E.Dcl. - 50257 - Sessão: 19/12/2017 às 17:00

(voto-vista)

O MPF interpõe embargos de declaração sustentando omissões no julgado no exame da caracterização de denúncias anônimas, assim como a impossibilidade do MP de realizar qualquer diligência preliminar.

Aduz ainda o embargante que o recorrente em nenhum momento pronunciou qualquer nulidade das gravações.

Com razão.

Peço vênia para manter posicionamento firmado quando do julgamento do recurso.

Naquela oportunidade a gravação foi considerada ilícita, tendo sido anulada sob o fundamento de ausência de autorização judicial, entre outros. Posteriormente, conforme decisão de fl. 310, o digno Des. Eleitoral condutor do voto divergente retificou a decisão, afastando tal erro material.

A discordância decorre do entendimento de que a denúncia foi anônima e que o Ministério Público teria que ter promovido diligências antes de requerer a interceptação telefônica.

Vejamos.

No dia 26.09.2016, o chefe de cartório, Sr. Mauro Godoy Prudente Filho, lança certidão na 42ª zona eleitoral do RS com o seguinte teor:

Certifico e dou fé que, durante a atividade Cartorária, a Justiça Eleitoral vem recebendo inúmeras denúncias, no sentido de que os candidatos Miro Jesse e Fernando Classmann estariam abusando do poder econômico, promovendo ampla e discriminada compra de votos, nas eleições municipais de 2016.

Com relação ao candidato Miro Jesse, afirmam que, por intermédio de agiotagem, estaria comprando votos explicitamente, oferendo de dois mil e oito mil reais, e em alguns casos, perdoando dívidas de seus devedores em troca de voto. Com relação ao candidato Fernando Classmann, afirmam que o mesmo está distribuindo dinheiro para seus eleitores, em troca de voto, inclusive, tive relatos de que o candidato teria recebido alta soma de dinheiro de seu padrinho político (Aloísio Classmann), que é deputado estadual.

Em relação aos nomes acima mencionados, destaco que os principais representantes que atuam no Cartório Eleitoral são Carlos Augusto Lozekam e Sean Jarczewski. O primeiro é representante da coligação Juntos Por Santa Rosa e da coligação As pessoas em primeiro lugar, enquanto que o segundo é delegado nas mesmas coligações, ambas integradas pelos denunciados.

Destaco que as pessoas optam por fazer a denúncia anonimamente, e que não desejam se envolver (testemunhas), por medo de sofrerem represálias dos candidatos e de seus cabos eleitorais.

Com base em tal certidão, o Juiz Eleitoral da comarca determinou vistas (fl. 14) ao Ministério Público para ciência e eventuais providências, tendo o MP instaurado procedimento investigatório criminal em 26.09.2016 (fl.12).

O Ministério Público, no dia 26.09.2016 (fl.15), requereu fossem apontados os números dos telefones celulares fornecidos à Justiça Eleitoral pelas pessoas mencionadas na certidão. O que foi informado pelo cartório.

No dia 27.09.2016 foram autorizadas as escutas telefônicas com base nos seguintes fundamentos:

O Ministério Público Eleitoral requereu AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS, (...). Alegou que a iminência do pleito eleitoral e a impossibilidade de se obter, no momento, prova mais robusta das denúncias, sugere ser a interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas a melhor medida no momento. (...)Também disse que, como a prova não pode ser buscada por outros meios, e como o acordo de compra e venda de votos se dá entre vendedor e comprador de forma clandestina, é só mediante a interceptação das conversas telefônicas e telemáticas que se podem apurar tais fatos, sendo imprescindível, portanto, a interceptação postulada, não havendo como a prova ser feita por outros meios disponíveis (...).

De fato, a iminência do pleito eleitoral e a impossibilidade de se obter, no presente momento, dado à premência do tempo, prova mais robusta das ‘denúncias’, recomenda a interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas como medida própria para apuração de eventuais fatos tipificados no art. 299 do Código Eleitoral.

As denúncias feitas por populares perante a escrivania eleitoral, e descritas no ofício assinado pelo Sr. Escrivão eleitoral, envolvem os candidatos (...).

Quanto aos indícios de autoria/participação, se um número considerável de pessoas tem procurado a Justiça Eleitoral para apontar os dois candidatos Miro e Fernando como autores da compra de votos, é porque algo possa haver, restando, então também preenchido o requisito contrário ao estatuído pelo inciso I do mesmo artigo de lei, (...)

A prova, como referido pelo Promotor Eleitoral, não tem como ser buscada por outros meios e, como o acordo de compra e venda de votos se dá entre vendedor e comprador de forma clandestina, é só mediante a interceptação das conversas telefônicas e telemáticas que se poderão apurar tais fatos. Por isso é imprescindível o deferimento da interceptação postulada, já que não há como a prova ser feita por outros meios disponíveis. (...)

