RC - 88103 - Sessão: 02/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos criminais interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e por ARI JOSÉ PELICIOLI em face da sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia promovida contra ARI JOSÉ PELICIOLI, sua filha, MARLEN LUCILENE PELICIOLI BALLOTTIN, candidata eleita para o cargo de vereador do Município de Bento Gonçalves nas eleições 2012, MARCELO JOÃO CASSERI MORBINI, IRACI MANFROI e JOÃO CARLOS DAL MOLIN para o fim de condenar o primeiro acusado à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, no regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, e ao pagamento de 05 (cinco) dias-multa, à razão de 50% do salário mínimo vigente à data do fato, pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral quanto ao 7º fato narrado na denúncia, atinente à doação de 1.500 picolés em troca do voto e do apoio político do eleitor Sebastião Ribeiro durante a campanha eleitoral de 2012.

No recurso interposto pela acusação, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL afirma que há elementos de prova suficientes para a condenação de ARI JOSÉ PELICIOLI e MARLEN LUCILENE PELICIOLI BALLOTTIN pela compra do voto e do apoio político de Janes Batista de Arruda, mediante promessa de cargo público na Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves, conforme narrado no 1º fato da denúncia. Sustenta que a prova documental, o testemunho da eleitora e o relatório de ligações telefônicas conduzem à certeza do cometimento do crime. Alega ter sido demonstrado que a eleitora se comprometeu de forma absolutamente fora do comum com a campanha para a eleição de MARLEN ao cargo de vereador, sendo pouco crível que o vínculo fosse voluntário. Conclui que os recorridos se aproveitaram da baixa escolaridade e da ingenuidade da eleitora para captar seu voto de forma ilícita. Postula a reforma da sentença para que os recorridos sejam condenados pelo delito descrito no 1º fato narrado na denúncia.

ARI JOSÉ PELICIOLI recorre da sentença sustentando a ausência de provas para a condenação, uma vez que a sentença está amparada apenas pelos depoimentos dos eleitores Sebastião Ribeiro e Janes Batista de Arruda. Alega que esses testemunhos são falsos, e que a própria decisão recorrida fez diversas referências à fragilidade da prova e à existência de dúvida acerca do cometimento do crime. Assevera ter comparecido ao bar de Sebastião apenas uma vez para pedir votos para sua filha sem solicitar nada em troca, e que, na audiência de instrução, Sebastião declarou sequer conhecer a candidata MARLEN LUCILENE PELICIOLI BALLOTTIN. Requer o provimento do recurso para o fim de ser absolvido da condenação ou, sucessivamente, ter reduzidas as horas da pena substitutiva de prestação de serviços e ser diminuído o valor da pena de multa aplicada.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL apresentou contrarrazões postulando o desprovimento do recurso da defesa, e os recorridos não apresentaram contrarrazões ao recurso da acusação.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso, interposto por ARI JOSÉ PELICIOLI, e pelo desprovimento do apelo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

É o relatório.

À revisão.

 

 

VOTO

Os recursos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Inicialmente, analiso o recurso da acusação, no qual o Ministério Público Eleitoral postula a condenação de Ari José Pelicioli e Marlen Lucilene Pelicioli Ballottin pela prática do primeiro fato descrito na denúncia:

Primeiro fato:

Em data não exatamente precisada, mas no mês de julho de 2012, em local não apontado, mas durante um jantar da UACB (União das Associações de Bairros de Bento Gonçalves), os denunciados MARLEN LUCILENE PELICIOLI BALLOTTIN e ARI PELICIOLI, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, prometeram vantagem à eleitora Janes Batista de Arruda, consistente na designação desta para um cargo na Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves, em troca de voto e de apoio político para a então candidata a vereadora pelo PPS (Partido Popular Socialista) e denunciada MARLEN. Na ocasião, Janes participava de um jantar da UACB quando foi interpelada por ARI, que além de ter lhe pedido cheques emprestados, convidou-a para "participar" da campanha eleitoral de MARLEN, dizendo que caso a denunciada fosse eleita, com o voto e apoio político de Janes, poderia lhe conseguir uma vaga de emprego junto ao Município de Bento Gonçalves. Após a conversa com ARI, MARLEN ratificou o convite a Jane, sendo que esta participou de forma ativa na campanha eleitoral da denunciada, captando eleitores e inclusive fornecendo apoio financeiro mediante o empréstimo de cheques, doações estas que sequer apareceram na prestação de contas da vereadora (fls. 29/30 do IP).

