RE - 1714 - Sessão: 06/03/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB) DE CANDIOTA contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando o recolhimento de R$ 1.317,09 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de doze meses (fls. 272-274).

Em suas razões, afirma que o PMDB de Candiota é uma pequena agremiação política e que não agiu com má-fé, dolo ou ardil, tampouco com a intenção de embargar a fiscalização da Justiça Eleitoral ou desviar recursos. Sustenta a inconstitucionalidade do art. 12, inc. XII, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15. Alega que as irregularidades não subsistem, uma vez que Adriano Revelante Fagundes não ocupou cargo vinculado ao município, mas, sim, em entidade estadual, e que Gildo Feijó da Silva era detentor do mandato eletivo de vereador, não sendo alcançado pela proibição do art. 31, inc. II, da Lei 9.096/95. Assevera que a Lei n. 13.488/17 possibilitou as contribuições de filiados, disposição que deveria retroagir por tratar-se de inovação mais benéfica. Invoca o princípio da proporcionalidade para reduzir o período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário. Requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, ou, subsidiariamente, a diminuição do prazo de suspensão (fls. 280-288).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, com retorno dos autos à origem para a aplicação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (na redação conferida pela Lei n. 13.165/15), e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, aplicando-se, de ofício, a multa de até 20% da importância apontada como irregular (fls. 291-298).

Intimado para apresentar manifestação acerca da prefacial de nulidade da sentença (fl. 303), o recorrente permaneceu silente (fl. 304).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 25.10.2017 (fl. 275) e o recurso, interposto no dia 30 do mesmo mês (fl. 280), respeitando o tríduo previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

 

1. Preliminares

Passo ao exame das preliminares suscitadas:

a) nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a nulidade da sentença, eis que omissa quanto à aplicação da multa de até 20% sobre a importância apontada como irregular, prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95.

A prefacial não prospera.

O magistrado de origem consignou expressamente que “a legislação aplicável é a Resolução TSE n. 23.464/15”, diploma normativo editado sob a égide das alterações legais veiculadas pela Lei n. 13.165/15.

Dessa forma, não houve equívoco quanto ao regime jurídico aplicável no julgamento do caso concreto.

Na hipótese, tem-se, de fato, uma omissão no tocante à aplicação do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, que reproduz o teor do contido no art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.165/15, em relação à multa de até 20% da importância assumida como irregular.

Entretanto, considerando que o recurso é exclusivo do prestador de contas, entendo ser inaplicável a decretação de nulidade da decisão, ou mesmo a cominação da sanção ex officio pelo Tribunal.

O art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, e seu § 1º autoriza que sejam objeto de apreciação e julgamento do tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

No caso concreto, a condenação à multa sobre o valor da irregularidade apurada nas contas não constou em nenhum capítulo da sentença e não é matéria impugnada ou discutida no curso do processo. O tema sequer foi tratado nas razões recursais, encontrando-se precluso.

Não há como inovar sobre essa questão na fase recursal, porque a falta de sancionamento é tema sujeito à preclusão, que não pode ser corrigido em face de outro princípio, relativo à vedação da reformatio in pejus, estampado no art. 141 do CPC: “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.

O princípio segundo o qual tantum devolutum quantum appellatum é reflexo das normas processuais relativas à obrigatoriedade de correlação, ou congruência, entre o pedido feito pela parte e a decisão do juiz. De acordo com a jurisprudência do TSE, ainda que a sentença não aplique de forma correta a sanção prevista no texto legal, enquanto reflexo ou decorrência da condenação, não cabe ao Tribunal corrigi-la, pois a atividade cognitiva da instância ad quem está adstrita aos limites impostos pelo objeto recursal. Confira-se a ementa de acórdão que se vale desse raciocínio:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E MULTA. EFEITO DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO DO RECURSO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo provido para melhor análise do recurso especial eleitoral.

2. O juiz eleitoral julgou procedente o pedido formulado na representação por violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas aplicou apenas a sanção de multa. Recurso dos autores da representação (os réus, candidatos eleitos, não recorreram da sentença condenatória). A conclusão Regional encontra-se em harmonia com o entendimento do TSE, pois o efeito devolutivo do recurso (tantum devolutum quantum appellatum) autoriza que o Tribunal analise as matérias que foram efetivamente impugnadas pelo recurso, razão pela qual não era possível ao Tribunal a quo apreciar a presença ou não dos requisitos configuradores do art. 41-A da Lei n. 9.504/1997, mas apenas a questão envolvendo a cumulatividade ou não das sanções (multa e/ou cassação de diploma), única matéria devolvida no recurso interposto pelos autores da representação.

