RE - 21103 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Pelotas contra sentença (fls. 340-344) que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de recursos no importe de R$ 3.014,15 oriundos de fonte vedada, determinando o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional e a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário, pelo período de três meses.

Em sua irresignação (fls. 346-351), o recorrente afirma que o termo legal autoridade, previsto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, é incompatível com a interpretação a ele atribuída pelo TSE. Sustenta que o cargo ocupado pelo doador possui típicas atribuições de assessoramento. Argumenta ser indevido atribuir ao doador o exercício de função de autoridade pública, considerando que o mesmo detém meras obrigações de chefia. Requer a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 356-360v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral dia 03.10.2017 (fl. 345), e o recurso foi interposto no dia 04 do mesmo mês (fl. 346), sendo observado, assim, o prazo de 3 dias previsto pelo art. 53, § 1º da Resolução TSE n. 23432/14.

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em virtude do recebimento de doações no valor de R$ 3.014,15 provenientes de fonte vedada, qual seja, de detentor do cargo de Chefe de Assessoria Jurídica da Câmara de Vereadores de Pelotas, considerado autoridade pública pela sentença.

Com razão a sentença recorrida.

Como se verifica na descrição das funções, juntada na folha 292, verso, além das funções tipicamente de assessoramento, o doador também tem as atribuições de “chefiar a Assessoria Jurídica, coordenando os seus trabalhos” e “supervisionar as tarefas dos demais assessores”, responsabilidades próprias do exercício de chefia, com imposição hierárquica sobre os demais assessores.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No conceito de autoridade pública previsto no artigo referido inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação, decorrente do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.03.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.03.2015, p. 02.)

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.)

Tal entendimento foi, inclusive, solidificado na Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado nestes autos:

art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

XII - autoridades públicas

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Pacificado, portanto, o entendimento de que servidores ocupantes de cargos comissionados com atribuições de direção e chefia são considerados autoridade pública para fins de doação partidária. Tal entendimento foi firmado para impedir nomeações com a precípua finalidade de abastecer os cofres partidários em detrimento da eficiência da Administração Pública.

Dessa forma, adequado o enquadramento da doação como oriunda de fonte vedada, pois o entendimento adotado está em conformidade com a jurisprudência.

Por fim, insta salientar que a jurisprudência desta Corte e do TSE reputam como sendo de extrema gravidade o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, de modo que a irregularidade verificada é insanável, e a reprovação das contas é medida que se impõe.

Entrementes, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de três meses na sentença, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral utiliza tais parâmetros, a fim de verificar a adequação da sanção. Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, p. 71.)

No caso dos autos, os recursos originados de fonte vedada somam R$ 3.014,15, equivalente a pouco mais de 13% do total arrecadado pelo partido. Além do reduzido e diminuto valor absoluto da irregularidade, não se vislumbra má-fé do ente partidário, de forma que a suspensão do repasse do Fundo Partidário deve ser reduzido de três para um mês.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário para 01 mês, mantendo a determinação de recolhimento dos recursos oriundos de fonte vedada ao Tesouro Nacional.