 

Ao concluir pela absolvição, a juíza a quo analisou o conteúdo dos depoimentos prestados pela eleitora supostamente corrompida, Janes Batista de Arruda, nas fases inquisitorial e judicial. A magistrada ponderou que, na Delegacia, a eleitora não referiu, em nenhum momento, que a oferta de emprego fosse em troca ou obtenção de votos, mas para que fizesse campanha política para Marlen, e que, em juízo, não soube explicar com segurança se a alegada promessa de cargo teria sido feita “em troca de ajudar na campanha” ou “em troca de voto”. Concluiu, assim, que “não há como se ter certeza de que a referida oferta de emprego foi em troca de voto ou de obtenção de votos, elemento específico do tipo”.

Nas razões de reforma, o Parquet Eleitoral faz referência aos cheques emitidos por Janes, documentados às fls. 22-37, 41 e 62, ao relatório das ligações telefônicas trocadas entre Janes, Ari e Marlen, e às declarações da eleitora em juízo, para concluir que “ARI e MARLEN, aproveitando-se da baixa escolaridade de Janes e de seus poucos esclarecimentos acerca da contratação de pessoal para trabalhar em cargo público, prometeram vantagem em troca de voto e apoio eleitoral, beneficiando-se, ainda, de forma patrimonial, em detrimento da testemunha”.

Apesar dos judiciosos argumentos aduzidos pelo Ministério Público Eleitoral, entendo que a sentença merece ser mantida.

Do conteúdo das declarações prestadas por Janes perante a autoridade policial e a juíza a quo, não identifico o cometimento de corrupção eleitoral e verifico a parcialidade do depoimento da eleitora, circunstâncias que enfraquecem a prova e não conduzem à condenação.

Em primeiro lugar, tem-se a afirmação da própria eleitora no sentido de que conhece os acusados há 15 anos, tendo com eles uma amizade “mais ampla e mais próxima”.

Janes afirmou ter trabalhado para a campanha à vereança de Marlen vendendo rifas - que trocou por cheques com Ari, pai de Marlen -, pedindo votos e distribuindo propaganda eleitoral. Disse que comparecia diariamente no comitê de campanha para pegar material a fim de distribuir aos eleitores.

Apesar de Janes afirmar que os recorridos compraram seu voto em troca da promessa do cargo de assessora de Marlen na Câmara de Vereadores, caso a candidata fosse eleita em 2012, do contexto da narrativa e fatos que a circundam, verifica-se que não houve a corrupção do voto, mas sim o interesse no trabalho de Janes como cabo eleitoral.

A eleitora disse que trabalhava muito em prol de Marlen - cozinhando, limpando e distribuindo santinhos - e que, por conta disso, esperava ter um bom cargo público. Com esse objetivo, afirma até mesmo ter alcançado cheques em branco para uso na campanha de Janes, os quais assinou sem preencher valor.

Ora, a postura de Janes não denota ingenuidade alguma, tampouco a mercancia do voto. A eleitora exerceu verdadeira função de cabo eleitoral, o que em nada se traduz em corrupção.

Ademais, importa considerar que a alegada compra do voto, supostamente ocorrida durante a campanha eleitoral de 2012, foi noticiada pela eleitora Janes somente em 24.01.2013, conforme termo de declarações da fl. 20, justamente após ver frustrada a expectativa de ter um cargo de assessora no Poder Legislativo Municipal.

Não se nega, aqui, a ocorrência da promessa de cargo público, que até mesmo pode ter sido realizada, nada obstante a negativa dos recorridos.

O que não se evidencia é a mercancia do voto. A todo o efeito, a contrapartida era o trabalho de Janes. Daí porque entendo plenamente razoável que a eleitora se comunicasse por telefone com os recorridos, e que, na intenção de ver Marlen eleita e “lucrar” com a vitória, tenha emitido cheques “em branco” ao pai da candidata, Ari, sem sequer estabelecer o valor.

