RE - 209 - Sessão: 10/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO TRABALHO SERIEDADE E COMPROMISSO interpõe recurso em face da sentença (fls. 266-269) que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta contra RAFAEL DA SILVA ALVES e VILSON JOSÉ BRITES BORGES, eleitos vereadores pela coligação PMDB/PROS, por considerar não comprovada a alegada fraude no lançamento da candidatura de Vera Lúcia Castro Leite apenas para viabilizar maior número de candidaturas masculinas.

Em suas razões recursais (fls. 275-303), alega que a sentença ignorou precedentes jurisprudenciais capazes de corroborar a tese da acusação. Aduz estar provada a fraude pela oposição intempestiva de recurso contra o indeferimento da candidatura de Vera Leite, sem a procura por outra candidata pela agremiação. Afirma que as concorrentes da coligação tiveram desempenho baixo nas urnas, evidenciando o desprestígio das candidatas mulheres. Argumenta que o comportamento da coligação PMDB/PROS caracteriza fraude, viabilizando o manejo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Requer a procedência da presente ação, com consequente cassação do mandato dos vereadores representados.

Com as contrarrazões (fls. 705-706), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 718-723).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A recorrente foi intimada da sentença no dia 27.10.2017 (fl. 270), sexta-feira, e o recurso foi interposto no dia 31 do mesmo mês (fl. 275), ou seja, no prazo de 03 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Passando ao mérito, cuida-se de ação de impugnação de mandato eletivo fundamentada no lançamento da candidatura fictícia de VERA LÚCIA CASTRO LEITE, para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de candidaturas masculinas.

É incontroverso nos autos que a candidata Vera Leite teve seu pedido de candidatura indeferido porque não estava filiada ao PMDB - partido pelo qual pretendeu concorrer - mas, sim, ao PT. Foi interposto recurso contra essa decisão, que não foi conhecido por ser intempestivo.

A coligação recorrente afirma estar comprovada a fraude no lançamento da candidatura de Vera Leite, pois sequer estava filiada ao partido. Aduz que o recurso intempestivamente interposto contra o indeferimento de sua candidatura teve o único propósito de protelar a resolução judicial sem prejudicar a candidatura masculina, destacando ainda que as candidatas pela coligação tiveram baixo desempenho na campanha, evidenciando o difícil espaço reservado ao gênero feminino.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que a burla à proporção de gênero é apta, em tese, a caracterizar fraude e a autorizar o manejo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Pode-se definir fraude como a conduta destinada a afastar a incidência de uma norma sobre determinada situação que estaria naturalmente sujeita a ela. Fraudulenta é a ação que atribui, artificialmente, uma aparência de legalidade a uma situação ofensiva ao ordenamento jurídico.

No mesmo sentido é a lição de José Jairo Gomes:

a fraude implica frustração do sentido e da finalidade da norma jurídica pelo uso de artimanha, astúcia, artifício ou ardil. Aparentemente, age-se em harmonia com o Direito, mas o efeito visado – e, por vezes, alcançado – o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer regras e princípios do Direito. (Direito Eleitoral, 13ª ed. 2017, p. 728)

Nesse norte, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral definiu, no julgamento do RESPE n. 1-49, publicado em 21.10.2015, que o termo fraude deve receber interpretação ampla, para abranger todos os atos destinados a obter “resultado proibido por lei mediante ações que aparentemente lícitas”, e ser compreendido em conformidade com o art. 14, § 9º, da CF, o qual estabelece que Lei Complementar buscará “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego”.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE, REE n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 25-26.)

A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo da participação feminina na política, espaço ocupado quase que integralmente pelo gênero masculino e onde as mulheres não encontram muitas oportunidades.

Assim, o preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, ao invés de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo, que é pressuposto para uma democracia plena.

Na hipótese, não resta comprovada a alegada fraude.

Para a configuração da pretendida fraude, a descaracterizar a legitimidade da coligação, é necessária a prova do propósito de conferir aparência de legalidade à candidatura de Vera Leite apenas para viabilizar maior número de candidaturas masculinas.

O indeferimento da candidatura de Vera Leite por ausência de filiação ao PMDB, por si só, não caracteriza a pretendida fraude.

A jurisprudência é farta de exemplos de candidaturas em que ausente a filiação partidária, o que se dá por uma desorganização do partido ou por desconhecimento do próprio sistema.

Da mesma forma, a interposição de recurso, ainda que intempestivamente aviado, não configura fraude por si só, mas o exercício de um direito processual de ver seu caso reapreciado em outra instância jurisdicional.

Ademais, consta nos autos ficha de filiação ao PMDB firmada pela candidata e datada de 24.11.2015 (fl. 55). O documento, embora não tenha servido para sustentar a candidatura de Vera Leite, visto que produzido de forma unilateral, é indicativo da boa-fé das partes, no sentido de que acreditavam na viabilidade de sua candidatura, especialmente porque não foram produzidas provas apontando em sentido contrário.

Vera Lúcia Leite, ouvida em juízo, afirmou que desconhecia a manutenção de sua filiação ao PT, acreditando estar devidamente registrada no PMDB. Aduziu ter realizado campanha de rua e com santinhos até o último dia permitido, mesmo após saber do indeferimento de seu pedido de registro.

Mari Glai, presidente do movimento PMDB Mulher, afirmou que ela mesma encaminhou o pedido de filiação de Vera ao presidente do órgão municipal em novembro de 2015, declarando não saber porque seu nome não fora inserido no sistema. Ainda, informou que o partido teria condições de indicar nomes de outras candidatas quando soube do indeferimento de Vera Leite, de forma que tal decisão não impediria a formação da coligação.

Também no sentido de indicar a participação de Vera nas atividades partidárias, os vereadores representados Rafael da Silva Alves e Vilson Brites Alves afirmaram conhecer Vera das reuniões do partido.

Embora tais informações e depoimentos não possam ser valorados com credibilidade absoluta, pois prestados por pessoas diretamente envolvidas com o resultado da ação, sua coerência e harmonia com a prova documental trazida aos autos, aliada à ausência de provas capazes de conduzir o raciocínio em sentido contrário, não autorizam a conclusão da pretendida fraude.

Por fim, vale registrar também que o fraco desempenho das candidatas mulheres da coligação PMDB/PROS não prova a fraude no registro de Vera Leite. Não por acaso a legislação impõe reserva de gênero às agremiações, para induzir a promoção de maior espaço feminino na política. Diante da realidade brasileira a qual se busca alterar, monstram-se naturais, contudo, os baixos resultados obtidos pelas mulheres comparados ao alcançados pelos homens. Mas tal desempenho se deve a um fator social e político, e não à pretendida fraude por parte da agremiação.

O inexpressivo resultado nas urnas não é suficiente para a caracterização da fraude pretendida, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURA. FRAUDE. QUOTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegada prática de fraude com o registro de candidaturas fictícias, em relação à nominata proporcional do partido, para o cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

2. Acervo probatório a demonstrar que as candidatas buscaram votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro como simulacro de candidatura. Precedentes no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

3. Provimento negado. (TRE/RS, Relator Dr. Eduardo Dias Bainy, julgado em 11.7.2017.)

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, Acórdão de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

Assim, não caracterizada a fraude pretendida, deve ser mantida a sentença de improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.