3. A questão não envolve o efeito translativo do recurso, porque este encontra limites no próprio recurso eleitoral interposto, não alcançando a matéria de fundo não impugnada - qualificação dos fatos como captação ilícita de sufrágio -, pois, segundo jurisprudência do STJ, “o efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas” (REsp n. 1.484.162/PR, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24.2.2015).

4. Recurso desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 32118, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22.3.2017, Página 100-101.) (Grifei.)

O tema deveria ter sido invocado em sede de embargos de declaração, que é o remédio cabível para sanar eventual omissão no julgado, ou por meio de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, que atua em todas as fases dos processos de prestação de contas eleitorais como fiscal da ordem jurídica para corrigir error in judicando ou in procedendo cometido na sentença.

Ressalto que o agente ministerial junto à origem foi devidamente intimado da sentença (fl. 278v.) e que a ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do recurso dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte.

Por isto, não há nulidade alguma, sendo defeso à Procuradoria Regional Eleitoral invocar a matéria, à guiza de nulidade, na instância ad quem, dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo.

Colaciono ementas de alguns julgados emblemáticos do e. TSE que adotam o posicionamento ora expressado:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

(...)

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. INSERÇÕES REGIONAIS. PROMOÇÃO E DIFUSÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA.

(...)

3. Conquanto a posição deste Tribunal Superior, assentada no REspe n. 126-37, da relatoria da Ministra Luciana Lóssio, julgado em 20.9.2016, seja no sentido de que, para o cálculo da sanção prevista no art. 45, § 2º, inc. II, da Lei n. 9.096/95, deve ser considerada a integralidade do tempo que deveria ser destinado pelo partido à difusão da participação política feminina, ainda que o descumprimento tenha sido parcial, não é possível alterar no presente caso a decisão da Corte Regional Eleitoral em face do princípio non reformatio in pejus.

(...)

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 100506, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 72.) (Grifei.)

Anoto, ainda, que o caso em apreço não trata de matéria de ordem pública ou de má utilização de recursos públicos do Fundo Partidário, mas sim de irregularidade na arrecadação de recursos privados e a sanção dela decorrente. A meu sentir, soa equivocado utilizar precedentes que tratam da malversação de verbas do Fundo Partidário para afastar a vedação da reformatio in pejus, com base no argumento de que o valor será recolhido aos cofres públicos, isto é, ao Tesouro Nacional e que, por conta disso, consiste em matéria de ordem pública não sujeita à preclusão.

O princípio da proibição da reformatio in pejus não fica afastado pela norma que prevê a destinação da multa sobre a doação irregularmente arrecadada ao Tesouro.

Essa conclusão está em sintonia com a posição majoritária adotada pelo Tribunal nos recentes julgados que afastaram a preliminar de nulidade, suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, nas hipóteses em que a sentença que julga as contas de campanha reconhece o emprego de recursos de origem não identificada (ou de fonte vedada), mas não determina o recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Transcrevo a ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÃO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. NATUREZA OBRIGACIONAL E NÃO SANCIONATÓRIA. ENTENDIMENTO NÃO ADOTADO. PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. MÉRITO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE NA CONTA DE CAMPANHA EM DESACORDO À LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. NÃO DETERMINADA A TRANSFERÊNCIA AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar de nulidade da sentença afastada. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Não prevalece o entendimento, nesta instância, de que a determinação de recolhimento dos valores irregularmente havidos possui natureza obrigacional e não sancionatória, não se tratando de penalidade, mas de obrigação legal. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria. Vedada a reformatio in pejus, nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Não caracterizada nulidade.

(...)

5. Mantida a sentença de desaprovação. Não determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE PC 657-93, Rel. Des. Jorge Luís Dall´Agnol, julgado em 19.12.2017, DEJERS n. 12, 26.1.2018) – Grifei.

Além disso, na hipótese dos autos a decisão corretamente determinou o recolhimento do montante advindo de fonte vedada ao Tesouro Nacional, a teor do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, de modo que eventual enriquecimento ilícito foi suficientemente obstaculizado.

