RE - 91016 - Sessão: 20/02/2018 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso contra a sentença (fls. 269-273) que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada contra os vereadores eleitos do Município de Torres nas eleições 2016: DEOMAR DOS SANTOS GOULART, ROGÉRIO EVALDT JACOB e MARIETE DA SILVEIRA; seus suplentes, SILVANO GESIEL CARVALHO BORJA, CLAUDIO KRAS PACHECO e DAVINO BERNARDO LOPES; e a coligação pela qual concorreram, COLIGAÇÃO TRABALHISTAS (PDT/PT), e não conheceu dos pedidos quanto às candidatas FÁTIMA LUZIA GODINHO DE JESUS e MÁRCIA LETÍCIA SANTOS DE ÁVILA, relativamente à alegação de fraude referente ao percentual de reserva de gênero da candidatura proporcional prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais, sustenta que as provas produzidas demonstram a existência de fraude e de abuso de poder por parte dos impugnados, consistente na inscrição de candidaturas fictícias para o preenchimento da cota mínima de 30% de candidatos por gênero. Alega que CARLA ROSANE LEMOS ROCHA reconheceu, em juízo, que seu registro de candidatura foi apresentado sem que soubesse, pois suas assinaturas foram falsificadas tanto no pedido de registro quanto na ata da convenção partidária de escolha de candidatos. Defende que a fraude foi comprovada pela oitiva das demais testemunhas arroladas e que a fotografia que constou do pedido de registro não foi fornecida por ela, e sim extraída de seu perfil do Whatsapp. Aponta que o partido disponibilizou números diferentes para a candidata na ata da convenção e no requerimento de registro, evidenciando ter realizado o procedimento de forma desorganizada e às pressas. Esclarece que CARLA ROSANE compareceu ao cartório a fim de comprovar sua alfabetização para ser contratada e trabalhar para o partido. Assevera não merecer crédito a alegação defensiva de que a candidata teria problemas mentais ou estaria mentindo. Entende não prosperar a conclusão da sentença no sentido da ruptura do nexo de causalidade, pois não se pode convalidar a fraude perpetrada. Afirma que o mesmo ocorreu com as candidaturas de FÁTIMA LUZIA GODINHO DE JESUS e MÁRCIA LETÍCIA SANTOS DE ÁVILA, pois obtiveram zero votos e não realizaram atos de campanha. Colaciona doutrina e jurisprudência. Postula a reforma da sentença e a procedência da ação, desconstituindo-se os mandatos dos candidatos eleitos e o diploma dos suplentes, considerando-se nulos os votos obtidos pela coligação recorrida, devendo ser distribuídos, na forma do art. 109 do Código Eleitoral, aos demais partidos que alcançaram o quociente partidário - cálculos das sobras eleitorais (fls. 280-304).

Em contrarrazões, SILVANO GESIEL CARVALHO BORJA e DEOMAR DOS SANTOS GOULART negam ter praticado qualquer ato abusivo ou fraude na eleição, afirmando que a ação gerou dificuldade no direito de defesa. Alegam que CARLA ROSANE LEMOS ROCHA compareceu espontaneamente ao cartório eleitoral para comprovar sua escolaridade, e que sua candidatura foi inclusive impugnada pelo Ministério Público Eleitoral, razão pela qual houve renúncia e respectiva homologação judicial. Afirmam que, após a homologação da renúncia promovida por CARLA, a coligação apresentou a candidatura de MÁRCIA LETÍCIA SANTOS DE ÁVILA, adequando-se ao percentual de cotas por gênero. Ponderam que MÁRCIA teve problemas na realização da campanha por força de questões burocráticas com seu nome de solteira, e que os candidatos não são obrigados a fazer campanha ou a realizar número mínimo de votos. Asseveram a inexistência de fraude e de materialidade para o juízo de procedência e a legitimidade dos votos obtidos pelos concorrentes eleitos e seus suplentes. Requerem a manutenção da sentença de improcedência (fls. 311-325).

ROGÉRIO EVALDT JACOB oferece contrarrazões, sustentando não ter participado da elaboração da chapa da coligação recorrida ou nominata dos concorrentes ao pleito, defendendo que a sua punição não atende aos objetivos da ação de impugnação de mandato eletivo. Pugna pela manutenção da sentença recorrida (fls. 326-330).

