls. 190-207 compõem regularmente o acervo probatório dos autos.

Ainda em preliminar, o recorrente argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, visto que a oportunidade concedida pelo juiz eleitoral não foi suficiente para que postulasse a produção das provas necessárias à instrução do processo, sobretudo a prova testemunhal.

Anoto que, após a análise técnica (fls. 141-142), o prestador foi intimado pelo juízo a quo para se manifestar, nos termos do art. 59, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/16 (fl. 146), sobrevindo requerimento postulando a aprovação das contas e prazo para juntada de nota fiscal (fls. 147-153).

Em seguida, foi elaborado novo relatório de exame das contas (fl. 164), seguido de parecer do Ministério Público Eleitoral (fls. 166-167). Embora a sentenciante não tenha examinado o pedido de concessão de prazo, a estrita observância do rito previsto na resolução do Tribunal Superior Eleitoral que rege a matéria impede o reconhecimento da nulidade, sobretudo porque a juntada de documentos requerida fora viabilizada com a anulação da primeira sentença e a admissão de documentos trazidos antes da segunda decisão de desaprovação, mesmo que considerados pela magistrada insuficientes para alterar suas convicções acerca do mérito.

Ademais, o deferimento de pedido de audiência de testemunhas é excepcional nos processos de prestação de contas, sendo admissível apenas nos casos em que a prova documental, por algum motivo justificado, não pode ser produzida.

Em ações da natureza da que aqui se examina, a prova é majoritariamente documental, sendo o rito incompatível com a produção de prova testemunhal. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. INVIABILIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. COMPATIBILIDADE DA PROVA DOCUMENTAL COM O RITO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. NÃO OPORTUNIZADA MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS APÓS NOVO PARECER CONCLUSIVO. AUSENTE PREJUÍZO. CERCEAMENTO NÃO CONFIGURADO. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. DIMINUTO VALOR IRREGULAR. REDUZIDO PERCENTUAL ENVOLVIDO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Afastada preliminar de cerceamento de defesa. 1.1. Inviável a produção de prova testemunhal no processo de prestação de contas. É a prova documental a compatível com o rito deste tipo de processo. 1.2. Não oportunizada vista dos autos para alegações finais após novo parecer conclusivo. Não evidenciado, no entanto, prejuízo ao prestador, pois ausente alteração quanto ao objeto das irregularidades apontadas em momento anterior. Nulidade por cerceamento de defesa não configurada.

[...]

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2797, ACÓRDÃO de 30.01.2018, Relator DR. JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 01.02.2018, Página 3.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato a vereador. Art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.376/12. Eleições 2012. Desaprovação no juízo originário. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa visto ser incabível a prova testemunhal em processos de prestação de contas. Irregularidade decorrente da aplicação de recursos próprios em campanha em valor superior ao patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura. Inexistência de prova segura quanto à origem dos recursos. Comprometimento da fiscalização das contas pela Justiça Eleitoral. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 15382, ACÓRDÃO de 21.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 217, Data 25.11.2013, Página 6.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ÓRGÃO PARTIDÁRIO. POSICIONAMENTO DE ÓRGÃO TÉCNICO DO TRIBUNAL. CARÁTER OPINATIVO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À LEGISLAÇÃO OU VIOLAÇÃO A CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. DIVERSAS OPORTUNIDADES DE SANEAMENTO. DISCORDÂNCIA ACERCA DE SER EXCESSIVO O VALOR DE ALUGUEL INFORMADO. POSTULADAS PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL. DESNECESSIDADE. CARÁTER DOCUMENTAL DO FEITO. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

Em sede de prestação de contas, inexiste previsão legal para oitiva de testemunhas, em virtude da própria natureza instrumental do procedimento, baseado na análise técnica de documentos, sobretudo quando ausente qualquer fundamento fático que demonstre a imprescindibilidade da colheita da prova testemunhal, considerando a comprovação documental da questão (uso do imóvel locado e consequentes despesas da utilização).

