RE - 23736 - Sessão: 09/03/2018 às 12:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JOSÉ VILSON PINTO DE TOLEDO, candidato ao cargo de vereador em Porto Alegre nas eleições de 2016, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral, em virtude de incongruências entre as doações recebidas pelo prestador e aquelas declaradas pelo suposto doador (fl. 31 e v.).

Em suas razões, o recorrente sustenta que o equívoco contábil estava nas contas do doador (candidato ao cargo majoritário), que foram retificadas. Alega que não é razoável ter suas contas desaprovadas em razão de erro de terceiro, pois apenas incluiu em sua prestação os valores dos rateios que lhe foram informados, em razão da confecção de material gráfico e produção de programa de rádio e televisão. Requer o conhecimento e provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas (fls. 35-37).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, por falta de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da integralidade de recursos de origem não identificada, no montante de R$20,88, e, no mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, da transferência do mesmo valor ao Tesouro Nacional (fls. 44-54v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, por negativa de vigência da legislação eleitoral ante a ausência de determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores considerados como de origem não identificada.

A preliminar deve ser afastada.

De um lado, porque a existência de recursos de origem não identificada não é decorrência lógica da sentença, que apontou “incongruências entre as doações recebidas de prestador de contas e aquelas declaradas pelo candidato” e “incompatibilidade das declarações de doador e candidato”, tudo envolvendo recursos estimáveis em dinheiro.

De outro, segundo os termos da conclusão alcançada por este Tribunal na sessão de 14.12.2017, quando do julgamento do recurso RE n. 636-62, da relatoria do ilustre Desembargador Luciano André Losekann, a qual cumpre transcrever: 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a reformatio in pejus, nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento. 

(TRE-RS, RE n. 63662, rel. Dr. Luciano André Losekann, julgado em 14.12.2017.) (Grifei.)

Por ocasião do referido julgamento, consignei que, após muito refletir sobre a questão posta em debate, fui convencido da impossibilidade de agravar a situação dos recorrentes com a determinação de recolhimento de valores ao Erário quando, durante a tramitação do feito, essa circunstância nunca foi levantada.

Na hipótese dos autos, assim como em diversos processos semelhantes, em momento algum o candidato foi instado a se manifestar sobre valores a serem recolhido ao Tesouro Nacional. De igual modo, o órgão do Ministério Público Eleitoral em primeira instância não fez esse apontamento.

O art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, e seu § 1º autoriza que sejam objeto de apreciação e julgamento todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

No caso concreto, o recolhimento do valor da irregularidade apurada nas contas não constou em nenhum capítulo da sentença e não é matéria impugnada ou discutida no curso do processo. O tema sequer foi tratado nas razões recursais, encontrando-se precluso.

Não há como inovar sobre essa questão na fase recursal, porque a falta de sancionamento é tema sujeito à preclusão que não pode ser corrigido em face de outro princípio relativo à vedação da reformatio in pejus, estampado no art. 141 do CPC: “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.

O princípio tantum devolutum quantum appellatum é reflexo das normas processuais relativas à obrigatoriedade de correlação, ou congruência, entre o pedido feito pela parte e a decisão do juiz. De acordo com a jurisprudência do TSE, ainda que a sentença não aplique de forma correta a sanção prevista no texto legal, enquanto reflexo ou decorrência da condenação, não cabe ao Tribunal corrigi-la, pois a atividade cognitiva da instância ad quem está adstrita aos limites impostos pelo objeto recursal. Confira-se ementa de acórdão que se vale desse raciocínio: 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E MULTA. EFEITO DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO DO RECURSO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo provido para melhor análise do recurso especial eleitoral.

2. O juiz eleitoral julgou procedente o pedido formulado na representação por violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas aplicou apenas a sanção de multa. Recurso dos autores da representação (os réus, candidatos eleitos, não recorreram da sentença condenatória). A conclusão Regional encontra-se em harmonia com o entendimento do TSE, pois o efeito devolutivo do recurso (tantum devolutum quantum appellatum) autoriza que o Tribunal analise as matérias que foram efetivamente impugnadas pelo recurso, razão pela qual não era possível ao Tribunal a quo apreciar a presença ou não dos requisitos configuradores do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas apenas a questão envolvendo a cumulatividade ou não das sanções (multa e/ou cassação de diploma), única matéria devolvida no recurso interposto pelos autores da representação.