Dessa forma, meu voto é pelo afastamento da preliminar arguida pelo órgão ministerial por força dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e non reformatio in pejus.

b) inconstitucionalidade do art. 12, inc. XII, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15

De sua feita, o recorrente suscita a preliminar de inconstitucionalidade do art. 12, inc. XII, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15, alegando afronta aos princípios democrático, republicano e da legalidade. Afirma, ainda, a violação ao art. 105 da Lei n. 9.504/97, que veda a criação de restrições e sanções por meio de resoluções.

É nítido, diante do objeto dos autos, o equívoco nas razões de apelo quanto à indicação dos dispositivos normativos, devendo ser considerada como referência o art. 12, inc. IV e §1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, pois os dispositivos indicados na peça recursal não existem na norma em questão.

Anoto que tramita no e. STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República – PR, em face da expressão “autoridade”, contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. O acompanhamento processual do feito revela que, dada a relevância da matéria suscitada, o relator Ministro Luiz Fux entendeu por submeter o pedido de medida cautelar diretamente ao Tribunal, visando ao julgamento definitivo da matéria, para o qual ainda não há sessão aprazada.

Ausente pronunciamento vinculante do STF sobre o tema, passo ao exame.

A proscrição das doações oriundas de pessoas físicas detentoras da condição de autoridade encontra amparo legal no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação vigente ao tempo do exercício financeiro em análise.

Conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta 1428, o conceito de autoridade posto do dispositivo em comento abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei).

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma, que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

 

Ainda nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.464/15, que, em seu art. 12, inc. IV e § 1º, regulamentou a questão:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Dessarte, a vedação não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante do princípio da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a citada interpretação dada ao termo “autoridade”, resultado do exercício legítimo do poder normativo conferido ao TSE pelo art. 61 da Lei n. 9.096/95, busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e a prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Desse modo, deve ser rechaçada a aventada alegação de inconstitucionalidade.

c) aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17

Em derradeira prefacial, o recorrente pugna, ainda, pela aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas aos partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na administração direta ou indireta, tendo em vista o princípio da retroatividade in bonam partem.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica sobre a retroatividade in bonam partem. Destarte, incidente ao exame das contas a legislação vigente à época dos fatos.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação primitiva, na qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador.

 

2. Mérito

No mérito, a sentença recorrida acolheu o parecer conclusivo que apontou o recebimento de recursos de fonte vedada em razão de contribuições provenientes de titulares de cargos públicos com poder de autoridade na Companhia Riograndense de Mineração, a saber:

a) Gildo Feijo da Silva, que exerceu os cargos de Assessor da Presidência e Superintendente Administrativo, efetuando doações no total de R$ 1.275,09; e

b) Adriano Rolivante Fagundes, que ocupou cargo no “Serviço de Beneficiamento”, realizando contribuição de R$ 42,00.

A relação de funcionários de fls. 143-144, confirmado pela mensagem eletrônica de fl. 145, torna inequívoco o fato de que os doadores ocupavam funções de chefia ou direção à época em que realizadas as contribuições.

Por sua vez, a Companhia Riograndense de Mineração constitui uma sociedade de economia mista controlada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, enquadrando-se como ente da administração pública indireta, conforme disposto no art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Ao contrário do que sugere o recorrente, a norma não restringe o seu alcance à determinada esfera de poder ou condiciona a sua incidência a uma especial vinculação a certo ente federativo. O silêncio de ressalvas guarda, inclusive, plena compatibilidade com o caráter nacional da ação partidária, a teor do art. 5º da Lei n. 9.096/95.

Portanto, ainda que em benefício de um órgão partidário municipal, é vedada a doação realizada pelo ocupante de cargo demissível ad nutum de chefia e direção, pouco importando o nível de administração política (municipal, estadual ou federal) a que vinculado.

Quanto à alegação de que o aporte financeiro carreado por Gildo Feijo da Silva não é ilícito, uma vez que detentor de mandato eletivo de vereador, novamente, não merece guarida a pretensão recursal.

Por certo, na sessão de 06.12.2017, a partir dos julgamentos dos recursos RE 14-78 e RE 13-93, da relatoria do ilustre Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, a Corte decidiu pela possibilidade de detentores de mandato eletivo realizarem doação a partido político em pecúnia, revendo o entendimento exarado na Consulta CTA 109-98.

