Ag/Rg - 6380 - Sessão: 31/01/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo regimental interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – DIRETÓRIO ESTADUAL – contra decisão que indeferiu o pedido de unificação da execução de cinco processos de prestação de contas anual de exercícios financeiros e de aplicação da nova redação do § 3°, art. 37, da Lei n. 9.096/95, com as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, a qual instituiu a possibilidade de cumprimento da sanção de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional na forma de descontos nos repasses de quotas do Fundo Partidário (fl. 646).

Em suas razões (fls. 649-661), argumenta que a decisão agravada contrariou a legislação vigente, inviabiliza a agremiação e pode interferir diretamente no próximo processo eleitoral. Alega que o precedente deste Tribunal invocado nas razões de decidir, Ag/Rg n. 4962, não faz menção à Lei dos Partidos Políticos. Defende ser permitida a utilização de recursos do Fundo Partidário para adimplemento do débito, pois o § 3°, art. 60, da Resolução TSE n. 23.464/15, que veda tal procedimento, está superado pelo art. 13 da Resolução TRE-RS n. 298/17, o qual permite o pagamento por meio do desconto e retenção dos recursos provenientes do Fundo Partidário destinados ao órgão sancionado. Anota que o valor devido, se parcelado em apenas 60 vezes, ultrapassará o índice de 2% previsto no inc. IV, § 8º, art. 11, da Lei n. 9.504/97 - incluído pela Lei n. 13.488/17 -, pois devem ser consideradas, no cálculo, todas as dívidas imputadas pelo poder público à legenda. Assevera a possibilidade de aplicação retroativa da norma mais benéfica, uma vez que a hipótese de parcelamento, prevista na Resolução TSE n. 23.464/15, foi aplicada retroativamente aos processos que tramitavam antes de sua publicação. Aponta que os valores devidos nos autos não se referem à má aplicação dos recursos do Fundo Partidário. Invoca doutrina e jurisprudência. Requer a reconsideração ou a reforma da decisão a fim de que seja determinado: a) o adimplemento da obrigação com os recursos do Fundo Partidário; b) o cumprimento por meio de descontos mensais no repasse das parcelas do Fundo Partidário, a serem efetuados pelo diretório nacional, respeitando-se a suspensão dos descontos no segundo semestre do ano da eleição, nos termos dos §§ 3º e 9º do art. 37 da Lei n. 9.096/95; e c) a observância do limite de valor de cada parcela do desconto até o máximo de 2% da quota mensal do Fundo Partidário destinada ao partido, devendo ser considerados, no cálculo, todos os débitos eleitorais e não eleitorais imputados pelo poder público, conforme dívidas que demonstra com o recurso. Junta o Livro Razão e comprovantes de dívidas (fls. 662-695).

É o relatório.

 

VOTO

O presente agravo regimental é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, observa-se que a insurgência recursal não foi dirigida contra o indeferimento da unificação de processos, mas tão somente em relação à aplicação da nova redação do § 3° do art. 37 da Lei n. 9.096/95.

Adianto que a decisão agravada merece ser mantida.

Do exame dos autos, tem-se que o agravante pretende, na fase de execução do acórdão, modificar o conteúdo da decisão.

As normas aplicáveis ao feito foram definidas pelo relator, Dr. Leonardo Tricot Saldanha, ao estabelecer, na decisão da fl. 269 dos autos, que o julgamento das contas respeitaria as regras de mérito previstas na Resolução TSE n. 21.841/04, por ser a norma vigente ao tempo da apresentação das contas anual do exercício financeiro de 2012.

O acórdão deste Tribunal (fls. 387-400) foi expresso ao consignar que a sanção aplicável ao partido observaria o disposto na redação do § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com o texto dado pela Lei n. 12.034/09, em virtude do entendimento consolidado do sentido da “não aplicação da Lei n. 13.165/15, que instituiu a Reforma Eleitoral, aos processos em tramitação antes da sua vigência”.

