RE - 147 - Sessão: 18/12/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo DEMOCRATAS DE CRUZ ALTA contra sentença (fls. 71-76) que, relativamente ao primeiro fato (inelegibilidade reflexa), decretou a extinção do processo sem resolução do mérito, por força do art. 485, inc. VI, do CPC, em virtude da ausência de interesse processual decorrente da absoluta inadequação da via eleita, julgando, no mais, improcedente a ação proposta contra MOACIR MARCHESAN JUNIOR, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC.

A inicial imputava a Moacir Marchesan Júnior, vereador eleito em Cruz Alta, os seguintes fatos: a) que seu genitor, vice-prefeito em Cruz Alta, no período eleitoral, teria exercido o cargo de prefeito dentro do período de 06 (seis) meses antes do pleito, caracterizando inelegibilidade superveniente; b) abuso de poder econômico por ter recebido doações de forma irregular, obtendo vantagem ilícita diante dos demais candidatos, sendo patrocinado, em quase 100%, por seu pai, vice-prefeito, segundo as informações retiradas do site do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Em suas razões recursais, o DEM alega que Moacir Marchesan exerceu a função de prefeito em 05 de abril de 2016, desrespeitando o período de 6 meses anteriores ao pleito, em afronta ao art. 1º, inc. VII, § 3º, da LC n. 64/90, e cometeu abuso de poder econômico ao não respeitar as normas para o recebimento de doação, obtendo vantagem ilícita ante os demais candidatos, em desacordo com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463-15.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, analiso a preliminar de ilegitimidade ativa do partido político que disputou a eleição de forma coligada.

Encerrado o pleito, as agremiações retomam individualmente a capacidade postulatória.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL.

1. Afasta-se a alegação de intempestividade da AIME ajuizada em 7.1.2013, uma vez que o prazo para o ajuizamento da referida ação, conquanto tenha natureza decadencial, deve obedecer aos ditames do art. 184, § 1º, do CPC, prorrogando-se para o primeiro dia útil subsequente o termo final que recair em feriado ou dia em que não haja expediente normal no cartório. Precedentes.

2. As coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente. Precedentes.

3. Segundo a jurisprudência desta Corte, "o abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral" (AgR-AI n° 11.708/MG, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE de 15.4.2010).

4. In casu, de acordo com o que consta do acórdão regional, os fatos narrados, consubstanciados em nomeações para cargos inexistentes ou já preenchidos; exoneração em massa de servidores comissionados logo após as eleições; e a concessão de grande número de licenças-prêmio, somados ao conjunto probatório constante dos autos, foram suficientes para ensejar a condenação com base na prática de abuso de poder econômico e político, por meio da utilização indevida da máquina administrativa pelo então candidato a reeleição ao cargo de prefeito municipal.

5. Em conformidade com precedentes deste Tribunal, relacionados às eleições municipais de 2012, tem-se que a inelegibilidade preconizada na alínea d do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, com as alterações promovidas pela LC n. 135/2010, refere-se apenas a representação com base em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), de que trata o art. 22 da Lei de Inelegibilidade, e não com base em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME).

6. Recurso especial eleitoral parcialmente provido, somente para afastar a inelegibilidade aplicada.

(TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 138, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 23.03.2015, Página 33/34.) (Grifei.)

Também foi essa a compreensão da sentença que, no ponto, válido transcrever (fls. 72v.-73):

A argumentação da parte impugnada, dando conta da impossibilidade de ajuizamento da presente ação por partido isolado, nas hipóteses em que o mesmo tenha integrado coligação para o pleito, não encontra eco na legislação eleitoral. Isso porque, muito embora o partido coligado, isoladamente considerado, de fato, somente possua legitimidade para atuar no processo eleitoral quando objetivar o questionamento da validade da própria coligação, o caso é que, pelo prazo legalmente estabelecido à espécie que aqui se examina, impositiva a conclusão de que tal disposição, in casu, resta inaplicável.