Ainda que discorde do que seria o valor razoável de aluguel sugerido por órgão técnico do Tribunal, ante a presença de orçamentos carreados ao feito e a indiscutível utilização do bem em questão, entende-se que cabe ao magistrado determinar as provas que serão úteis para seu convencimento, sendo que a negativa ora questionada não importa em ofensa aos princípios do devido processo legal, pois o pretendido deferimento redundaria em reiteração das provas já produzidas.

(TRE-MS, PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 10581, ACÓRDÃO n. 8411 de 18.8.2014, Relator NÉLIO STÁBILE, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 1115, Data 27.8.2014, Página 03/04.)

Considerando que a prova a ser produzida em processos de prestação de contas é eminentemente documental, a sua não realização nestes autos não constitui cerceamento de defesa, de forma que não merece acolhimento a preliminar. Passa-se, assim, à análise do mérito.

Inicialmente, enfrento as questões atinentes às supostas omissões de dados na contabilidade em razão da ausência de registros de gastos com bandeiras, locação de veículo (ônibus) e decoração de evento. Quanto a esses pontos, assim ficou consignado na decisão recorrida (fls. 252v.-253):

Da impugnação oferecida e que consta no apenso, verifica-se que foram utilizadas na campanha do Candidato inúmeras bandeiras, o que não foi negado em sua resposta, todavia, não foi localizada doação estimável e/ou qualquer nota fiscal referente a confecção de bandeiras, assim como na prestação de contas do partido também não constou, o que restou verificado no “relatório de diligências”, item 6, fl. 143. Portanto, não há qualquer registro do referido gasto na prestação de contas apresentada.

Quanto ao ônibus utilizado na carreata, cuja imagem consta na impugnação apensa, aduziu que a pessoa de Flávio Silveira Pereira estava na posse de referido veículo no dia, para uso particular, oportunidade na qual participou da carreata levando familiares, não tendo qualquer vinculação com a pessoa jurídica e que o ônibus não tem identificação, juntando “declaração”, sem firma reconhecida, da fl. 40; todavia, considerando referido esclarecimento, permanece a não demonstração da propriedade do bem, o que infringe a legislação eleitoral já citada, o que não pode ser aceito, pois assim estaria de forma inversa possibilitando a falta de transparência necessária na prestação de contas de todos os candidatos, visando o equilíbrio das eleições.

No mais, no que se refere ao comício realizado, verifica-se que as notas fiscais não discriminaram os serviços e bens utilizados, no entanto, diversas foram as notas fiscais juntadas referente ao fornecedor indicado, Darlan Batista dos Santos Rodrigues, portanto não se trata de falha que macula o todo como comprovado; todavia, no que concerne a decoração do palco e o que se vislumbra nas fotografias juntadas na impugnação, esclareceu o Candidato que se trata de material pertencente ao Partido e feito pelos organizadores da campanha, todavia, conforme salientado no “relatório de diligências” da fl. 143, na prestação de contas apresentada pelo PSB de Arroio dos Ratos não consta nenhuma prestação financeira, apenas receitas estimáveis, ou seja, não há qualquer comprovação que tais materiais sejam efetivamente do partido, cujo esclarecimento que já são do Partido há longa data não basta.

Quanto às bandeiras utilizadas em carreata, o recorrente afirma tratar-se de bandeiras institucionais, “encaminhadas pelo Diretório Estadual do PSB, antes do período eleitoral, aos seus militantes” e ao diretório municipal, de forma que não houve omissão quanto ao registro desses objetos na prestação de contas.

De fato, as imagens colacionadas na impugnação permitem verificar a existência de grande quantidade de bandeiras padronizadas nas cores vermelha e amarela, com os dizeres “É 40”, o que condiz com o afirmado pelo recorrente no sentido de serem bandeiras institucionais providenciadas pelos diretórios estadual e municipal e distribuídas aos militantes. Assim, é razoável entender que a aquisição do material promocional deva ser registrada na contabilidade dos diretórios responsáveis por sua confecção, de forma a ser superada a mácula referente a essa omissão na prestação de contas do candidato.