A COLIGAÇÃO TRABALHISTAS (PDT/PT) apresenta contrarrazões, alegando que a decisão recorrida bem esclareceu a cronologia dos fatos no sentido de que a candidatura de CARLA ROSANE LEMOS ROCHA não integrou a coligação, devido à renúncia homologada pelo juízo a quo logo após a apresentação de impugnação ao registro oferecida pelo Parquet. Aponta que, após a renúncia, a coligação não foi intimada a adequar o percentual de concorrentes femininas, conforme reconhecido na sentença, não podendo ser responsabilizada pelo erro cometido na análise do DRAP. Refere que não houve recurso contra o deferimento do registro da coligação, e que a matéria está preclusa, pois a decisão transitou em julgado. Sustenta que o Ministério Público Eleitoral inovou ao suscitar a existência de candidaturas fictícias para outras vereadoras não arroladas na inicial, referidas nas alegações finais e no recurso. Colaciona precedentes. Requer o desprovimento do recurso (fls. 332-335).

Em contrarrazões, MARIETE DA SILVEIRA reitera a preliminar de preclusão da matéria relativa ao deferimento do DRAP da coligação e de inadequação da AIME para a obtenção de nulidade do registro de candidatura. Entende que a questão discutida nos autos não pode ser objeto de AIME, porque os fatos narrados não dizem respeito ao processo de votação em si, e que o percentual de cotas de gênero deve ser apurado no procedimento de registro, afirmando que a ação não pode atingir os concorrentes que, de boa-fé, realizaram campanha e obtiveram o diploma. No mérito, assevera que o Ministério Público Eleitoral ampliou o mérito da ação ao sugerir fraude, em sede de alegações finais e no recurso interposto, em relação a candidatas não mencionadas na inicial, circunstância que desrespeita o contraditório e a ampla defesa. Defende a ausência de provas para a procedência da ação e o acerto da sentença recorrida, apontando que a única prova das alegações do autor são as declarações da própria candidata. Pondera que os concorrentes não são obrigados a participar da convenção de escolha realizada pela coligação, cabendo aos partidos indicar os nomes e substituí-los. Aponta que o comparecimento espontâneo de CARLA ROSANE LEMOS ROCHA ao cartório eleitoral para provar sua alfabetização, ocasião em que escreveu o discurso que foi ditado pelo servidor da Justiça Eleitoral, é prova cabal da ausência de fraude e da voluntariedade de seu pedido de registro de candidatura. Faz referência às demais provas dos autos. Requer o desprovimento do recurso (fls. 338-350).

Na fl. 141 foi decretada a revelia do ora recorrido DAVINO BERNARDO LOPES, que foi devidamente notificado da ação (fl. 77) mas não apresentou defesa e contrarrazões.

O recorrido CLAUDIO KRAS PACHECO tem procurador constituído (fl. 103), mas não apresentou contrarrazões.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 354-357v.).

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são regulares, tempestivos, e comportam conhecimento.

Antes de analisar o mérito recursal, examino as preliminares de preclusão e inadequação da AIME e de ampliação do mérito recursal.

O Tribunal Superior Eleitoral tem jurisprudência consolidada no sentido do cabimento de ação de impugnação de mandato eletivo para apurar a alegação de fraude no coeficiente de gênero determinado no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Segundo o TSE, “o conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei”. Confira-se o precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 25-26.)  (Grifei.)

Como se vê, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, o TSE assentou ser possível verificar, por meio da ação de impugnação de mandato eletivo, se o partido político efetivamente respeita a normalidade no curso das campanhas eleitorais prevista no ordenamento jurídico, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero.

Não se trata, portanto, de questionamento em relação ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da Coligação Trabalhistas (PDT/PT), mas de apuração de fraude superveniente quanto aos percentuais mínimos de gênero, quando já está ultrapassada a fase de análise do DRAP - que antecede o próprio exame dos pedidos de registro de candidatura.

Este Tribunal, de igual modo, tem conhecido de ações tais como a presente, entendendo que a ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDÊNCIA. REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE NÃO COMPROVADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. No caso, houve suposta fraude no registro de candidatura da coligação recorrida em relação à sua nominata de candidaturas à Câmara de Vereadores, no que se refere ao cumprimento da quota mínima de 30% por gênero. Alegada simulação de candidatura de uma das quatro mulheres registradas.