Observe-se, pois, que a ação de impugnação a mandato eletivo, por consequência lógica de seu objeto (apontar a invalidade do mandato), somente pode ser manejada quando já ocorrida a diplomação do eleito que se pretende cassar. Com efeito, não é senão esse o marco inicial para a contagem do prazo insculpido no art. 14, § 10º, da Constituição Federal. Destarte, conquanto não se olvide do fato de que as coligações mantêm, para aquelas ações decorrentes do pleito, a legitimidade, igualmente induvidoso que, definitivamente encerradas as eleições, retomam os partidos individualmente considerados suas respectivas capacidades postulatórias. Nesse sentido, o magistério de Rodrigo López Zílio (Direito Eleitoral, 5ª ed. p. 564-565. ed. Verbo Jurídico, Porto Alegre, 2016):

“O partido político tem legitimidade para ajuizar a AIME, desde que limitado a sua circunscrição (art. 11, parágrafo único, da LPP); logo, o diretório municipal não pode aforar AIME em eleição estadual federal ou presidencial. A legitimidade de o partido político agir isoladamente é reconhecida, ainda que ele tenha concorrido em coligação, já que a ação constitucional somente é aforada após a eleição. De fato, o TSE decidiu que ¿os partidos políticos que, coligados, disputaram o pleito, detêm legitimidade para propor isoladamente as ações previstas na legislação eleitoral, uma vez realizadas as eleições, o que é admitido, inclusive, concorrentemente com a respectiva coligação” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 25.269 ¿ j, 31.10.2006 Rel. Min Caputo Bastos).

Importa dizer, contudo, ainda que não configurada a ilegitimidade suscitada, que a este juízo causa espécie a atuação da agremiação partidária demandante. Veja-se, no ponto, que o próprio partido, após ter integrado coligação ao pleito municipal proporcional, recorre agora à Justiça Eleitoral com a finalidade de desconstituir o mandato de um de seus eleitos. E mais: relaciona dentre os motivos, inclusive, inelegibilidade decorrente de fato anterior ao registro da candidatura, circunstância esta que deveria, ao menos por responsabilidade perante o eleitorado, conhecer à época, de modo a evitar a apresentação de candidatos cuja regularidade desde então já entendesse viciada.

Porém, não é o que se verifica. Ao revés, opta a agremiação por buscar, pela via judicial, a cassação de diploma cuja concessão é resultado advindo de seu próprio agir, eis que não foi senão a apresentação tempestiva dos registros de candidatura, aliada ao apoio durante todo o período de campanha pela coligação, que permitiu a cada um de seus integrantes a possibilidade de eleger-se.

Entende este juízo que a ressalva, em que pese a legitimidade ativa, é necessária, sobretudo porque emergem do atuar do demandante dúvidas quanto ao interesse útil que busca do presente processo extrair, das motivações mesmas que trouxeram à Justiça Eleitoral a presente ação e que evidenciam, por consequência, a abrupta mudança de posicionamento do partido, hoje impugnante de candidatura que outrora chancelara.

Ante o exposto, feita a impositiva ressalva, afasto a prefacial invocada.

Como salientado pelo juízo a quo, ainda que o partido postulante tenha firmado coligação com a agremiação pela qual foi eleito o recorrido – o que causa certa estranheza – o fato é que não há impedimento legal para a propositura da ação.

Com essas razões, rejeito a prefacial.

MÉRITO

A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) tem assento constitucional no art. 14, § 10, da Constituição Federal, sendo hipóteses de cabimento o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Sobre o bem jurídico protegido pela AIME, assim se manifesta a doutrina de Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral, 5ª Ed., p. 563-564):

O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, §9°, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90). A realização de eleição imune a quaisquer vícios ou irregularidades é aspiração de toda a coletividade. Da mesma sorte, a garan-tia de que o exercício do voto seja uma obra consciente e livre da manifes-tação individual do eleitor é desiderato da ciência eleitoral e dessa ação constitucional.

Neste giro, para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito (Recurso Ordinário nº 780 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 08.06.2004). Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 19.553 – j. 21.03.2002). Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmético (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

A análise da potencialidade lesiva não se prende ao critério exclusivamente quantitativo, devendo ser sopesado pelo julgador outros fatores igualmente determinantes da quebra da normalidade do pleito, tais como o meio pelo qual o ato foi praticado, se envolveu aporte de recursos públicos ou privados, o número de pessoas atingidas e beneficiadas – direta e reflexamente –, a época em que praticado o ilícito (se próximo ou não do pleito), a condição pessoal dos beneficiados (condição econômica, social e cultural). Agora, o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, dispõe que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Na espécie, atribui-se ao recorrido: a) inelegibilidade superveniente em relação ao seu genitor; b) abuso do poder econômico.

