RE - 49585 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

Trata-se de recursos interpostos contra a sentença (fls. 425-449) que julgou procedente a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME), ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, concluindo ter sido comprovado o cometimento de fraude relativa à reserva de gênero da candidatura proporcional apresentada pela COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, para o fim de: a) revogar em parte a homologação do seu Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), tendo como consequência o indeferimento do seu registro para a candidatura proporcional; b) cassar os mandatos eletivos dos titulares e suplentes eleitos pela referida coligação, declarando nulos os votos, com a distribuição dos mandatos de vereador aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário.

Iniciado o julgamento em 22.11.17, o nobre relator, Desembargador Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, em judicioso voto, afastou a matéria preliminar e deu parcial provimento ao recurso, entendendo pela não caracterização de fraude nas candidaturas de IVONETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, e pelo reconhecimento de fraude na candidatura de DIRCE COSER ZANIN, motivo pelo qual manteve todos os efeitos da sentença recorrida.

Pedi vista dos autos dada a relevância do julgamento da matéria, uma vez que este é o primeiro precedente deste Tribunal que reconhece a ocorrência de fraude no pleito, relativa à reserva de gênero da candidatura proporcional, prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(...)

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

(Redação dada pela Lei n. 12.034, de 2009)

Conforme referi no início do julgamento, o TSE divulgou em seu portal na internet um levantamento estatístico mostrando que 52,13% dos eleitores aptos a votar nas eleições municipais de 2016 eram mulheres: 74.459.424 mulheres (52,13%) e 68.247.598 homens (47,79%).

Nas eleições de 2016, 16.131 candidatos terminaram a eleição sem ter recebido sequer um voto, sendo bem maior o número de mulheres com votação zerada em relação ao de homens.

Em todo o Brasil, 14.417 mulheres se candidataram, mas não receberam sequer o próprio voto. Já os homens somam apenas 1.714 nessa situação [1].

Dentre os prefeitos eleitos nas eleições de 2016 apenas 11,57% foram do gênero feminino. O número de vereadoras foi reduzido em 13 capitais, totalizando somente 13,19% de mulheres do total de eleitos.

O TSE também concluiu que 2.963 dos 5.568 municípios possuem maioria feminina no eleitorado. No entanto, em apenas 24 municípios as mulheres são maioria na câmara de vereadores.

O resultado da eleição geral de outubro de 2014 é uma boa caracterização desse cenário restrito. Dos 142 milhões de eleitores, mais de 52% são mulheres [2].

Dentre os governadores eleitos em 2014, o dado é ainda mais grave: apenas uma governadora foi eleita, a do Estado de Roraima. Desde 1994 a representatividade feminina no comando dos Estados não era tão ínfima, pois em 2002 foram eleitas duas mulheres, em 2006, três e em 2010, duas governadoras [3].

As mulheres, até 2016, nunca ultrapassaram 10% das cadeiras disponíveis na Câmara de Deputados e 16% do Senado brasileiro.

Atualmente, dos 513 deputados federais brasileiros, apenas cinquenta e duas (52) são mulheres, o que representa pouco mais de 10% [4].

No Senado, dos 81 senadores, apenas treze são mulheres [5].

A título ilustrativo, segundo o TSE, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, dos 55 deputados eleitos em 2014, somente sete (7) são mulheres, um percentual de 12,7%.

Dentre os trinta e um (31) deputados federais que representam o Estado do Rio Grande do Sul no Congresso Nacional, apenas uma mulher foi eleita em 2014. Em janeiro de 2017, com a renúncia de um Deputado Federal, eleito Prefeito de Porto Alegre, a bancada do Rio Grande do Sul granjeou mais uma mulher, o que significa pouco mais de 6% de representação.

Tal realidade levou o então Ministro Henrique Neves a apontar um fato gravoso que contribui para essa desalentadora situação, traduzido pelo “elevado número de mulheres que representam ‘candidaturas laranjas’, porque os partidos lançam candidatos apenas para preencher a cota obrigatória de 30% de participação de gênero nas eleições”.

No âmbito mundial, as pesquisas revelam que a participação feminina na política brasileira é muito aquém da verificada em outros países. A ONU Mulheres, em parceria com União Interparlamentar (UIP), lançou em março de 2017 um panorama sobre a participação política das mulheres no Poder Executivo dos países ao redor do mundo. Com apenas uma ministra, o Brasil ficou na 167ª posição no ranking mundial de participação de mulheres no Executivo, que analisou 174 países [6].

Em relação ao ranking da participação no Congresso Nacional, o país ficou na 154ª posição, com 55 das 513 cadeiras da Câmara ocupadas por mulheres, e 12 dos 81 assentos do Senado preenchidos por representantes femininas.