Dessa forma, merece ser mantida a sentença, cujos fundamentos cumpre transcrever:

O inquérito policial teve início em razão de Janes ter procurado a Promotoria de Justiça de Bento Gonçalves, em janeiro de 2013, ocasião em que Janes prestou declarações sobre irregularidades praticadas pela então candidata a vereadora Marlen (fls. 20/21). No referido termo de declarações não consta nenhuma afirmação de promessa de cargo em troca de voto. No que se refere a promessas, apenas consta que “Diz que emprestou cheques para o uso da agora vereadora Marlen Peliciolli na campanha eleitoral. Diz que foi no dia 9 de julho, na festa da UACB, que foi solicitado que a declarante desse cheque em branco, para uso da candidata. Em troca, a declarante ouviu a promessa de ganhar emprego, tão logo a candidata fosse eleita”.

 

Quando depôs na Delegacia de Polícia, Janes teria declarado que “em julho de 2012, foi convidado por Ari Peliciolli para participar de um jantar da UACB, União das Associações de Bairros de Bento Gonçalves, da qual Ari é Presidente. Que para ganhar o ingresso para o referido jantar a declarante teria que vender um talão de rifas, não lembra o valor do talão de rifas. Que no momento em que Ari entregou o talão de rifas para a declarante ele pediu duas folhas de cheques emprestadas à declarante, que foram entregues a ele, cheques banco SANTANDER, entregou as cártulas assinadas em branco. Que Ari disse que ia usar os cheques e depositaria no banco o valor correspondente aos valores que ele os havia preenchido. Que naquele momento Ari disse que sua filha Marlen ia concorrer a vereadora novamente e ofereceu um emprego à declarante na condição de que esta fizesse campanha para Marlen. Que o jantar foi na ABCTG. Ari usou os cheques da declarante lhe emprestou para fazer o jantar. Durante o jantar Marlen então, convidou a declarante para fazer sua campanha eleitoral que foi aceito. Marlen, em troca da campanha ofereceu à declarante um emprego como assessora na Câmara de Vereadores, e naquela mesma noite a declarante começou a fazer campanha lá no jantar, falava discretamente, com pessoas conhecidas pediu votos para Marlen. Que então continuou fazendo acompanhada para a eleição de Marlen, ia diariamente na casa de Ari Peliciolli, onde estava instalado o comitê político de Marlen, ia buscar material de campanha. (...) Que nunca lhe pagaram nada, só teve prejuízo e promessa que seria empregada como Assessora de Marlen Pelicciolli. (...)” (fls. 53 e seguintes) (sic) (Grifei.).

 

 

Veja-se que, ao depor na Delegacia, Janes não referiu, em nenhum momento, que a oferta de emprego fosse em troca de voto ou de obtenção de votos, e sim de que fizesse campanha política para Marlen.

Ao depor em juízo, Janes confirmou ter trabalhado para a campanha eleitoral da denunciada Marlen, tendo sido procurada por Ari no jantar referido na denúncia. Mencionou que ele lhe procurou, que Marlen ia ser candidata a vereadora e começaram a trabalhar, sendo ela como cabo eleitoral. Confirmou também ter sido prometido cargo público, caso Marlen fosse eleita, referindo que, pelo fato do trabalho que fazia, a depoente considerava que iria ganhar um cargo bom. Indagada se lhe foi prometido cargo público se trabalhasse na campanha, respondeu que sim. Confirmou, mais de uma vez, ao ser indagada, ter havido promessa de cargo público. Referiu ter Marlen e Ari prometido, que se Marlen se elegesse, iria a depoente trabalhar com a última (Marlen). Janes confirmou, também, ter efetuado empréstimo de cheques durante a campanha eleitoral. Disse que Ari teria dito, no jantar, “vamos trabalhar tudo junto, que daí nós vamos eleger a Marlen, vamos eleger o Lunelli, tudo junto, a gente vai entrar num cargo público, num cargo bom na Prefeitura”. Indagada se, nesta ocasião, eles pediram para ela votar na Marlen, Janes respondeu, claro. Mas, logo em seguida, indagada pela magistrada se a promessa de cargo foi em troca de ajudar na campanha ou se seria em troca de voto, Janes mostrou-se confusa, insegura, tendo, então, respondido, ao ser indagada, especificamente o que, na referida janta, foi pedido para ela e em troca de que, respondeu “em troca de trabalho, para mim votar e trabalhar. Isso já incluiu tudo, porque a gente tinha uma amizade mais ampla, a gente tinha uma amizade mais próxima.” Perguntada se alguém presenciou referiu “faz tanto tempo, isso aí me atingiu muito, que eu nem lembro, eu procuro até esquecer.” Ademais, ao final, referiu não ter sido vinculado cheque a emprego, demonstrando, mais uma vez, insegurança, sendo, então esclarecida a respeito do tipo penal, e então confirmado o afirmado pelo representante do Ministério Público. E, ao ser indagada pela defesa a respeito da expressão de que teria uma cargo bom, disse que “eu achei que depois eu ia ter ...”, referindo, após, “eu ia ter apenas consideração”.