3. A questão não envolve o efeito translativo do recurso, porque este encontra limites no próprio recurso eleitoral interposto, não alcançando a matéria de fundo não impugnada - qualificação dos fatos como captação ilícita de sufrágio -, pois, segundo jurisprudência do STJ, “o efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas” (REsp nº 1.484.162/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24.2.2015)

4. Recurso desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 32118, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22.03.2017, Página 100-101.) (Grifei.)

O tema deveria ter sido invocado em sede de embargos de declaração, que é o remédio cabível para sanar eventual omissão no julgado, ou por meio de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, que atua em todas as fases dos processos de prestação de contas eleitorais como fiscal da ordem jurídica, para corrigir error in judicando ou in procedendo cometido na sentença.

O exame técnico, o órgão ministerial e o juízo a quo, na origem, durante a regular instrução do feito, deveriam ter atentado para o devido apenamento das irregularidades apuradas nas contas, se fosse o caso, o que de fato não ocorreu, pois o recolhimento de quantia não foi ventilado em momento algum nos autos.

A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do recurso dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas.

Por isso, não há nulidade alguma, sendo defeso à Procuradoria Regional Eleitoral invocar a matéria, à guisa de nulidade, na instância ad quem, dado que a determinação de acréscimo de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo.

Há diversos precedentes, no c. TSE, todos oriundos de julgamentos colegiados, formados inclusive no âmbito de processos de prestação de contas de campanha, que invocam os referidos postulados para não reformar acórdãos aplicando sancionamento que não constava na decisão recorrida.

Colaciono as ementas de alguns julgados emblemáticos, que adotam o posicionamento ora expressado: 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

(...)

5. Agravo regimental desprovido.

(REE n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. REFORMATIO IN PEJUS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Na hipótese julgamento de recurso exclusivo da defesa, a aplicação de sanções não consignadas na decisão recorrida ou a sua majoração configuram reformatio in pejus.

2. Na espécie, após a interposição de recurso apenas por Antônio Felipe Santolia Rodrigues, Adalberto Alves de Aguiar e pela Coligação Esperantina Meu Amor, para ver afastada a inelegibilidade a que foram condenados, o TRE/PI aplicou multa ao primeiro recorrente, cassou os registros de Antônio Felipe Santolia Rodrigues e Adalberto Alves de Aguiar (com fundamento no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97) e majorou a inelegibilidade de três para oito anos, em flagrante reformatio in pejus.

(...)

(REE n. 256, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 111, Data 14.6.2013, Página 57/58.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. INSERÇÕES REGIONAIS. PROMOÇÃO E DIFUSÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA.

(...)

3. Conquanto a posição deste Tribunal Superior, assentada no REspe nº 126-37, da relatoria da Ministra Luciana Lóssio, julgado em 20.9.2016, seja no sentido de que, para o cálculo da sanção prevista no art. 45, § 2º, II, da Lei nº 9.096/95, deve ser considerada a integralidade do tempo que deveria ser destinado pelo partido à difusão da participação política feminina, ainda que o descumprimento tenha sido parcial, não é possível alterar no presente caso a decisão da Corte Regional Eleitoral em face do princípio non reformatio in pejus.

(...)

Agravo regimental a que se nega provimento.

(REE n. 100506, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 72.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2006. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 70, DA LEI DAS ELEIÇÕES.

(...)

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover novo julgamento da causa, devendo o inconformismo com o resultado da demanda ser objeto da seara recursal própria.

3. A vedação à reformatio in pejus impede que a situação do recorrente seja agravada, quando não interposto recurso da parte contrária.

4. Verificando-se a sucumbência e não tendo o interessado recorrido para buscar revertê-la, descabe a rediscussão da matéria em prol de quem abdicou da proteção jurisdicional no momento oportuno.

5. Embargos de Fernando Oliveira Santos rejeitados. Embargos do Ministério Público acolhidos apenas para sanar os vícios verificados na ementa, conforme proposto neste voto.