2. Obtenção de apenas um voto pela candidata. Realizados gastos eleitorais em valor maior que o da ampla maioria de toda nominata. Inexistente relação direta entre os gastos realizados e a votação obtida. O total de despesas não indica que tenha havido a candidatura fictícia. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, isoladamente, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial. Fraude não comprovada.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 85890, ACÓRDÃO de 06.11.2017, Relator DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 08.11.2017, Página 12.) (Grifei.)

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Ilegitimidade passiva. Reconhecimento no juízo de primeiro grau. Matéria não objeto de recurso. Preclusão.

2. O Tribunal Superior Eleitoral assentou que a AIME é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, e não apenas aos casos referentes ao processo de votação. Alegada ocorrência de candidatura fictícia, visando induzir o juízo eleitoral em erro, a fim de preencher a proporção mínima do gênero feminino.

3. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Ausente prova robusta de que as candidatas tenham sido registradas com vício de consentimento, ou tenham promovido a campanha de terceiros. Acervo probatório a demonstrar a busca de votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo os registros exclusivamente como simulacros de candidaturas. Realização de campanha sem o auxílio de doadores financeiros, sem o apoio de correligionários eleitorais e sem a utilização de redes sociais na internet, não se extraindo dessas circunstâncias, desguarnecidas de elementos probatórios complementares, a presunção de ilicitude. A circunstância de uma das candidatas não ter obtido votação não denota a artificialidade da candidatura diante das peculiaridades do caso concreto, em que a mesma confirmou a dificuldade que teve por ocasião da votação. Este Tribunal já se pronunciou no sentido de que o recebimento de pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral e a renúncia no curso da campanha eleitoral não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 277, Acórdão de 01.8.2017, Relator Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 138, Data 04.8.2017, Página 10.) (Grifei.)

No caso dos autos, o Ministério Púbico Eleitoral – com base nas declarações da própria candidata envolvida nos fatos e no resultado da eleição – alega o cometimento de fraude superveniente, fundada na inexistência de candidaturas reais capazes de efetivamente atender aos percentuais mínimos de gênero previstos na legislação.

Ocorre que a fraude não pode ser verificada no momento do exame do DRAP ou do pedido de registro de candidatura, mas somente no curso da campanha eleitoral. Logo, é inviável o raciocínio de que a alegação somente poderia ser examinada em sede de impugnação ou recurso contra o deferimento do DRAP.

Dessa forma, plenamente cabível o ajuizamento de AIME para apurar essa nova modalidade de fraude, na forma procedida pelo Ministério Público Eleitoral, razão pela qual rejeito as preliminares de preclusão e inadequação da ação.

A arguição de ampliação do mérito da ação, entretanto, comporta acolhimento, na forma decidida na sentença, verbis:

Por fim, é de constar que a sustentação do MPE em seus memoriais de que as candidaturas de Fátima Luzia Godinho de Jesus e Márcia Letícia Santos de Ávila foram fictícias representa inovação em relação aos fatos que fundamentam os pedidos iniciais, razão por que não cabe ser aqui analisada.

A tramitação da ação foi desenvolvida com base na alegação contida na petição inicial apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, no sentido de que seria fraudulenta a candidatura apresentada por Carla Rosane Lemos Rocha. No entanto, em sede de alegações finais, o impugnante afirmou que também seriam fictícias as apresentadas por Fátima Luzia Godinho de Jesus e Márcia Letícia Santos de Ávila.

A magistrada, na sentença, percebendo que esses fatos não constaram da narrativa inicial, consignou que o pedido “representa inovação em relação aos fatos que fundamentam os pedidos iniciais, razão por que não cabe ser aqui analisada”.

Com efeito, nos termos do raciocínio exposto pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, é impossível conhecer da alegação de fraude nas candidaturas das demais concorrentes referidas pelo Parquet de piso, pois não integrou o objeto inicial da lide nem foi mencionada como causa.

Portanto, a preliminar comporta acolhimento, pois, na dicção do art. 329 do CPC/2015, após a estabilização da demanda não é mais permitida a modificação do pedido ou da causa de pedir.

Dessa forma, merece ser mantido o acolhimento da preliminar para o fim de não ser conhecido o pedido condenatório no tocante à suposta fraude nas candidaturas de Fátima Luzia Godinho de Jesus e de Márcia Letícia Santos de Ávila.

Passo ao exame do mérito relativamente à alegação de farsa na candidatura de Carla Rosane Lemos Rocha e adianto que a sentença de improcedência merece ser mantida.

O bem jurídico tutelado pela ação de impugnação de mandato eletivo é a legitimidade da eleição, razão pela qual, ao se apurar, nessa via processual, a fraude, cumpre aferir se os fatos foram potencialmente graves a ponto de ferir a normalidade e a legitimidade do pleito.

No caso vertente, o pedido de registro de Carla Rosane Lemos Rocha foi apresentado à Justiça Eleitoral em 15 de agosto de 2016, mas em 24 de agosto a candidata formalizou pedido de renúncia à candidatura (fl. 37), homologado pelo juízo a quo no dia 27 de agosto - decisão acostada na fl. 120v.

Bem se depreende, do exíguo prazo em que foi mantido o registro de candidatura, que a concorrente não realizou campanha, sequer levando seu nome à urna, hipótese que afasta por completo a ocorrência de ofensa à lisura da eleição.

Dessa forma, ainda que seja grave a alegação da candidata, no sentido de que teve sua assinatura falsificada e que o pedido de candidatura foi apresentado sem o seu consentimento - circunstância que pode ser analisada sob a ótica de cometimento de eventual crime eleitoral - é manifesta a ausência de dano ao equilíbrio e à legitimidade do pleito.

Os fatos narrados são graves devido à declaração da própria candidata, devidamente documentada nos autos (fls. 04/06 do Anexo), de que foram falsificadas as suas assinaturas para a formalização do requerimento de registro, embora a ponderação do juízo a quo de que a candidata compareceu ao cartório eleitoral para firmar, de próprio punho, declaração de alfabetização para concorrer no pleito.

Todavia, para a procedência da alegação de fraude, em sede de impugnação de mandato eletivo, é fundamental que a candidatura apontada como fictícia participe do pleito.

Importa trazer à liça a acurada análise dos autos realizada na sentença, ao apontar que a agremiação pela qual concorreu a candidata, Coligação Trabalhistas, requereu o registro de 18 candidatos a vereador do sexo masculino, razão pela qual deveria ter apresentado 6 candidatas mulheres.

Essa é a interpretação do § 4º do art. 20 da Resolução TSE n. 23.455/15, que regulamenta o percentual de candidaturas por gênero previsto no § 3º do art. 10 da Lei das Eleições, segundo o qual a fração resultante do cálculo da cota deve ser arrendondada para o próximo número inteiro (e desprezada no cálculo das vagas para o outro sexo).

Todavia, o DRAP foi homologado pelo juízo com apenas 5 candidatas à vereança, em desobediência à exigência legal, porque após a homologação da renúncia da candidatura de Carla Rosane Lemos Rocha a coligação não foi intimada para readequar o percentual legal.

Esse fato, no entanto, não importa cometimento de fraude no percentual de cotas de gênero, mas de error in procedendo, que não foi arguido pelos legitimados a impugnar o DRAP da coligação no momento processual próprio, relativo ao recurso contra a decisão homologatória.

A propósito, confira-se a elucidativa sentença:

O que se conclui então dessa narrativa, é que, mesmo que tenha havido a falsificação das assinaturas no RRC de Carla Rosane ou que a intenção fosse o lançamento de uma candidatura fictícia, com a renúncia da candidata, e a sua homologação pelo Juiz Eleitoral, a candidatura de Carla Rosane no plano jurídico não existiu.

E nesse compasso ainda, como a informação final da Justiça Eleitoral (fls. 51-v./53) já apontava a dita renúncia e a necessidade da adequação do percentual de candidatos por sexo, não houve indução do Juiz em erro por ocasião do deferimento do registro da Coligação.

Logo, rompido o nexo causal entre a ação (falsificação das assinaturas ou candidatura fictícia) e o resultado (deferimento do registro da Coligação), e mais, não oportunizada à Coligação no momento próprio a adequação do número de candidatas do sexo feminino, como se fazia necessário, em conformidade com o disposto no art. 38, da Res. 23.373/2011 do TSE, não se pode agora punir-se a Coligação, seus vereadores eleitos e suplentes pelo não atendimento pela primeira da exigência do art. 10,§ 3º, da Lei 9.504/97.

