RE - 3528 - Sessão: 04/12/2017 às 17:00

 Senhor Presidente, eminentes colegas.

Peço vênia para divergir do voto proferido pelo relator, pois entendo que o prazo recursal deve ser contado apenas em dias úteis.

A sentença foi publicada no dia 09.8.2017 (quarta-feira). Sexta-feira, dia 11.8.2017 foi feriado, de forma que o prazo, iniciado na quinta-feira, permaneceu suspenso por três dias, vindo a encerrar-se somente 15.8.2017 (terça-feira).

Contando-se o tríduo legal na forma do art. 219 do CPC, com a suspensão do prazo no final de semana, de fato, a terça-feira foi o último dia para interposição do recurso.

Como já tive oportunidade de me manifestar nesta Corte, embora a Resolução TSE 23.478/2016, no seu art. 7º, caput, estabeleça que “o disposto no art. 219 do Novo Código de Processo Civil não se aplica aos feitos eleitorais”, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral ultrapassou o seu poder regulamentar ao disciplinar tal matéria em confronto com norma legal expressa.

É reconhecido o poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral, a ele atribuído pela legislação eleitoral para expedir “as instruções que julgar convenientes à execução deste Código” (art. 23, IX, do CE), “todas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos previamente, em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito” (art. 105 da Lei 9504/97) e “instruções para a fiel execução desta Lei” (art. 61 da Lei 9.096/97).

Verifica-se pelo teor dos dispositivos acima descritos que o poder normativo foi conferido ao TSE na exata medida de sua competência para gerir os pleitos eleitorais, limitando-se à fiel execução das normas do Código Eleitoral, da Lei Eleitoral e da Lei dos Partidos Políticos, preenchendo vazios normativos e minudenciando regras legais pertinentes às eleições.

Ao TSE não é conferida competência constitucional para atuar em pé de igualdade com o Poder Legislativo, órgão vocacionado à criação de direitos e obrigações, a quem é constitucionalmente conferida a competência para inovar no ordenamento jurídico, por meio da edição das leis.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca dos limites do poder regulamentar do TSE, negando à Justiça Eleitoral o poder de editar normas que caminhem no sentido contrário das opções legislativas.

Ao julgar a constitucionalidade da Resolução TSE 23.396/2013, a qual impôs autorização prévia do Judiciário para instauração de inquérito policial, a Suprema Corte reconheceu o excesso regulamentar do TSE, como se verifica pela seguinte ementa:

Resolução nº 23.396/2013, do Tribunal Superior Eleitoral. Instituição de controle jurisdicional genérico e prévio à instauração de inquéritos policiais. Sistema acusatório e papel institucional do Ministério Público. 1. Inexistência de inconstitucionalidade formal em Resolução do TSE que sistematiza as normas aplicáveis ao processo eleitoral. Competência normativa fundada no art. 23, IX, do Código Eleitoral, e no art. 105, da Lei nº 9.504/97. 2. A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal. Precedentes. 3. Parâmetro de avaliação jurisdicional dos atos normativos editados pelo TSE: ainda que o legislador disponha de alguma margem de conformação do conteúdo concreto do princípio acusatório – e, nessa atuação, possa instituir temperamentos pontuais à versão pura do sistema, sobretudo em contextos específicos como o processo eleitoral – essa mesma prerrogativa não é atribuída ao TSE, no exercício de sua competência normativa atípica. 4. Forte plausibilidade na alegação de inconstitucionalidade do art. 8º, da Resolução nº 23.396/2013. Ao condicionar a instauração de inquérito policial eleitoral a uma autorização do Poder Judiciário, a Resolução questionada institui modalidade de controle judicial prévio sobre a condução das investigações, em aparente violação ao núcleo essencial do princípio acusatório. 5. Medida cautelar parcialmente deferida para determinar a suspensão da eficácia do referido art. 8º, até o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Indeferimento quanto aos demais dispositivos questionados, tendo em vista o fato de reproduzirem: (i) disposições legais, de modo que inexistiria fumus boni juris; ou (ii) previsões que já constaram de Resoluções anteriores do próprio TSE, aplicadas sem maior questionamento. Essa circunstância afastaria, quanto a esses pontos, a caracterização de periculum in mora.

(STF, ADI 5104 MC, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 21.05.2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29.10.2014 PUBLIC 30-10-2014.) 

Elucidativa a decisão proferida pelo Ministro Luis Roberto Barroso, da qual extraio a seguinte passagem:

[…] ainda que o poder regulamentar possa autorizar, em alguma medida, o desenvolvimento de conteúdos que não sejam tratados de forma analítica na legislação, disso certamente não decorre que o TSE esteja autorizado a introduzir inovações substantivas na atual forma de concretização do princípio acusatório.

Também o Ministro Ricardo Lewandowski, na mesma oportunidade, reconheceu a submissão do poder normativo do TSE a balizas legais:

O poder regulamentar e normativo da Justiça Eleitoral é fundamental para o bom andamento das eleições e execução da legislação eleitoral, mas deve ser exercido dentro de certas balizas formais e materiais. Assim, as resoluções eleitorais só podem ser expedidas segundo a lei, secundum legem, ou para suprir alguma lacuna normativa, praeter legem, sem contudo inovar em matéria legislativa ou contrariar dispositivo legal, contra legem.

