PC - 7067 - Sessão: 31/10/2018 às 14:00

RELATÓRIO

O DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) do RIO GRANDE DO SUL apresentou as contas referentes ao exercício financeiro do ano de 2015 (fls. 02-84).

Em exame preliminar (fls. 107-108), a Secretaria de Controle Interno (SCI) sugeriu a complementação da contabilidade.

Intimada a agremiação e os responsáveis, FERNANDO ZINGANO e NELSON MARCHEZAN JÚNIOR, sobreveio manifestação e juntada de documentos (fls. 120-226).

Foi deferida autorização para consulta às contas bancárias da agremiação (fl. 241).

A unidade técnica apresentou exame da prestação das contas (fls. 254-260), do qual o órgão partidário e os responsáveis manifestaram-se, juntando documentos (fls. 290-297 e 298-751).

No parecer conclusivo (fls. 754-758), a SCI manifestou-se pela desaprovação das contas, com fundamento no art. 45, inc. IV, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.432/14.

A Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 773-784) opinou pela citação do órgão partidário e de seus dirigentes e, no mérito, pela desaprovação das contas, com a determinação de (a) recolhimento da quantia de R$ 96.574,14 ao Tesouro Nacional; (b) suspensão de repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 12 meses; (c) determinação da utilização de R$ 60.444,16 em programas de participação feminina na política, conforme os termos legais; e (d) encaminhamento de cópias do processo ao Ministério Público Federal.

Intimados todos os interessados (fl. 786), apenas o PSDB do RIO GRANDE DO SUL se manifestou (fls. 794-818), com documentos juntados (fls. 819-864).

Foi exarado despacho (fl. 866) para remessa dos autos à SCI, a fim de que fossse elaborada tabela de doações oriundas de fontes vedadas sem a presença de ocupantes de cargos eletivos, diligência realizada e constante às fls. 872-873v.

O órgão partidário apresentou os documentos (fls. 879-889) e, no prazo concedido para alegações finais (fl. 866), a agremiação e os responsáveis manifestaram-se (fls. 895-908). Argumentaram que a receita transferida para o Diretório Municipal de Campo Bom foi destinada ao pagamento de despesas com honorários contábeis para prestação das contas do exercício financeiro de 2014, em conformidade com a disposição contida no art. 61, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14. Sustentaram a inconstitucionalidade do termo “autoridade” previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Postularam a aplicação da Lei n. 13.488/17, que admite o recebimento de recursos provenientes de detentores de cargos ad nutum. Asseveraram que a lista de autoridades apresentada pela unidade técnica é eivada de impropriedades e não retrata de forma escorreita a natureza das funções desempenhadas pelos ocupantes dos cargos arrolados. Invocaram a licitude dos recursos e a extrapolação do poder regulamentar do TSE ao determinar o recolhimento dos valores procedentes de fontes vedadas ao Tesouro Nacional, o que enseja enriquecimento ilícito da União. Rejeitaram a alegação de recebimento de recursos de pessoa jurídica. Discorreram a respeito da forma de preenchimento dos boletos bancários para o fim de identificar a origem dos recursos arrecadados. Alegaram a regularidade dos gastos com participação feminina na política. Requereram a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para o fim de relevar as falhas e aprovar as contas. Juntaram documentos às fls. 909-930.

Em nova vista, a Procuradoria Regional Eleitoral ratificou o parecer de fls. 773-784 (fls. 932-935).

O órgão partidário apresentou manifestação (fls. 943-v. e 955-v.) e juntou documentos (fls. 944-951 e 956-1000), à guisa de complementação dos esclarecimentos prestados.

A Secretaria de Controle Interno apresentou segunda análise (fl. 1004 e v.), na qual concluiu sanada a falha apontada no item 3 do parecer conclusivo, reputando regular a receita de R$ 244,80, originalmente atribuída ao IPERGS, porquanto identificado Fernando Lehnen como real doador, mantendo as demais irregularidades apuradas no balanço contábil.

Em derradeira manifestação (fl. 1008 e v.), a PRE retificou o parecer exarado às fls. 932-935v., apenas no que se refere à contribuição oriunda do CNPJ do IPERGS, a fim de considerar sanada a falha apontada, confirmando o parecer em relação às demais conclusões.