 

Pelo que se infere do cotejo as declarações de Janes na fase inquisitorial com as prestadas em juízo, não há como se ter certeza de que a referida oferta de emprego foi em troca de voto ou de obtenção de votos, elemento específico do tipo.

 

Nenhuma das outras testemunhas inquiridas em juízo presenciou o fato, restando apenas as declarações de Janes, que conforme acima já referido, não são suficientes a comprovar o dolo específico.

 

No que se refere ao empréstimo de cheques, por si só, não serve a demonstrar o fato e o dolo específico, até porque, conforme pode inferir-se do depoimento da testemunha, perante a autoridade policial, mesmo antes da oferta de emprego emprestou cheque para Ari.

 

A certeza que emerge dos depoimentos de Janes é apenas ter havido oferta de emprego em troca de que ela fizesse campanha para Marlen, mas tal, como já dito, não configura o fato típico previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que exige dolo específico. Assim, em que pese o caráter reprovável da conduta, a promessa de concessão de cargo público em troca de campanha e/ou apoio político, não configura o tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Com esses fundamentos, entendo que o recurso da acusação não comporta provimento e passo à análise do recurso interposto por Ari José Pelicioli.

A sentença condenou o recorrente pela compra do voto de Sebastião Ribeiro quanto ao sétimo fato narrado na denúncia:

Sétimo fato:

Em data não exatamente precisada, mas durante o período de campanha eleitoral, em 2012, na Rua Ari da Silva, nº 175, Vila dos Eucaliptos, nesta cidade, o denunciado ARI PELICIOLI prometeu vantagem ao eleitor Sebastião Ribeiro, consistente na doação de 1.500 (mil e quinhentos) picolés ao eleitor, em troca de voto e de apoio político para a candidata ao cargo de vereador MARLEN. Na ocasião, ARI contatou o eleitor Sebastião no Bar do Bastião, prometendo a este que lhe daria 1.500 (mil e quinhentos) picolés se este “ajudasse” MARLEN na campanha política, votando nela e captando eleitores. Feita a promessa, ARI deixou “santinhos” de Marlen no local para a distribuição.

 

De acordo com a magistrada a quo, os depoimentos de Sebastião, dono de um bar, e de Janes Batista de Arruda, fabricante de picolés, comprovariam o fato de que Ari prometeu a doação de picolés ao eleitor com a finalidade de obter seu voto e apoio político.

Ocorre que, do exame dos depoimentos prestados por Sebastião e por Janes, não verifico a existência de prova suficiente da alegada mercancia do voto.

Perante a autoridade policial, Sebastião afirmou que Ari lhe prometeu os picolés para que “conseguisse votos para Marlen”. O eleitor reconheceu que o acusado lhe repassou diversas propagandas eleitorais, tipo “santinhos”, para que fossem entregues “às pessoas que frequentavam seu bar e pedir votos para Marlen”.

Apesar da declaração de Sebastião, no sentido de que Ari teria prometido a doação de mil e quinhentos picolés caso Marlen fosse eleita vereadora, verifico, do contexto das alegações do próprio eleitor, e principalmente do fato de Sebastião ser proprietário de um bar, que a relação descrita não evidencia a compra do voto de Sebastião, mas sim as tratativas para que ele trabalhasse captando votos em favor da candidata.

Nesse sentido, curiosa a declaração de Janes Batista de Arruda ao afirmar que é proprietária da fábrica de Sorvetes e Picolés Premiatto, e que “seguidamente recebe ligação do senhor Bastião cobrando os picolés ele diz que quer os picolés, porque fez campanha para Marlen”.

