RE - 50427 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

Submeto à apreciação do Tribunal alguns argumentos que considero importantes para o alcance da melhor justiça no caso concreto.

O ponto nodal da controvérsia em apreço está na validade, ou não, da interceptação telefônica realizada com base em denúncias anônimas, levadas ao conhecimento do chefe de cartório eleitoral e referidas em certidão por ele lavrada nos autos.

De acordo com o entendimento divergente, o registro do recebimento de notícias apócrifas narrando o cometimento de crime eleitoral, quando reduzido a termo em certidão exarada por servidor dotado de fé pública, descaracterizaria o caráter anônimo da informação. Agrega-se, ainda, a esse fundamento, a proximidade do pleito, ocorrido no domingo, 02.10.2016, diante do recebimento das denúncias anônimas na segunda-feira anterior à eleição, 26.09.2016.

Inicialmente, consigno que a denúncia anônima é perfeitamente admitida em nosso ordenamento jurídico como forma de dar início à apuração de prática delitiva. O Superior Tribunal de Justiça tem admitido a utilização de notícia anônima como elemento desencadeador de procedimentos preliminares de averiguação, repelindo-a, todavia, como fundamento propulsor à imediata instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de interceptação telefônica (HC n. 204.778/SP, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 29.11.2012).

O Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a deflagração da persecução penal pela chamada denúncia anônima, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedente (HC n. 108.147/PR, Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 1º.2.2013).

De igual modo, o Tribunal Superior Eleitoral, citando julgados do STF, também possui entendimento de que somente não se cogita de ilicitude da prova quando investigações preliminares subsidiam o pedido de quebra de sigilo telefônico (RESPE n. 30810, Min. João Otávio De Noronha, DJE 22.10.2015).

Considero, também, não ser suficiente para a legitimidade da interceptação o argumento relativo à exiguidade do prazo para realização de investigações preliminares, seja porque as denúncias anônimas foram levadas ao conhecimento do Ministério Público Eleitoral cerca de uma semana antes da data do pleito, seja porque o § 3º do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 permite o ajuizamento da representação por captação ilícita de sufrágio até a data da diplomação, que em Santa Rosa foi realizada em 19.12.2016, e não somente até a data da eleição, ocorrida em 02.10.2016.

É dizer: o simples fato de não se identificar o autor da denúncia, não impede, por si só, que diligências sejam realizadas. O que não se tolera, porém, é que, a partir da denúncia anônima, de pronto seja determinada a interceptação telefônica, impondo-se, antes disso, a realização de algumas diligências preliminares, aptas, ainda que de forma precária, a dar um mínimo de sustentação à acusação apócrifa.

A motivação, a meu ver, não se afigura como justa, razoável ou proporcional para que seja determinada a quebra de sigilo e violada, a priori, a intimidade da parte investigada, nos termos dos incs. XII e LVI do art. 5º da Constituição Federal e do art. 2o da Lei n. 9.296/96.

Pondero que, para os feitos criminais, o art. 6º do Código de Processo Penal coloca à disposição, sem caráter de exaustividade ou vinculação, inúmeras diligências investigatórias que, conforme juízo de oportunidade e conveniência, poderão ser adotadas para alcance da apuração de autoria e materialidade.

No âmbito da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, a Resolução n. 06/2016, do Ministério Público do RS, que disciplina o Procedimento Preparatório Eleitoral – PPE –, passível de ser instaurado pelos Promotores de Justiça no exercício da função eleitoral, e dá outras providências, estabelece uma série de diligências que podem auxiliar na apuração dos ilícitos eleitorais.

Todas essas considerações demonstram que a interceptação telefônica é subsidiária e excepcional e que, no caso concreto, não poderia ter sido determinada com base exclusiva em denúncias anônimas.

A última questão que merece debate é a relativa à subsistência do anonimato frente à lavratura de uma certidão, pelo chefe de cartório, narrando o recebimento de denúncias de compra de votos por parte de pessoas que não quiseram se identificar.

Tenho que o raciocínio deve ser construído a partir dos fundamentos dos julgados acima referidos, pois os precedentes estão pautados na vedação ao anonimato prevista no art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal.

Pelo conteúdo da certidão cartorária (fl. 18), conclui-se que o chefe de cartório que a subscreve não presenciou nenhum ato ilícito praticado pelo recorrente, não sendo ele o autor de qualquer denúncia.

A certidão é expressa ao apontar que “as pessoas optam por fazer a denúncia anonimamente” e, de forma vaga, sem apontar dados concretos, datas ou locais, refere o recebimento de “inúmeras denúncias”, no sentido de que Miro Jesse e Fernando Classmann “estariam abusando do poder econômico, promovendo ampla e indiscriminada compra de votos nas eleições municipais de 2016”, e que Fernando Classmann estaria “distribuindo dinheiro para seus eleitores em troca do voto”.

