RE - 48346 - Sessão: 26/02/2018 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral - MPE de Gravataí ajuizou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo em desfavor da Coligação “Gravataí Melhor Para se Viver”, dos partidos que a integraram – Partido Social Democrático (PSD) e Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) – e dos respectivos candidatos (eleitos e suplentes) (fls. 02-13)que concorreram às eleições proporcionais daquele município, nas eleições 2016, por suposta fraude no preenchimento da quota de gênero, mediante candidatura fictícia de CÁTIA BERENICE VALADAS DE SOUZA e SIMONE SILVA DOS SANTOS.

A ação recebeu sentença de procedência dos pedidos para o fim de, reconhecendo a fraude e o abuso de poder na composição da lista de candidatos, desconstituir todos os mandatos obtidos pela Coligação “Gravataí Melhor para se Viver" – titulares e suplentes – e considerar nulos os votos atribuídos à coligação, determinando sejam eles distribuídos nos termos do art. 109 do Código Eleitoral (fls. 1257-1263v.)

Inconformadas, recorrem as partes.

O MPE (fls. 1293-1295v.) requer reforma parcial da sentença para o fim de se aplicar multa de litigância de má-fé ao impugnado DILAMAR DE SOUZA SOARES. Sustenta que o recorrido procedeu de modo temerário ao arguir nulidade da ação, atribuindo à promotora responsável pelo ajuizamento da AIME a violação do segredo de justiça, mediante divulgação do conteúdo do feito à imprensa. Aduz que, da análise das matérias acostadas aos autos, restou claro que as informações não foram prestadas pela promotora, sua equipe ou quaisquer outros membros do Ministério Público. Salienta que a ação foi ajuizada no dia 19.12.2016 e a matéria veiculada no início de fevereiro do ano seguinte, quando a promotora Ana Carolina Azambuja, cuja fotografia ilustra a publicação, encontrava-se em férias e já não atuava mais como promotora eleitoral. Diz que a referida imagem – foto antiga já exposta pelo periódico em outra oportunidade – foi utilizada indevidamente para ilustrar a matéria, cujos trechos entre aspas foram retirados da petição inicial.

Os candidatos não eleitos SIMONE SILVA DOS SANTOS, CLAUDECIR LEMES, ELIZETE BLEHM BITHENCOURT, ALCIONE JOSÉ DOS SANTOS, ANTONIO VALDIR DOS SANTOS, ROBINSON BATISTA DA SILVA, SANTOS ALBERTO REBELATO JUNIOR, MARCELO LEMES DOS SANTOS, VANDERLEI MAYER PADILHA, CHRISTIAN ASSIS DE FRAGA, ADRIANE DE LIMA FERREIRA, JAQUELINE SOUZA LANGER, RODYVAN MOLLER, ARLINDO SEVERO SETIM SOLANO, MARIA BERNADETE CORREA CAMARGO, JORGE PAULO BORGES DE ÁVILA, AILTON JOSÉ DOS SANTOS GOULART, VITOR ERNESTO ESCOUTO, GEOVANI MENDES SIEBEL, LUCIANA BORGES GOMES, DOUGLAS DE JESUS PEREIRA DE ALMEIDA, ROSANE BITENCOURT VALADAS, NAIANY BORGES ZANETTI, CRISTIANO KINGESKI LUCRECIO, e JOÃO BATISTA PORTELLA PEREIRA (fls. 1322-1359) arguem, em preliminar, ilegitimidade para figurarem no polo passivo de Ação de Impugnação a Mandato Eletivo porque não detêm mandatos.

No mérito, sustentam não haver prova quanto à alegada fraude e abuso de poder. Aduzem que o segundo depoimento de CÁTIA BERENICE VALADAS DE SOUZA, com conteúdo modificado em relação aos esclarecimentos prestados nos autos de Procedimento Preparatório Eleitoral, fora colhido nas dependências da Promotoria sem a presença do advogado, já constituído. Dizem que pelo depoimento pessoal das recorrentes resta claro o interesse inicial nas respectivas candidaturas, as quais desistiram da campanha por fatos alheios à sua vontade, sendo que, por falta de conhecimento da legislação, deixaram de comunicar a desistência à Justiça Eleitoral. Afirmam que inexistência de votos, por si só, não indica fraude eleitoral, bem ainda que, “a busca do Ministério Público pela cassação dos candidatos homens por meio da anulação do DRAP por fraude, ressalvando os mandatos das candidatas mulheres, deve ser rechaçada”.

Os candidatos eleitos DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS (fls. 1379-1460) suscitam preliminar de nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação (omissão) e contradição, vícios não sanados quando do julgamento dos embargos de declaração por eles opostos. As omissões estariam consubstanciadas pela ausência de enfrentamento dos seguintes pontos: ilegitimidade passiva dos representados não detentores de mandatos; necessidade de preservação do segredo de justiça à AIME; inversão de papéis da candidata Cátia, que teria passado de demandada à testemunha, fazendo, na condição de parte, prova contra si; prova referente ao abuso de poder; falta de abertura de procedimento administrativo para apurar fraude relatada por Aline do Nascimento Nagera, que teria tido a assinatura falsificada em requerimento de registro de candidatura protocolado sem o seu conhecimento pelo PTC; e inexistência de gravidade das circunstâncias dos atos ilícitos. A contradição, por sua vez, residiria em trechos da sentença referentes à intenção de Simone Silva dos Santos de concorrer. Ainda, sustentam impossibilidade de juntada do novo depoimento da demandada Cátia, prestado sem a presença de advogado, a qual, depois de ter apresentado defesa passou a acusar os seus pares, agindo como testemunha “do demandante”, bem como nulidade da ação por quebra do segredo de justiça decorrente na divulgação de informações, supostamente pela promotora eleitoral, em entrevista jornalística.