A Constituição Federal prevê as hipóteses de cabimento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo: abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Equivale dizer, inelegibilidade superveniente não está contemplada.

Assim, correta a sentença ao extinguir o feito, diante da inadequação da via eleita.

Nesse sentido, transcrevo excerto da decisão do juízo a quo (fls. 73v.-74v.):

A peça portal principia tratando de hipótese de inelegibilidade reflexa pelo parentesco (ausência de desincompatibilização do genitor do impugnado), a ensejar malferimento ao disposto no art. 14, § 7º, da CF. Ocorre, porém, que tal circunstância não se encontra dentre aquelas cujo julgamento se permite por meio de ação de impugnação ao mandato eletivo, conforme determina o art. 14, § 10, da CF, verbis: “§10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.”

Nessa linha:

Recurso Contra Expedição de Diploma. Vereador. Inelegibilidade superveniente. Parentesco. Constituição Federal. Eleições 2016. 1. Afastadas as preliminares de falta de interesse de agir e de ilegitimidade ativa. Protocolado o RCED dentro do tríduo legal, inexistindo espera estratégica no seu ajuizamento. A Coligação é parte legítima para propor ações eleitorais, ainda que encerrada a eleição. 2. Hipóteses autorizadoras do manejo do recurso contra expedição de diploma: inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e a falta de condição de elegibilidade. 3. Vereador eleito para o quadriênio 2017-2020, irmão de vice-prefeito que ocupou o cargo de prefeito no interregno de 01.9.2016 a 30.9.2016. Reconhecida causa de inelegibilidade superveniente constitucional, à luz do disposto no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. São inelegíveis parentes consanguíneos até o segundo grau de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito. A ressalva prevista no texto constitucional - se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição não aproveita ao vereador, que disputou seu primeiro mandato. 4. A norma constitucional de inelegibilidade por parentesco tem aplicação objetiva. Substituição que se deu em período estratégico, próximo à eleição, tendo o substituto praticado atos de gestão, exercendo de fato o cargo. 5. Procedência. Diploma cassado. Votos obtidos contados a favor da legenda pela qual concorreu o parlamentar. (TRE-RS, RCED 25791 PINHAL GRANDE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, julgado em 25.05.2017, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 90, Data 29.05.2017, Página 4.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. INELEGIBILIDADE SUPERVENIENTE. PARENTESCO. ART. 14, § 7ºDA CF/88. RCED. POSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. A inelegibilidade por parentesco pode ser arguida em recurso contra expedição de diploma (art. 262, I, do Código Eleitoral), mesmo tratando-se de fato superveniente ao pedido de registro. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-REspe 45080 PI, Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Data de Julgamento: 24/10/2014, DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 227, Data 02/12/2014, Página 29).

Lado outro, como muito bem articulado no douto parecer da Procuradoria Eleitoral, ainda que se admitisse o processamento da demanda sob a perspectiva da inelegibilidade superveniente, o mérito seria improcedente, verbis (fls. 111-112v.):

Em consulta aos autos, verifica-se que o recorrido é filho de Moacir Marchesan, o qual exercia o cargo de vice-prefeito no município de Cruz Alta à época das eleições municipais de 2016.

Observa-se, outrossim, que Moacir Marchesan substituiu o Prefeito nos períodos mencionados no Atestado n. 11/17, expedido pela Prefeitura Municipal de Cruz Alta, que afirmou (fl. 52):

Outrossim, ATESTAMOS que, não existem atos administrativos no arquivo desta Secretaria assinados pelo Sr. Moacir Marchesan no período de Abril a Outubro/2016.(...)

De fato, o referido atestado arrola o Decreto n. 203/16, pelo qual foi transmitido o cargo de Prefeito Municipal ao Vice-Prefeito Moacir Marchesan no período de 24/03/16 a 30/03/2016, o que vai de encontro à afirmação do recorrente de que o pai do recorrido teria substituído o Prefeito dentro do período de 06 meses anteriores à data do pleito de 02 de outubro de 2016.

