RE - 1666 - Sessão: 14/03/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de CANELA em face da sentença (fls. 59-60) que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2016 e determinou o recolhimento da quantia de R$ 9.000,00 ao Tesouro Nacional, visto que tal valor não teria transitado por conta bancária específica, estando em desacordo, portanto, com o estabelecido no art. 18 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em suas razões (fls. 63-69), a agremiação recorrente sustenta que, “Em decorrência de bloqueios judiciais na conta do partido referentes a processo trabalhista movido contra o partido pelo Senhor Eli José de Conto em 2010 conforme número 0001145-94 2010 5 04 0005 e que está tramitando até a presente data. Não foi utilizada a conta bancária para fazer alguns pagamentos pelo motivo de corrermos o risco de haver bloqueio novamente dos valores e desta forma não conseguirmos efetuar os pagamentos.” Requer a reforma da decisão que determinou o recolhimento de R$ 9.000,00 ao Tesouro Nacional, pois tal valor “não se trata de verba do fundo partidário, mas sim de empréstimo contraído para pagamento de despesas correntes do partido naquele exercício financeiro, tendo em vista que os recursos são de origem identificada”. Ao final, requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Sem contrarrazões, nesta instância a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, a fim de que os autos retornem à origem para ser aplicado o disposto no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/15), bem como o teor do inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, pela manutenção do recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 9.000,00 – valores que não transitaram por conta bancária específica –, bem como pela aplicação da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, nos termos do inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15, além da aplicação, de ofício, por este Tribunal, da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/15) c/c art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (fls. 73-77v.).

Oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, o prazo transcorreu in albis (fl. 82).

É o relatório.

 

VOTO

 

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela anulação da sentença, a fim de que os autos retornem à origem para ser aplicado o disposto no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/2015), conforme o disposto no inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15, com aplicação de multa de até 20% e determinação de suspensão quanto ao Fundo Partidário pelo período de 01 ano.

Tais penalidades, introduzidas pela reforma eleitoral de 2015, devem ser aplicadas nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral: 

 

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. DESAPROVADA PARCIALMENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. QUESTÃO DE ORDEM. As alterações promovidas no caput do art. 37 da Lei nº 9096/1995, reproduzidas no art. 49 da Res.-TSE nº 23.464/2015, são regras de direito material e, portanto, aplicam-se às prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e seguintes. Entendimento contrário permitiria que contas das agremiações partidárias relativas a um mesmo exercício financeiro fossem analisadas com base em regras materiais diversas, o que não se pode admitir. É preciso conferir tratamento isonômico a todos os partidos políticos, sem alterar as regras aplicáveis a exercícios financeiros já encerrados, em razão do princípio da segurança jurídica. O Plenário do TSE, analisando a questão relativa à alteração legislativa promovida pela mesma lei ora em análise na Lei das Eleições quanto ao registro do doador originário nas doações, assentou que "a regra constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei nº 9.504/97, com a redação conferida pela Lei nº 13.165/2015, não pode ser aplicada, [...] seja porque a lei, em regra, tem eficácia prospectiva, não alcançando fatos já consumados e praticados sob a égide da lei pretérita" (ED-REspe nº 2481-87/GO, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 1º.12.2015). A modalidade de sanção em decorrência da desaprovação de contas prevista na nova redação do caput do art. 37 da Lei nº 9.096/1995, conferida pela Lei nº 13.165/2015, somente deve ser aplicada às prestações de contas relativas ao exercício de 2016 e seguintes.

[...]

5. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, PC n. 96183, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data 18.3.2016, Página 60-61.)

 

É justamente o caso dos autos, onde se examina prestação de contas partidárias do exercício de 2016.

Ocorre que o pedido do Parquet não pode ser acolhido.

Primeiro, porque consta expressamente na sentença que, “Considerando ainda a realidade local e, que o órgão partidário não recebeu fundo partidário nos últimos cinco anos, deixo de aplicar sanção quanto ao fundo partidário.”