No mérito, alegam ter restado provado, nos autos, tanto a intenção das candidatas de concorrer no pleito de 2016 quanto de posterior desistência das candidaturas; que Simone teria desistido por não conseguir conciliar atos de campanha com o seu trabalho de recepcionista, bem como que o partido lhe disponibilizou material de campanha, o qual não foi produzido por falta de tempo para fazer a fotografia para os santinhos. Sustentam que os depoimentos prestados pelas testemunhas que conhecem a candidata Cátia confirmaram que ela fez campanha. Alegam não ter o autor se desincumbido da prova quanto ao abuso de poder. Invocam a boa-fé e aduzem não haver, na legislação, regra que obrigue os candidatos a fiscalizar os atos de campanha dos seus pares, tampouco que tipifique a inexistência de votos, baixo custo de campanha e pouca propaganda como crime. Dizem não haver jurisprudência sobre a matéria, mas meros precedentes. Por fim, pedem o provimento do recurso.

DIMAS SOUZA DA COSTA (fls. 1468-1473) centra suas razões recursais em alegada ausência de provas quanto às candidaturas fictícias e afirma que a condenação baseou-se em presunção. Diz que, mesmo se restassem comprovadas as fraudes, a procedência da AIME requer demonstração de que os fatos tiveram potencialidade para alterar o resultado da eleição. Afirma que não há notícia nos autos de que alguma candidata do sexo feminino tenha sido preterida em razão dos fatos alegados na inicial. Por fim, invoca a autonomia partidária e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou da proibição de excesso ao cassar candidatos eleitos sem qualquer demonstração de que tivessem sido advertidos de existência de possíveis irregularidades na composição da chapa.

As partes recorridas apresentaram contrarrazões (fls. 1367-1377v., 1490-1501v. e 1503-1507). DILAMAR DE SOUZA SOARES argui, em preliminar, preclusão da matéria referente à litigância de má-fé, em face de omissão a respeito pelo juízo de origem, não atacada por meio de embargos de declaração (fl. 1504).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo afastamento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento dos recursos (fls. 1511-1524).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 29.9.2017, sexta-feira (fl. 1264), e interpôs o recurso em 04.10.2017, quarta-feira (fl. 1293).

As decisões referentes aos embargos de declaração opostos, tempestivamente, por ARIOVALDO JOSÉ MENDES DE ALMEIDA, DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS foram publicadas no dia 06.10.2017, sexta-feira (fl. 1361). Os recursos foram interpostos em 05.10.2017, quinta-feira (fl. 1322), e 11.10.2017, quarta-feira (fls. 1379 e 1468), sendo tempestivos, portanto.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deles conheço.

Das preliminares

DILAMAR DE SOUZA SOARES, ao apresentar contrarrazões ao recurso do MPE, referente ao pedido de multa de litigância de má-fé, arguiu preliminar de preclusão, aduzindo que a matéria não teria sido apreciada na sentença, tendo o recorrente deixado de opor embargos de declaração.

A preliminar não comporta acolhimento. Muito embora o juízo sentenciante não tenha se estendido no assunto, enfrentou o pedido e assim se manifestou, não tendo sido, portanto, omissa (fl. 1262v.) :

Por fim, consigno que a imputação de que teria o Ministério Público violado o segredo de justiça previsto na Constituição Federal, utilizada com o intuito de fundamentar a já elidida tese de nulidade processual, não caracteriza a litigância de má-fé, nos termos do requisito elencado no art. 80 do Código de Processo Civil, com o que deixo de aplicar a sanção prevista no artigo 81 do mesmo diploma legal.

Já os recorrentes não eleitos, SIMONE SILVA DOS SANTOS e outros, suscitam preliminar de ilegitimidade passiva para a causa, ao argumento de que a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo - AIME, tendo como finalidade a desconstituição de mandato, não pode ter como impugnado candidato que não o detenha.

Sem razão. Isso porque, se comprovada a fraude, toda a chapa é atingida pelos efeitos da decisão. Inegável que eventual comprovação de que o preenchimento do percentual mínimo para cada sexo foi um simulacro criado para burlar a legislação e ludibriar a justiça eleitoral, em prejuízo da democracia e do próprio estado de direito, tal atingirá o DRAP como um todo. Como consequência, a declaração de nulidade dos votos obtidos pela coligação atingiria não apenas os candidatos diplomados, mas todos os candidatos que por ela concorreram, com evidente impacto no seu patrimônio jurídico, que não pode ocorrer à sua revelia.

E tanto é verdade que, não obstante tenham arguido a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação, enfrentaram o mérito e defenderam a regularidade das candidaturas de CÁTIA e SIMONE, visando, com isso, resguardar os seus interesses.

Sendo consectário lógico da procedência da AIME a declaração de nulidade dos votos obtidos por todos os candidatos que integraram a coligação, clara a necessidade de integrarem a demanda. Não se pode esquecer, aliás, que candidatos não detentores de mandato, desde que tenham recebido votos válidos, podem ser chamados a ocupar uma vaga na condição de suplentes.

Sendo assim, todos os integrantes da coligação indicados no DRAP detêm legitimidade passiva para integrar o feito, independentemente de terem sido diplomados ou não.

É o que se colhe da jurisprudência colacionada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que segue:

AIME. ELEIÇÕES 2016. FRAUDE. CANDIDATURA FEMININA FICTÍCIA. INOBSERVÂNCIA DA RESERVA DE GÊNERO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA AMPARADA NO ART. 485, IV, CPC. NÃO INDICAÇÃO DO PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO SUPOSTAMENTE AUSENTE. (...) Polo passivo integrado por candidatos eleitos e não eleitos, pelo representante da coligação e pelos partidos que compuseram a coligação. Em função da natureza estritamente desconstitutiva da AIME, ostentam legitimidade passiva, em regra, apenas os titulares de mandatos eletivos. Contudo, ante a especificidade da causa de pedir, que se refere a fraude apta a viciar toda a lista de candidatos proporcionais da coligação, eventual decisão de procedência do pedido de cassação do mandato tem por desdobramento lógico, a inviabilização da assunção do cargo por qualquer candidato da coligação. Situação verificada no citado REspE nº 1-49/PI, no qual figuram, como litisconsortes, eleitos, suplentes e partidos. Ilegitimidade de parte adstrita aos representantes das coligações, cuja esfera jurídica pessoal não é passível de ser atingida pela decisão. RECURSOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA CASSAR AS SENTENÇAS DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXCLUSÃO DE V.A.M.L. DO POLO PASSIVO DA AIME n. 720-89 E DE A.B.B. DO POLO PASSIVO DA AIME n. 721- 74. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO ELEITORAL PARA REGULAR PROCESSAMENTO, A PARTIR DA INTIMAÇÃO PARA CONTESTAÇÃO.

