RE - 38380 - Sessão: 09/03/2018 às 12:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por MARIA ROSANE WANDSCHEER em face da sentença (fl. 13v.) que desaprovou a sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 para o cargo de vereador no município de Coqueiros do Sul, em virtude do recebimento de recursos tidos como de origem não identificada, divergências nas informações bancárias prestadas, bem como omissão de receitas e gastos eleitorais.

Em suas razões (fls. 15-20), a recorrente requer, preliminarmente, a anulação da decisão de piso, sob o fundamento de que esta não observou os ditames do art. 489, § 1º e incs. I e III, do Código de Processo Civil. No mérito, sustenta que os recursos apontados como de origem não identificada advêm da agremiação partidária, que realizou doações igualitárias a todos os candidatos para a aquisição de material publicitário. Solicita a aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença a fim de que seja observado o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15 e, no mérito, pela desaprovação das contas e, de ofício, pela determinação do recolhimento do valor de R$ 84,62 ao Tesouro Nacional.

Oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, esta não se manifestou no prazo determinado (fl. 44).

É o relatório.

 

 

 

 

VOTOS

Dr. Luciano André Losekann (relator):

Senhor Presidente.

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

A candidata recorrente, bem como a Procuradoria Regional Eleitoral suscitam preliminar de nulidade da sentença.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, cabia ao magistrado determinar o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15: 

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

No entanto, tenho que, em prestígio à disposição que permite o julgamento da chamada causa madura, é possível superar a nulidade arguida e suprir a omissão do juízo a quo no que tange à determinação de recolhimento de valores, acaso o exame do mérito do pedido assim recomende. Vejamos a previsão do Código de Processo Civil: 

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

[...]

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

[…]

A doutrina, em especial o estudo de Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, anota que a aplicação do dispositivo demanda questão exclusivamente de direito ou ação em condições de imediato julgamento, nesses termos: 

O tribunal, em princípio, não deve avançar no exame das matérias não decididas ainda em primeiro grau, pois isso violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, essa ideia cede espaço à regra do § 3º do art. 1.013, pela qual em determinadas hipóteses em que o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal fica autorizado a decidir desde logo o mérito da demanda, sem restituir o processo para novo julgamento pela primeira instância.

Para tanto, é necessário que a causa esteja “madura” para julgamento, ou seja, que verse questão exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento.

Portanto, o tribunal não pode fazer uso da regra do § 3º do art. 1.013 se a causa exigir dilação probatória, sob pena de cerceamento de defesa. Contudo, quando já concluída a instrução probatória, poderá julgar desde logo o mérito.

[…]

No inciso II se inserem os casos de sentença extra petita, que é aquela que julga fora do pedido, ou seja, que concede ao autor pedido de natureza ou objeto diverso do que lhe foi demandado, bem como de sentença ultra petita, que é aquela que vai além do pedido, condenando o réu em quantidade superior da requerida pelo autor.

O inciso III diz respeito à sentença infra ou citra petita, que é aquela que não aprecia integralmente o pedido ou algum dos pedidos cumulados, sendo autorizado o tribunal a julgar desde logo o pedido sobre o qual a sentença se omitiu.

(Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. – Porto Alegre: OAB RS, 2015, p. 787-788).

Considerando que, nestes autos, a instrução probatória foi perfectibilizada, que se trata de questão de direito e que a parte foi devidamente intimada para se manifestar sobre o ponto, rejeito as preliminares de nulidade veiculadas pela recorrente e pela Procuradoria Regional Eleitoral, tendo em vista a possibilidade de aplicação do art. 1.013, art. 3º, inc. III, do Código de Processo Civil.

Passando à análise do mérito, registro que é incontroverso nos autos o recebimento do valor de R$ 84,62 (oitenta e quatro reais e sessenta e dois centavos), declarado pelo prestador como sendo doação proveniente da agremiação partidária, e a utilização do montante na campanha do recorrente.

Com o fim de comprovar a regularidade de tais doações, a prestadora buscou trazer explicações acerca do apontamento no item “3” de seu pedido de reconsideração ante o magistrado a quo.

Entrementes, analisando detidamente a documentação acostada aos autos, verifico que ela não se presta para demonstrar a origem do recurso. Ademais, entendo que a simples declaração não constitui prova hábil para identificar o verdadeiro responsável pela doação.

Registro que a conformação às exigências legais para o repasse de recursos à campanha não se trata de mero formalismo do legislador, mas representa medida imprescindível para que se verifique, com segurança, a identificação do doador e a origem dos recursos ofertados, garantindo a transparência e confiabilidade das contas.

Dessa forma, não havendo como dar total provimento ao mérito do recurso, é de se reconhecer que, ao considerar a importância de R$ 84,62 como de origem não identificada e deixar de determinar o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional, houve omissão do juízo a quo na apreciação da contabilidade, em especial na análise do disposto no § 3º do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, conforme referido pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral.

Nesse trilhar, amparado no art. 1.013, § 3º, inc. III, do Código de Processo Civil, deve ser determinado o recolhimento do valor reputado como de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

No relativo à quantia irregular, tenho que, diante do movimento total de campanha, que foi de R$ 1.432,57, representa valor ínfimo, isto é, apenas 5,90%. Dessarte, impõe-se a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme precedentes deste Tribunal: 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. COMBUSTÍVEL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. PRODUTO DO PRÓPRIO SERVIÇO OU DA ATIVIDADE ECONÔMICA. IRREGULARIDADE. DOAÇÃO DE RECURSOS. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO POR CONTA BANCÁRIA. VALOR ÍNFIMO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016. Doação, por pessoa física, de crédito em combustíveis para o partido, o qual repassou parte do valor ao candidato. Necessária a distinção entre o gasto disposto no art. 27 da Lei n. 9.504/97, cujo dispêndio é realizado pelo eleitor sem qualquer participação do candidato e sem a necessidade de contabilização, e a doação estimável em dinheiro, quando há a participação do candidato e deve ser sempre contabilizada na prestação de contas. Não demonstrado que o combustível constitua produto do próprio serviço ou da atividade econômica do doador, conforme preconiza o art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15. Contribuição irregular, por tratar-se de doação de recursos financeiros sem o trânsito pela conta-corrente de campanha. Falha representando 9,82% do total arrecadado, possibilitando a aplicação do princípio da proporcionalidade para a aprovação com ressalvas das contas. Precedentes jurisprudenciais do TSE e desta Corte neste sentido. Provimento.

(TRE-RS - RE n. 17721, Giruá - RS, Relator Dr. Silvio Ronaldo Santos De Moraes, Data de Julgamento: 19.7.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 128, Data 21.7.2017, Página 6.) (Grifei.)

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar, e dou parcial provimento ao recurso para aprovar as contas com ressalvas, e determinar, de ofício, o recolhimento do valor de R$ 84,62 (oitenta e quatro reais e sessenta e dois centavos) ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.