Contudo, na espécie, o referido doador exercia de forma cumulada ambos os cargos, de Superintendente Administrativo da CRM e de Vereador em Candiota, sendo impossível discriminar a origem do valor transferido após incorporado ao seu patrimônio pessoal.

Destarte, deve ser considerada a situação fática de ocupação de cargo comissionado de chefia ou direção junto à CRM na subsunção ao art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, não servindo a acumulação de qualquer outro cargo ou função de doação não vedada pela lei para a isenção à obediência da norma.

De outra banda, especificamente no tocante à contribuição de R$ 211,68, repassada por Gildo Feijó da Silva em 1º.02.2016, quando ostentava o cargo de Assessor da Presidência (fl. 140v.), não se verifica a irregularidade indicada.

Conforme consolidado neste Tribunal, o cargo de Assessor não se qualifica como “autoridade”, que, nos exatos termos da disciplina normativa, engloba exclusivamente os cargos comissionados de chefia ou direção.

Com tal compreensão, elenco os seguintes julgados deste Regional:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Preliminar. Citação dos dirigentes partidários. Exercício financeiro de 2014.

(...)

2. Doação oriunda de fonte vedada. O conceito de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia da administração direta ou indireta, excluindo-se os de assessoramento. Justificada uma das doações e reduzido o valor considerado como irregular.

3. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a fim de reduzir a sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para três meses.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 176, ACÓRDÃO de 09.02.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 23, Data 10.02.2017, Página 10) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício de 2011. Doação de fonte vedada. Conceito de autoridade. Art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Controvérsia quanto à interpretação do conceito de autoridade.

É possível afirmar que o conceito atual de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham função exclusiva de assessoramento.

Enquadra-se nesse conceito o detentor de cargo de coordenação, por configurar o exercício de chefia ou direção para fins de enquadramento na hipótese de fonte vedada prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Redução do período de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário em função do valor diminuto do montante envolvido.

(...)

(RE - Recurso Eleitoral n. 3650 – Alvorada/RS. Acórdão de 23.9.2014. Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA. Relator designado DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 172, Data 25.9.2014, Página 2.) (Grifei.)

Portanto, deve ser excluída do apontamento de fonte vedada a quantia de R$ 211,68, realizada quando o referido doador ocupava cargo com função de assessoramento.

Assim, o montante ilícito consolida-se em R$ 1.105,41, representando cerca de 15,36% da receita arrecadada pela agremiação no exercício (R$ 7.195,25).

Havendo o recebimento de recursos de fonte vedada, como bem pontuado na sentença, o consectário legal é o recolhimento da verba irregular ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Quanto à suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário, historicamente a jurisprudência tem assentado a possibilidade de redução do prazo, fixando-se período entre 1 a 12 meses, pela aplicação dos parâmetros contidos no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original, merecendo ser citados os seguintes precedentes do TSE: Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, DJE 19.9.2013, e Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 963587, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 18.6.2013.

Embora o advento da Lei n. 13.165/15 tenha modificado a redação do § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a aludida disposição legal, remanesce a base constitucional do princípio da proporcionalidade, sob o seu viés de proibição de excesso, no qual atua como limite às imposições sancionatórias do Estado.

Assim, cabe a aferição do equilíbrio ou da justa medida entre o desvalor da conduta alvo de retribuição e as desvantagens ou restrições impostas ao sancionado.

No presente caso, não se mostra razoável que a agremiação sofra a grave penalização de suspensão de repasse de quotas por um ano, conforme determinado na sentença.

Portanto, o período de suspensão pode ser mitigado, pois a irregularidade não alcança valor expressivo em termos absolutos e representa algarismos diminutos no aspecto percentual.

Ademais, a par das irregularidades, não há notícia de malversação ou aplicação irregular de recursos públicos do Fundo Partidário. Tampouco existem indícios de que a conduta do partido tenha sido orientada pela má-fé ou pelo propósito deliberado de prejudicar as atividades de fiscalização da Justiça Eleitoral.

Assim, entendo que a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pode ser adequada para o período de três meses.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo afastamento da matéria preliminar e pelo parcial provimento do recurso, reduzindo para R$ 1.105,41 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e diminuindo o período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para 3 meses, nos termos da fundamentação.