(RECURSO ELEITORAL n 72089, ACÓRDÃO de 08.6.2017, Relator ANTÔNIO AUGUSTO MESQUITA FONTE BOA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TRE-MG, Data 19.6.2017.)

O Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, relator do Recurso Eleitoral n. 495-85.2016.6.21.0003, julgado em 13.12.2017, em que se discutia situação análoga e no qual figuravam, no polo passivo, todos os candidatos, diplomados ou não, aprofundou a análise do tema e, com maestria, enfatizou a peculiaridade do caso, sublinhando que, a partir da premissa de que a AIME pode também gerar efeitos jurídicos à coligação, como o caso que ora se trata, pois constatada a fraude na composição de proporção das candidaturas, gênero a gênero, o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários – DRAP, sofrerá as consequências originárias, impõe-se reconhecer a legitimidade da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS (PP-PTB-PMDB-PPS-PSDB-PSB) para figurar no polo passivo, privilegiando-se a ampla defesa em seu aspecto material.

Ora, se a coligação e os partidos políticos detêm legitimidade para figurar como partes na ação, com muito mais razão os candidatos, que poderão ter os seus interesses afetados em consequência de eventual procedência, tenham ou não sido diplomados.

Os recorrentes diplomados DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS, por sua vez, arguem as seguintes preliminares:

1 - nulidade da sentença por alegada omissão e contradição, as quais foram objetos de embargos de declaração opostos no juízo de origem (fls. 1300-1318) que foram rejeitados (fl. 1320).

Ditas omissões constituir-se-iam em ausência de enfrentamento, pelo juízo a quo, dos seguintes pontos: a) ilegitimidade passiva dos representados não detentores de mandato; b) necessidade de preservação do segredo de justiça na AIME; c) inversão de papéis da candidata Cátia; d) prova quanto ao abuso de poder; e) falta de abertura de procedimento administrativo para apurar fraude relatada por Aline do Nascimento Nagera; f) inexistência de enfrentamento sobre o ônus probatório; e, g) gravidade das circunstâncias dos atos ilícitos e inaplicabilidade da penalidade de cassação dos mandatos. A contradição estaria presente em trechos referentes à intenção de Simone Silva dos Santos de concorrer.

2 - impossibilidade da juntada de novo depoimento da demandada Cátia.

3 - nulidade da ação por quebra do segredo de justiça. 

Quanto ao item um, como bem salientou a Procuradoria Regional Eleitoral, não se vislumbra a alegada nulidade da sentença por omissão. Vejamos:

Acerca da ilegitimidade passiva dos demandados, há manifestação expressa do juízo a quo, citada pelos próprios recorrentes, nos seguintes termos (fl. 1258v.):

De plano, rechaço a prefacial de ilegitimidade passiva suscitada, vez que, acaso reconhecida a fraude na composição da lista apresentada pela Coligação, os candidatos, titulares de mandatos e suplentes, serão afetados pelo provimento jurisdicional, independentemente de terem ou não contribuído para a irregularidade apontada, de sorte que insofismável a necessidade de integrarem o polo passivo.

Vê-se que o juízo singular enfrentou a questão, não se podendo confundir objetividade com economia, restando atendidos os requisitos do art. 489 do CPC.

Igualmente, há pronunciamento sobre o segredo de justiça, tanto que também foi citado nas razões recursais. Diferentemente do alegado, não foram insuficientes, apenas foram desfavoráveis à tese dos recorrentes, como se observa (fl. 1258v.):

Ainda, a divulgação de matéria jornalística abordando a tramitação da presente ação não tem o condão de interferir na higidez dos atos processuais praticados, com o que não há que se falar em nulidade do feito. Ademais, questionamentos atrelados à atuação do Ministério Público em casos análogos, a despeito de já terem sido elucidados às fls. 506-512, desbordam os limites da lide posta, devendo o pronunciamento judicial ficar adstrito à matéria submetida à apreciação.

Também não houve omissão referente à suposta inversão de papéis da candidata Cátia, que teria, nas palavras dos recorrentes, passado da condição de parte para testemunha, cujo trecho da sentença, também citado pelos recorrentes, transcrevo (fl. 1258v.):

Quanto à irresignação do impugnado Ariovaldo José Mendes de Almeida em relação ao termo de declaração acostado aos autos pelo Ministério Público às fls. 732-736, consigno que, durante a instrução processual, é assegurada às partes a produção de provas, no que se inclui a apresentação de documentos, sobre os quais será oportunizada vista da parte adversa, sem que isto configure ofensa à lealdade processual. Destarte, não há que se cogitar afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, inclusive porque, como evidenciado, teve o requerido a possibilidade de se manifestar a respeito (fls. 778-789), exercendo o seu legítimo direito de defesa, observado o devido processo legal.

Quanto à ausência de manifestação acerca da não abertura de procedimento administrativo por fraude relatada por Aline do Nascimento Nagera, é questão alheia aos fatos concretos tratados na presente ação.

Ademais, não se pode esquecer que o Ministério Público possui independência funcional, não cabendo interferência do Poder Judiciário. De qualquer sorte, de uma breve analisada nos autos é possível verificar a existência de um despacho da Promotora Dra. Ana Carolina de Quadros Azambuja (Procedimento Preparatório Eleitoral n. 00785.00010/2016, fl. 333), no qual menciona:

em relação à ALINE DO NASCIMENTO NAGERA e SABRINA RAMOS ORTIZ, que se candidataram pela Coligação CONFIANÇA PARA AVANÇAR (PSC/PMN/PTC), VERIFICA-SE PELO DOCUMETNO REMETIDO PELA JUSTIÇA Eleitoral intitulado EEIÇÕES MUNICIPAIS 2016 – RESULTADO DA TOTALIZAÇÃO GRAVATAÍ (fls. 210/250), que nenhum dos candidatos da referida coligação elegeu-se (fls. 218/219 e 234), não havendo, em razão disso, fundamento para o ajuizamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo se não há mandato eletivo a ser impugnado.

