RE - 1315 - Sessão: 07/03/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RAUL LOURENÇO BECKER contra sentença do Juízo da 076ª Zona Eleitoral, que desaprovou as contas referentes ao exercício financeiro de 2015, determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) e impôs a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano (fls. 162-165v.).

Nas suas razões, preliminarmente, alega a ilegitimidade passiva, ao argumento de não integrar a Comissão Provisória do PTB de Novo Hamburgo. No mérito, sustenta que as falhas identificadas ostentam natureza formal, não comprometendo a regularidade da escrituração. Requer a reforma da sentença, a fim de aprovar as contas, ainda que com ressalvas (fls. 170-184).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 189-195v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no DEJERS em 29.8.2017 (fl. 167) e a interposição ocorreu em 01.9.2017 (fl. 169).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Inicialmente, adianto que a preliminar de ilegitimidade passiva do recorrente não comporta acolhimento.

Consoante certidão (fls. 46-47), extraída do SGIP – Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias, verifico que o recorrente integrou a composição do diretório municipal da agremiação, no cargo de tesoureiro-geral, até 30.4.2015.

Logo, considerando que as contas abrangem todo o exercício financeiro de 2015, ainda que não tenha participado da composição do órgão partidário por todo o período, subsiste a imposição de o recorrente integrar, em litisconsórcio necessário com os demais dirigentes do exercício financeiro, o presente feito.

Essa é a interpretação que se extrai do art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14:

Art. 38. Havendo impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela unidade técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, o juiz ou relator determinará a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa no prazo de quinze dias e requeiram, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos oriundos de autoridade pública, considerada como fonte vedada pela norma eleitoral. Para evitar tautologia, colho trecho da decisão:

Inicialmente, cumpre explanar que o Tribunal Superior Eleitoral, com base no que fora decidido na Consulta n. 1.428, interpretou a referida disposição da Lei dos Partidos Políticos e editou a Resolução n. 22.585/2007, afirmando que detentores de cargo em comissão que exerçam função de direção ou chefia se enquadram no conceito de autoridade, sendo vedado ao partido, portanto, receber contribuições dos referidos servidores: PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/1995. 1. Para fins da vedação prevista no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/1995, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res.-TSE n. 21.841/2004. Recurso especial desprovido. (Recurso Especial Eleitoral n. 4930 - Criciúma/SC, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Sessão de 1.11.2014.) (grifo nosso). Posteriormente, reiterando a posição acima relatada, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução n. 23.077/2009, segundo a qual as contribuições de filiados de partidos políticos devem observar a interpretação dada ao inciso II do artigo 31 da Lei n. 9.096/1995 na Resolução TSE n. 22.585/2007: 23.077 - PETIÇÃO N. 100 - CLASSE 18ª - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL. (...) 5. A fixação de critérios de contribuição de filiados do partido deve observar a interpretação dada ao inciso II do art. 31 da Lei n. 9.096/95 na Resolução-TSE n. 22.585/2007. 6. Pedido deferido parcialmente. Resolvem os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, deferir parcialmente o pedido, nos termos do voto do relator. Presidência do Sr. Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes a Sra. Ministra Cármen Lúcia, os Srs. Ministros Ricardo Lewandowski, Felix Fischer, Fernando Gonçalves, Marcelo Ribeiro, Arnaldo Versiani e o Dr. Antonio Fernando de Souza, Procurador-Geral Eleitoral. Brasília, 4 de junho de 2009. Após a consolidação da interpretação dada pelo TSE ao inciso II do art. 31 da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, passaram a julgar as contas partidárias com observância à mencionada vedação: 1. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A previsão de fonte vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica daqueles que tenham alguma vinculação com órgãos públicos, assim como evitar a manipulação da máquina pública em benefício eleitoreiro. 2. Reconhecida como fontes vedadas as contribuições provenientes de chefe de gabinete, chefe de setor, procuradora-geral, secretário municipal, chefe de setor, chefe departamento técnico, chefe de núcleo, vereador, chefe de licitações, secretário municipal adjunto, chefe de turma, coordenador administrativo, chefe de departamento agropecuário, chefe de departamento de saúde, chefe de departamento de compras, capataz de distrito, chefe de departamento de habitação, coordenador de saúde. Montante que representa percentual expressivo em relação ao total de receitas do exercício. (...) Provimento negado. (TRE-RS, Recurso Eleitoral 38-74.2016.6.21.0093, Acórdão de 31.01.2017, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES) (grifo nosso). A própria Resolução do TSE n. 23.432/2014, que cuida das prestações de contas partidárias e é aplicável ao exercício em tela, prevê: Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (...) XII autoridades públicas; (…) Ainda, o seu artigo 12, § 2º, traz o conceito de autoridade: “Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta”. Portanto, conclui-se que são vedadas as doações e contribuições feitas por ocupantes de cargos demissíveis ad nutum com poderes de chefia e direção, não havendo falar que a norma fere o princípio da separação dos poderes ou o princípio da legalidade, uma vez que, ao contrário, tem o escopo de evitar a influência econômica daqueles que tenham alguma vinculação com órgãos públicos, assim como evitar a manipulação da máquina pública em benefício eleitoreiro. No caso em tela, o doador Darwin Frederico Kremer ocupou o cargo de Coordenador de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência no período de 14.01.2009 a 31.12.2015, conforme informado pela Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo ao Cartório Eleitoral, caracterizando-se cargo de chefia e direção, conforme previsto no artigo 2º, parágrafo único, da Lei Municipal n. 2.401/2011.

