RE - 38547 - Sessão: 13/03/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CARMEM LUCIA PEREIRA, candidata ao cargo de vereador de Porto Alegre, em face da sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral que desaprovou as suas contas referentes às eleições municipais de 2016, em virtude de doações não registradas por prestador de contas; de receitas de origem não identificadas; de doações da própria candidata sem que tenha declarado tais recursos como patrimônio próprio; da omissão de receitas e gastos eleitorais e de inconsistências na movimentação financeira (fl. 28-v.).

Em suas razões, a recorrente suscita a preliminar de cerceamento de defesa e requer a declaração da nulidade do feito, em razão do descumprimento do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual determina a notificação sobre o parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades sobre as quais não se tenha dado oportunidade para manifestação do prestador. Alega que os recibos originais emitidos pela candidata conferem com o relatório de receitas do SPCE, de modo que não há divergências entre as diferentes contabilidades. Argumenta que o candidato Maurício Alexandre Dziedricki apresentou contas retificadoras, sanando as irregularidades apontadas. Sustenta que as falhas não comprometem a lisura das contas. Afirma que não deu causa aos equívocos, pois esses foram apresentados nas contas do candidato doador. Requer o acolhimento da matéria preliminar e, subsidiariamente, o provimento do apelo para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas (fls. 34-40). Juntou novos documentos (fls. 41, 44-52).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e pelo não conhecimento dos documentos juntados após a sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do apelo, com a determinação, de ofício, do recolhimento da quantia de R$ 1.835,44 ao Tesouro Nacional (fls. 57-69).

Intimada, a prestadora manifestou-se pela anulação da sentença para reanálise das contas, ou, subsidiariamente, pela sua aprovação (fl. 76).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Ilustres colegas:

O recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Em prefacial, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que o magistrado a quo deixou de determinar o recolhimento da integralidade das receitas cuja origem teria sido ocultada, no montante de R$ 1.835,44, consoante preveem os arts. 18, inc. I, § 3º, e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Contudo, a sentença combatida não padece de omissão sobre o tema. Pelo contrário, está expressamente caracterizada a doação no valor de R$ 260,00, efetuada sem identificação de CPF/CNPJ, como receita não identificada, sobre a qual se cominou o dever de recolhimento ao Erário.

A questão apresentada, portanto, é diversa da circunstância em que o magistrado, ao expressamente consignar a existência de recursos de origem não identificada, deixa de determinar o recolhimento dessa mesma importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Essa situação já foi objeto de profundo debate neste Regional e inclino-me ao entendimento da possibilidade de determinação imediata de recolhimento de valores pelo próprio Tribunal, em aplicação da chamada “causa madura” prevista no art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC.

Entretanto, in casu, não há que se falar em omissão, nem em nulidade da decisão, uma vez que o juiz analisou os fatos e concluiu expressamente que as receitas tidas como não identificadas limitaram-se ao quantum de R$ 260,00, determinando, por consequência, o recolhimento desse específico montante ao Tesouro Nacional.

Nesse panorama, tratando-se de apelo interposto pela prestadora, entendo que o Tribunal está adstrito tanto ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum quanto à vedação da reformatio em pejus, sendo incabível ponderar acerca da caracterização de outras parcelas de recursos como de origem ignorada, em reanálise da natureza atribuída pelo convencimento do julgador monocrático, sem o aviamento do adequado recurso pelo Ministério Público Eleitoral a obstaculizar os efeitos da preclusão sobre a matéria.

Com essas considerações, rejeito a prefacial suscitada pelo Ministério Público Eleitoral.

Ainda preliminarmente, a recorrente arguiu a nulidade da sentença em razão do descumprimento do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determina a notificação do prestador a respeito do parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade para manifestação.

Não lhe assiste razão no ponto.

Compulsando os autos, observo que, emitido o relatório do órgão técnico pela desaprovação das contas, a candidata foi devidamente intimada para manifestação (fls. 22-23), permanecendo, porém, silente (fl. 24).

De sua banda, subsequentemente, o parecer do Ministério Público Eleitoral à origem restringe-se a acolher as conclusões e proposições formuladas pela unidade técnica da Justiça Eleitoral, não havendo nova motivação pela rejeição das contas a impor eventual reabertura do prazo anteriormente concedido à candidata.