Com muito respeito ao entendimento divergente, penso que, nessa hipótese, o servidor simplesmente reduziu a termo o recebimento de uma denúncia anônima, permanecendo o relato absolutamente genérico e impreciso, em nada alterando a situação fática relativa à autorização de interceptação telefônica sem prévias diligências.

Nenhuma ação foi praticada com vistas à adoção de medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência dos fatos, medida que poderia ter sido tomada inclusive com preservação da identidade dos noticiantes.

Tenho, assim, que a prova não respeitou as garantias do devido processo legal albergadas na Constituição Federal, desrespeitando os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão e pela jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, o que leva a considerar ilegal a realização de interceptação telefônica tendo por fundamento o recebimento de denúncias anônimas.

Com essas considerações e renovando as vênias ao entendimento divergente, acompanho o bem-lançado voto do ilustre relator.

 

Des. Luciano Losekann:

Sr. Presidente, a questão central deste processo é saber se a vedação do anonimato constitucionalmente prevista pode ser superada a partir de lavratura de certidão pelo escrivão eleitoral, depois ouvido pelo Ministério Público eleitoral, que, então, requereu a quebra do sigilo telefônico, medida deferida judicialmente.

Penso que cabe aqui, no caso concreto, a lição do Professor Eugênio Pacelli, quando trata do inquérito policial e se refere a questão do anonimato, das provas obtidas a partir de pessoas que não se identificam: “A partir da cláusula constitucional de vedação ao anonimato, art. 5º, inc. IV, in fine, da Constituição Federal, a suprema Corte teve a oportunidade de ressaltar a impossibilidade de instauração de persecução criminal – leia-se inquérito policial ou procedimento investigatório – com base unicamente em notitia criminis apócrifa, salvo quando o documento em questão tiver sido produzido pelo acusado, segundo a acusação, ou constituir o próprio corpo de delito”. É o que se vê na questão de ordem suscitada no curso do inquérito n. 1.957, do Paraná, relator o Ministro Carlos Velloso e com substanciosa declaração de voto do eminente Ministro Celso de Mello. Essa informação consta do Informativo 387 do STF.

O STJ, contudo, já teve oportunidade de se manifestar em sentido diverso, conforme se vê no julgamento do HC 44.649, de São Paulo e, mais recentemente, no HC 106.040, de São Paulo. “Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham, ou não, elementos informativos idôneos o suficiente, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado” (HC 44.649/SP, rel. Min. Laurita Vaz). E em outro acórdão: “Inexiste ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações iniciadas por notícia anônima, eis que a autoridade policial tem o dever de apurar a veracidade dos fatos apurados. Inteligência do art. 4º, § 3º, do CPP” (HC 106.040/SP, rel. Min. Jane Silva – Desa. Convocada)

E segue o Prof. Pacelli: “A questão é deveras complexa, tendo em vista que não raras vezes o autor da noticia criminis permanece no anonimato precisamente como meio de proteção pessoal e de seus familiares, então, exatamente por isso, é de se receber com ressalvas a aludida decisão, até mesmo porque ela deixa consignada a necessidade de cautela na análise de cada caso. A chamada delação anônima, com efeito, não pode ser submetida a critérios rígidos e abstratos de interpretação. O único dado objetivo que se pode extrair dela é a vedação à instauração de ação penal com base unicamente em documento apócrifo, isso porque de fato faltaria justa causa à ação diante da impossibilidade demonstrada a priori da indicação do material probatório a ser desenvolvido no curso da ação. Mas no que respeita à fase investigatória, observa-se que diante da gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da informação, a autoridade policial deve encetar diligências informais, isto é, ainda no plano da apuração da existência do fato – e não da autoria – para comprovação da idoneidade da notícia, é dizer, o órgão persecutório deve promover diligências para apurar se foi ou não, se está ou não sendo praticada a alegada infração penal. O que não se deve é determinar a imediata instauração de inquérito policial sem que se tenha demonstrado a infração penal, nem mesmo qualquer indicativo idôneo de sua existência. Em duas palavras, utilizadas, aliás, pelo Ministro Celso de Mello, com fundamento na doutrina de Frederico Marques: deve-se agir com prudência e discrição, sobretudo para evitar a devassa indevida no patrimônio moral de quem tenha sido levianamente apontado na delação anônima”.

A meu ver, e estou concordando com o eminente relator, o simples fato do escrivão - embora sua fé pública – reduzir a termo aquelas denúncias anônimas, não serve para suplantar a cláusula constitucional que veda o anonimato nesses casos. A meu ver, correto o relator quando entende pela ilicitude dessa prova. Neste caso concreto, deveria o Ministério Público ter requisitado à Polícia Federal que procedesse investigação, ainda que breve, para depois, caso entendesse cabível, ser requerida a quebra do sigilo telefônico.

Com esses acréscimos, acompanho o eminente relator.

 

Des. Eduardo Bainy:

Acompanho o relator.

 

Des. Fed. João Batista:

Com o relator, Sr. Presidente.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Com a vênia do eminente relator, acompanho a divergência do Des. Bannura, considerando lícita a prova.