Esse ponto do acórdão não foi objeto de reforma pelo c. TSE na decisão das fls. 560-572, relativa ao julgamento dos agravos de instrumento interpostos pelo PMDB e pelo Ministério Público Eleitoral. Na decisão monocrática, da lavra do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, foi ressaltado que a conclusão pelo provimento parcial do apelo da agremiação cingia-se à aprovação das contas com ressalvas e à manutenção das demais determinações aplicadas.

Nesse contexto, é inviável a pretensão de rever a legislação aplicável ao feito a fim de que o cumprimento das penalidades seja realizado, com base em norma expressamente afastada por decisão colegiada deste Tribunal.

A própria Resolução TSE n. 23.464/15 estabelece, em seu art. 65, que “as disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2016”.

O raciocínio está em perfeita harmonia com o entendimento firmado por este Tribunal e pelo Egrégio TSE, segundo o qual as mudanças introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, em especial o recolhimento de valores ao Erário por meio do desconto nos repasses do Fundo Partidário, não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores à sua vigência, por força da máxima tempus regit actum e dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nessa direção, os seguintes precedentes:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2014. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ALTERAÇÕES NO CAPUT DO ART. 37 DA LEI 9.096/95 SÓ SE APLICAM AOS EXERCÍCIOS DE 2016 E SEGUINTES. PROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 17.5.2017.

2. As mudanças introduzidas pela Lei 13.165/2015 ao art. 37 da Lei 9.096/95 em especial a retirada de suspensão de cotas do Fundo Partidário são regras de direito material e não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Precedentes.

3. Recurso especial a que se dá provimento para determinar que o TRE/SC aplique as sanções por rejeição de contas de acordo com o art. 37 da Lei 9.096/95, com texto anterior à Lei 13.165/2015.

(TSE, RESPE 4167, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE 27.6.2017.) – (Grifei.)

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes.

(...)

Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE N. 3350, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, DEJERS 29.01.2016.) (Grifei.)

Portanto, é inviável o acolhimento do pedido de aplicação retroativa da nova redação do § 3° do art. 37 da Lei n. 9.096/95, bem como das normas que regulamentam o referido dispositivo legal, previstas no art. 60, inc. III, da Resolução TSE n. 23.464/15 e no art. 13 da Resolução TRE-RS n. 298/17.

Pelos mesmos fundamentos, merece ser indeferido o pedido de aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17 ao cumprimento da decisão, a qual estabeleceu, no inc. IV, § 8º, art. 11 da Lei n. 9.504/97, o limite de 2% das quotas do Fundo Partidário a que faz jus a agremiação sancionada para o valor de cada parcela do débito.

Na sessão de 04.12.2017, quando do julgamento do processo RE n. 1497, da relatoria do Desembargador Luciano André Losekann, este Tribunal assentou a inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 1497, Rel. Dr. Luciano André Losekann, DJE 15.12.2017.) (Grifei.)

Em matéria de retroatividade das alterações legislativas introduzidas pelas reformas eleitorais de 2015 e de 2017, a jurisprudência deste Tribunal e do TSE está consolidada quanto à prevalência do princípio tempus regit actum.

Ou seja, a legislação que regula a prestação de contas é a vigente na data da sua apresentação, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo.

Tal conclusão não obsta o parcelamento da quantia devida pela agremiação, na esteira dos julgados do TSE e deste TRE que aplicam aos processos de prestação de contas o disposto nos arts. 10 e 13 da Lei n. 10.522/02, os quais autorizam o parcelamento de débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional.

A observância da Lei n. 10.522/02 no parcelamento da dívida não implica retroatividade da lei ou inovação no feito, conforme defende o agravante, pois a norma estava vigente ao tempo do exercício financeiro em questão (2012), e o disposto nos seus arts. 10 e 13 foi tão somente incorporado ao texto da Resolução TSE n. 23.464/15, art. 60, § 4o e da Resolução TRE-RS n. 298/17, art. 16.

Todavia, o adimplemento deve ser realizado com os recursos próprios do partido, vedado o uso de verbas oriundas do Fundo Partidário, uma vez que o art. 44 da Lei n. 9.096/95 prevê hipóteses taxativas para sua aplicação, não contemplando as penalidades determinadas nos autos.

Com essas considerações, VOTO pelo desprovimento do agravo regimental.