Na sequência, a representante do Parquet determina o envio de cópias do procedimento à Delegacia de Polícia, requisitando instauração de inquérito para apuração de possível crime de falsidade ideológica eleitoral, o que foi cumprido, conforme ofício juntado à fl. 334.

Também não vislumbro omissão na sentença por ausência em relação ao ônus probatório, gravidade das circunstâncias dos atos ilícitos e inaplicabilidade da penalidade de cassação dos mandatos. Com efeito, a sentenciante fundamentou o seu convencimento de que as provas produzidas eram suficientes, no seu entender, para provar a fraude.

Por fim, não existe contradição na sentença. O trecho em que menciona que CÁTIA teria externado o anseio de concorrer não se constitui em “palavras da sentença”, propriamente ditas, mas de citação de frases da depoente. Adiante, quando a Magistrada conclui que, pelo conjunto probatório, teria inexistido interesse das candidatas nas candidaturas, está embasando a sua decisão de acordo com o princípio do livre convencimento motivado do juiz.

Afasto, assim, a preliminar de nulidade da sentença.

Em relação ao item dois, sobre a impossibilidade de juntada do novo depoimento prestado por CATIA, acolho a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, que bem analisou a questão, nos seguintes termos (fls. 1514v.-1515):

Alegam DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS impossibilidade de juntada de novo depoimento prestado por CÁTIA BERENICE VALADAS DE SOUZA ao MPE, o qual teria induzido o seu depoimento em juízo, razão pela qual requerem que seja o mesmo considerado nulo. Não deve ser acolhida a preliminar, tendo em vista que a juntada do depoimento de fls. 731-737, feito na seara administrativa junto ao MPE, foi devidamente solicitada em audiência, nos termos da ata de fl. 727, momento no qual foi dado vista aos Procuradores dos representados, não havendo qualquer insurgência. Além disso, tem-se que a referida documentação em nada maculou o depoimento em juízo de CÁTIA BERENICE VALADAS DE SOUZA (fls. 727-730), tendo em vista que foi juntada apenas após a referida oitiva, e nem mesmo representou qualquer prejuízo aos representados, aos quais foi oportunizado o contraditório e ampla defesa. Assim, não prospera o pedido de nulidade da referida prova.

Igualmente, a preliminar do item 3 não merece acolhida. A veiculação de matéria jornalística em jornal local, quem quer que tenha sido o responsável, não tem o condão de, por si só, causar a nulidade da ação.

O tema já foi enfrentado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral quando do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 872384929, de relatoria do eminente Ministro Aldir Guimarães Passarinho Junior, no qual restou assentado que a decretação de nulidade requer prova de prejuízo.

Colho do acórdão o seguinte excerto:

a mera divulgação da propositura da AIME e da sua peça inicial, por si só, não tem o condão de macular o processo se não houver demonstração de prejuízo. Nesse sentido, José Jairo Gomes ensina que "a violação do sigilo só por si não induz nulidade processual". Sobre a matéria, essa c. Corte Superior Eleitoral já assentou que, se não houver prova do prejuízo, não há como declarar nulidade processual por quebra do segredo de justiça.

As demais preliminares, relativas à prova quanto ao abuso de poder e à inexistência de gravidade das circunstâncias dos atos ilícitos, confundem-se com o mérito e com ele serão analisadas.

Logo, afastada a matéria preliminar, prossigo na análise da questão de fundo.

 

Mérito

Cuidam-se de recursos interpostos contra sentença de procedência na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME proposta perante o juízo da 173ª Zona, em que o juízo singular desacolheu o pedido de litigância de má-fé formulado pelo MPE e entendeu configurada a ocorrência de fraude nas candidaturas de CÁTIA BERENICE VALADAS DE SOUZA e SIMONE SILVA DOS SANTOS, que visariam apenas o preenchimento da quota de gênero e, assim, possibilitar o deferimento do DRAP da coligação “Gravataí Melhor Para Se Viver”.

O MPE pretende a reforma parcial da sentença para o fim de que seja reconhecida a litigância de má-fé e aplicada pena de multa ao recorrido DILAMAR, ao argumento de que ele agiu de modo temerário ao acusar a promotora de quebra do segredo de justiça.

Os candidatos não eleitos, SIMONE SILVA DOS SANTOS e Outros, sustentam a ausência de prova quanto à ocorrência de fraude nos registros de candidaturas requeridos pela Coligação.

DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS, diplomados, aduzem ter restado provado o interesse das candidatas SIMONE e CÁTIA em concorrer.

DIMAS SOUZA DA COSTA, também diplomado, segue a argumentação no sentido de inexistir provas de que as candidaturas caracterizam burla à lei e acrescenta que a procedência da AIME requer demonstração de que os fatos tiveram potencialidade para alterar o resultado da eleição.

Do recurso do Ministério Público Eleitoral.

O MPE recorre da sentença no ponto em que desacolheu o pedido de litigância de má-fé formulado pelo Parquet em desfavor do impugnado DILAMAR DE SOUZA SOARES, o qual arguiu, em sede de contestação, preliminar de nulidade da ação ao argumento de que a Promotora Eleitoral responsável pelo seu ajuizamento teria divulgado informações relativas ao processo, violando, em consequência, o segredo de justiça.

Com a devida vênia à representante do Parquet, mas ainda que a divulgação referente à AIME não acarrete a nulidade pretendida, não se pode dizer que o impugnado agiu de modo temerário ao atribuir a responsabilidade pela divulgação das informações à promotora.

A matéria publicada pelo “Jornal de Gravataí” (fls. 489-490) é anunciada na chamada de capa, em letras garrafais, com o título “Ministério Público pede cassação de vereadores do PSD”, seguida do texto “em ação de impugnação de mandato eletivo proposta pela promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja, são alvos os vereadores Dimas da Costa, Dilamar de Souza Soares e João Batista Pires Martins, todos eleitos pelo PSD”. A matéria propriamente dita, na fl. 3 do periódico, está ilustrada com fotografia da promotora, tirada, pelo que se presume, em sua mesa de trabalho.

