RE - 2402 - Sessão: 25/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso interposto por JOÃO NUNES DE SOUZA (fls. 58-60), candidato ao cargo de vereador no Município de Canguçu, contra sentença do Juízo da 14ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas relativas ao pleito de 2016, com fundamento no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, devido à realização de depósito em dinheiro na sua conta de campanha, no valor de R$ 3.000,00, sem utilização de transferência eletrônica, em violação ao disposto no art. 18, § 1º, da mesma resolução (fls. 53-55).

Em suas razões, o recorrente sustentou ter regularizado o procedimento adotado, defendendo a licitude da sua conduta e a inexistência de “caixa dois” ao longo do período eleitoral. Pugnou pela aprovação das suas contas e alegou, ao final, ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa em decorrência dos depoimentos colhidos pelo Ministério Público Eleitoral, no âmbito de procedimento investigativo próprio, trazidos aos autos na oportunidade em que ofereceu parecer.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela nulidade da sentença, em virtude de cerceamento de defesa e da omissão do juízo de primeiro grau quanto à determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 3.000,00, irregularmente arrecadada pelo candidato, com amparo nos art. 66 c/c o art. 67, parágrafo único, e arts. 13, 18, § 1º, e 26, todos da Resolução TSE n. 23.463/15. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso com a determinação, por este Tribunal, do recolhimento do referido montante ao Tesouro Nacional (fls. 65-78).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade Recursal

A sentença foi publicada no DEJERS no dia 16.10.2017 (fl. 56), tendo sido protocolizada a petição recursal em 19.10.2018 (fl. 58). O recurso, portanto, é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Preliminares de Nulidade Processual

Preliminarmente, tenho por acolher a prefacial suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral de nulidade da sentença, causada pela ausência de abertura de prazo ao candidato para manifestação após o parecer ministerial, conforme prevê o art. 66 c/c o art. 67, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15, a seguir transcritos:

 

Art. 66. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral o notificará para, querendo, manifestar-se no prazo de setenta e duas horas contadas da notificação, vedada a juntada de documentos que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada.

Art. 67. Apresentado o parecer conclusivo da unidade técnica e observado o disposto no art. 66, o Ministério Público Eleitoral terá vista dos autos da prestação de contas, devendo emitir parecer no prazo de quarenta e oito horas.

Parágrafo único. O disposto no art. 66 também é aplicável quando o Ministério Público Eleitoral apresentar parecer pela rejeição das contas por motivo que não tenha sido anteriormente identificado ou considerado pelo órgão técnico.

 

Na hipótese dos autos, o relatório de exame preliminar das contas apontou indícios de irregularidade no tocante à movimentação financeira de recursos declarados como próprios do candidato, no montante de R$ 3.000,00, e às doações realizadas por Armando Cavalheiro Medina, Vagner de Freitas Moreira e Joabel Raatz Retzlaff, por se encontrarem, os dois primeiros, inscritos em programas sociais de governo, e o último, desempregado há mais de 60 dias na época em que houve a destinação dos recursos para a campanha eleitoral (fl. 13 e v.).

O candidato manifestou-se acerca desse relatório inicial, juntando documentação pertinente (fls. 18-33).

Após a emissão do parecer técnico conclusivo pela aprovação das contas com ressalvas (fls. 34-36), sobreveio parecer do Ministério Público Eleitoral indicando inconsistências que ensejariam a desaprovação da contabilidade, na medida em que as justificativas e os documentos apresentados pelo prestador se mostraram insubsistentes para sanar os apontamentos que haviam sido feitos por ocasião da análise técnica preliminar. (fls. 38-43).

Na linha argumentativa do representante ministerial, o candidato movimentou de forma irregular receita equivalente a R$ 3.000,00, declarada como integrante do seu próprio patrimônio, ao depositá-la em espécie na sua conta bancária de campanha no dia 16.8.2016, sacá-la integralmente no dia 19 subsequente e efetivar três depósitos individuais de R$ 1.000,00 nos dias 19, 22 e 23, todos naquele mesmo mês.

Essa irregularidade, analisada em conjunto com as doações estimadas em dinheiro recebidas de Armando Cavalheiro Medina, Vagner de Freitas Moreira e Joabel Raatz Retzlaff, cada uma delas em valor correspondente a R$ 1.000,00, consistiria indicativo da omissão de gastos eleitorais e da falsidade das informações fornecidas pelo candidato, que, em verdade, teria pago pelos serviços prestados por esses doadores.

O Ministério Público Eleitoral inclusive instruiu o seu parecer com os depoimentos dos doadores acima mencionados, tomados em procedimento próprio (fls. 44-51v.), para elucidar a natureza das doações feitas à campanha, pedindo, ao final, fossem extraídas cópias do processo para fins de investigação criminal, com amparo no art. 92, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Na sequência, os autos foram conclusos para sentença, que desaprovou as contas do candidato, nos moldes do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, e acolheu o pedido de remessa de cópia dos autos ao agente ministerial para fins de apuração de eventuais crimes (fls. 53-55).

