RE - 58564 - Sessão: 09/04/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por PAULO JOEL BENDER LEAL e CÊNIO BACK WEYH (fls. 167-178) contra sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral (fls. 159-162) que desaprovou suas contas relativas à campanha eleitoral de 2016 – nos autos da PC n. 585-64.2016.6.21.0045 – como candidatos a prefeito e a vice-prefeito do Município de Santo Ângelo, em decorrência do recebimento de doação irregular, a teor do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, e da existência de dívidas de campanha, condenando-os, ainda, à devolução da importância de R$ 10.000,00 ao Tesouro Nacional.

Nas razões recursais, aduziram que: a) com relação às despesas antes do registro de candidaturas, o contrato de locação (fls. 78-80) foi assinado e autenticado pelo tabelionato na data de 22.8.2016; b) quanto às doações financeiras recebidas em valores acima de R$ 1.064,10, em espécie, e à ausência de extratos bancários da Caixa Econômica Federal, todas as receitas e despesas foram devidamente declaradas. Trata-se de irregularidade meramente formal, a qual não compromete a lisura das contas; c) no que concerne à ausência de capacidade operacional da empresa TROOP Multimedia Development Ltda. para prestar serviço e à existência de dívida de campanha, os valores ínfimos e a falta de capacidade da empresa não comprometeram a análise da prestação de contas. Requereram a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas ou, sucessivamente, a sua aprovação com ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar o apontamento relativo à existência de despesa anterior ao registro da candidatura, mantendo-se a desaprovação das contas (fls. 184-191).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 163-167) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Cuida-se de prestação de contas apresentada por PAULO JOEL BENDER LEAL e CÊNIO BACK WEYH, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), no pleito de 2016 no Município de Santo Ângelo.

O juízo de primeiro grau reconheceu a existência de falhas passíveis de ressalvas e duas irregularidades graves, desaprovando as contas (fls. 159-162), verbis:

Em suma, apesar de existirem falhas passíveis de serem apontadas como ressalvas, o recebimento de doações em valores superior a R$ 1.064,10 através de depósito bancário e a existência de dívidas de campanha são irregularidades graves e impedem o atesto de transparência e confiabilidade das contas apresentadas. (Grifei.)

A primeira irregularidade – apontada no parecer técnico (fls. 141-142 e 150-151v.) – consiste no recebimento de doação financeira acima de R$ 1.064,10 de pessoa física, em contrariedade com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que assim dispõe:

As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Os extratos trazidos aos autos (fls. 06-08) demonstram que, na conta de campanha concernente, foram realizados 3 (três) depósitos em dinheiro, todos no dia 30.8.2016, num total de R$ 10.000,00, advindos de:

(a) Irene Kulakoswi, no valor de R$ 3.334,00;

(b) Dinara Nascimento, no valor de R$ 3.333,00;

(c) Cibele Bonotto, no valor de R$ 3.333,00.

Como é consabido, a partir do patamar de R$ 1.064,10 o depósito deve ser realizado por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário.

Incontroverso o recebimento de depósitos na conta de campanha, em espécie, acima do limite máximo fixado na Resolução TSE n. 23.463/15. Incontestável, igualmente, que referidos valores foram utilizados na campanha, conforme comprovam os extratos consolidados que integram a prestação de contas (fls. 03 e 05).

De ver que a identificação dos doadores ocorreu nas transações bancárias em evidência, por intermédio do número do CPF, conforme se nota dos extratos bancários colacionados às fls. 06-08. E que restou superado o patamar legal de R$ 1.064,10.

Nesse cenário, consigno que não foi possível a identificação da origem mediata das doações, não tendo sido acostado elemento probatório nesse sentido, como ocorreria com a demonstração de que os recursos advieram, por exemplo, das contas- correntes das pessoas físicas doadoras.

A exigência normativa de que as doações de campanha sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Portanto, não se trata de irregularidade meramente formal, haja vista que o seu desatendimento compromete o efetivo controle e a confiabilidade das contas.

Passando à análise da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 10.000,00, no aspecto, adoto o parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 184-191):

No tocante às doações financeiras recebidas acima de R$ 1.064,10 de forma distinta da opção transferência eletrônica, acrescenta-se que é dever do candidato abster-se de utilizar valores recebidos em desacordo com o disposto no art. 18 da Resolução TSE nº 23.463/2015, devendo restituí-los ao doador, salvo impossibilidade, caso em que deve se proceder ao recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, conforme o § 3º do citado artigo, in litteris: […].

(Grifo no original.)

Logo, tendo os candidatos recebido e utilizado recursos sem a identificação de origem, o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 18, § 3º, c/c art. 26, ambos da mesma resolução, é medida que se impõe.

Relativamente à segunda irregularidade, o magistrado a quo reconheceu (fl. 160v.) “… a existência de dívidas de campanha, no valor de R$ 2.495,00 (fl. 05), sem comprovação da assunção da dívida pelo partido político, conforme previsto no art. 27, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.463/2015”.

O art. 28 da Resolução TSE n. 23.463/15 afirma: “Art. 28. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 2º do art. 27, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição”. (Grifei.)

Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO. VEREADOR. SALDO NEGATIVO. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. NÃO RECOLHIMENTO DE SOBRAS DE CAMPANHA. DÍVIDA DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Inexistência de prejuízo pela não concessão de efeito suspensivo à decisão, diante da previsão de recolhimento dos valores somente após trânsito em julgado, forte no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

2. Irregularidades não sanadas. Diversas falhas que comprometem a regularidade das contas. Despesa sem pagamento e dívida sem assunção pelo partido. Ausência de extratos bancários. Não recolhimento de sobras de campanha. Despesas com combustível sem apresentação de documentos que demonstrem a cessão regular de automóvel, apenas sua cedência. Conjunto de falhas graves que impedem a transparência e a confiabilidade da real origem dos recursos aplicados na campanha eleitoral, impondo a manutenção do juízo de desaprovação.

Provimento negado.

(TRE-RS RE n. 591-71, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 14.12.2017.)

(Grifei.)

Tenho, portanto, que a irregularidade em questão restou configurada, razão pela qual deve ser aferida na oportunidade do julgamento, ao final, no conjunto da prestação de contas.

No que se refere à falha reconhecida na decisão como passível de ressalvas, consistente na “existência de despesa anterior ao registro da candidatura”, assiste razão ao recorrente.

No ponto, trago à colação trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 184-191):

Cumpre apenas dar provimento ao recurso no que tange com a suposta despesa no valor de R$ 1.525,91 para Alberto Wachter Negócios Imobiliários Ltda., apontada como realizada em 01 de agosto de 2016, antes do registro da candidatura. Ocorre que consta nos autos cheque no mesmo valor e nominal à referida empresa datado de 1º de outubro de 2016 (fl. 77), bem como contrato de locação firmado pela empresa com o candidato em 22 de agosto de 2016 (fls. 78/80). Assim, entendemos que restou afastada a suposta irregularidade.

Quanto às demais falhas – a saber: (a) falta de assinatura do vice-prefeito no extrato da prestação de contas; (b) realização de despesas após concessão de CNPJ e antes da abertura das contas; (c) gastos eleitorais não informados na prestação de contas parcial; (d) ausência de extratos bancários da conta n. 3003758-8, agência n. 370, perante a Caixa Econômica Federal; (e) despesas realizadas com combustíveis, no montante de R$ 2.863,82, sem o corresponde registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; (f) ausência de capacidade operacional para prestar serviço ou fornecer material contratado da empresa TROOP Multimedia Development Ltda. –, também reconhecidas pela sentença como passíveis de “ressalvas”, em que pesem os argumentos dos recorrentes, devem ser mantidas por seus próprios fundamentos, uma vez que não foram corrigidas.

Prossigo.

Afastada a falha relativa à existência de despesa anterior ao registro de candidaturas, subsistem faltas graves – recebimento de doação irregular e existência de dívidas de campanha – e, considerando o valor total incorretamente arrecadado – 25,22% das receitas percebidas (R$ 39.652,36) –, deve ser mantida a sentença que desaprovou as contas, bem como a determinação do recolhimento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao Tesouro Nacional, a teor do art. 18, § 3º, c/c art. 26, ambos da citada resolução.

In casu, inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade consoante requerem os recorrentes. Não só o valor absoluto da irregularidade é significativo, mas também o percentual não pode ser considerado irrelevante, pois tem essa característica, via de regra, aquele que se amolda dentro de 10% do total da movimentação da campanha, consoante jurisprudência desta Casa e do TSE.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a falha relativa à existência de despesa anterior ao registro de candidaturas, mantendo a sentença que desaprovou as contas apresentadas por PAULO JOEL BENDER LEAL e CÊNIO BACK WEYH, relativas às eleições municipais de 2016, e determinou o recolhimento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao Tesouro Nacional.