Sustenta o recorrente que a matéria foi publicada no início de fevereiro, período em que a Dra. Ana Carolina Azambuja já não desempenhava mais a função de Promotora Eleitoral e, além disso, estava de férias.

Aqui, ao que tudo indica – e foi afirmado pelo próprio recorrente – é que o jornal se utilizou, indevidamente, de uma fotografia que possuía em seu banco de imagens, já utilizada em edição anterior, para ilustrar a matéria objeto da celeuma em questão.

Ora, se o jornal eventualmente fez mau uso da imagem da promotora, deveria a insurgência ter sido dirigida contra o periódico, em ação própria, e não contra o impugnado, que pode ter sido induzido em erro em face das circunstâncias. Com efeito, do contexto da matéria, não se pode desconsiderar a possibilidade de que tenha confundido o leitor, principalmente pela posição em que a promotora se encontra na foto – sentada junto à sua mesa de trabalho – e transmitindo a ideia de que a malfadada publicidade tenha sido fruto de entrevista concedida pela representante do MPE.

Assim, e considerando que a má-fé não se presume, incabível a conclusão de que o impugnado agiu de modo temerário. Compreensível o ocorrido, à luz da conhecida teoria da aparência, em que uma pessoa pensa, erroneamente, ser titular de um direito com base em determinadas circunstâncias, que dão contornos de aparente verdade a fato falso.

Neste contexto, não vislumbrando a ocorrência de litigância de má-fé por parte do recorrido DILAMAR DE SOUZA SOARES, tenho por negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

Dos recursos dos candidatos impugnados.

A matéria está disciplinada no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, verbis:

Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Trata-se de instrumento de ação afirmativa visando garantir a participação mínima de cada sexo no cenário político. Na prática, e historicamente, o gênero feminino é o que tem se mantido mais à margem do processo eleitoral, o que levou o legislador a criar dispositivos que obrigam, por exemplo, a destinação de percentuais do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (art. 44, V, da Lei n. 9.096/95).

No caso, a cota de no mínimo 30% para cada gênero, até onde se tem notícia, é destinada, pelos partidos e coligações, às mulheres, que, como mencionado, não têm tido participação muito ativa no processo eleitoral.

Na teoria ou na aparência, cumpre-se a lei. Na prática, os Ministérios Públicos Eleitorais têm denunciado, em diversos estados brasileiros, a figura da candidatura fictícia, registrada unicamente para burlar a legislação e dar ares de legalidade ao Documento de Regularidade de Atos Partidários – DRAP e, assim, viabilizar o deferimento de candidaturas efetivamente pretendidas pelos partidos políticos, coligados ou não.

Alguns dos indícios desse tipo de fraude são, basicamente, a ausência de votos e de gastos eleitorais que, em tese, demonstram a não realização de atos de campanha. Mas, como dito, são apenas indícios, insuficientes para juízo de procedência de AIME, a qual requer prova segura da ocorrência do ilícito, tendo em vista a dura consequência, qual seja, cassação de mandato obtido por meio do voto popular.

No caso concreto a situação que se apresenta é a seguinte:

Em relação à candidatura de SIMONE, a tese apresentada pela defesa, sustentada pela candidata quando ouvida em juízo, é que havia real interesse em se candidatar ao cargo de vereador, mas por falta de apoio e de tempo, uma vez que trabalhava como recepcionista em Porto Alegre, acabou desistindo da campanha, não tendo comunicado o presidente do partido por vergonha e por desconhecimento da legislação eleitoral.

A procedência da ação teve como fundamentos a aparente contradição entre a alegação de desistência da candidatura por falta de tempo e a realização de campanha para candidato da majoritária, admitida pela própria impugnada; a ausência de postagens na rede social Facebook, referente à sua candidatura; e a ausência de gastos e de qualquer propaganda eleitoral, aliados ao resultado das urnas, igual a zero votos.

Efetivamente, são indícios fortes de que SIMONE teria se candidatado apenas para ajudar a coligação a preencher os 30% de candidatas do sexo feminino e, assim, viabilizar o deferimento do registro dos candidatos homens.

Mas não passa de presunção.

Com efeito, não há, nos autos, nenhuma prova contundente de que a candidatura de SIMONE foi forjada para enganar a justiça eleitoral.

Isso não ameniza a responsabilidade do partido/coligação que deveria garantir que as candidaturas levadas a registro fossem, de fato, efetivas. Requerer um registro de candidatura e deixar o candidato “ao léu”, sem qualquer acompanhamento, respaldo ou orientação é dar pouca importância ao cumprimento da lei.

Especificamente sobre a ausência ou baixo número de votos e de gastos eleitorais, é fato que se repete em candidatura dos dois gêneros, como é o caso do candidato Acivaldo Roger Pereira Ferreira, que concorreu pela mesma coligação Gravataí Melhor para se Viver, obtendo apenas um voto e não registrando gastos de campanha. (http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2016/2/86835/candidatos)

Logicamente não é normal que um candidato tenha como resultado zero votos, ou seja, que nem sequer tenha votado em si próprio, que não realize gastos de campanha ou, pior, que nem tenha feito campanha eleitoral, mas no caso de SIMONE, a desistência, embora não formalizada, justificaria a situação.

Sobre a ausência de propaganda eleitoral no perfil de SIMONE na rede social Facebook, há uma certidão lavrada por assessora da promotoria eleitoral dando conta que, por ordem da Promotora de Justiça, realizou pesquisa na rede social Facebook e, tendo encontrado o perfil de Simone Silva dos Santos, verificou inexistir, em 07.12.2016, postagem alusiva à sua candidatura.

Tenho que tal situação, igualmente, não tem força suficiente para provar a alegada fraude, porque é incontroverso o fato de que SIMONE não fez campanha eleitoral. Tivesse ela dito que fez algum tipo de propaganda, esse seria um ponto relevante a ser confrontado, pois a propaganda na internet, nas modalidades autorizadas – obrigatoriamente gratuita –, não demanda muito tempo, tampouco recursos financeiros ou técnicos do candidato.