Bem se observa que tanto Janes como Sebastião afirmam que os picolés teriam sido prometidos em troca do trabalho de Sebastião captando votos para a candidata, e não em troca do voto de Sebastião.

Considerando que a promessa de vantagem se deu em troca de apoio na campanha, está ausente a tipicidade da conduta relativamente ao crime do art. 299 do Código Eleitoral, sendo o provimento do recurso medida que se impõe, pois segundo a jurisprudência atual do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, tal fato não configura o tipo:

 

RECURSO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE FATO TÍPICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

 

1. Não há falar em litispendência quando as denúncias oferecidas contra o impetrante, em razão da suposta prática do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral, tratam de fatos diversos, com sensíveis diferenças nas circunstâncias atinentes ao tempo, ao modo de execução e às vítimas.

 

2. Consta da peça acusatória de uma das ações penais que o paciente e outros dois denunciados teriam ofertado e concedido cargos em comissão a eleitores em troca de apoio político, sem haver menção à finalidade de obter o voto do eleitor.

 

3. Segundo o entendimento desta Corte, “não há o crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral se o oferecimento da vantagem não se vincula à obtenção de voto. Omitida essa circunstância, elementar do crime, inviável o processo” (HC nº 292, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 6.3.98). Na mesma linha de entendimento: HC nº 31-60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 3.4.2014, e HC nº 1658-70, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 27.6.2012.

 

4. A teor de julgado do STF, “a conduta imputada ao denunciado não se enquadra no tipo do art. 299 do Código Penal, o qual exige dolo específico, qual seja, a obtenção de voto ou a promessa de abstenção. [...] O apoio político pretendido poderia se dar de diversas formas, como, por exemplo, o financiamento de campanha, não necessariamente em troca do próprio voto.” (Inq nº 3693, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJE de 30.10.2014).

 

5. Somente se pode iniciar a ação penal quando for imputada ao acusado a prática de um fato típico, antijurídico e culpável, que se amolde à descrição abstrata contida na legislação penal, conforme preceitua o princípio da legalidade, previsto nos arts. 5°, XXXIX, da Constituição Federal e 1° do Código Penal.

 

6. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que “o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando se constata, de plano, a imputação de fato atípico, a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade” (HC nº 564-19, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 20.5.2015).

 

7. Recurso ordinário parcialmente provido para conceder a ordem de habeas corpus e trancar a Ação Penal nº 8- 50.2015.6.21.0133, em razão da atipicidade da conduta descrita na denúncia.

(Recurso em Habeas Corpus n. 2211, Acórdão, Relator Min. Henriques Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 07.10.2016, Página 63.)  (Grifei.)

 

Nos termos do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, “por estar em jogo o direito à liberdade, a interpretação de tipos penais é sempre restritiva”. Assim, inviável entender que a compra de apoio na campanha, ou a contratação do trabalho de cabo eleitoral, caracterize o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Cito, a propósito, o seguinte excerto da manifestação do Ministério Público Eleitoral nesta instância:

Ocorre que, em relação à suposta captação ilícita de sufrágio envolvendo o réu ARI JOSÉ PELICIOLI e o eleitor Sebastião Ribeiro, evidencia-se, igualmente, o pagamento por apoio político, é dizer, o pagamento a um cabo eleitoral, a um colaborador da campanha.

 

Nesse sentido, conforme extrai-se dos depoimentos transcritos na sentença a respeito desse fato (fls. 437/438), em nenhum momento o eleitor Sebastião Ribeiro afirmou que lhe foram prometidos 1.500 picolés em troca do seu voto, mas apenas para que apoiasse a campanha de MARLEN PELICIOLI, filha do réu ARI, captando eleitores, para o que foram deixados diversos santinhos em seu estabelecimento comercial. Saliente-se que os picolés não foram entregues, tampouco foi afirmado pela acusação que seriam utilizados na compra de votos dos eleitores que seriam captados por Sebastião Ribeiro. Ou seja, a captação de votos de terceiros seria feito por Sebastião, apenas com pedidos de voto e entrega de santinhos, na qualidade de apoiador/colaborador da campanha de MARLEN.

 

Nesses termos, resta imperiosa a reforma do decreto condenatório.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo provimento do recurso interposto por ARI JOSÉ PELICIOLI para o fim de absolvê-lo com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, afastando a condenação fixada na sentença recorrida.