RE - 184 - Sessão: 18/12/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença que julgou improcedente a representação eleitoral ajuizada pelo recorrente contra JULIAN RAFAEL CERONI DA GRAÇA, considerando ausente gravidade suficiente a ensejar a sanção prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, o recorrente alega, em síntese, a efetiva comprovação do ilícito, bem como de sua gravidade, motivo pelo qual requer a reforma da sentença, a fim de que seja julgada procedente a representação (fls. 241-244v.).

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 1092-1101).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Preliminares

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL foi intimado da sentença no dia 4.10.2017 (fl. 239), e o recurso foi interposto na mesma data (fl. 241), observando, portanto, o prazo de três dias previsto no art. 30-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

1.2. Da desconsideração das provas

Em sede preliminar, o recorrente requer sejam desconsideradas as provas produzidas na fase do inquérito, bem como o depoimento do representante do Ministério Público Eleitoral atuante na 163ª Zona Eleitoral, Dr. Paulo Eduardo Nunes de Ávila.

Sem razão.

Não são nulos os depoimentos prestados em procedimento investigatório junto ao Ministério Público Eleitoral, devendo tais declarações, todavia, ser ratificadas em Juízo.

De outro lado, de igual modo não há vedação a que o Promotor que presidiu o procedimento investigatório preste testemunho na representação relativa aos fatos apurados. Contudo, caberá ao magistrado sopesar esta situação, sendo inviável a condenação lastreada unicamente neste meio probatório.

Por essas razões, rejeito a preliminar suscitada pelo recorrente e passo ao exame do mérito.

2. Mérito

Tangente ao mérito, o recorrente aduz que o representado incidiu na prática ilícita prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 ao omitir recursos utilizados em sua campanha eleitoral, visto que não declarou o uso de dois veículos como carros de som.

O art. 30-A da Lei n. 9.504/97 assim dispõe:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

O dispositivo busca coibir e sancionar o recebimento e o gasto de recursos realizados de forma ilícita, em contrariedade às normas a respeito da prestação de contas. Atualmente se verifica de forma mais clara a importância em fiscalizar a movimentação financeira dos candidatos, como fator de repressão à corrupção e garantia da democracia.

Ademais, reconhecida a relevância do financiamento de campanha para o êxito nas urnas, o respeito às regras pertinentes mostra-se fundamental também à defesa da legitimidade do pleito e à igualdade entre os candidatos.

Sobre o tema, cita-se a doutrina de José Jairo Gomes:

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes.

O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide art. 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último caso são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado “caixa dois” de campanha.

[…]

O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral. Arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios.

Também é tutelada a igualdade que deve imperar no certame. A afronta a esse princípio fica evidente, por exemplo, quando se compara uma campanha em que houve emprego de dinheiro oriundo de “caixa dois” ou de fonte proibida e outra que se pautou pela observância da legislação. Em virtude do ilícito aporte pecuniário, a primeira contou com mais recursos, oportunidades e instrumentos não cogitados na outra. (Direito Eleitoral, 13ª ed., 2017, p. 664/665.)

A sanção legal prevista para a ofensa ao art. 30-A é a perda do mandato, motivo pelo qual não basta o simples desrespeito à norma alusiva aos recursos e aos gastos de campanha. O fato deve ter gravidade suficiente capaz de guardar proporcionalidade com a severa penalidade imposta, como já definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, não bastam meras irregularidades formais no controle de gastos, que devem ser apuradas em prestação de contas, com a pertinente consequência para tanto. A caracterização do ilícito previsto no art. 30-A requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, burlando as regras de arrecadação e gastos eleitorais, com a consequente vantagem sobre os demais candidatos.

Invoca-se a lição de Rodrigo López Zilio:

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário nº 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.04.2009). (Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 674.)

Na hipótese dos autos, o representado teria deixado de contabilizar em sua prestação de contas os veículos PICAPE CORSA (placas IKF 3287) e VW GOL (placas ILI 9451), os quais teriam sido utilizados como carros de som. Tais veículos, segundo o representante, circulavam diariamente na Vila da Quinta, durante o período eleitoral, propagando o jingle do candidato representado.

Contudo, adianto que a magistrada da 37ª Zona Eleitoral, Dra. Fernanda Duquia Araújo, analisou com acuidade e percuciência o conjunto probatório coligido aos autos, razão pela qual não vejo motivos para alterar a sentença de improcedência da representação.

E na mesma linha seguiu o douto Procurador Regional Eleitoral, ao manifestar-se pelo desprovimento do recurso (fls. 267-270).