É o relatório.

 

VOTO

A Secretaria de Controle Interno e Auditoria, após analisar a escrituração apresentada pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) do RIO GRANDE DO SUL, referente ao exercício financeiro de 2015, opinou pela desaprovação das contas, em razão do recebimento de valores provenientes de fontes vedadas, no importe de R$ 14.842,99; da transferência irregular de recursos do Fundo Partidário, na quantia de R$ 1.000,00; do aporte de R$ 5.105,87 procedentes de origem não identificada; e da aplicação insuficiente de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de difusão e participação política das mulheres.

Preliminarmente, o órgão partidário alega a inconstitucionalidade da expressão “autoridade” contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade, até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso ou de controle concentrado.

No tópico, a ADIn n. 5.494, que discutia a constitucionalidade da referida disposição, foi extinta sem resolução do mérito, em 15.6.2018, por decisão proferida pelo Relator, Ministro Luiz Fux, publicada no DJe n. 119/2018, diante da perda do objeto, tendo em vista a revogação superveniente do ato normativo impugnado.

Vê-se, portanto, que não há espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema. A norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não verifico indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

Rememoro que, no âmbito do TSE, ao ponderar sobre o elemento finalístico da norma em comento, em resposta à Consulta n. 1428, o Ministro Cezar Peluso, Relator, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

A vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e impedir a distribuição oportunística de cargos, estando em sintonia com a ordem constitucional vigente.

Ainda em sede prefacial, o partido suscita a inconstitucionalidade do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14 por ofensa ao art. 5º, inc. II, do texto constitucional e extrapolação do poder regulamentar do TSE, ao argumento de ausência de amparo normativo para a determinação de recolhimento dos recursos considerados como provenientes de fontes vedadas ao Tesouro Nacional.

Reproduzo a norma impugnada:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeitará o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas, que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 3º do art. 11, os quais deverão, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Da análise do preceito, extrai-se que a ordem de recolhimento decorre da proibição à entrada de recursos provenientes de fontes vedadas, nos termos da redação primitiva do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Trata-se de consequência lógica da disposição, que resulta de expressa permissão normativa, consistente nos comandos dos arts. 61 da Lei n. 9.096/95 e 23, inc. IX, do Código Eleitoral.

Logo, não verifico incompatibilidade da norma com o texto constitucional, tampouco que a providência acarrete locupletamento ilícito da União. Ao contrário disso, trata-se de medida isenta e necessária para o restabelecimento da ordem jurídica violada.

Ademais, cabe observar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legítima atuação do TSE na regulação dos temas eleitorais, de modo que não há se falar em inconstitucionalidade, em vista da inexistência de contrariedade de preceito constitucional no caso (ADI n. 3999/DF; ADI n. 3345/DF).

Relativamente à norma aplicável ao exercício sob exame, destaco que deve incidir a disposição do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua dicção original, ou seja, sem o novo regramento inserido pela Lei n. 13.488/17, que passou a admitir as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta.

Acerca do tema, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador, em razão da proeminência dos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, transcrevo a ementa do precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Outrossim, ressalta-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral posicionou-se no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, aplica-se à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, que vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No mesmo sentido, o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2015:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII – autoridades públicas;

[…]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Na situação dos autos, na esteira do parecer exarado pelo órgão técnico, verifica-se que a agremiação recebeu recursos oriundos de fonte vedada, por meio das contribuições/doações efetuadas por ocupantes dos cargos de chefia e direção, não sendo considerados irregulares os aportes advindos de exercentes de funções de assessoramento e dos detentores de mandato eletivo.

A determinação de exclusão dos agentes políticos está em conformidade com o entendimento deste Tribunal, no sentido de que os ocupantes de mandato eletivo não estão incluídos no conceito de autoridade para os fins do dispositivo legal em comento.

Colaciono a ementa do precedente deste Regional, com destaque para as razões de decidir:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.  Provimento.

(TRE/RS, RE 14-78, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

Em revisão da sua jurisprudência, o Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e chefia, qual seja, a necessidade de evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários, não está presente quando a doação advém de ocupantes de mandatos eletivos, em virtude de sua condução ao cargo pela vontade popular.

Nessa linha de raciocínio, considerar tais doadores como autoridade pública significa atribuir interpretação ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional.

Por isso, malgrado os ponderáveis argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral para a preservação do assentado por este Tribunal em resposta à Consulta n. 109-98, tenho que a mudança de entendimento deste Regional não representa afronta aos princípios da isonomia e da paridade de armas entre os partidos políticos, mas permite que a restrição alcance apenas as ocorrências que se amoldam à finalidade almejada pela proibição.

Quanto à alegação da existência de cargos com funções de assessoramento arrolados pela unidade técnica como sendo de direção e de chefia, pondero que o enquadramento foi realizado mediante o cotejo entre a nomenclatura atribuída às funções e o plexo de atividades a elas imanentes, sendo que a demonstração de que a presunção resultante desse raciocínio não corresponde à realidade fática é ônus que incumbe exclusivamente ao órgão partidário.

No caso em análise, a agremiação não logrou comprovar o desacerto do enquadramento realizado pelo órgão técnico. Os Decretos ns. 53.147/16 e 51.912/14 (fls. 820-838) atestam, de forma inequívoca, a distinção existente entre as funções de assessoramento, direção e chefia, não sendo possível equipará-las para o fim de afastar a vedação normativa.

Assim, devem ser consideradas como eivadas de ilicitude as receitas arroladas às fls. 263-266, procedentes dos doadores ocupantes dos cargos de Diretor-Geral, Diretor de Departamento, Coordenador, Coordenador-Geral de Bancada, Chefe de Gabinete de Líder, Chefe de Seção, Chefe de Gabinete, Diretor de Administração e Finanças e Diretor Administrativo, que totalizam o montante de R$ 14.842,99.

Como consequência do recebimento de recursos de fontes vedadas, deve ser determinado o recolhimento da referida quantia ao Tesouro Nacional, na dicção do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

No tocante à disposição contida no art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário por um ano, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, tenho que a fixação do período deve se adequar à gravidade da irregularidade, o que impõe a incidência no patamar mínimo, correspondente a um mês, tendo em vista a insignificância da quantia em relação ao total movimentado pelo partido.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. Jospe de Castro Meira, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71)

A respeito da irregularidade identificada no repasse de recursos do Fundo Partidário, a unidade técnica apontou que, não obstante o Diretório Municipal do PSDB de Campo Bom estivesse impedido de receber recursos do Fundo Partidário, o órgão partidário estadual efetuou o repasse da quantia de R$ 1.000,00.

O partido argumenta que os valores foram destinados ao pagamento das despesas com a elaboração da prestação de contas, a fim de possibilitar que o órgão municipal suprisse o dever de prestar contas perante a Justiça Eleitoral.

Ainda que fosse considerada como verdadeira a justificativa apresentada, destaco que a vedação quanto ao repasse dos recursos não poderia ter sido descumprida pelo órgão de direção estadual, ainda que sob o auspício de regularizar a contabilidade do partido.

Assim, a fonte do auxílio financeiro prestado para a regularização da contabilidade não poderia ter recaído nos recursos do Fundo Partidário.

Friso que o art. 52 da Resolução TSE n. 23.432/14 ressalta o dever de observância de todas as esferas de atuação do partido no tocante ao impedimento de repasse de recursos imposta ao órgão partidário. Como consequência ao descumprimento, o §2º determina a reprovação das contas do infrator.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 52. A suspensão com perda do direito ao recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário aplicada exclusivamente ao órgão partidário deverá ser observada por todos os demais órgãos do partido político, sendo vedada a transferência de recursos provenientes do Fundo Partidário por via indireta.

§ 1º Para efeito deste artigo, considera-se via indireta, entre outros:

I – o pagamento com recursos do Fundo Partidário de gastos do órgão cujo repasse foi suspenso por outros órgãos do partido político;

II – o repasse sequenciado, total ou parcial, de recursos do Fundo Partidário entre os órgãos partidários que beneficiem aquele cujo direito está suspenso.

§ 2º A violação às disposições deste artigo ensejará a reprovação das contas do órgão partidário que houver contribuído para a transferência indireta.

Embora a clareza da cominação, considerando que a quantia aplicada de forma irregular representa apenas 0,11% das despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, entendo desproporcional a reprovação da contabilidade exclusivamente em razão desse apontamento.

No que se refere ao recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, esclareço que o art. 47 da Resolução TSE n. 23.432/14 impõe a obrigação de devolução integral dos recursos provenientes do Fundo Partidário ao órgão que tiver as suas contas julgadas como não prestadas, razão pela qual reputo não ser possível aplicar a determinação ao órgão que repassou as aludidas verbas.

Quanto ao recebimento de recursos de origem não identificada, o órgão técnico verificou que a quantia de R$ 5.105,87, arrecadada com a denominação de “0236-CREDITO TITULOS”, restou sem comprovação dos doadores contribuintes das receitas, em razão da falta de indicação do CPF/CNPJ respectivo.

Ressalto que os documentos às fls. 879-889 não se prestam para esse fim, pois se destinam a atestar a origem dos créditos de operações “CREDITO CONV. ENCARGO”.

Em defesa do apontamento, a agremiação sustenta que a identificação ocorreu exclusivamente por meio do cruzamento entre os lançamentos constantes no Livro Razão e as informações bancárias. Nesse ponto, os documentos das fls. 925-930 evidenciam a impossibilidade de conferência dos dados dos doadores.

Por essa razão, não é possível entender como regulares os recursos arrecadados. A forma de recebimento afronta a disposição contida no art. 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que exige a identificação do doador por meio da aposição do CPF/CNPJ:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que remeterão à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil.

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político.

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deverá ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “outros recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF ou o CNPJ do doador seja obrigatoriamente identificado.

Em virtude do descumprimento, deve a referida importância ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Todavia, deixo de aplicar a suspensão da distribuição ou repasse dos recursos do Fundo Partidário, prevista no art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.432/14, por entender que a agremiação envidou seus esforços para esclarecer a origem do recurso, embora não tenha sido possível suprir a irregularidade quanto à forma de sua arrecadação.

A última falha apontada pela unidade técnica refere-se à ausência de comprovação de gasto mínimo de 5% dos recursos recebidos do Fundo Partidário “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”, conforme prevê o art. 44 da Lei n. 9.096/95, em seu inc. V c/c § 5º, na redação original, vigente ao tempo do exercício financeiro:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

[…]

V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.

[...]

§ 5º O partido que não cumprir o disposto no inciso V do caput deste artigo deverá, no ano subsequente, acrescer o percentual de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) do Fundo Partidário para essa destinação, ficando impedido de utilizá-lo para finalidade diversa

Apesar da argumentação da grei no sentido de reserva de valores para esse fim, no exercício subsequente ao descumprimento, adiro à manifestação da unidade técnica no sentido de que a providência adotada não encontra amparo normativo.

Ademais, a conduta do partido não atende ao fim colimado pela norma eleitoral, que é o de promover a participação feminina na política. Ao revés, faz letra morta à ação afirmativa extraída do dispositivo.

Por conseguinte, deve a agremiação destinar, no exercício financeiro subsequente ao trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, o percentual de 2,5% dos recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício de 2015, que corresponde ao montante de R$ 24.289,67, acrescido da quantia de R$ 36.154,49, que resulta da diferença entre o valor que deveria ser aplicado e o efetivamente destinado, o que totaliza o somatório de R$ 60.444,16, a ser empregado na mesma finalidade.

Por fim, procedida à análise de todo o balanço contábil, considerando que o partido arrecadou, no exercício, o valor de R$ 1.187.162,54 e que as falhas identificadas na contabilidade, ainda que somadas, alcançaram a expressão de apenas 4,81% dessa quantia, entendo que não atende aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade o juízo de desaprovação das contas.

Logo, as contas comportam o juízo de aprovação com ressalvas, com a determinação de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário pelo período de 01 mês, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, bem como de recolhimento dos recursos provenientes de fonte vedada e de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

 

Ante todo o exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do Diretório Estadual do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) do RIO GRANDE DO SUL, relativas ao exercício financeiro de 2015, com a determinação de suspensão do repasse do Fundo Partidário pelo período de 01 mês e de recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 19.948,86.

Determino, ainda, a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário, no valor de R$ 60.444,16, no exercício financeiro subsequente ao trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, nos termos da fundamentação.

Autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópia dos autos.