Todavia, antes de ser prolatada a sentença, deveria ter sido oportunizada a manifestação do candidato no prazo de 72 horas, uma vez que o Ministério Público Eleitoral apresentou parecer pela rejeição das contas, introduzindo fundamentação e elementos probatórios novos ao processo, os quais não haviam sido considerados pelo órgão técnico, em observância à normativa constante no art. 66 c/c o art. 67, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15, cujo propósito é, justamente, preservar o direito ao contraditório e à ampla defesa do prestador das contas ao longo da instrução.

Esse é o entendimento firmado por este Tribunal, como se depreende do seguinte aresto:

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Rito processual. Eleições 2016.

Preliminar acolhida. Reconhecida a nulidade da sentença prolatada imediatamente após parecer técnico conclusivo pela desaprovação das contas, sem que fosse oportunizada a citação do partido para apresentação de defesa. Infringência ao rito previsto na legislação de regência. Consequente retorno dos autos ao juízo de origem.

Nulidade.

(TRE-RS, RE n. 659-88, Relator Dr. Luciano André Losekann, J. em 17.5.2017.)

 

Noto, ainda, que, embora o Juiz Eleitoral de primeiro grau tenha desaprovado as contas do candidato com base na argumentação do Ministério Público Eleitoral, consignou que o termo de depoimento do doador Joabel Raatz Retzlaff (no qual informou ter recebido R$1.000,00 por serviços prestados à campanha do candidato), juntado aos autos com o parecer (fl. 50), não havia sido levado em consideração para fins de julgamento do feito, em atenção ao princípio do contraditório e ao rito processual empregado, ressalvando, todavia, a realização de análise documental em procedimento próprio ante o indício de falsidade (fl. 54v.).

O cenário dos autos ganha contornos mais graves diante da possibilidade de, ao final, com o desprovimento do recurso interposto, a sentença de desaprovação das contas ser mantida em desfavor do candidato. Ademais, como se trata de matéria de ordem pública, na eventualidade de interposição de recurso perante o Tribunal Superior Eleitoral, este poderá anular o acórdão, fazendo retornar os autos à origem para que seja observada a regra procedimental destacada, circunstância que requer seja determinada a adequação do rito processual nesta instância.

A Procuradoria Regional Eleitoral também pondera que a sentença seria nula por ter omitido o comando de recolhimento da quantia de R$ 3.000,00 ao Tesouro Nacional, como determinam os arts. 18, § 1º, e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Contudo, o julgador monocrático, ao apreciar o depósito do valor de R$ 3.000,00 em espécie na conta corrente de campanha do candidato, em violação ao limite de R$ 1.064,00 estabelecido no caput do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, consignou que “Tal falha, por si só, não seria capaz de gerar a reprovação das contas como um todo”, vindo a desaprovar a contabilidade, porque o prestador, com o intuito de corrigir o equívoco procedimental, sacou aquela quantia, “(…) gerando dúvidas quanto à potencial utilização do montante como caixa 2” (fl. 54).

Dessa forma, como o juiz monocrático não qualificou expressamente a quantia em comento como recurso de origem não identificada, nos termos dos arts. 18 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, assim como também não o fez o órgão técnico de exame da contabilidade ao emitir o parecer conclusivo (fls. 34-35v.) e o promotor eleitoral em sua manifestação (fls. 38-43), inexiste nulidade a ser reconhecida na sentença por este Regional, em decorrência da suposta omissão quanto ao sancionamento pretendido pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Logo, deve ser rejeitada a preliminar de nulidade da sentença, causada pela ausência de determinação do recolhimento de valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional, bem como o pedido de aplicação desse sancionamento de ofício por este Tribunal, sob pena de agravamento, quanto a este ponto, da situação jurídica do candidato sem que tivesse sido interposto recurso pelo órgão ministerial de primeira instância, em contrariedade ao princípio da vedação da reformatio in pejus.

Todavia, como referido, a sentença deve ser desconstituída, retornando-se os autos ao Juízo da 14ª Zona Eleitoral de Canguçu para que determine a notificação do candidato, a fim de apresentar manifestação sobre o parecer ministerial e documentos juntados nas fls. 38-51v. no prazo de 72 horas, com o posterior julgamento da contabilidade do candidato.

Diante do exposto, VOTO no sentido de anular o feito desde a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo da 14ª Zona Eleitoral de Canguçu para que notifique JOÃO NUNES DE SOUZA, nos moldes do art. 66 c/c o art. 67, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15, preservando-se os demais atos praticados no curso do procedimento.