Em relação à penalidade de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, não houve qualquer omissão no julgamento a quo, e sim entendimento jurídico que, não tendo sido impugnado por recurso adequado, não pode ser revisto.

Segundo, porque a magistrada consignou expressamente na decisão estar aplicando a Resolução TSE n. 23.464/15, diploma normativo editado sob a égide das alterações legais veiculadas pela Lei n. 13.165/15.

Assim sendo, não é possível conceber que houve equívoco quanto ao regime jurídico aplicável no julgamento do caso concreto. O que ocorreu foi uma omissão no tocante à aplicação do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, que reproduz o teor do contido no art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.165/15, em relação à multa de até 20% da importância assumida como irregular.

Nesse panorama, tratando-se de apelo interposto pelo prestador, entendo que o Tribunal está adstrito tanto ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum quanto à vedação da reformatio em pejus, sendo incabível a análise do ponto sem o aviamento do adequado recurso pelo Ministério Público Eleitoral a obstaculizar os efeitos da preclusão.

Este colegiado também já teve oportunidade de manifestar-se sobre a questão, em julgamento de lavra do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, onde foi afastada a preliminar de nulidade, em razão de ter sido aplicado o regime jurídico adequado, com omissão da fixação da penalidade (RE n. 12-11, julgado na sessão de 18.12.2017).

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

Mérito

A prestação de contas foi desaprovada em virtude da constatação de irregularidade na aplicação de recursos financeiros para pagamento de dívidas, uma vez que estes não transitaram em conta bancária. O fato, inclusive, é incontroverso, visto que o recorrente argumenta que, “Não foi utilizado a conta bancária para fazer alguns pagamentos pelo motivo de corrermos o risco de haver bloqueio novamente dos valores e desta forma não conseguirmos efetuar os pagamentos”, referindo-se à ameaça de indisponibilidade de depósitos bancários em razão de dívida trabalhista.

O recebimento de receitas em dinheiro e a realização de despesas sem trânsito de valores pela conta bancária é falha que compromete a confiabilidade e a consistência dos registros contábeis.

Quanto à obrigatoriedade de trânsito, em conta bancária específica da agremiação, dos recursos recebidos e das despesas realizadas, os arts. 8º, §§ 2º e 3º, e 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.464/15, dispõem: 

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

 

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

[...]

§ 4º Os gastos partidários devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19 desta resolução.

Na hipótese em análise, é incontroversa a obtenção da quantia de R$ 9.000,00, mediante empréstimo bancário, para pagamento de despesas de campanha sem o trânsito na conta bancária.

Salienta-se que o descumprimento da formalidade, ao contrário do que sustentou a agremiação, constitui irregularidade grave, uma vez que inviabiliza o controle e a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral, notadamente quanto ao exame da origem e do emprego dos recursos. Trata-se de falha que malfere a confiabilidade e a transparência do exame contábil, razão pela qual não pode ser relevada.

Dessa forma, concluo que o procedimento adotado pela agremiação, mesmo que realizado com o intuito de direcionar os recursos à quitação de dívidas específicas, acabou por frustrar a análise técnica das contas, restando impositivo o juízo de desaprovação.

A falha, mesmo que se considere a justificativa oferecida, não pode ser desconsiderada. Entendê-la superável sinalizaria aos partidos políticos não ser necessário obedecer a parâmetros contábeis importantes.

Como consequência à movimentação financeira de recursos sem trânsito em conta bancária, deve ser mantida integralmente a decisão recorrida.

Repriso que entendo não ser cabível a aplicação das penalidades de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário e de multa sobre a importância considerada irregular, visto que não houve impugnação desse capítulo da sentença por recurso adequado, não cabendo revisão de ofício no ponto.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da preliminar de nulidade e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença em todos os seus termos.

É como voto, senhor Presidente.