Reproduzo, a seguir, a análise da prova realizada pela magistrada sentenciante (fls. 234v.-235):

Antônio Itacir Silveira da Fontoura disse ter presenciado os dois veículos em circulação reproduzindo o jingle do candidato. Todavia, suas declarações têm menor valor probatório porque a esposa de Antônio Itacir, Viviane Fontoura, é adversária política do representado na Vila da Quinta, pequeno reduto político desta circunscrição eleitoral que, por afastado da zona urbana do município, ganha contornos de autonomia e independência, de modo a ensejar inclusive a instituição de uma subprefeitura local. Trata-se de localidade em que a disputa eleitoral é acirrada e na qual Antônio e Viviane já trabalharam como subprefeitos.

Vera Maria Silveira dos Santos, ex-professora do representado, não viu os veículos transitarem executando o jingle. E declinou que o representado é músico.

Alice Helena Rodrigues de Oliveira, arrolada pelo Ministério Público, é irmã de Viviane Fontoura e afirmou-se “adversária de ideias do representado com o qual tem embates políticos”. Logo, porque presente inegável interesse na cassação do diploma de vereador, suas informações não servem a embasar juízo de procedência.

Natália Meirelles Saldívia confirmou a narrativa fática da representação. No entanto, tenho que suas palavras são insuficientes ao juízo de procedência, se apreciadas em conjunto com a prova produzida pelo representado, a qual acaba por colocá-las em dúvida.

Norton Ceroni da Graça, irmão do representado, disse da disputa política entre Viviane e o representado, bem como que fez a aludida música com o representado em casa, dias antes da eleição e passou a encaminhá-la a amigos via whatsapp e a reproduzi-la em seu automóvel, a picape Corsa.

Gilberto Cadaval, José Felipe Martinatto Júnior, Pedro Ernesto Enderle Júnior e Maicon Aurélio Dias Barros negaram o cometimento dos fatos narrados na representação.

E da análise da prova, a magistrada assim concluiu (fl. 235):

Não estou, nem de longe, a ignorar que a omissão dos recursos levou à rejeição das contas do representado por outro juízo. Todavia, tal circunstância fática e jurídica não é suficiente à procedência da presente representação, dada a gravidade de suas consequências, que dizem com a cassação do diploma e do próprio mandato. Aqui mais se exige, num nível de elementos de convicção similar ao que norteia os processos criminais, para formação de juízo de cognição pela procedência. Na dúvida, tendo em vista, outrossim, que subjaz um contexto de forte disputa eleitoral no mínimo entre Viviane Fontoura e o representado, impende preservar o resultado eleitoral apurado nas urnas.

Assim, em que pese o inconformismo do recorrente, forçoso reconhecer que a decisão de improcedência encontra-se em plena consonância com a jurisprudência do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual “para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei n. 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si” (AgR-RO n. 2745-56/RR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 9.11.2012).

Consequentemente, a omissão do uso de dois veículos, embora traga repercussão negativa na contabilidade de campanha, não possui gravidade suficiente a ensejar a retirada de mandato parlamentar obtido com 813 votos populares.

Cabe ressaltar que a interferência judicial no resultado de um pleito eleitoral exige um caderno probatório robusto, que não deixe margem para dúvidas sobre a certeza e a correção da decisão judicial, bem como do juízo de proporcionalidade e razoabilidade utilizado para sopesar a gravidade, a relevância jurídica da conduta.

Nesse norte é a jurisprudência do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AIJE. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. RECIBO ELEITORAL FALSIFICADO. DOAÇÕES REALIZADAS PELO PRÓPRIO CANDIDATO. ORIGEM NÃO COMPROVADA. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE E DE PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A cassação de registro ou de diploma na hipótese de captação ou gastos ilícitos de recursos, prevista no art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97, requer prova de relevância jurídica das irregularidades praticadas pelo candidato. Precedentes.

2. Primeiro ilícito: recibo de doação de veículo, em valor estimado de R$ 4.000,00, cuja assinatura do doador fora falsificada. No caso, além do montante inexpressivo no contexto de eleição municipal (1,3% de R$ 301.423,00), houve de fato registro nas contas, o que possibilitou efetivo controle de despesas de campanha.

3. Ademais, referida falsificação, sem prova de autoria, deve ser averiguada em esfera própria, conforme assentado no decisum monocrático.

4. Segunda irregularidade: ausência de origem de parte dos recursos doados, no quantitativo de R$ 3.550,00, ínfimo em termos percentuais (1,2% do total).

5. O tema relativo à operação Olísipo, na qual supostamente se teria comprovado existência de "caixa dois", não foi objeto do acórdão recorrido (Súmula 211/STJ) e tampouco do recurso especial (indevida inovação de teses).

6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 304, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 114, Data 15.6.2016, p. 52-53.) (Grifei.).

Portanto, embora se vislumbre a ocorrência dos fatos, não há elementos que evidenciem a gravidade da conduta, razão pela qual deve ser mantido o juízo de improcedência da ação firmado pelo juízo de primeiro grau.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por rejeitar a preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.