RE - 22993 - Sessão: 13/03/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por PATRÍCIA FISCHBORN, candidata ao cargo de vereador no Município de Canoas, contra a sentença (fls. 64-66) que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face de a recorrente não ter demonstrado capacidade financeira de efetuar doação para a campanha eleitoral – no montante de R$610,00, valor considerado como recurso de origem não identificada–, bem como ante a ausência de registro das despesas com profissional de contabilidade e advogado constituído.

Em suas razões (fls. 70-72), a candidata referiu que utilizou recursos próprios na quantia de R$ 610,00, valor inferior ao salário mínimo. Acrescentou que percebeu dois salários entre o registro da candidatura e o final da campanha, o que por si só já demonstraria sua capacidade econômica para utilizar R$ 610,00 de seus rendimentos. Requereu o provimento do recurso para serem aprovadas as contas com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 75-77).

É o relatório.

 

VOTO

 

O recurso é tempestivo (fls. 69-70) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

A sentença que desaprovou a prestação de contas relativa às eleições de 2016 fundamentou-se nas seguintes irregularidades:

a) ausência de demonstração da capacidade financeira de efetuar doação para sua campanha eleitoral, no montante de R$ 610,00, valor considerado como recurso de origem não identificada;

b) ausência de registro das despesas com profissional de contabilidade e advogado constituído.

Merece provimento o recurso, para serem aprovadas as contas com ressalvas.

O órgão técnico identificou a existência de irregularidades nas contas, relativas a recursos próprios aplicados em campanha, que superam o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, o que caracterizaria recebimento de valores de origem não identificada – arts. 3º, inc. I, e 14, inc. I, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15.

Isso porque a incompatibilidade entre o patrimônio da recorrente – declarado por ocasião do registro de candidatura – e os recursos financeiros próprios empregados na campanha totalizaram a soma de R$ 610,00 (seiscentos e dez reais).

À míngua de outros elementos probatórios, não se mostra factível sugerir que o referido montante, de expressão reduzida, teria o condão de revelar a utilização de recursos de origem não identificada.

Utilize-se, por exemplo, o valor de R$ 1.064,10 – piso relativo à obrigatoriedade de transferência bancária de valores, indicado no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 – para se entender como de baixa monta o valor sob exame.

É certo que o parecer técnico, na origem, tem a obrigação funcional de apontar as dissonâncias contábeis ocorridas, diante do caráter objetivo que permeia a análise a ser realizada.

Todavia, a análise judicial permite, em casos extremos como o que aqui se apresenta, a ponderação da legislação às circunstâncias do caso concreto: PATRÍCIA FISCHBORN declarou no registro de candidaturas a ocupação de “Comerciário” e, na procuração de fl. 03, a profissão de “Empresária”.

Nesse cenário, penso que a manutenção da sentença, a qual determina o recolhimento, ao Tesouro Nacional, de grande parte do valor total de recursos utilizados na campanha, refletiria em sanção demasiado grave àquela que colocou seu nome à disposição do eleitorado, exercendo, aliás, direito político fundamental que a Constituição de 1988 assiste.

Na situação posta, penso que é caso de afastamento tópico da legislação, pelo fato de que a recorrente é mulher e de classe humilde, e bem sabemos das circunstâncias que, algumas vezes, permeiam as candidaturas aos cargos proporcionais para obediência às cotas de gênero.

Nesse contexto, colho recente aresto deste Tribunal em caso análogo:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÃO 2016. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS EM CAMPANHA. MONTANTE SUPERIOR AO DECLARADO NO REGISTRO DE CANDIDATURA. INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO. ATIVIDADE AUTÔNOMA PARA COMPLEMENTAR A RENDA FAMILIAR. SERVIÇO DE FAXINA. VALOR IRRISÓRIO DESPENDIDO NA CAMPANHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

Utilização de recursos próprios na campanha que superam o valor do patrimônio declarado no registro de candidatura. Excesso que decorre da inexistência de patrimônio da prestadora, cuja atividade laboral provém da informalidade, mediante a realização de faxinas para complementar a renda familiar. Contas claras e de valores irrisórios.

Reforma da sentença para aprovar com ressalvas e afastar o comando de recolhimento de quantia ao Tesouro Nacional.

Parcial provimento.

(TRE-RS – RE n. 452-68 – Relator Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 8.11.2017.) (Grifei.)

 

Desse modo, deve ser afastada a irregularidade em questão.

Subsiste, no entanto, falha reconhecida pela sentença, decorrente da ausência de registro das despesas com profissional de contabilidade e advogado constituído. Ainda que a referida falha não tenha sido objeto do recurso, a análise da gravidade da única falha remanescente é necessária para se aferir a manutenção – ou não – do juízo de desaprovação das contas da candidata.

Com relação à falta de registro dos gastos com contratação de advogado para atuação na presente prestação de contas, o § 1º-A do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15, com redação dada pela Resolução TSE n. 23.470/16, estabelece que tais gastos não se caracterizam como despesas de campanha, verbis:

 

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução:

[…]

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos;

[…]

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

 

O Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 773-55, entendeu que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha, consoante precedente assim ementado:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE –Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 1.3.2016, Relator Min. Henrique Neves da Silva, publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico, data 28.4.2016, página 53-54.)

 

Nesse sentido também é a jurisprudência deste Tribunal:

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016. […]

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(TRE-RS. RE n. 248-46, Relator Des. Carlos Cini Marchionatti, julgado em 7.3.2017.) (Grifei.)

 

Desse modo, há que se fazer a diferenciação entre a atividade de consultoria, que constitui atividade-meio em campanhas eleitorais, e a atividade contenciosa, decorrente de processos judiciais.

Assim, a ausência de declaração, na prestação de contas eleitorais, da contratação de advogado e de contador para atuar em processo judicial contencioso, não compromete, por si só, a regularidade das contas, impondo-se, dentro de todo contexto acima delineado, a aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas apresentadas por PATRICIA FISCHBORN relativas às eleições municipais de 2016.