Dessa forma, não se vislumbra a alegada inelegibilidade reflexa por parentesco prevista nos arts. 14, §7º, da Constituição Federal e 1º, VII, §3º, da LC 64/90, verbis:

Art. 1º

(...)

VII (…) § 3° São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Art. 14

(...)

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Assim, ainda que tenha havido a publicação em jornal de circulação no município de Cruz Alta na data de 05 de abril de 2016 (cujo exemplar encontra-se anexo à fl. 21), acerca de atos praticados por Moacir Marchesan no exercício de Prefeito, as publicações em comento tratam de Aviso de Licitação datado de 28/03/16 e de Aviso de sancionamento e promulgação de Lei Municipal de 31 de março de 2016.

Se não pela improcedência quanto ao mérito, e consequente desprovimento do recurso, de outro lado, correta a sentença que reconheceu a inadequação da via eleita - tendo em vista que a hipótese de inelegibilidade reflexa por parentesco deve ser alegada por meio de Recurso Contra a Expedição do Diploma – RCED – dentro do tríduo legal - restringindo o objeto da presente AIME à hipótese de abuso de poder econômico.

Com efeito, destaque-se, as hipóteses de cabimento do RCED encontram-se previstas no art. 262 do Código Eleitoral, in litteris:

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

São três, portanto, os fundamentos possíveis para o cabimento do RCED: inelegibilidade superveniente, inelegibilidade constitucional e falta de condição de elegibilidade.

No caso dos autos, imputa o recorrente ao recorrido Moacir Marchesan Junior – vereador eleito em Cruz Alta/RS - inelegibilidade de natureza constitucional prevista no art. 14, §7º, da CF, diante da substituição do Chefe do Poder Executivo de Cruz Alta/RS pelo irmão genitor do recorrido, à época Vice-prefeito de Cruz Alta/RS, no período de seis meses que antecederam ao pleito de 02 de outubro de 2016.

No presente caso, portanto, a controvérsia paira sobre suposta situação de inelegibilidade de cunho constitucional, o que configura hipótese de cabimento do RCED, sendo, portanto, inadequada a via da presente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo para a sua declaração.

Dessarte, deve ser mantida a sentença que determinou a extinção do processo, sem resolução de mérito, em relação ao pedido de reconhecimento de inelegibilidade do recorrido, por força do art. 485, inc. VI, do CPC.

Quanto ao alegado abuso do poder econômico, em função de o recorrido ter recebido doações de forma irregular de seu genitor, não há demonstração de que o fato tenha violado a normalidade e legitimidade do pleito, assim como não se verifica gravidade nas circunstâncias.

No tópico, reproduzo o que constou na sentença (fls. 74v.-76):

Nesse tocante, reside a argumentação exposada na inicial no fato de que teria recebido o então candidato Moacir Marchesan, irregularmente, a quantia de R$ 5.000,00, haja vista a adoção de procedimento diverso daquele estabelecido em lei, qual seja, o depósito por meio de cheque, em detrimento da transferência bancária.

De fato, o art. 18, § 1º, da Res. TSE 23.463/2015, contém tal determinação, especificando que “as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação”, o que efetivamente demonstra a irregularidade no procedimento adotado quando do depósito, tal qual indica a parte impugnante.

Não atenta o demandante, entretanto, para o fato de que tal circunstância já foi objeto de exame quando da prestação de contas do candidato, ocasião em que a análise técnica, acerca dela, assim ponderou (fl. 10 dos autos do processo PC de nº 571-67.2016.6.21.0017):

“Foram identificadas doações financeiras recebidas de pessoas físicas acima de R$ 1.064,10, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica, contrariando o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE nº 23.463/2015.

Analisando os extratos bancários eletrônicos, verifica-se que houve um depósito na conta corrente no valor de R$ 5.000,00, efetuado pelo próprio candidato através de cheque no dia 19/08, valor que foi sacado no dia 29/08/2016, sendo que, no mesmo dia 29/08, foi realizada uma Transferência eletrônica identificada do candidato de igual valor.

