RE - 38550 - Sessão: 13/03/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por IVANIR NILSON VIEBRANTZ contra sentença que julgou desaprovadas suas contas, diante do recebimento de recursos de origem não identificada, de divergências nas informações bancárias prestadas e de omissão de receitas e gastos eleitorais (fl. 13 e v.).

Em suas razões recursais (fls. 17-20), suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença, em virtude de violação ao disposto no art. 489 do CPC, tendo em vista não ter restado esclarecida a subsunção da norma eleitoral ao caso concreto. Subsidiariamente, alega que a contabilização do uso de veículo próprio em campanha foi medida de precaução. Explica a origem da doação de materiais publicitários como sendo proveniente do órgão partidário. Requer seja anulada a sentença, ou, na impossibilidade, a reforma da decisão, a fim de que sejam aprovadas as contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença - tendo em vista que o magistrado não ordenou o recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada - e pelo afastamento da prefacial suscitada pelo recorrente. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do apelo (fls. 28-38).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, afasto a preliminar de anulação da sentença por ausência de fundamentação, diante do mérito favorável ao recorrente.

Ainda que assim não fosse, verifico que a decisão atendeu aos requisitos elencados no art. 489 do CPC, uma vez que concluiu pela existência de irregularidades no lançamento contábil, com base nas conclusões lançadas no parecer técnico de fls. 09-10, devidamente referenciado na fundamentação.

Outrossim, não assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral em relação à nulidade suscitada diante da falta de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Além de entender pela inocorrência de recebimento de recursos de origem não identificada, observo que a ventilada omissão apenas poderia ser superada por irresignação do fiscal da lei, e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, nos termos do que decidido pelo Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância ad quem, dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a reformatio in pejus, nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 63662, Acórdão de 14.12.2017, Relator: DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN.) (Grifei.)

Do exposto, máxime frente à ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Passando ao mérito, o exame técnico identificou o recebimento de recursos de origem não identificada, divergências nas informações bancárias prestadas, bem como omissão de receitas e gastos eleitorais.

A respeito da primeira falha, o recorrente sustenta que a contabilização do uso de veículo próprio em campanha foi medida de precaução e explica que a doação de materiais publicitários é oriunda do órgão partidário.

De fato, não há irregularidade na escrituração da cessão de uso de veículo para campanha, tendo em vista que, por ocasião do registro de candidatura, o recorrente declarou a propriedade do aludido bem. Ademais, é de se ressaltar que a divergência verificada na descrição do automóvel não impede a sua identificação.

Todavia, a contabilidade deveria ter sido retificada quanto ao recurso “publicidade por materiais impressos”, uma vez que a referida doação foi registrada como sendo proveniente do candidato, e não do órgão partidário.

Entrementes, tendo em vista os esclarecimentos prestados pelo recorrente, em especial a informação do número da nota fiscal do produto (fl. 23), aliada ao valor inexpressivo da quantia (R$ 84,61) que, além da natureza estimável em dinheiro, representa apenas 7,79% dos recursos arrecadados na campanha, entendo que restaram suficientemente evidenciadas a origem da receita e a licitude do gasto eleitoral.

Assim, a falha constatada no lançamento contábil merece ser superada, mantendo-se o apontamento como uma ressalva na escrituração.

Na sequência, em relação às divergências nos dados bancários, verifico que o registro do número da conta foi equivocadamente lançado, pois excluiu o dígito inicial de número “6”. Trata-se de mero erro material na informação declarada, incapaz, contudo, de comprometer a confiabilidade e a segurança do exame, devendo ser relevado.

Por fim, quanto à omissão de receitas e gastos eleitorais, o parecer acusou que os serviços de contabilidade e de advocacia não foram lançados na escrituração.

Sobre o ponto, o TSE pacificou sua jurisprudência no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 1°.3.2016. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.4.2016, Páginas 53-54.) (Grifei.)

Dessa forma, há de se distinguir a consultoria jurídica, que constitui atividade-meio em campanhas eleitorais, da representação processual em feitos judiciais.

Nesse sentido, ainda, colaciono ementa de julgado deste Regional:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Parecer conclusivo e manifestação ministerial de piso pela rejeição das contas. Proferida sentença de desaprovação sem que tenha sido oportunizada prévia manifestação à candidata acerca das irregularidades apontadas, conforme previsão do art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Decisão consubstanciada na ausência de registro de gastos e dos respectivos recibos, referentes à contratação de serviços advocatícios durante a prestação de contas. Ainda que, nesta instância, tenha sido verificado o vício procedimental, deixa-se de reconhecer de ofício a nulidade, em virtude da possibilidade de decisão favorável quanto ao mérito, sem representar qualquer prejuízo à interessada.

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 24846, Acórdão de 07.3.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2017, Página 5.) (Grifei.)

Na espécie, além de o candidato ter declarado utilizar-se dos serviços apenas por ocasião da entrega das contas (fl. 23), a movimentação inexpressiva de recursos na campanha atesta que, efetivamente, não houve a contratação de consultoria.

Assim, à míngua de outros elementos, pondero que o recorrente elucidou as irregularidades apontadas que, em sua totalidade, envolveram a quantia de R$ 584,61. Acrescento, em reforço do argumento da insignificância do valor absoluto em questão, precedente do TRE de Santa Catarina, o qual utilizou como critério de interpretação a importância de R$ 1.064,10, que o próprio legislador elegeu como baliza para dispensar a contabilização de gasto realizado pelo eleitor em favor de candidato, previsto no art. 27 da Lei 9.504/97.

- ELEIÇÕES 2014 - PRESTAÇÃO DE CONTAS – CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL - OMISSÃO NA ENTREGA DA SEGUNDA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL - AUSÊNCIA DE REGISTRO DE GASTOS ESTIMÁVEIS COM PROPAGANDA E ADVOGADO - AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS - IRREGULARIDADES FORMAIS QUE PODEM SER RELEVADAS.

AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS OU DOCUMENTOS PARA COMPROVAR DESPESAS - GASTO COM ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS NÃO REGISTRADOS - IRREGULARIDADES DE MENOR SIGNIFICAÇÃO ECONÔMICA EM FACE DA REALIDADE DAS CAMPANHAS ELEITORAIS - APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

Ao fixar o valor para os gastos de apoiamento não sujeitos à contabilização na prestação de contas (Lei n. 9.504/1997, art. 27), o legislador considerou sua importância econômica no curso regular do pleito, reputando-o de menor expressão na realidade das campanhas eleitorais.

Se é dado ao candidato receber de qualquer eleitor aporte financeiro, sem a necessidade de providenciar contabilização, é inadequado graduar como grave qualquer irregularidade que não exceda essa quantia.

(TRE-SC, PC 1421-62.2014.6.24.0000, Relator: Juiz Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, Sessão de 29.07.2015, Acórdão n. 31019.)

Dessa forma, considerando o reduzido valor absoluto da irregularidade e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Ante o exposto, afasto as preliminares e, no mérito, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de IVANIR NILSON VIEBRANTZ.