(REE n. 5199363, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03.10.2016.) (Grifei.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2006. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. "CARNACOPA" APLICAÇÃO DE MULTA INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. PRECEDENTES DA CORTE. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 279/STF E 7/STJ. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

1.É vedada a aplicação de multa - para cada representado - no valor inferior ao mínimo legal.

2. Afronta o princípio da reformatio in pejus majorar a pena de multa se inexiste recurso que vise a aumentar o valor da sanção aplicada.

(...)

4.Recurso conhecido e provido parcialmente.

(Recurso Especial Eleitoral n. 26402, Acórdão, Relator Min. Carlos Augusto Ayres De Freitas Britto, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 10.3.2008, Página 14.) (Grifei.)

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. REFORMATIO IN PEJUS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Na hipótese julgamento de recurso exclusivo da defesa, a aplicação de sanções não consignadas na decisão recorrida ou a sua majoração configuram reformatio in pejus.

2. Na espécie, após a interposição de recurso apenas por Antônio Felipe Santolia Rodrigues, Adalberto Alves de Aguiar e pela Coligação Esperantina Meu Amor, para ver afastada a inelegibilidade a que foram condenados, o TRE/PI aplicou multa ao primeiro recorrente, cassou os registros de Antônio Felipe Santolia Rodrigues e Adalberto Alves de Aguiar (com fundamento no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97) e majorou a inelegibilidade de três para oito anos, em flagrante reformatio in pejus.

(...)

(REE n. 256, Acórdão, Relator(a) Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 111, Data 14.6.2013, Página 57/58.) (Grifei.)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EVIDÊNCIA DOS REQUISITOS GENÉRICOS E ESPECÍFICOS. AUTOS SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDOS. PROVIMENTO PARA O EXAME DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA PRE/CE. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. QUESTÃO AVENTADA NA DECISÃO RECORRIDA. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. NÃO-INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. REFORMATIO IN PEJUS. OFENSA AO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM (ART. 515, CAPUT, DO CPC). PENA DE CASSAÇÃO. QUESTÃO PRECLUSA. MÉRITO. NECESSIDADE DO REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULAS NS. 7/STJ E 279/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

- Não há falar, de outra parte, na ausência do prequestionamento do tema atinente ao julgamento extra petita, à consideração de que a decisão recorrida sobre ele se manifestara, sendo certo, demais disso, que as razões do especial apresentam considerações acerca da devolutividade do recurso, conforme o art. 515 do Código de Processo Civil. Ainda, não incidente no ponto o Verbete n. 7 da súmula do STJ, por cuidar de matéria eminentemente de direito a questão concernente à existência ou não de julgamento extra petita.

- O julgado incorreu efetivamente em reformatio in pejus, ofendeu o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, insculpido no art. 515, caput, da Lei Processual Civil, sendo preclusa, portanto, a matéria relativa à pena de cassação.

(...)

Recurso especial a que se dá parcial provimento, para afastar a pena de cassação de mandato infligida à agravante.

(AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 4393, Relator Min. Raphael De Barros Monteiro Filho, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 04.6.2004, Página 156.) (Grifei.)

 

A vedação da reformatio in pejus decorre do princípio segundo o qual não é dado ao Tribunal ad quem piorar o gravame anteriormente imposto aos recorrentes, ou seja, julgar além do que lhe foi pedido e devolvido no recurso.

Ressalto, ainda, que o caso em apreço não trata de matéria de ordem pública ou de má utilização de recursos do Fundo Partidário, mas sim de irregularidade na arrecadação de recursos privados e a sanção dela decorrente. A meu sentir, soa equivocado utilizar precedentes que tratam da malversação de verbas do Fundo Partidário para afastar a vedação da reformatio in pejus, com base no argumento de que o valor será recolhido aos cofres públicos, isto é, ao Tesouro Nacional e que, por conta disso, consiste em matéria de ordem pública não sujeita à preclusão.

Não se trata de mau uso do dinheiro público, mas de falta de fixação de sanção pela falha contábil.

O princípio da proibição da reformatio in pejus não fica afastado pela norma que prevê a destinação da doação irregularmente arrecadada ao Tesouro.

Ademais, se para os candidatos a Resolução TSE n. 23.463/15 prevê o atendimento de diligências, sob pena de preclusão (§ 1º do art. 64), e a própria Procuradoria Regional Eleitoral argui o instituto quando os recursos são instruídos com novos documentos, com vistas a sanar as irregularidades das contas, tenho que o mesmo primado deve prevalecer relativamente ao exame do conteúdo do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Dessa forma, meu voto é pelo afastamento da preliminar arguida pelo órgão ministerial, por força dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e non reformatio in pejus.

Como reforço, adianto que a hipótese dos autos é de superação da irregularidade, de forma a não subsistirem quaisquer valores para recolhimento.

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade.

No mérito, o juízo a quo desaprovou as contas do candidato ao cargo de vereador, em razão de inconsistências no confronto entre as doações recebidas pelo recorrente e as informações prestadas pelo doador.

O Parecer Técnico (fls. 18-19) apontou divergências no registro contábil de 03 (três) doações em favor do ora recorrente, referentes a recursos estimáveis em dinheiro, todas provenientes do candidato ao cargo majoritário Mauricio Alexandre Dziedricki.

As inconsistências residem no valor estimado constante na prestação de contas pelo recorrente em R$ 64,00, R$ 64,00 e R$ 1.817,00; enquanto o doador declarou as quantias de R$ 64,10, R$ 64,94 e R$ 1.836,84.

Como se percebe, o valor das diferenças atinge o montante de R$ 20,88 (vinte reais e oitenta e oito centavos).

Em suas razões, o recorrente sustentou que houve equívoco na contabilidade do candidato a prefeito, o qual já teria procedido à devida retificação perante a Justiça Eleitoral.

Embora a alegação esteja desprovida de amparo probatório mínimo, permanecendo a mácula na confiabilidade das contas da candidata, devem ser levados em consideração o valor nominal envolvido, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e a ausência de má-fé, sobretudo em vista da diminuta inconsistência de R$ 20,88 e de seu baixo impacto nas contas.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, com base na aplicação do princípio da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização das contas (AgR-REspe n. 626508, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE 224).

Além disso, este Regional tem firme jurisprudência, reiterada no julgamento das contas de campanha da eleição de 2014, de que pode ser aprovada com ressalvas a prestação quando as falhas apontadas não prejudicam a análise contábil da campanha e não comprometem a confiabilidade das contas.

Na hipótese dos autos, as doações estimáveis em dinheiro foram devidamente registradas na contabilidade do doador do candidato, ainda que com pequena divergência em relação aos valores.

No mesmo sentido, colaciono precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná: 

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - ELEIÇÕES 2016 - PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO - CARGO DE VEREADOR - DIVERGÊNCIA NOS DADOS DOS DOADORES - DOAÇÃO ESTIMADA RECEBIDA E NÃO REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO DOADOR/PRESTADOR - OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS - PARCIALMENTE PROVIDO.

1. As divergências encontradas entre os dados dos doadores constantes da prestação de contas e as informações constantes da base de dados da Receita Federal trata-se de mero erro material.

2. A doação realizada por outro prestador de contas apresentou ínfimo percentual em relação ao total arrecadado (apenas 1,86%). Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente TSE: REsp. Nº 85911, Acórdão de 24/11/2015, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 16/02/2016, Página 53.

3. As doações estimáveis em dinheiro entre candidatos ou partidos, decorrentes do uso comum, tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas (6º, inciso II, do art. 28 da LE).

4. Recurso conhecido e parcialmente provido para aprovar com ressalvas as contas apresentadas pelo candidato.

(RE n. 44257, Acórdão n. 53012 de 15.5.2017, Relator Josafá Antonio Lemes, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 19.5.2017.)

Com esses fundamentos, entendo adequada a aplicação do princípio da razoabilidade, visto que não restaram maculadas a transparência e a higidez das contas sob exame como um todo, podendo ser aprovadas com ressalvas, uma vez que o valor nominal da irregularidade é irrisório e incapaz de comprometer a confiabilidade do demonstrativo contábil.

 

ANTE O EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas de JOSÉ VILSON PINTO DE TOLEDO relativas às eleições de 2016.