O mesmo pode-se afirmar acerca dos itens utilizados na decoração de evento de campanha, que, por suas características genéricas (grandes pedaços de tecido vermelho e amarelo), podem constituir o acervo do diretório municipal do partido há vários anos, sendo utilizados em sucessivas ocasiões, inclusive no comício impugnado (fl. 10 do anexo).

A imagem juntada aos autos permite concluir que o evento foi realizado em benefício das várias pessoas que subiram ao palco naquela ocasião, possivelmente os candidatos à eleição proporcional no município.

É de se supor, dessa forma, que o registro do gasto caberia ao partido que organizou o evento em favor de seus candidatos, nos termos do art. 6º, § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15, conforme segue:

Art. 6º Deverá ser emitido recibo eleitoral de toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, inclusive os recursos próprios e aqueles arrecadados por meio da Internet.

§ 1º Os candidatos e os partidos políticos deverão imprimir recibos eleitorais diretamente do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE).

§ 2º Os recibos eleitorais deverão ser emitidos em ordem cronológica concomitantemente ao recebimento da doação e informados à Justiça Eleitoral na forma do § 2º do art. 43 desta resolução.

§ 3º Não se submetem à emissão do recibo eleitoral previsto no caput:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por cedente;

II - doações estimáveis em dinheiro entre candidatos e partidos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa.

§ 4º Para os fins do disposto no inciso II do § 3º, considera-se uso comum:

I - de sede: o compartilhamento de idêntico espaço físico para atividades de campanha eleitoral, compreendidas a doação estimável referente à locação e manutenção do espaço físico, excetuada a doação estimável referente às despesas com pessoal, regulamentada no art. 37 desta norma;

II - de materiais de propaganda eleitoral: a produção conjunta de materiais publicitários impressos. (Grifei.)

Dessa forma, na hipótese, não resta comprovado ter sido responsabilidade exclusiva do recorrente o registro dos gastos com a organização do comício (visto que este aparentemente aproveitou a todos os candidatos da agremiação), de modo que a falta de registro de itens de decoração não configura omissão de dado na contabilidade .

Na sequência, verifico constar na impugnação a imagem de ônibus utilizado em carreata (fl. 25 do anexo). O prestador argumenta que não houve contratação do veículo por parte de sua campanha, tendo sido sua utilização oportunizada de forma espontânea por eleitor proprietário/detentor do veículo. Para comprovar suas alegações, junta declaração assinada por FLÁVIO SILVEIRA PEREIRA (fl. 194), na qual o signatário afirma que

estava sob minha posse um veículo automotor, modelo ônibus, placa IVE 3461, durante a carreata realizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Informo que o veículo estava sendo usado por mim, para atividades particulares, sem fins eleitorais. Contudo, no dia da carreata, aproveitei a oportunidade e me desloquei com tal veículo para participar da movimentação política, sem qualquer envolvimento de pessoa jurídica, até mesmo porque o ônibus não tem qualquer identificação. Esclareço, ainda, que por estar com veículo de amplo espaço, alguns familiares estavam dentro do ônibus, portando bandeiras, com o intuito de participar da carreata.

Foi colacionada também cópia do certificado de registro e licenciamento do veículo, na qual consta como proprietário TRADIÇÃO PRESTADORA DE SERVIÇOS LTDA ME (fl. 195), e declaração da empresa informando que o bem foi emprestado a FLÁVIO, sem fins lucrativos, desde 04.4.2016 (fl. 204).

Considerando as peculiaridades do caso, sobretudo o fato de o veículo em questão possuir cor única (branco), sem qualquer identificação de empresa, faixa ou sinal de que se tratasse de bem locado para aquela ocasião, assim como o número reduzido de pessoas que aparentemente se encontravam em seu interior, merece credibilidade a tese de que a participação do ônibus na carreata constituiu manifestação espontânea de eleitor em favor de candidatura.

Assim sendo, não haveria qualquer registro a ser feito na prestação de contas, de forma que a omissão apontada na sentença recorrida pode ser afastada.