Em sua irresignação, o recorrente reputa a inconsistência como sendo de natureza formal, ao argumento de não restar comprometida a regularidade das contas.

Pois bem.

Compulsando os autos, observo que a análise técnica identificou o recebimento de contribuições, no montante de R$ 1.600,00, provenientes de Darwin Frederico Kremer, ocupante, no exercício financeiro sob exame, do cargo de Coordenador de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência (fls. 50-51).

O art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII – autoridades públicas;

[…]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Note-se que o cargo de coordenador se insere na vedação, porquanto a atividade desenvolvida se relaciona diretamente com o exercício de função de direção ou chefia, consoante se extrai do art. 2º e da descrição das atribuições do cargo previstas no Anexo II da Lei n. 2.401/11, do Município de Novo Hamburgo.

Nesse sentido:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridades, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia. Excluída da condição de doação irregular a realizada pelo detentor do cargo de assessor de gabinete.

Período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário mitigado conforme os parâmetros da razoabilidade. Redução do valor a ser recolhido ao mesmo fundo, diante da revisão das doações consideradas como de fonte vedada.

Provimento parcial.

(RE 27-72. Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Labarrère. Julgado em 5.3.2015. Unânime.)

Acrescento que este Tribunal, no julgamento do RE n. 14-97.2016.6.21.0076, debateu acerca da incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17 - que admite as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político - e fixou entendimento pelo emprego da legislação vigente na época da prestação de contas.

Por elucidativo, transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei.)

6. Provimento parcial.

Dessarte, à luz das disposições constantes no art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14, deve ser considerada como proveniente de fonte vedada a quantia recebida, no montante de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), e determinado o seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Daí, a falha identificada compromete o controle e a confiabilidade das receitas e despesas, não autorizando a aprovação das contas, em virtude do emprego do princípio da transparência.

No que concerne ao prazo de suspensão de repasse das quotas de Fundo Partidário, determinado no patamar de um ano, tenho que comporta redução.

Este Tribunal, por meio de juízo de proporcionalidade e razoabilidade, amiúde reduz aquelas suspensões fixadas no patamar máximo de 12 (doze) meses, mediante a observância dos parâmetros da gravidade, do valor e do percentual alcançado pelas irregularidades, bem como do comportamento do partido político durante a prestação de contas.

Considerando essas premissas, entendo por reduzir a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário para o período de 02 (dois) meses.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, apenas para reduzir para 02 (dois) meses o período de suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, mantendo o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) ao Tesouro Nacional.