Desse modo, não se verifica a alegada infringência do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15 e, consequentemente, do direito de defesa da recorrente, razão pela qual rejeito a prefacial.

Em derradeira preliminar, cabe o enfrentamento da questão relacionada ao conhecimento dos novos documentos apresentados pela candidata após a prolação da sentença.

Sobre o ponto, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral, este Tribunal alinhou sua jurisprudência no sentido de privilegiar a possibilidade de saneamento das falhas, salvaguardando o interesse público pela regularidade e pela transparência da contabilidade de campanha, quando não há prejuízos à normal e célere tramitação do feito. Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa: 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Eleições 2016.

Preliminar. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

[...]

(RE n. 534-30.2016.6.21.0085, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 2.5.2017, unânime).

 

Assim, caracteriza formalismo excessivo a vedação ao conhecimento dos novos documentos oferecidos com as razões recursais, quando aptos a esclarecer prontamente a controvérsia posta nos autos, sem a necessidade de novo exame técnico ou dilação instrutória.

Dessa forma, conheço dos referidos documentos e afasto a preliminar arguida pelo Ministério Público Eleitoral.

Tangente ao mérito, a sentença desaprovou as contas em razão das seguintes irregularidades relatadas no parecer técnico, em síntese: a) divergências e omissões no registro de doações entre as contas da ora recorrente e as dos doadores Maurício Dziedricki e Diretório Estadual do Partido Solidariedade; b) aferimento de receitas financeiras por depósito direto sem identificação do CPF/CNPJ nos extratos eletrônicos; c) recursos declarados como próprios que não constam no patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura; d) divergências entre a conta bancária constante na base de dados dos extratos eletrônicos e a registrada na prestação de contas.

Passo à análise de cada apontamento.

No tocante às divergências de dados sobre as doações efetuadas pelo Diretório Estadual do Solidariedade, a candidata alega que houve um equívoco de lançamento quanto à vinculação das doações com os correspondentes recibos por parte do partido. Em suas razões recursais, relata que o recibo de final 004, no valor de R$ 150,00, está apresentado nas contas do SD sob a numeração de final 001 e o recibo de final 005, no valor de R$ 200,00, corresponde ao de final 002 nas contas da agremiação.

As cópias dos recibos eleitorais sob menção, juntadas às fls. 44-46, corroboram a alegação de que as informações declaradas nas contas da candidata são fidedignas com a movimentação financeira de campanha.

Há, no entanto, falha formal na elaboração das contas da grei doadora, quanto aos registros correspondentes, cuja responsabilidade não pode ser atribuída à recorrente. Assim, o apontamento deve ser afastado.

Ademais, o parecer técnico contábil identificou divergências em quatro doações estimáveis informadas pelo candidato Maurício em benefício da presente prestadora, no somatório de R$ 1.937,44, ao passo que, paralelamente, a recorrente contabilizou a receita estimável de R$ 1.817,00 em apenas uma contribuição originária desse doador.

Desse modo, o montante em dissonância alcança a módica cifra de R$ 120,44, quantia que representa 3,59% do acumulado de receitas de campanha, R$ 3.352,53 (fl. 06).

Nesse panorama, na esteira do entendimento sufragado pelo Tribunal Superior Eleitoral, é admissível a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade diante da exiguidade dos valores envolvidos em termos absolutos e da ausência de comprovada má-fé. Destaco as seguintes ementas: 

ELEIÇÕES 2012. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. IRREGULARIDADES. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. POSSIBILIDADE.

1. Voto da minoria no sentido de aplicar ao caso as súmulas 211 e 7 do STJ e 282 do STF.

2. Maioria formada no sentido de que os valores absolutos das irregularidades registradas no acórdão regional, - R$ 50,00, R$ 51,10 e R$ 225,00 - permitem a análise do recurso especial e justificam, no caso, a aprovação das contas, com ressalvas, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que têm sido admitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral nos processos de prestação de contas.

Agravo regimental, agravo e recurso especial providos para reformar o acórdão regional e julgar as contas aprovadas, com ressalva

(Agravo de Instrumento n. 102663, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume , Tomo 216, Data 16.11.2015, Página 126-127.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. CAMPANHA ELEITORAL DE 2012. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez constatadas falhas formais e materiais que, em seu conjunto, não prejudicam a análise das contas, não revelam a má-fé do partido e alcançam valores absolutos e relativos ínfimos, é possível a aprovação com ressalvas, nos termos do art. 30, § 2º, da Lei nº 9.504/97.