Mesmo ao apreciar a constitucionalidade da Resolução 22.610/07, que disciplina o procedimento para a ação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária, o Supremo reconheceu o seu caráter transitório e o contexto excepcional em que foi editada, pois manterá sua vigência somente para viabilizar a efetividade do princípio da fidelidade partidária enquanto não houver norma legal regulando a matéria. Reproduzo a ementa da decisão:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. [...] 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.(ADI 3999, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/2008, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-01 PP-00099 RTJ VOL-00208-03 PP-01024)

No caso ora sob análise, a legislação eleitoral não possui regra específica sobre a contagem contínua e ininterrupta dos prazos processuais, à exceção daquela estabelecida no artigo 16 da LC 64/90, a qual disciplina pontualmente os prazos no registro de candidatura durante o período eleitoral (os prazos a que se referem o art. 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados).

De acordo com o entendimento firmado pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral sob a égide do CPC/73, “a aplicação das regras do Código de Processo Civil ocorre de maneira subsidiária quando ausente disciplina própria para a matéria no processo eleitoral' (AgR-AI nº 6809/SP, Rel. Min. Caputo Bastos, de 11.4.2006)” (AgRg no RESPE nº 178, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE: 09/09/2014), entendimento que veio a ser legalmente confirmado, por meio do artigo 15 do novo Código de Processo Civil, segundo o qual “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Assim, a nova sistemática dos prazos processuais introduzida pelo CPC/15, estabelecendo a sua contagem apenas em dias úteis, deve ter aplicação aos processos eleitorais, por inexistir norma eleitoral em sentido contrário. A Resolução TSE 23.478/2016, ao impedir a aplicação dessa nova sistemática aos feitos eleitorais, negou vigência à opção legislativa e adotou um sistema de contagem de prazos desassistido de respaldo legal.

É conhecida a importância do valor celeridade para os feitos eleitorais, todavia, a busca pela presteza jurisdicional por meio do poder normativo do TSE deve ser realizada dentro das balizas legais, não sendo permitido à Justiça Eleitoral adotar critérios contrários ao ordenamento. Ademais, a suspensão dos prazos processuais aos sábados, domingos e feriados, notadamente fora do período eleitoral, não atrasam o andamento dos processos, nem influenciam para eventual perda do objeto das representações.

Dessa forma, resta imperioso reconhecer a ilegalidade da regra fixada no caput do artigo 7º da Resolução 23.478/2016, mantendo-se a contagem dos prazos processuais nos feitos eleitorais somente nos dias úteis, conforme estabelece o artigo 219 do CPC.

Faço, ainda, uma ressalva final quanto à contagem dos prazos processuais durante o período eleitoral: o art. 219 do CPC define que na contagem dos prazos em dias computar-se-ão somente os dias úteis, estabelecendo a suspensão dos prazos nos finais de semana e feriados. Ocorre que, durante o período eleitoral, todos são dias úteis para a Justiça Eleitoral, a qual funciona permanentemente, inclusive aos sábados, domingos e feriados, conforme sinaliza o art. 16 da LC 64/90, sendo contínuos e ininterruptos os prazos nesse período.

Veja-se, portanto, que é plenamente possível assegurar a celeridade processual com respeito ao ordenamento jurídico, interpretando-se os termos da lei em conformidade com as peculiaridades desta Justiça especializada, sem negar vigência às opções legislativas.

Dessa forma, a aplicação do art. 219 do CPC aos feitos eleitorais, desde que interpretado à luz das especificidades da Justiça Eleitoral não inviabiliza a celeridade processual necessária à atuação desta especializada, de forma que os prazos processuais iniciados, por exemplo, em 15 de agosto de 2016 ou encerrados em 16 de dezembro desse ano (período no qual a Justiça permaneceu aberta aos sábados, domingos e feriados, conforme estabeleceu o art. 5º, da Resolução 23.462/2015) devem ser contínuos e ininterruptos, pois todos são dias úteis para a Justiça Eleitoral. Fora desse período, os prazos suspendem-se aos sábados domingos e feriados.

Este Tribunal já posicionou-se no sentido de reconhecer a suspensão do prazo processual aos finais de semana, como se extrai da seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Preliminar. Citação. Dirigentes partidários. Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15. Exercício financeiro de 2014.

1. Afastada preliminar de intempestividade. Obediência ao tríduo legal estabelecido pelo art. 53, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, contado na forma do art. 219 do Código de Processo Civil, que prevê a contagem do prazo somente em dias úteis. Aparente conflito entre a regra disciplinada pelo código processual e as normas que tratam da contagem do prazo na Justiça Eleitoral. Não configurado prejuízo à celeridade exigida no processo eleitoral no reconhecimento da tempestividade, uma vez que o art. 16 da Lei Complementar n. 64/90 determina a contagem de prazos de forma ininterrupta e contínua em fase específica do calendário eleitoral no ano da eleição, aplicando-se essa regra especial, portanto, ao período eleitoral. Em relação ao período não eleitoral, emprega-se o disposto no art. 7º, “caput”, da Resolução TSE n. 23.478/16. Não evidenciado excesso no exercício do Poder Regulamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ausente a ilegalidade. Reconhecimento da tempestividade. Recurso conhecido.

2. Acolhida a preliminar de inclusão dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) no polo passivo. Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da necessária citação dos responsáveis das agremiações nos processos de prestação de contas partidárias, ao argumento de que as novas disposições contidas na Resolução TSE n. 23.464/15 caracterizam-se como regras de direito processual, a serem aplicadas imediatamente aos processos em tramitação. Realinhamento da posição deste Colegiado com o entendimento firmado pela Corte Superior.

Anulação do feito desde a citação. Retorno dos autos ao juízo de origem.

(TRE/RS, RE 91-38, Rel. Jamil Andraus Hanna Bannura, julg. 25.01.2017.)

Reconheço, portanto, a tempestividade do recurso.