Mas não foi o que ocorreu. SIMONE, em todas as oportunidades que se manifestou, seja nos autos do procedimento preparatório, seja por ocasião da defesa, das alegações finais, do recurso, bem ainda, quando depôs em juízo, manteve firme a tese de que desistiu da candidatura logo no início da campanha eleitoral.

Sobre o fato de ter a candidata trabalhado em prol da campanha majoritária quando poderia ter feito campanha para si, fato que no entendimento da sentença seria contraditório, houve esclarecimento de SIMONE de que logo no início do processo eleitoral tentou fazer um trabalho porta a porta, mas percebeu que, sozinha, teria dificuldade. Afirmou que para a majoritária trabalhou só nas horas de folga, enquanto para ela própria necessitaria uma dedicação maior.

Destaco que o depoimento de SIMONE é firme e coeso acerca do seu interesse inicial em se candidatar, não havendo nos autos elementos aptos a derrubar a sua versão de que queria de fato, concorrer, mas veio a desistir da candidatura pelos motivos que alegou.

Assim, inviável a conclusão de que a sua candidatura foi “fictícia”, visando burlar a lei.

Situação análoga foi analisada pelo eminente colega Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, relator do Recurso Eleitoral n. 11-06.2017.6.21.0110, de cujo acórdão destaco o seguinte:

A ausência de votação não denota certeira a artificialidade da candidatura. Este Tribunal já se pronunciou no sentido de o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

No mesmo sentido, jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURAS. QUOTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, LEI N. 9.504/97. DEMONSTRADA A ESPONTANEIDADE NO LANÇAMENTO DAS CANDIDATURAS FEMININAS. DOAÇÃO DE RECURSOS PELA AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA. POSTERIOR DESISTÊNCIA DE PARTICIPAR DO PLEITO. CANDIDATURA FICTÍCIA NÃO CARACTERIZADA. FRAUDE NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Com o desiderato de promover tais candidaturas, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que o percentual de 30% da quota feminina seja alcançado de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

2. Na espécie, restou demonstrado que as postulantes confirmaram o lançamento de suas candidaturas de forma espontânea e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos. O diminuto empenho na campanha não é suficiente para a pretendida caracterização de fraude, conforme orientação jurisprudencial. Tampouco o parentesco de algumas candidatas com políticos tradicionais da região.

3. Recebimento de recursos das agremiações partidárias às quais vinculadas, evidenciando o apoio eleitoral e contrariando o alegado lançamento de candidaturas fictícias. Fraude não comprovada. Manutenção da sentença.

Desprovimento.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 51378, ACÓRDÃO de 08.11.2017, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 202, Data 10.11.2017, Página 8.)

 

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Ilegitimidade passiva. Reconhecimento no juízo de primeiro grau. Matéria não objeto de recurso. Preclusão.

2. O Tribunal Superior Eleitoral assentou que a AIME é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, e não apenas aos casos referentes ao processo de votação. Alegada ocorrência de candidatura fictícia, visando induzir o juízo eleitoral em erro, a fim de preencher a proporção mínima do gênero feminino.

3. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Ausente prova robusta de que as candidatas tenham sido registradas com vício de consentimento, ou tenham promovido a campanha de terceiros. Acervo probatório a demonstrar a busca de votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo os registros exclusivamente como simulacros de candidaturas. Realização de campanha sem o auxílio de doadores financeiros, sem o apoio de correligionários eleitorais e sem a utilização de redes sociais na internet, não se extraindo dessas circunstâncias, desguarnecidas de elementos probatórios complementares, a presunção de ilicitude. A circunstância de uma das candidatas não ter obtido votação não denota a artificialidade da candidatura diante das peculiaridades do caso concreto, em que a mesma confirmou a dificuldade que teve por ocasião da votação. Este Tribunal já se pronunciou no sentido de que o recebimento de pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral e a renúncia no curso da campanha eleitoral não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 277, ACÓRDÃO de 01.8.2017, Relator DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 138, Data 04.8.2017, Página 10.)

 

Já em relação à candidata CÁTIA a situação é mais complexa. Vejamos.

Ao ser ouvida nos autos do Procedimento Preparatório que instrui a presente ação, disse que resolveu concorrer porque estava filiada ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB há um ano, à época. Que recebeu, “do partido do Dr Levi, PSD”, santinhos e adesivos com o seu número e chegou a fazer campanha panfletando aos amigos e vizinhos.

Afirmou que teria feito campanha por pouco tempo, depois teria desistido para apoiar a irmã, ROSANE BITENCOURT VALADAS, que também foi candidata ao cargo de vereador (não eleita), pelo mesmo partido, mas não informou à Justiça Eleitoral sobre a desistência porque não sabia ser necessidade essa providência; que ligou para avisar o presidente do partido acerca da desistência, mas que a ligação estava ruim, “então disse para ele que iria ajudar a Rosane”, tendo passado, então, a pedir votos para a irmã; informou que entregou os documentos necessários ao presidente do partido, o qual se encarregou de apresentar a sua prestação de contas à Justiça Eleitoral (fls. 326/327).

Depois, quando já havia nos autos defesa formulada em seu nome, em conjunto com outros investigados, CÁTIA compareceu à sede da Promotoria, desacompanhada do seu advogado, e mudou a versão anteriormente apresentada, dizendo que conheceu o Sr. Ariovaldo na casa da sua irmã; que não sabia ao certo o nome do partido, mas sabia que estava coligado com o partido do Dr. Levi, PSD; que no primeiro depoimento “decorou” a sigla do partido antes de comparecer ao Ministério Público.