2. As falhas constatadas alcançaram o montante de 1,58% dos recursos arrecadados na campanha, o que permite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes: PC nº 3880-45, de minha relatoria, DJe de 27.8.2014; AgR-AI nº 7327-56, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 11.10.2013.

Prestação de contas aprovada com ressalvas.

(Prestação de Contas n. 130241, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 115, Data 19.6.2015, Página 11.)

Portanto, quanto ao tópico, suficiente a aposição de ressalvas na contabilidade, pois a falha não tem o condão de obstar a fiscalização pela Justiça Eleitoral ou de comprometer a confiabilidade das informações declaradas.

Quanto às demais inconsistências, tenho que insubsistentes e inábeis a embasar um juízo de desaprovação das contas. Vejamos.

O relatório técnico pontuou a existência de receitas, no valor de R$ 260,00, advindas de depósito em dinheiro na conta eleitoral, sem a identificação do CPF/CNPJ do doador nos extratos eletrônicos.

Entretanto, a recorrente juntou aos autos o correspondente comprovante de depósito identificado, no qual se consigna o CPF da própria candidata como a doadora de recursos para a campanha (fl. 47).

Constata-se que a transação a cargo da candidata obedeceu ao mandamento insculpido no art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, relativo à identificação do doador, estando, ainda, enquadrada no limite financeiro até o qual o § 1º do citado dispositivo tolera o depósito direto em conta, qual seja, R$ 1.064,10.

De outra banda, a respeito da doação de recursos próprios em valor superior ao declarado no registro de candidatura, este Regional já se manifestou no sentido de que eventual ausência de capacidade econômica do doador não pode ser atribuída ao candidato, caracterizando-se como irregularidade a ser apurada em ação própria, de doação acima do limite legal ajuizada contra o próprio doador.

Nesse sentido, cite-se a seguinte ementa: 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. ADMISSIBILIDADE DE DOCUMENTOS EM GRAU RECURSAL. CESSÃO DE BEM MÓVEL E IMÓVEL. COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE JINGLE. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DOADOR. NOTA FISCAL SEM REGISTRO DA DESPESA. SENTENÇA REFORMADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÃO 2016.

1. Admissibilidade de documentos apresentados em grau recursal. Art. 266 do Código Eleitoral.

2. Não comprovada a propriedade de bem objeto do contrato de cessão. Por tratar-se de bem móvel que dispensa o registro formal de propriedade – bicicleta com rádio e caixa de som acoplada – suficiente a declaração de que referido tal bem integra o patrimônio do cedente.

3. Cessão de bem imóvel para instalação do comitê de campanha do candidato, sem a comprovação da propriedade. Confirmado o nome do proprietário através da Ficha de Cadastramento Imobiliário da Prefeitura.

4. Doação de prestação de serviço de produção de jingle, atestada por meio do respectivo contrato.

5. Não cabe ao prestador o dever de demonstrar a capacidade econômica de doador.

6. Emissão de nota fiscal eletrônica sem o correspondente registro de despesa. Única irregularidade subsistente e que representa 0,36% da receita total. Dada a irrelevância do percentual envolvido, plausível a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas.

7. Provimento.

(TRE-RS, RE n. 508-19, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, julgado em 26.7.2017.) (Grifei.)

Ainda que assim não fosse, com o recurso, a parte juntou informativo de investimentos em seu nome, referente ao mês de julho de 2016 (fl. 52), apto a demonstrar a sua capacidade econômica para a doação realizada.

Finalmente, no que diz respeito à diferença entre a identificação da conta bancária declarada e aquela presente nos extratos eletrônicos encaminhados pelas instituições financeiras, a própria unidade técnica anotou que apenas houve, por parte do prestador, “acréscimo de '0000' na numeração anterior ao número da conta”.

Portanto, não existe falha. Há mera diferença no padrão de apresentação da sequência numérica, sem qualquer obstáculo à efetivação dos procedimentos técnicos de exame ou à lisura da contabilidade.

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e pelo provimento parcial do recurso, no sentido de aprovar com ressalvas a prestação de contas de CARMEM LUCIA PEREIRA relativa às eleições municipais de 2016, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.