RE - 38717 - Sessão: 16/03/2018 às 12:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARIA JOSÉ SILVA DA SILVA, candidata ao cargo de vereador em Porto Alegre nas Eleições 2016, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral, em virtude de incongruências entre as doações recebidas pela prestadora e aquelas declaradas pela direção estadual da agremiação partidária e pelo candidato Maurício Alexandre Dziedricki (fl. 40 e v.).

Em suas razões, a recorrente suscita a preliminar de cerceamento de defesa e requer a declaração da nulidade do feito devido ao descumprimento do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual determina a notificação do parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades/impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade de manifestação do prestador. Informa que o equívoco estava nas contas do doador (candidato ao cargo majoritário), que as mesmas foram retificadas e o comprovante apresentado com o recurso. Alega não ser razoável a desaprovação da contabilidade em virtude de erro de terceiro, pois apenas incluiu em sua prestação os valores dos rateios que lhe foram informados. Requer o recebimento do recurso no efeito suspensivo, o acolhimento da matéria preliminar e, subsidiariamente, o provimento do apelo para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas (fls. 45-50).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, por falta de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da integralidade de recursos de origem não identificada, no montante de R$ 1.273,92, e pelo não conhecimento de novo documento juntado ao recurso. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, da transferência do valor ao Tesouro Nacional (fls. 57-69v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo ao exame das preliminares suscitadas, consignando que o pedido de suspensão dos efeitos da sentença até o trânsito em julgado é pretensão amparada pela Resolução TSE n. 23.463/15, que prevê, nos arts. 68, 72 e 73, a aplicação de sanções apenas após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas.

A candidata arguiu a nulidade da sentença, em razão do descumprimento do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determina a notificação do prestador quanto ao parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades/impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade para manifestação.

Razão não assiste à recorrente.

Compulsando os autos, observo que as irregularidades identificadas no parecer conclusivo constaram no exame técnico da fl. 15 e v., acerca do qual a candidata foi intimada a se manifestar, tendo apresentado petição e documentos (fls. 21-27).

Desse modo, não se verifica a alegada infringência à disposição contida no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15 e, consequentemente, ao direito de defesa da recorrente, de modo que rejeito a prefacial.

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita as preliminares de nulidade da sentença, por negativa de vigência da legislação eleitoral ante a ausência de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores considerados como de origem não identificada, e o não conhecimento do novo documento juntado com o recurso pela candidata.

Inicialmente, adianto que a preliminar de nulidade deve ser afastada.

Da leitura da sentença, observa-se que o juízo a quo não concluiu pela existência de recursos de origem não identificada, pois apontou “doações cujo montante não coincide (Direção Estadual – SD) e inconsistências nas doações do prestador Maurício Alexandre Dziedricki”, falhas que envolvem recursos estimáveis em dinheiro.

Além disso, nos termos da conclusão alcançada por maioria deste Tribunal, na sessão de 14.12.2017, quando do julgamento do recurso RE n. 636-62, de relatoria do ilustre Desembargador Luciano André Losekann, a alteração da sentença para piorar a situação da recorrente configuraria inegável reformatio in pejus, procedimento que via de regra é vedado no ordenamento jurídico pátrio. Cumpre transcrever a ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 63662, Relator Dr. Luciano André Losekann, julgado em 14.12.2017.) (Grifei.)

Por ocasião do referido julgamento, após muito refletir sobre a questão posta em debate, fui convencido da impossibilidade de agravar a situação dos recorrentes com a determinação de recolhimento de valores ao Erário, quando, durante a tramitação do feito, essa circunstância nunca foi levantada.

Na hipótese dos autos, assim como em diversos processos semelhantes, em momento algum a candidata foi instada a manifestar-se sobre valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional. De igual modo, o órgão do Ministério Público Eleitoral em primeira instância não fez esse apontamento.

Ademais, observo que as incongruências envolvem recursos estimáveis em dinheiro repassados entre candidatos e agremiação, e não propriamente valores sem identificação da origem, razão pela qual não se vislumbra omissão acerca do recolhimento ao Tesouro Nacional.

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade.

Por fim, a prefacial relativa ao não conhecimento da nova documentação apresentada pela recorrente, igualmente, comporta rejeição.

No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e como parte apenas o prestador, este Tribunal - sempre com ressalvas apresentadas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral - tem concluído, em casos excepcionais, pela aceitação de novos documentos acostados à peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, em especial quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar a conclusão pela lisura na aplicação de recursos e realização de despesas.

Assim, rejeito a preliminar e conheço do novo documento juntado à peça recursal, consistente no extrato (comprovante) da prestação de contas retificadora apresentada pelo candidato ao cargo majoritário Maurício Alexandre Dziedricki.

No mérito, as contas foram desaprovadas pela existência de duas irregularidades, quais sejam: a) doações do diretório estadual cujo montante escriturado pela prestadora não coincide com o declarado pelo doador; e b) inconsistências nas doações do prestador Maurício Alexandre Dziedricki.

Em relação aos apontamentos, o parecer técnico (fls. 34-35) ressaltou a existência de divergências entre os esclarecimentos prestados pela candidata acerca das incongruências verificadas nas doações estimáveis em dinheiro recebidas do órgão estadual do partido Solidariedade e as diferenças e omissões relativas aos recursos recebidos do candidato ao cargo majoritário Mauricio Alexandre Dziedricki.

Em suas razões recursais, a candidata alega que as informações foram devidamente esclarecidas e a contabilidade do candidato Mauricio retificada, reputando superada qualquer disparidade entre os valores escriturados.

De fato, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/ - que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos - observo a perfeita correspondência entre os valores indicados pela prestadora, extraídos pelo órgão técnico do sistema SPCE (fl. 30), e os constantes no balanço contábil da agremiação de direção estadual e municipal, bem como do candidato a prefeito.

Assim, nota-se que a recorrente, desde a origem, escriturou de forma escorreita os recursos recebidos, sendo que as inconsistências verificadas foram provocadas pelos doadores.

Na hipótese dos autos, os esclarecimentos prestados evidenciam que as doações estimáveis em dinheiro foram devidamente registradas na contabilidade da candidata, sendo oportunamente corrigidas na escrituração dos doadores, não remanescendo divergência em relação aos valores.

É de se frisar, outrossim, que se trata de recursos estimáveis, e não financeiros, a justificar as divergências iniciais verificadas nas escriturações.

Com esses fundamentos, verifica-se não haver irregularidade grave e insanável na prestação de contas sob exame, notadamente porque constatou-se que o equívoco apontado pela sentença não decorre de ato da prestadora, e sim dos doadores, devendo as contas ser aprovadas.

ANTE O EXPOSTO, afastadas as preliminares suscitadas, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar as contas de MARIA JOSÉ SILVA DA SILVA relativas às Eleições 2016.