Como, então, restou preenchido também o requisito contrário ao disposto no inciso II do art. 2o da Lei das Interceptações, uma vez que a prova não pode ser feita por outros meios no momento, o caso comporta deferimento do pedido ministerial, pois o que interessa no momento é possibilitar a investigação dada a gravidade dos fatos, que podem ou não vir a se confirmar.

Autorizada judicialmente a interceptação telefônica, o GAECO promoveu a diligência de 06.10.2016 a 11.10.2016 (fls. 17-26).

Dia 07.11.2016, o MP requereu a identificação do sogro e da sogra do eleitor Janderson, bem como a notificação de Mauro Godoy Prudente Filho para que fosse ouvido na promotoria. Tais diligências foram realizadas (fls. 28-40).

Determinada a cisão da investigação (fl. 42), foi requisitada à Cooperativa informação sobre os portadores de linhas telefônicas, assim como pedido de identificação da pessoa conhecida apenas por Jeferson, notificando-se outras tantas para comparecimento na promotoria, que foram ouvidas.

O art. 2º da Lei n. 9.296/96 assim dispõe:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

No caso presente, embora a representação pudesse ser proposta em tempo superior, a coleta da prova só podia ser realizada antes das eleições, visto que após as eleições não haveria mais contatos telefônicos com tal finalidade.

Como destacaram o MP e o Juiz, em seus fundamentos autorizadores da escuta, a compra de votos não se dá através de e-mails ou correspondências por escrito; ao contrário, ocorre sempre de modo clandestino e somente pode ser captada por gravação pessoal ou telefônica.

Não havendo outras formas possíveis de prova para o momento, e não podendo ser feita por outros meios, era dever do MP requerer a única prova possível no caso concreto, o que foi autorizado pelo Juiz.

Por outro lado, o início do procedimento não ocorreu por denúncia apócrifa; ao contrário, as denúncias foram reduzidas a termo e certificadas pelo escrivão que, assim, assumiu a autoria das denúncias portando fé pública do que tinha efetivamente ouvido e que foi confirmado no curso da ação.

A interpretação contrária, com o devido respeito, além de desmotivar a população de participar do processo eleitoral e fiscalizá-lo, retirando do cidadão a proteção necessária à formulação de denúncias, também impede que se dê início a uma ação penal quando a prova a ser produzida seja unicamente a gravação das interceptações.

A redação do inc. II do art. 2º da Lei das Interceptações não merece ser desconsiderada; ao contrário, ela justamente autoriza e legaliza as interceptações quando não há outros meios disponíveis, como no caso presente.

Assim, não basta apenas exigir do MP que tivesse providenciado outras diligências antes do requerimento de escuta, sem indicar que outras medidas poderiam ter produzido a prova necessária à instauração da ação.

Estamos diante, renovado o respeito, da única conduta que se pode esperar dos agentes públicos no que a sociedade espera deles.

O escrivão, inicialmente, diante da notícia reiterada da prática do delito, o que poderia fazer? Silenciar? Ou providenciar que tal informação chegasse ao juízo eleitoral? E de que forma poderia fazer isso? Verbalmente? Ou através da competente certidão portando fé pública de que ouviu realmente as denúncias relatadas?

A resposta é óbvia, era dever do escrivão certificar as informações recebidas e encaminhá-las ao juízo eleitoral, devendo este remeter então ao MP, o que também fez.

O MP, por sua vez, considerando que recebeu a denúncia certificada no dia 26.09.2016, uma segunda-feira, e que as eleições seriam realizadas no domingo seguinte (02.10.2016), tinha o Parquet apenas aquela semana para reunir as provas necessárias, fatos que não aconteceriam na semana seguinte.

Exigir que se intimassem testemunhas, em apenas quatro dias úteis, para serem ouvidas no MP antes de requerer as escutas, seria o mesmo que desistir da prova, pois seria impossível a intimação de testemunhas, sua oitiva e posterior requerimento da escuta em tão curto prazo.

Como se observa, não há como confundir o prazo para oferecimento da denúncia com o prazo único possível para coleta da prova.

Não existindo outra prova possível e não sendo factível a coleta de tal prova após o domingo das eleições, do MP somente poderia se exigir uma única ação – a de requerer a autorização judicial necessária para a produção de prova lícita, prevista no caderno processual e em lei específica, não valendo a comparação com qualquer outro meio ilícito de conquista da prova.

De igual modo, o julgador: que outra conduta poderia se esperar do juiz? Diante da impossibilidade de produção de outra prova e da inviabilidade fática de obter gravações após o domingo, não restava outra atitude a não ser autorizar as interceptações – o que fez, observando rigorosamente o devido processo legal.

Diante do exposto, voto por dar provimento aos embargos, atribuindo-lhes efeitos infringentes para considerar lícita a gravação e com isso manter integralmente a sentença recorrida com os efeitos já apontados no voto de fl. 285.

É como voto.