RE - 111737 - Sessão: 02/08/2018 às 15:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do PSDB de IMBÉ, NILTON FERNANDES DOS SANTOS, DANIEL PEREIRA DIAS, FABIANO TAVARES FREITAS, CARLA FABIANA GODOY DA ROCHA, JORGE LAERTE LIMA DANIEL, JOSEFINA MARISA DA SILVA BARCELOS, LUIZMAR DA SILVA BORGES, CRISTIANE RIBEIRO, JUSSARA MARIA CORREA ARNAU, MARIZA DA SILVA CARVALHO, VAINER DIAS FERNANDES, RAFAEL LUIS KERBER e GILSON HAHN (fls. 292-308) em face da sentença (fls. 263-270) que julgou procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada pelo PMDB de IMBÉ, PT de IMBÉ, PSD de IMBÉ, PTB de IMBÉ, PDT de IMBÉ, JOSELENE DA SILVA BARBOSA, OLDAIR MANOEL ARCENO e CLAIRTON AURÉLIO ALVES. A decisão, em resumo, entendeu procedente a demanda devido à caracterização de fraude, pois a convenção partidária foi presidida por pessoa com os direitos políticos suspensos ao tempo de sua realização. Houve o reconhecimento da nulidade da convenção e a exclusão do PSDB de IMBÉ da “COLIGAÇÃO UM LEGISLATIVO A FAVOR DO POVO”, concorrente ao pleito proporcional daquela municipalidade.

Houve oposição de embargos de declaração por GILSON HAHN (fls. 280-282), afastados pelo Juízo da 110ª ZE (fls. 285-287).

Nas razões, os recorrentes requerem, preliminarmente, (i) a concessão de efeito suspensivo até o trânsito em julgado da demanda, com suporte no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral; (ii) a não aplicação dos efeitos da revelia, relativamente a alguns dos requeridos; (iii) a ilegitimidade passiva dos réus não eleitos. No mérito, aduzem que a via processual é inadequada e que o mérito foi alcançado pela decadência. Sustentam, ainda, não ter ocorrido fraude na convenção do PSDB de IMBÉ, a qual definiu os candidatos às eleições de 2016. Invocam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como do respeito ao pluralismo político e do direito ao voto. Requerem a concessão de efeito suspensivo, a não aplicação da revelia, a extinção do feito sem resolução do mérito em relação aos réus que não detêm cargo eletivo e, no mérito, a improcedência da AIME ou, alternativamente, a cominação de sanção mais branda.

Com as contrarrazões dos recorridos (fls. 375-397), os autos vieram para esta instância, e a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso, aos fundamentos de que a presidência irregular não importou em modificação da decisão – escolha de candidatos e autorização para coligação – dos convencionais, sendo ausente prejuízo à normalidade e à legitimidade do pleito, prevalecendo, portanto, os princípios da democracia representativa e da soberania popular (fls. 428-435).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

A sentença foi publicada no dia 11.9.2017, fl. 277, e a irresignação foi interposta em 13.9.2017, conforme fl. 290.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Há, ainda, uma segunda peça recursal interposta, em nome de Gilson Hahn, fls. 347-355. Contudo, ela não será expressamente analisada por três motivos: (1) Gilson Hahn já surge como um dos recorrentes no recurso de fls. 290-308, tendo constituído poderes àqueles advogados, conforme fl. 205 dos autos; (2) a advogada signatária da segunda peça recursal não possui procuração outorgada por Gilson Hahn, ou por qualquer outro recorrente, nestes autos, e (3) as razões apresentadas nos recursos são bastante similares, de maneira que o contraditório e a ampla defesa, sob o aspecto material, restam assegurados.

Conheço, portanto, apenas do recurso constante às fls. 290-308.

Das preliminares

Os recorrentes aduzem três preliminares ao mérito. À análise.

1. Da concessão de efeito suspensivo até o trânsito em julgado

Os recorrentes requerem a concessão de efeito suspensivo até o trânsito em julgado, para garantir “a não executividade da sentença impugnada até o trânsito em julgado”.

Não procede.