A Procuradoria Regional Eleitoral, de igual modo, concluiu que eventual fraude inicialmente cometida na apresentação do registro de candidatura de Carla Rosane Lemos Rocha não produziu efeitos na eleição devido à renúncia da candidata, circunstância que rompeu a cadeia causal do ilícito sustentado pelo recorrente. Veja-se o seguinte excerto do bem-lançado parecer:

Pela cronologia dos fatos, se extrai que no DRAP inicialmente encaminhado à Justiça Eleitoral, em 15 de agosto de 2016, constaram 18 (dezoito) candidatos, 13 (treze) homens e 5 (cinco) mulheres, conforme se verifica às fls. 126/127 dos autos.

Assim, já no DRAP inicialmente juntado se verifica que não estava sendo cumprida a regra do § 3º do art. 10 da Lei das Eleições, vez que o percentual de mulheres era inferior a 30%. Diga-se que, conforme § 4º do art. 20 da Resolução 23.455/2015 do TSE, no cálculo de vagas previsto no § 2º, qualquer fração resultante será igualada a um no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um dos sexos e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro sexo.

Assim, para 18 candidatos apresentados a registro, a Coligação Trabalhistas teria de ter registrado 6 (seis) candidatas mulheres (5,4 que deve ser arredondado para 6, conforme Resolução supra).

Importante salientar que nesse DRAP, encaminhado no dia 15 de agosto, é que constava o nome da candidata CARLA ROSANE LEMOS ROCHA. Neste ponto, não há dúvida de que o seu requerimento de candidatura é fraudulento, pois a própria Sra. CARLA nega a sua assinatura no pedido e confirma ter ficado surpresa quando soube do aludido requerimento, além dos demais elementos que comprovam a fraude referidos pela Promotoria Eleitoral em seu recurso, notadamente às fls. 285/286.

Ocorre que, pelo fato do DRAP estar em desacordo com a regra da cota de gênero, a Coligação foi intimada para fazer a devida adequação (conforme referido na sentença), tendo protocolado o Requerimento de Registro de Candidatura de MÁRCIA LETÍCIA SANTOS DE AVILA em 26 de agosto de 2016 (fl. 119v. destes autos), o que teria formalmente regularizado a exigência da cota de gênero, pois passou a ter 6 (seis) candidatas.

Porém, em 27 de agosto foi homologada a renúncia da candidatura de CARLA ROSANE LEMOS ROCHA conforme decisão acostada à fl. 120v.

Assim, a partir da renúncia da candidata CARLA, a coligação voltou a ter apenas 5 (cinco) mulheres, não cumprindo a cota de gênero. Apesar disso, e sem que tivesse a coligação sido intimada para regularizar sua situação, foi deferido, em 31 de agosto, o pedido de registro das candidaturas da coligação Trabalhistas.

É dizer, em 31 de agosto, ante a homologação da renúncia da candidata CARLA em 27 de agosto, a Justiça Eleitoral tinha condições plenas para indeferir o registro por afronta ao § 3º do art. 10 da Lei das Eleições. Se isso não ocorreu não foi em virtude da fraude inicialmente perpetrada, pois esta deixou de surtir efeitos com a renúncia da respectiva candidata. Daí o acerto da sentença quando menciona a ausência de nexo de causalidade entre a fraude inicial e o posterior deferimento do registro. Há rompimento da cadeia causal no momento da homologação da renúncia da candidata fictícia.

O deferimento indevido do registro de candidatura da coligação com apenas 5 (cinco) mulheres para um total de 18 candidatos poderia ter sido objeto de recurso no momento oportuno. Não ocorrendo houve preclusão, vez que, como já referido, a fraude que poderia ensejar o ajuizamento da presente AIME não foi causa do deferimento do registro ante a prévia renúncia havida.

Como se vê, a manutenção da decisão recorrida é medida que se impõe.

Ante o exposto, afasto as preliminares de preclusão e de inadequação da presente ação; acolho a prefacial de ampliação do mérito recursal para o fim de não conhecer do pedido condenatório no tocante à alegação de fraude nas candidaturas de Fátima Luzia Godinho de Jesus e de Márcia Letícia Santos de Ávila. No mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.