Por fim, examino o recebimento de doações sem observância do estipulado na Resolução TSE n. 23.463/15. No ponto, o recorrente argumenta que houve equívoco de forma e que os depósitos estão identificados com o CPF dos doadores. Acrescenta que parte dos valores representa recursos próprios do recorrente, que não é cliente da mesma instituição financeira onde foi aberta a conta de campanha e que, no decorrer do período eleitoral, alienou um bem cuja contraprestação foi utilizada na campanha. Argumenta que todos os depósitos foram realizados por pessoas físicas e que boa parte deles se deu na reta final da campanha, quando “estava ocupado com inúmeras atividades desenvolvidas, havendo poucas pessoas para ajudá-lo na parte burocrática da prestação de contas”. Aduz que todos os procedimentos foram realizados de boa-fé e que a formalidade desrespeitada é irrelevante no conjunto da prestação de contas.

Verifico que a prestação de contas foi desaprovada em razão do recebimento de doações acima de R$ 1.064,10, efetuadas de forma distinta de “transferência eletrônica”, no valor total de R$ 14.422,21, e que representam 70,22% das receitas de campanha.

O art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao disciplinar as doações de campanha realizadas por pessoas físicas, assim estabelece:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Infere-se que a referida norma estabelece que, "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação” (art. 18, § 1º).

E, na sequência, no § 3º do art. 18, disciplina que, as “doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional”.

No caso sob exame, é incontroverso o recebimento de doações no valor de R$ 14.422,21, por meio de depósito em espécie efetivado diretamente na conta corrente de campanha. O valor é substancial em relação ao total arrecadado – representa 70% dos recursos -, não havendo como ser considerado irrelevante, como postula o recorrente.

Incontestável, também, é a informação de que o referido valor foi utilizado na campanha.

Portanto, uma vez recebidas doações feitas de forma contrária ao que determina a norma eleitoral, deve o valor ser devolvido ao doador, caso identificado, antes de sua utilização, ou, sendo essa hipótese impossível, ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Ressalto que a obrigatoriedade de transferência entre contas bancárias não representa mera formalidade, mas providência necessária para a identificação dos doadores e, por conseguinte, para permitir o controle fidedigno da origem dos recursos arrecadados na campanha, garantindo a transparência da contabilidade. Por isso, não se discute a capacidade econômica do candidato ou de seus simpatizantes para realizar a referida doação.

Logo, reconhecida a doação irregular, em valor superior ao limite estabelecido pelo art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, deve a respectiva importância ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto no § 3º do referido artigo.

O depósito de valores em quantia superior ao limite estabelecido pelo art. 18, § 1º, da Resolução do TSE n. 23.463/15, ainda que pretensamente feito pelo próprio candidato, configura irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas, devendo o respectivo montante ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

Ressalto, por fim, que a situação sob análise difere daquelas nas quais o recorrente comprova que o caixa de banco faz o saque do valor da conta corrente do doador e o deposita, de forma contínua e imediata, na conta de campanha. Aqui, inexiste comprovação desta relação temporal, razão pela qual resta comprometida a confiabilidade das contas.

Na hipótese, considerando que os valores doados irregularmente foram utilizados na campanha, descabe cogitar na restituição aos doadores, providência aplicável apenas em momento anterior a utilização dos valores.

Da mesma forma, estipulado o valor da mácula na prestação de contas, inviável a redução do montante em razão do suposto comprometimento financeiro do candidato.

Assim, o recurso merece parcial provimento tão somente para afastar as omissões na contabilidade imputadas na decisão recorrida, subsistindo o apontamento referente às doações e à desaprovação da prestação de contas.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo não conhecimento do recurso interposto por OLAVO JOSE TRASEL, pelo afastamento das prefaciais e, no mérito, por dar parcial provimento ao recurso aviado por LUCIANO LEITES ROCHA, mantendo a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor de R$ 14.422,21 (quatorze mil quatrocentos e vinte e dois reais e vinte e um centavos) ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.