Afirmou ter recebido convite de ARIOVALDO para concorrer à vereança, mas que teria recusado porque tinha uma filha pequena (dez meses, à época do depoimento) e não teria como fazer campanha; que houve insistências posteriores, mas que sempre recusava o convite. Que mais próximo das eleições foi procurada novamente pelo Sr. Ariovaldo, o qual teria prometido, caso ela se candidatasse, ajuda para tratamento do filho que tem deficit de atenção, o que incluiria um exame de ressonância magnética, cujo custo era de R$ 5.000,00; que ele teria dito que precisava completar o número de candidatas mulheres em face de uma desistência; que com a candidatura seria abraçada por toda a comunidade, receberia ajuda, como creche e alimentos para seus filhos; que não deveria pedir cestas básicas, e sim “coisas grandes”. Que então teria aceitado que seu nome fosse utilizado pelo partido como candidata, mas teria deixado claro que não faria campanha eleitoral; que um dia depois das eleições foi procurada em casa pelo ARIOVALDO para que assinasse um pedido de desfiliação, o qual não assinou; que ARIOVALDO teria dito que havia dado problema porque ela não recebeu nenhum voto e que poderia ser presa e ter que pagar uma multa de mais de R$ 5.000,00 e que a solução seria ela mentir que desistiu da candidatura para apoiar a sua irmã.

Na sequência, relatou ter sido orientada pela secretária do partido, Gisele, a manter essa versão inclusive para um advogado que iria procurá-la na sua casa. Tal advogado, no dia do seu primeiro depoimento, teria apresentado à depoente o colega que o assistiu, isso num encontro previamente marcado na lancheria que fica ao lado da sede da promotoria, ocasião em que “combinaram que a depoente manteria a história falsa de que havia desistido de concorrer para auxiliar a irmã”; que o advogado a acompanhara até a Escola Barbosa, ocasião em que “ameaçou dizendo que Seu Ariovaldo tinha as costas quentes, que todos tinham as costas quentes, que era para cuidar o que falava e que cuidasse da sua família, que era um conselho que lhe dava”.

Consta no depoimento, ainda, que a mudança de versão teria sido motivada por medo.

Em juízo, ratificou o segundo depoimento. Perguntada sobre material de campanha, disse que recebeu o material de ARIOVALDO, o qual teria ido acompanhado da esposa à sua casa para fazer a entrega. Disse também que, no início, teria entendido a fala do advogado, quando a acompanhou até a Escola Barbosa, como ameaça, mas depois concluiu ter sido uma ajuda, em forma de aviso para que se cuidasse. Ainda, sobre o encontro com os advogados, na lancheria, momentos antes de prestar o primeiro depoimento ao Ministério Público, disse: “não tenho certeza se eles sabiam ou não do que eu ia falar, até porque isso foi falado na minha casa, não na lancheria”. Reiterou que naquele dia (da audiência), pensando bem, achava que nenhum dos advogados que estava presente no encontro na lancheria sabia da história que contaria. Que a Gisele, secretária de ARIOVALDO, teria dito “a história vai ser essa”; “daí ele chegou e eu contei a história… e ele acreditou”.

Fiz questão de mencionar detalhes dos três depoimentos prestados pela demandada CÁTIA — o primeiro, quando foi chamada à sede da Promotoria; o segundo, quando compareceu espontaneamente para mudar a versão anterior; e o terceiro, em juízo — porque, sem dúvida, a chamada confissão foi elemento essencial para o juízo de procedência da ação.

A situação é um tanto peculiar.

Tem-se, de um lado, um depoimento inicial, prestado ainda em sede de instrução do Procedimento Preparatório. De outro, depoimento em sentido oposto, prestado em momento posterior ao ajuizamento da ação, quando já tinha constituído advogado, apresentou-se à Promotoria e prestou novo depoimento, em direção oposta ao primeiro. Em juízo, respondendo às perguntas que lhe foram feitas, manteve a segunda versão, mas com uma contradição em relação ao conhecimento, ou não, pelos advogados que a encontraram na lancheria sobre a “história” que seria contada: no segundo depoimento, disse que combinaram – ela e os advogados – que sustentaria a história falsa de que teria desistido da candidatura para ajudar a irmã. Em juízo, afirmou mais de uma vez que achava que eles não sabiam da história falsa, a qual teria surgido por orientação de Gisele.

A situação posta leva à dúvida sobre qual dos depoimentos merece crédito. A única certeza que sobressai, da instrução processual, é que CATIA mentiu, não havendo, no meu sentir, convicção sobre qual dos momentos teria ocorrido a falsidade. Ainda que a ratificação do segundo depoimento tenha ocorrido em juízo, sob o crivo do contraditório, não se pode esquecer que, sendo ouvida como parte – e não como testemunha – não foi advertida pela magistrada de que mentir em juízo é crime.

A meu ver, essa mudança de versão no mínimo fragiliza a credibilidade da depoente, gera dúvida e, é cediço, uma ação desta magnitude, com tão graves consequências, não pode ser decidida com base em única e duvidosa prova.

Os candidatos eleitos e diplomados são: Dimas Souza da Costa (o segundo mais votado em Gravataí), com 2.880 votos; Dilamar de Souza Soares, com 1.597 votos e João Batista Pires Martins, com 1.314 votos. Juntos, obtiveram 5.791 votos.

Em última análise, tem-se, de um lado, a vontade de quase seis mil cidadãos gravataienses que se dirigiram às urnas e exerceram a soberania popular por meio do voto, como determina a Constituição Federal; de outro, uma prova controvertida, fragilizada pela mudança de rumo.

Analisei atentamente o caderno probatório e não vislumbrei prova segura que corroborasse a última versão de CÁTIA.

Não se está, em hipótese alguma, negando o valor probatório de depoimento da parte ou de inquirição de testemunha, mas para acarretar tão séria consequência – cassação de mandatos obtidos por meio do voto popular – seria necessário que ao menos se tratasse de depoimento firme e seguro, contundente quanto aos fatos narrados, que não deixasse margem para dúvidas. Aquele que, de plano, convencesse o julgador. Ocorre que não estou convencido.

Efetivamente, formei convicção de que a dita “confissão” é no mínimo tumultuada, estranha, desprovida de força probatória para fundamentar a procedência da AIME e, em consequência, acarretar a declaração de nulidade de todos os votos recebidos pela coligação.

Esse entendimento coaduna-se com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se extrai da seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. RELATÓRIO DE AUDITORIA. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. NATUREZA INDICIÁRIA.

RECURSO PROVIDO.