Assim, s.m.j, entende este examinador que não há infringência ao disposto no art. 18, § 1º, da Res. TSE nº 23.463/2015, uma vez que, pelo exame dos extratos bancários, não houve a utilização dos recursos depositados de forma irregular, os quais foram devolvidos ao doador, na forma do § 3º do referido artigo, e efetuada a doação através de transferência eletrônica.

Ao final, considerando o resultado da análise técnica empreendida na prestação de contas, manifesta-se este analista pela sua aprovação.”

Na oportunidade em que se manifestou o órgão ministerial (fls. 11 e 12 dos mesmos autos), também esse foi favorável à aprovação das contas, asseverando, em síntese, o que segue:

“Considerando a análise técnica da fl. 10, constata-se que foi regularizada pelo candidato a falha apontada pelo analista, não restando outras irregularidades ou impropriedades, o que ensejou a emissão de Parecer Técnico Conclusivo pela aprovação das contas no Relatório Final da unidade técnica responsável pelo exame das contas.

De outra banda, verificou-se que a movimentação financeira foi realizada por meio da conta bancária aberta especificamente para esta finalidade, não evidenciando irregularidades na administração financeira da campanha, nem elementos que justifiquem a sua rejeição ou mesmo a aprovação com ressalvas.

À evidência, tais elementos, bem como o preenchimento de todos os demais requisitos legais pertinentes, foram exaustivamente observados por esta julgadora, culminando no teor decisão de aprovação das contas, prolatada nas fls. 14-15 dos autos do supracitado PC nº 571-67.2016.6.21.0017.

Menciona-se ainda que, se irresignação havia quanto à aprovação, caberia à parte recorrer dentro do prazo cabível, uma vez que o processo, para além de ser público, teve sua decisão final regularmente publicada, nos termos do art. 77, parágrafo único, da Res. TSE 23.463/2015, a fim de possibilitar o exercício salutar do contraditório, não sendo objeto de qualquer questionamento durante todo o transcurso do prazo que, por seu lapso, conduziu ao trânsito em julgado na data de 27/03/2017 (fl. 16v dos autos respectivos).

Não bastasse, para a impugnação da prestação de contas, propriamente, houve abertura de prazo específico, tal qual determina o art. 51 da supracitada Resolução, com a consequente afixação de edital correspondente (Edital nº 54/2016), ocasião em que, a despeito da possibilidade de questionamento por qualquer dos legitimados no dispositivo elencados (dentre os quais inseridas as agremiações partidárias), quedou silente o agora impugnante durante todo o decurso do prazo (fl. 08 dos autos do Processo PC nº 571-67.2016.6.21.0017).

Por fim, embora mais não fosse necessário dizer, eventual inconsistência de contas eleitorais por descumprimento de preceito formal (utilização de método diverso da transferência eletrônica), o que, repisa-se, sequer se constata, ainda que acarretasse em desaprovação judicial, não constituiria meio hábil a comprovar, isoladamente, o alegado abuso de poder econômico, seja porque remanesceria indemonstrada a subsunção da situação fática ao disposto no art. 30-A, § 2º, da Lei 9504/97, seja porque, em qualquer caso, imprescindível à configuração de abuso passível da punição pretendida prova inequívoca de potencialidade lesiva no ato, elemento igualmente ausente no conjunto probatório carreado aos autos.

Nessa linha:

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E DE AUTORIDADE. ATRASO NO JULGAMENTO DAS CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. RETARDAMENTO PROPOSITAL. PROVAS FRÁGEIS. DESPROVIMENTO.

1. No abuso de poder, o bem protegido é a legitimidade da eleição. A lei visa a afastar o desequilíbrio entre os candidatos, em face de possíveis excessos praticados e, com isso, garantir a lisura do pleito.

2. Nos termos da firme jurisprudência da Corte, é necessário que esteja presente o requisito da potencialidade, que é a demonstração de que os atos praticados teriam força suficiente para macular o processo de disputa eleitoral.

3. No caso dos autos, não ficou demonstrado que houve atraso proposital no julgamento das contas pela Câmara Municipal para beneficiar o candidato.

4. Recurso a que se nega provimento.

Assim, quer porque a inelegibilidade superveniente não se presta a embasar ação de impugnação de mandato eletivo, quer porque inexistiu abuso do poder econômico, a manutenção da sentença é de rigor.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa do recorrente e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.