O efeito suspensivo assegurado pelo art. 257, §2º, do Código Eleitoral tem duração até o julgamento do recurso ordinário, e não até o trânsito em julgado da sentença.

Segue o teor do comando:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

§ 1º A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão.

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

§ 3º O Tribunal dará preferência ao recurso sobre quaisquer outros processos, ressalvados os de habeas corpus e de mandado de segurança.

Parágrafos 2º e 3º acrescidos pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015.

(Grifei.)

Em sede de AIME, portanto, a regra é a concessão de efeito suspensivo até a decisão do recurso ordinário; a concessão de efeito suspensivo para além do acórdão deste Regional é medida excepcional, cuja necessidade os recorrentes não lograram demonstrar.

Nessa linha, precedente do e. TSE, 12.6.18, relatoria do Ministro Luiz Fux, a demonstrar as classes processuais inclusas no § 2º do art. 257 – cassação do registro ou perda do mandato, não exigem trânsito em julgado para o cumprimento:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. PETIÇÃO. EXECUÇÃO DE JULGADO. CARGO. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. INELEGIBILIDADE. ACÓRDÃO PUBLICADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PENDENTES DE JULGAMENTO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA DEFERIDA. DESNECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, TAMPOUCO O TRÂNSITO EM JULGADO DO DECISUM. PRECEDENTES (AgR-Pet nº 530-73/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 5/2/2016 e AgR-Pet nº 1852-65/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 16/3/2015). PEDIDO INDEFERIDO.

(PET 0604269-34.2017.6.00.0000 – CE. AGRG NA PETIÇÃO Nº 0604269-34.2017.6.00.0000 (PJe) - GRAÇA – CE. RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX)

Afasto a preliminar.

2. Da não aplicação dos efeitos da revelia, relativamente aos recorrentes que não apresentaram peça defensiva perante o 1º Grau

Em virtude do art. 345, inc. I, do CPC, não há revelia se, vários os réus, algum deles contestar a ação – lembro que, por força da Resolução TSE n. 23.478/16, art. 1º, parágrafo único, há caráter supletivo e subsidiário da aplicação das regras processuais civis, aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral.

Além, a própria natureza do direito material posto em causa é indivisível, pois se discute a validade da convenção do PSDB de Imbé para compor a COLIGAÇÃO UM LEGISLATIVO A FAVOR DO POVO, no pleito proporcional daquele município.

Ou seja, o resultado do recurso atingirá a toda a nominata de candidatos a vereador indicada pelo PSDB de Imbé para compor a coligação nas eleições proporcionais de 2016, não sendo possível afastar, no mundo dos fatos, os efeitos relativamente a este ou àquele candidato, independentemente do exercício do direito de defesa.

Afasto a preliminar.

3. Da ilegitimidade passiva de alguns réus

A incindibilidade da relação de direito material posta em causa é, também, o motivo pelo qual é de se desacolher a preliminar de ilegitimidade passiva dos réus que não se elegeram. Os recorrentes aduzem que somente os eleitos, RAFAEL LUIZ KERBER e NILTON FERNANDES DOS SANTOS, poderiam figurar no polo passivo da demanda.

Sem razão.

Admite-se a presença dos candidatos não eleitos no polo passivo de AIME. A jurisprudência do TSE ampliou o espectro de legitimados passivos ao estender, por exemplo, aos candidatos diplomados.

Nessa toada, “[…] a legitimidade passiva ad causam em ações de impugnação de mandato eletivo limita-se aos candidatos eleitos ou diplomados, máxime porque o resultado da procedência do pedido deduzido restringe-se à desconstituição do mandato” (RESPE n. 524-31.2010.6.04.0000, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJE de 26.8.2016, por unanimidade) e, também, que […] A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal” (AgRG em AI n. 1211, Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO, DJE de 17.11.2016, por unanimidade).

Até porque os não eleitos são, por decorrência do regime proporcional, suplentes. Nesse sentido, ZILIO:

“A AIME visa desconstituir a relação jurídica que dá sustentação ao mandato eletivo, porquanto a reconhece como vício insanável originado por ato de corrupção, fraude ou abuso de poder. Em verdade, a AIME pretende se opor ao próprio mandato eletivo que foi ilicitamente obtido pelo eleito (ou suplente), atingindo, em sequência, a condição do mandatário. Em suma, objetiva-se, através da AIME, o afastamento do eleito (ou suplente) do exercício do mandato representativo. Por conseguinte, é ação constitutivo negativa, que se destina a tornar insubsistente o mandato eletivo”.

(ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 2014, p. 521)

No que concerne ao PSDB de Imbé, não se olvida que a jurisprudência, de um modo geral, exclui partidos políticos e coligações do polo passivo de AIME. Contudo, é necessário deixar claro o motivo da exclusão: a impossibilidade de aplicação das sanções previstas nessa classe processual – cassação de mandato, por exemplo.

Partidos e coligações geralmente não são legitimados passivos em AIME, porque nenhum interesse juridicamente qualificado teriam a defender; todavia, a partir do momento em que a própria convenção partidária se encontra sob perigo de desconstituição (como o caso), surge a legitimidade, em prestígio ao aspecto material do direito de defesa.

Lembro de precedente do qual fui relator, decidido por unanimidade. Na ocasião, foi debatida a legitimidade passiva de coligação em AIME em alegada prática de fraude:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. COTAS DE GÊNERO. ELEIÇÃO 2016. PRELIMINARES AFASTADAS. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ART. 14, § 10 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA COLIGAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. CONSEQUÊNCIAS REFLEXAS NO DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS – DRAP. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM LUGAR PÚBLICO. LICITUDE. MÉRITO. REGISTRO DE CANDIDATURA.  ELEIÇÃO PROPORCIONAL. FRAUDE COMPROVADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. INDEFERIMENTO DO DRAP. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS À COLIGAÇÃO IMPUGNADA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DOS MANDATOS NOS TERMOS DO ART. 109 DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Preliminares afastadas. 1.1. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Não configurada a inadequação da via processual. 1.2. A teor do suprerreferido artigo, na ação de impugnação de mandato eletivo não podem figurar, no polo passivo, a pessoa jurídica e o candidato não eleito no pleito, uma vez que o expediente se destina a desconstituir o mandato obtido nas urnas. Na espécie, contudo, condiderando que a AIME pode gerar efeitos jurídicos também à coligação, se constatada a fraude na composição da proporção das candidaturas, o DRAP sofrerá as consequências originárias, devendo-se privilegiar a ampla defesa no seu aspecto material, redundando, excepcionalmente, no reconhecimento da sua legitimidade para figurar no polo passivo da ação. 1.3. O art. 5º, inc. X, da Constituição Federal tutela a intimidade e a privacidade, sendo ilegal a gravação que vá de encontro a este preceito. No caso, a gravação se deu em lugar público e na presença de outras pessoas, não havendo ofensa a tal regra, reconhecendo-se a sua licitude.

[...]

Parcial procedência. (RE n. 495-85, julgado em 13.12.2017. Unânime.)

Afasto a preliminar.

Ao mérito

Os fatos relatados são os seguintes: DARCY LUCIANO DIAS teria presidido a convenção do PSDB de Imbé sem que fruísse, na ocasião, de seus direitos políticos, suspensos em decorrência de condenação em ação de improbidade administrativa, n. 073/1.12.0010483-0, transitada em julgado.

Referida convenção se prestou para a escolha da nominata de candidatos a vereador do PSDB de Imbé, a qual, posteriormente, compôs o rol de candidatos da COLIGAÇÃO UM LEGISLATIVO A FAVOR DO POVO, na competição proporcional municipal do ano de 2016.

A sentença assim narrou os fatos:

O PMDB, PT, PROS, PSD, PTB, PDT, J.S.B., O.M. A. e C. A. A. ajuizaram a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo distribuída sob nº 1117-37.2016.6.21.0110 contra o PSDB, presidido por D. L. D., e N. F. D. S., R. L. K., G. H., D. P. D., F. T. F., C. F. G.D. R., J. L. L. D., J. M. D. S. B., L. D. S. B., C. R., J. M. C. A., M. DA S. C. e V. D. F. alegando, em síntese, que D. L. D. encontrava-se com seus direitos políticos suspensos em face da sua condenação na Ação de Improbidade Administrativa nº 073/1.12.0010483-0, ajuizada pelo Ministério Público (fls. 39/100), de modo que não poderia ser filiado a partido político e, tampouco, presidir a Convenção Partidária que resultou na escolha dos candidatos partidários no pleito eleitoral. Requereram reconhecimento da nulidade do ato da convenção municipal do PSDB, com a decretação da perda do mandato eletivo dos impugnados, bem como sejam declaradas suas inelegibilidades e, ainda, sejam recontados os votos.

Juntaram os seguintes documentos: ata de convenção do PSDB (fls. 27/31); estatuto do partido impugnado (fls. 33/38); cópias de peças extraídas da Ação de Improbidade Administrativa nº 073/1.12.0010483-0 (fls. 39/100); e, acórdão proferido em precedente desse MM. Juízo em relação à Coligação Oposição de Verdade 2, do Município de Cidreira (fls. 110/136).

E a fundamentação da sentença, em termos gerais, foi a seguinte:

Assim, ao contrário do que sustentam os impugnados em contestação, não se trata de mera irregularidade formal, mas, isto sim, da própria validade do ato de escolha dos candidatos, pressupostos de ordem pública e que não podem ser derrogados pelos partidos internamente, pois a questão diz respeito à própria preservação de eficácia das normas jurídicas atinentes à referida sanção, inclusive de cunho constitucional, tais como os artigos 15, inciso V, e 37, § 4º, da CF/88, além dos artigos 16 da Lei n. 9.096/95 e 337 do Código Eleitoral.

Atente-se que a convenção partidária é requisito imprescindível ao registro de candidatura, reclamado pelo artigo 25 da Resolução TSE n. 23.455/15, de modo que, sendo esta nula, é evidente a irregularidade desde a fase inicial de escolha dos candidatos e de formação das coligações.

Limitar a suspensão dos direitos políticos à capacidade de votar e ser votado ou permitir que os partidos possam deliberar sobre a manutenção em seus quadros de pessoas condenadas por improbidade administrativa tornaria inócua a punição imposta ao agente ímprobo" .

[...]

De fato, o Código Eleitoral, artigo 337, tipifica como crime punível com detenção a prática de atividades partidárias por aquele que não estiver no gozo dos seus direitos políticos.

Assim, em sendo a convenção partidária foi presidida por pessoa com os direitos políticos suspensos ao tempo de sua realização, impõe-se reconhecer nulidade do ato.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo movida pelo PMDB, PT, PROS, PSD, PTB, PDT, J.d. S. B., O. M. A. e C. A. A. contra o PSDB, presidido por D. L. D., N. F. D. S., R.L. K., G. H., D. P. D., F. T. F., C. F. G. DA R., J. L. L. D., J. M. D. S. B., L. D. S. B., C. R., J. M. C. A., M. D. S. C. e V. D. F. para excluir o PSDB da Coligação Um Legislativo a favor do Povo para o pleito proporcional.

Com o trânsito em julgado, façam-se as anotações pertinentes e arquive-se.

É certo que, a partir do REspe n. 1-49, em 04.8.15, o TSE assentou que a AIME é instrumento hábil para a verificação do cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. Antes, a Corte admitia seu manejo apenas em caso de fraude na votação de forma restrita, ou seja, aquela fraude ocorrente no ato de votar.

Ou seja, o caso dos autos deve ser enfrentado sob a perspectiva de fraude à lei eleitoral no decorrer do processo de votação. A via processual eleita há de ser examinada in status assertionis e, sob tal prisma, ela se mostra adequada, na medida em que é possível, em tese, a satisfação da pretensão dos autores.

Adentrando à questão do transcurso do prazo decadencial, sublinho que o prazo para ajuizamento da AIME é, conforme redação constitucional do art. 14, §10, da Constituição Federal, de 15 (quinze) dias a contar da diplomação, lapso temporal obedecido pelos autores: a diplomação ocorreu em 15.12.2016 (fl. 19), e o ajuizamento da demanda foi realizado em 16.12.2016, apenas um dia depois, conforme fl. 2 dos autos.

Não ocorreu decadência, portanto.

Adiante.

Importa ressaltar que a exigência constitucional é de que a AIME seja ação instruída com provas de abuso de fraude. O sopesamento do valor das provas apresentadas conjuntamente à petição inicial se dará em momento posterior, para a prolação da sentença, pois do contrário se admitiria que uma demanda deveria nascer, obrigatoriamente, procedente.

E os demandantes se desincumbiram do ônus da apresentação de provas, alinhando as causas de pedir próxima e remota: documentos como a ata da convenção partidária (fls. 27-31) e a certidão de trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa na qual DARCY LUCIANO DIAS foi condenado (fl. 91) são elementos suficientes para o ajuizamento porque, novamente, aqui se aplica a teoria da asserção: para fins de instrução, analisam-se as provas em potência e, portanto, não há carência de ação, pois o dever não é de comprovação dos fatos de imediato.

Ao ponto elementar: a ocorrência, ou inocorrência, de fraude à lei para fins de AIME, na circunstância incontroversa (conforme documentação) de que DARCY LUCIANO DIAS se encontrava, na data da convenção do PSDB de Imbé, 5.8.2016, com os direitos políticos suspensos em decorrência de decisão judicial transitada em julgado meses antes, em 15.02.2016.

O d. Procurador Regional Eleitoral entende que o recurso merece provimento. No cuidadoso parecer, fls. 428-435v., confere razão parcial aos recorrentes, ainda que entenda que DARCY LUCIANO DIAS não poderia ter presidido a aludida convenção partidária.

O posicionamento decorre de um argumento central: a diferenciação entre a nulidade de um ato jurídico e a ocorrência de fraude na votação, um dos pressupostos constitucionais para o ajuizamento da AIME.

E, segue o r. Procurador, ainda que se entenda ocorrida a prática de fraude por parte de DARCY, não se trataria, aqui, de impugnação ao registro de candidatura, momento anterior à manifestação do eleitorado, mas sim de desconstituição de mandatos eletivos já outorgados pelo eleitor, situação na qual se imporia o prestígio à escolha da comunidade e ao regime democrático.

E, antecipo, filio-me a tal posicionamento. O recurso merece provimento.

De início, impõe deixar claro que a suspensão de direitos políticos é circunstância grave. Não olvido que este Tribunal já decidiu que a condução de convenção partidária por pessoa nessa condição acarreta a nulidade dos atos praticados:

Recurso. Registro de Candidatura. DRAP - Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários. Coligação. Majoritária. Nulidade da convenção partidária. Arts. 15, inc. V, e 37, § 4º, da Constituição Federal e arts. 16 da Lei n. 9.096/95 e 337 do Código Eleitoral. Eleições 2016.

Decisão a quo que julgou improcedente, sem apreciação do mérito, a impugnação ao DRAP de coligação, sob o fundamento de ilegitimidade ativa, deferindo o seu registro para concorrer ao pleito majoritário. Entendeu o julgador, que a irresignação calcada em nulidade da convenção de partido, integrante de coligação, é matéria interna corporis.

1. Preliminar de ilegitimidade ativa afastada. Precedentes da Corte Superior no sentido de que a coligação não possui legitimidade para impugnar atos partidários internos de coligação concorrente. Todavia, a hipótese dos autos é distinta. A validade de ato partidário convocado e presidido por pessoa cujos direitos políticos estão suspensos transborda a simples vontade partidária interna, resvalando para o descumprimento de preceitos cogentes estabelecidos pela Constituição Federal e pela lei eleitoral. A convenção partidária é requisito imprescindível ao registro de candidaturas, reclamado pelo art. 25 da Resolução TSE n. 23.455/15. A implementação dessa condição sob possível afronta à legislação eleitoral, tem potencialidade de repercutir diretamente no processo eleitoral, visto que supostamente eivada de irregularidade desde a fase inicial de escolha dos candidatos e de formação das coligações. Matéria de ordem pública, passível de ser conhecida de ofício pelo julgador designado para o registro de candidaturas.

2. Mérito. Convenção partidária realizada pelo presidente da legenda, condenado nos autos de ação civil pública por improbidade administrativa, culminando na suspensão dos seus direitos políticos pelo prazo de oito anos. A suspensão de direitos não se traduz apenas no impedimento de votar e ser votado, abarcando o exercício de qualquer faculdade eleitoral ou partidária. São eivados de nulidade e sem qualquer eficácia atos praticados por quem não se encontra em pleno gozo dos direitos políticos, atingindo, inclusive, a própria filiação partidária.

Desatendido o comando previsto no art. 25 da Resolução TSE n. 23.455/15. Registro da chapa majoritária indeferido.

Provimento.

(RE n. 240-97. Rel. Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes. Julgado em 16.9.16. Unânime)

Note-se que a decisão ocorreu no bojo de ação de registro de candidaturas – o DRAP da chapa majoritária foi indeferido, em virtude da nulidade.

Não é o que ocorre no caso dos autos.

O primeiro elemento de distinção a ser relevado, entre o que se está a julgar, e o pretenso precedente, é a natureza das ações. Os processos de registros de candidatura têm como escopo a verificação de condições de participação da disputa eleitoral.

Na AIME, modo diverso, os fatos dos quais devem dimanar efeitos jurídicos são, forma taxativa, a fraude, a corrupção ou o abuso de poder ocorridos, conforme jurisprudência do TSE, “em todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas” (Respe n. 1-49, de 4.8.15).

E o TSE fornece parâmetros para a caracterização da fraude a ser examinada em AIME: ela deve substanciar “ardil, manobra ou ato praticado de má-fé por candidato, de modo a lesar ou ludibriar o eleitorado, viciando potencialmente a eleição” (grifei, Respe n. 366-43, julgado em 12.5.11).

Ou seja, há uma delimitação de ordem subjetiva: a fraude deve partir dos concorrentes eleitorais, dos candidatos; deve, também, visar a ludibriar o eleitorado. Ainda que mediante fraude à lei, deve ser ardiloso perante os cidadãos, exatamente para que possa ser entendida como fraude inserida no processo de votação.

Ainda que se estenda o entendimento de competidor eleitoral aos partidos ou coligações, fica claro que é a obtenção do mandato, do cargo eletivo, há de ter ocorrido mediante fraude.

Não é o que se verifica nestes autos: os vereadores eleitos pelo PSDB de Imbé concorreram no processo eleitoral e obtiveram as cadeiras na Câmara de Vereadores sob o pálio de uma concorrência não fraudulenta e, portanto, restaram intocados os bens jurídicos tutelados pela AIME, quais sejam, a normalidade do pleito e a legitimidade dos candidatos.

É bem verdade que a jurisprudência do TSE deixa claro que a fraude a ser analisada em AIME não é apenas aquela “sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos”, sendo toda aquela que possa induzir “o eleitor em erro, com possibilidade de influenciar sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário” (Ag. 46-61, de 15.6.04).

Mas, frise-se, o ludibriado há de ser o eleitor. E pondero, como feito no parecer da PRE: a escolha interna dos candidatos da agremiação foi realizada por unanimidade, a indevida participação de DARCY não alterou o resultado da convenção partidária.

Transcrevo trecho, por elucidativo, fl. 435:

Desta forma, a eventual nulidade decorrente da presidência da convenção do PSDB por quem se encontrava com os direitos políticos suspensos, não havendo prova de que interferiu no resultado (escolha de candidatos e coligação) da convenção, não teve igualmente o condão de interferir na legitimidade e normalidade do pleito, pois os candidatos do PSDB e a respectiva coligação foram registrados em consonância com a decisão do partido, de acordo com a deliberação da maioria dos seus filiados. Sendo que, ao menos dois desses candidatos foram eleitos com os votos obtidos junto à população. Portanto, vale a máxima pas de nullité sans grief, vez que, apesar da irregularidade na convenção partidária do PSDB, a mesma não prejudicou o desiderato do processo eleitoral que é a concretização dos princípios da democracia representativa e da soberania popular no seu plano formal (realização da votação) e substancial (normalidade e legitimidade do pleito).

E aqui a não declaração de nulidade diante da ausência de prejuízo se faz ainda mais importante, pois o reconhecimento dela é que poderia trazer prejuízo ao fim do processo eleitoral, pois cassaria o mandato eletivo sem que o mesmo estivesse maculado em sua essência.”

Repito, para realizar a adequada distinção do suposto paradigma acima referido: lá, cuidava-se de análise de registros de candidaturas, decorrência imediata, direta das escolhas realizadas na convenção partidária; aqui, lembro novamente, há o manejo de ação de impugnação de mandato eletivo, demanda que exige a comprovação de fraude, corrupção ou de abuso do poder econômico no processo de votação, na escolha, pelo eleitorado, do seu candidato.

Note-se, ainda, que os argumentos no sentido do resultado da votação convencional, ou que a condução da reunião, pelo presidente ímprobo, surtiram efeitos fraudulentos no processo de votação, perdem força se considerarmos ser “admissível que a convenção partidária delegue à Comissão Executiva, ou a outro órgão partidário, a efetiva formação de coligação ou escolha dos candidatos”, como decidido pelo TSE no RE n. 30.584, Rel. o Ministro Felix Fischer, julgado em 22.9.2008. Ora, se se trata de assuntos que poderiam ser delegados a outros órgãos internos da agremiação, parece claro que o posicionamento do presidente irregular foi irrelevante, devendo ser menosprezado quando confrontado com valores de maior peso, como a escolha do eleitorado.

Novamente, transcrevo trecho do parecer, fls. 432, verso, e 433:

Ocorre que o intérprete jurídico não pode descurar do caso concreto, sob pena de terminar aplicando o ordenamento jurídico para obter consequências não desejadas pelo mesmo.

No presente caso, não se trata de impugnação ao registro de candidatura que poderia, eventualmente, permitir a substituição dos candidatos do partido ou realização de nova convenção partidária.

Estamos diante de uma ação que objetiva a desconstituição de mandatos eletivos já outorgados pelo eleitor. Em toda a AIME está portanto em jogo o princípio da democracia representativa e da soberania popular insculpidos no art. 1º, parágrafo único, e art. 14, caput, da CF/88, eis que está cassado o mandato conferido pela população.

Mas a cassação do mandato em sede de AIME não importa em violação aos aludidos princípios constitucionais quando o mandato foi obtido mediante fraude, corrupção ou abuso de poder econômico, eis que, nessas hipóteses, existe uma representação democrática apenas formal (o detentor do mandato obteve os votos necessários para se eleger), estando a democracia representativa substancial maculada pelos aludidos ilícitos eleitorais.

Contudo, exatamente porque se trata de cassação de mandato e diante dos aludidos princípios constitucionais, evidente que a fraude tem que ter trazido prejuízo ao resultado legítimo do pleito.

(grifei)

Irretocável, de forma que adoto, expressamente, como razões de decidir.

Aqui, não há similitude com as demandas que têm como objeto a alegação de ocorrência de candidaturas femininas fraudulentas, realizadas para preencher formalmente a proporção das quotas de gênero, pois aquelas desequilibram o pleito no decorrer da campanha eleitoral: a fraude ocorre pela ausência de participação no processo democrático das eleições.

Lembro que, na condição de relator, adotei a conceituação jurisprudencial do TSE no RE n. 495-85, oriundo do município de Viadutos e que versava sobre candidaturas femininas fraudulentas, nos seguintes termos: “[…] o conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei”.

Ocorre que, por ocasião das convenções partidárias, por exemplo, não há como se estampar uma candidatura feminina como fraudulenta: ela só aparece no decorrer da campanha.

Daí, penso que a fraude, para o manejo da AIME, há de ocorrer no decurso do processo de competição eleitoral, e não de uma forma tão indireta, tão reflexa, como o atuar do presidente do PSDB de Imbé em uma convenção que seu voto foi, ao final, irrelevante.

Ou seja, no caso posto, não houve malferimento à normalidade das eleições ou fraude na obtenção dos mandatos eletivos. Tenho que os termos de compreensão do que sejam “todas as situações” para fins de fraude, ainda que abertos, devem ficar adstritos às situações que afetam a competição eleitoral.

O recurso merece provimento.

 

Ante o exposto, rejeitada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento do recurso, para julgar improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.