1. Na dicção do art. 128 do Código de Processo Civil, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Desse modo, é vedado ao magistrado decidir com base em fatos não constantes da petição inicial.

2. A cassação do mandato em sede de ação de impugnação de mandato exige a presença de prova robusta, consistente e inequívoca, o que não ocorreu nos presentes autos. Precedentes.

3. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo.

(Recurso Especial Eleitoral n. 428765026, Acórdão, Relator Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 46, Data 10.3.2014, Páginas 93/94.) (Grifei.)

Ademais, CÁTIA recebeu material de campanha da coligação. Primeiro, disse que distribuiu aos amigos e vizinhos. Depois, em audiência, afirmou que o presidente do PRTB, Sr. Ariovaldo, foi pessoalmente entregar adesivos e santinhos na sua casa, mas que não chegou a distribuí-los.

A prestação de contas da candidata, por sua vez, apresentou movimentação de R$ 798,85, na modalidade “recursos estimáveis em dinheiro”, recebidos de outro candidato. O próprio MPE, em contrarrazões, reconhece a arrecadação e realização de despesas por parte de CÁTIA, mas argumenta que tal quantia seria insignificante para um candidato em campanha eleitoral.

Contudo, a experiência no julgamento de recursos em autos de prestação de contas de campanha, especialmente de vereadores, mostra que a quantia não é tão inexpressiva, sobretudo considerando-se a desistência tácita da candidatura.

Acrescento que foram ouvidos os investigados Dimas Souza da Costa, João Batista Pires Martins, Regis Fonseca Alves, João Batista Portella Pereira, Vail Carlos Correa, Simone Silva dos Santos, Cátia Berenica Valadas de Souza, Dilamar de Souza Soares (fls. 727-730) e Ariovaldo José Mendes de Almeida (fls. 805-806), e inquiridas as testemunhas Aline Nagera (fls. 805-806), José Paulo Dorneles Cairoli (fls. 868-869) e Luís Antônio Behrensdorf Gomes da Silva (fls. 1115-1117).

Os impugnados que foram candidatos declararam nada saber sobre a ocorrência de ilícito no preenchimento de quota de gênero e afirmaram que cada um cuida da sua candidatura. Dimas, diplomado, disse que chegou a receber pedidos de militantes que queriam se lançar candidatos, mas a nominata já estava completa; João Batista afirmou não ter recebido apoio do partido; Régis disse ser normal alguns candidatos receberem mais materiais de campanha; Vail disse que os materiais disponibilizados pelos partidos são insuficientes. Dilamar relatou que a orientação do Ministério Público quanto à cota de gênero foi lida em convenção.

João Batista Portella Pereira, presidente do PSD, disse que a nominata de candidatos foi construída ao longo do período eleitoral, que os materiais eram a eles disponibilizados, mas nem todos retiravam.

Paulo, ouvido por precatória, não compromissado, teceu comentários acerca da formação da lista de candidatos e relatou que o atendimento da reserva de gênero fica a cargo da direção executiva de cada partido, bem ainda ser comum no início da candidatura haver promessa de suporte financeiro, a qual, quando não cumprida, leva o candidato a dizer que não vai mais fazer campanha.

O depoimento de Aline não guarda pertinência com o objeto dos presentes autos.

Ariovaldo, presidente do PRTB, disse ter feito a filiação de Cátia, quando ainda era secretário do partido e, depois, na condição de presidente, o seu registro de candidatura. Que o partido confeccionou material de campanha para a candidata a partir das informações por ela prestadas, tanto que teve uma reclamação da Pastoral, pois foi divulgado no material publicitário que ela fazia parte da entidade, quando na verdade era só beneficiária.

A rigor, pode-se dizer que nenhum dos ouvidos acrescentou alguma informação contundente, capaz de fundamentar um juízo tanto de condenação quanto de improcedência da ação.

Nesse cenário, concluo que a alegada fraude nos registros de candidatura apresentados pela Coligação “Gravataí Melhor para se Viver” não restou devidamente provada. Existem, de fato, indícios da sua existência, mas, como dito, não se pode, com base em presunção, levar a efeito a cassação de mandatos obtidos nas urnas, pena de fragilizar o próprio processo eleitoral.

Assim, tenho por razoável, desacolhendo a tese de candidatura fictícia, dar provimento aos recursos, ao efeito de JULGAR IMPROCEDENTE a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo promovida pelo Ministério Público Eleitoral de Gravataí, mantendo hígidos os mandatos obtidos pela Coligação “Gravataí Melhor Para se Viver”.

Em consequência, prejudicada a análise da alegação recursal quanto ao abuso de poder e gravidade das circunstâncias, a qual estaria atrelada à procedência da ação.

 

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e pelo provimento dos recursos interpostos pelos impugnados SIMONE SILVA DOS SANTOS, CLAUDECIR LEMES, ELIZETE BLEHM BITHENCOURT, ALCIONE JOSÉ DOS SANTOS, ANTONIO VALDIR DOS SANTOS, ROBINSON BATISTA DA SILVA, SANTOS ALBERTO REBELATO JUNIOR, MARCELO LEMES DOS SANTOS, VANDERLEI MAYER PADILHA, CHRISTIAN ASSIS DE FRAGA, ADRIANE DE LIMA FERREIRA, JAQUELINE SOUZA LANGER, RODYVAN MOLLER, ARLINDO SEVERO SETIM SOLANO, MARIA BERNADETE CORREA CAMARGO, JORGE PAULO BORGES DE ÁVILA, AILTON JOSÉ DOS SANTOS GOULART, VITOR ERNESTO ESCOUTO, GEOVANI MENDES SIEBEL, LUCIANA BORGES GOMES, DOUGLAS DE JESUS PEREIRA DE ALMEIDA, ROSANE BITENCOURT VALADAS, NAIANY BORGES ZANETTI, CRISTIANO KINGESKI LUCRECIO, JOÃO BATISTA PORTELLA PEREIRA, DILAMAR DE SOUZA SOARES e JOÃO BATISTA PIRES MARTINS e DIMAS SOUZA DA COSTA, para o fim de julgar improcedente os pedidos deduzidos na presente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME.