RE - 21625 - Sessão: 21/02/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos eleitorais interpostos pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) DE PELOTAS e VITOR ROGER MACHADO NEY contra sentença da 60ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude da arrecadação de recursos de fontes vedadas, determinando o recolhimento da importância de R$ 19.275,00 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão dos repasses do Fundo Partidário por 06 (seis) meses (fls. 179-183).

Em seu recurso (fls. 185-194), o partido suscita a ocorrência de julgamento extra petita, tendo em vista que a norma discutida na instrução processual foi a Resolução TSE n. 23.464/15, ao passo que a sentença se baseou em outras fontes normativas para rejeitar as contas. Argumenta que todas as doações apontadas como provenientes de fonte vedada foram realizadas em período anterior à edição da citada resolução, e que o termo “autoridade” constante na Lei n. 9.096/95 não foi regulamentado antes de 17.12.2015. Menciona que não teve nenhuma doação impugnada nas prestações de contas anteriores e que não há precedentes da Justiça Eleitoral que apontem a ilicitude dessas doações. Argumenta que a questão pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal e requer o provimento do recurso para aprovação das contas.

O presidente do partido no exercício em questão, em sua irresignação (fls. 195-199), reprisa o argumento de que o recebimento de doações da espécie não teria sido considerado ilícito anteriormente e que o disposto na Resolução TSE n. 23.464/15 não pode ser aplicado ao exercício anterior a sua vigência. Requer a reforma da decisão ou a liberação do pagamento da multa.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou (fls. 207-212) pelo desprovimento do apelo.
 

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos e devem ser conhecidos.

Preliminarmente, o partido aduz que a sentença é extra petita, pois a norma discutida na instrução teria sido a Resolução TSE n. 23.464/15, ao passo que a sentença se baseou em outras normas para rejeitar as contas.

O argumento não prospera, uma vez que a magistrada, ao analisar a contabilidade, atuou dentro dos limites da lide, autorizada que estava a dar a devida adequação dos fatos à norma, sem extrapolar os limites dos processos desta natureza.

A fim de evitar tautologia, reproduzo a análise do Ministério Público Eleitoral sobre o tópico (fl. 211v.), a qual adoto como razões de decidir:

[…] há um pedido do partido de aprovação de suas contas, cabendo ao juízo, com base na legislação (Da mihi factum, dabo tibi jus), aprová-las ou não. Destarte, o fato do juiz fundamentar a desaprovação das contas na Resolução n. 23.432/2014 do TSE e não na Resolução n. 23.464/15 do TSE, inicialmente referida pelo corpo técnico, não importa em julgamento extra petita, como afirmado pelos recorrentes.

Ainda sobre essa alegação de julgamento extra petita, cumpre esclarecer que houve manifestação de Técnica Judiciária no sentido da aplicação do art. 12, § 2º, da Resolução TSE 23.432/2014 (fls. 167-168), tendo havido posterior oportunidade de alegações finais (fls. 173-175). Assim, por todos os ângulos que se analise impossível se falar em julgamento extra petita.

Por essas razões, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Anoto, por pertinente, que as doações aqui debatidas foram realizadas pelos detentores dos seguintes cargos na administração municipal: Chefe de Gabinete do Prefeito, Chefe de Departamento, Diretor e Chefe de Administração Distrital; e, ainda, antes de adentrar no mérito do feito, registro que esta Corte, em 12.12.2017, definiu que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei 9.096/95, pela Lei 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. 6. Provimento parcialArt. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(RE 14-97, Relator Dr. Luciano Andre Losekann.) (Grifei.)

 

Dessarte, passo ao mérito da contabilidade dos recorrentes seguindo esse entendimento.

Com efeito, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

 

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos com potencial para malferir a paridade de armas entre os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.432/14, que, em seu art. 12, inc. XII e § 2º, disciplinou o assunto:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

XII – autoridades públicas; (…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta. (Grifei.)

Dessarte, a vedação imposta pela referida Resolução do TSE não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a citada interpretação dada ao termo “autoridade” é anterior ao exercício financeiro de 2015, o que aniquila a argumentação dos recorrentes.

E a jurisprudência deste Regional segue o mesmo entendimento, consoante colacionado no julgado da relatoria do meu antecessor neste Tribunal, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. [...]

Caracterizado o ingresso de recurso de fonte vedada, em face do recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis "ad nutum", da administração direta e indireta, que detém a condição de autoridade, em contrariedade ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Determinação de transferência do montante recebido de fonte vedada ao Fundo partidário. Recebimento de recursos do Fundo Partidário durante o período em que a distribuição de quotas se encontrava suspensa por decisão judicial transitada em julgado. Determinação de restituição do valor ao Erário. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes de sua vigência.

[...] Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 7412, Acórdão de 17.12.2015, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 232, Data 18.12.2015, Páginas 3-4.)

Na espécie, compulsando a listagem de doadores (fls. 78-79 e 167-168) verifica-se que são detentores de cargos de chefia e direção, todos considerados autoridades, nos termos do que foi acima explicitado.

Assim, diante do expressivo montante arrecadado de fontes vedadas (R$ 19.235,00), representando o percentual de 34,22% das receitas do partido, deve ser mantida a desaprovação das contas na origem, não sendo viável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade nem o afastamento da determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor reconhecido como oriundo de fonte vedada.

Entretanto, quanto ao prazo da suspensão do Fundo Partidário, a jurisprudência firmou-se no sentido da fixação proporcional da sanção:

Prestação de contas de campanha. Partido político. Exercício financeiro de 2008.

1. A ausência de comprovação de verbas originárias do Fundo Partidário e a existência de recurso de origem não identificada configuram irregularidades capazes de ensejar a desaprovação das contas.

2. O agravante recebeu do Fundo Partidário o montante de R$ 222.808,17 e as irregularidades das receitas oriundas deste totalizaram R$ 29.885,94, o que equivale a 13,41% do montante total dos recursos arrecadados, além de ter sido registrada a existência de falha, no valor de R$ 15.240,39, referente a recursos de origem não identificada, o que revela que a suspensão do repasse das quotas do Fundo pelo período de seis meses é razoável e não contraria o art. 30, § 2º, da Lei 9.096/95.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 378116, Acórdão de 07.11.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, Página 15)

Recurso. Prestação de contas de partido. Diretório Municipal. Artigos 10 e 11 da Res. TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Desaprovam-se as contas quando verificada a utilização de recursos com origem não identificada e não apresentados os livros contábeis obrigatórios, impedindo a fiscalização da escrituração pela Justiça Eleitoral.

Redução da fixação da suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 3489, Acórdão de 10.7.2014, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.7.2014, Página 2.)

No caso, considerando o valor recebido a título de fonte vedada e o porte da agremiação, o período de suspensão deve ser reduzido ao prazo de 04 (quatro) meses.

Ante o exposto, VOTO no sentido de afastar a preliminar de nulidade da sentença por julgamento extra petita e, no mérito, pelo parcial provimento dos recursos, apenas para reduzir o prazo de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para 04 (quatro) meses, mantendo os demais termos da sentença.