A Bulgária, a França e a Nicarágua lideram o ranking mundial das mulheres com cargos ministeriais, com mais de 50% de representantes femininas. Países como Ruanda, Dinamarca e a África do Sul também se destacaram, ficando, respectivamente, em sétima, oitava e nona posições.

Na lista de mulheres atuando no Congresso, a Ruanda ocupou o primeiro lugar, com 61,3 % de representantes na Câmara e 38,5 % no Senado. A Bolívia ficou em segundo lugar (53,1%) e Cuba, em terceiro (48,9%). No Brasil, há somente 14,8% de mulheres. A Argentina está em 16º lugar, com 41,7%.

Ainda que a Reforma Eleitoral de 2015 tenha contribuído para o fomento da participação feminina na política, com a edição da Lei n. 13.165/15, que ampliou a aplicação do Fundo Partidário e incentivo de campanhas eleitorais realizadas por mulheres (inc. V do art. 44 e inc. IV do art. 45, ambos da Lei dos Partidos Políticos), os pretendidos resultados ainda não se deram.

Com efeito, este Tribunal tem se deparado - na maioria das vezes mercê de elogiável promoção do Parquet - com um número elevado de ações eleitorais questionando a normalidade e a legitimidade das eleições, em face do lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

Confira-se o precedente paradigmático:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

(...)

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

Recurso especial parcialmente provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 65-66.) – Grifei.

Conforme reconhece o TSE, “o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero”, prevista no art. 5º, caput e inciso I, da CF/88 (RP 29657, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.3.7).

Outras importantes decisões se seguiram a do TSE, reconhecendo a fraude em decorrência de candidaturas fictícias.

Anote-se o acórdão deste Tribunal, da minha lavra, que indeferiu parcialmente DRAP de partido político, relativo às eleições municipais 2016, com relação à candidatura proporcional, por reconhecimento de fraude do órgão diretivo da agremiação ao indicar, em vaga remanescente, candidata do sexo feminino para simular atendimento ao determinado no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, reproduzido pelo § 2º do art. 20 da Resolução TSE n. 23.455/15, a fim de preencher a quota mínima de 30% por gênero:


Recurso. Registro de candidatura. Partido. DRAP - Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários. Reserva de gênero. Eleições 2016.
Decisão do juízo eleitoral que deferiu o registro.
Fraude do órgão diretivo do partido ao indicar, em vaga remanescente, candidata do sexo feminino a fim de preencher a quota mínima de 30% por gênero. A postulação de registro, pelo qual evidentemente a pré-candidata não tinha qualquer interesse, evidencia o propósito vedado pela norma, qual seja, o deferimento do DRAP em desacordo com as proporções de gênero.
A apresentação de mero simulacro de candidatura configura fraude ao determinado no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, reproduzido pelo § 2º do art. 20 da Resolução TSE n. 23.455/15, impondo-se o indeferimento do registro partidário no tocante aos concorrentes à Câmara Municipal.

Indeferimento parcial do DRAP, com relação à candidatura proporcional, pois sobre ela incide a obrigatoriedade de reserva de gênero. 
Provimento.

(TRE-RS, RE 56693, deste Relator, julgado em 11.10.2016, publicado em sessão.) - Grifei.

Também, em igual sentido, o Recurso Eleitoral n. 370-54.2016.6.26.0173, julgado pelo TRE/SP em data de 01.08.2017, tendo como relatora a juíza Cláudia Lúcia Fonseca Fanucchi, cujas razões de mérito foram traduzidas em ementa da qual destacamos o seguinte trecho:

(…)

- Mérito. Candidaturas fictícias. Atingimento de cota para o sexo feminino apenas com o fim de eleger mais candidatos. Cumprimento de mera formalidade. Ato desprovido de conteúdo valorativo e sem incentivo à participação feminina na política. A apresentação de mero espectro das candidaturas femininas aqui questionadas configura fraude ao dispositivo em comento e consequente abuso do poder com a gravidade necessária a macular a lisura do pleito de 2016.

(…)

(RECURSO n. 37054, ACÓRDÃO de 01.08.2017, Relatora CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 8.8.2017. ) - Grifei.

Com as razões de decidir enfatizou a e. relatora que não há que se admitir a inscrição de candidaturas sem que tenham um objetivo real de participar da “vida política”, ou que estaria afastada a ilicitude do ato com o simples cumprimento da norma no momento do registro, cuja mens legis assim traduziu”:

O original propósito da lei ao dispor que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo foi o incentivo a uma democracia com representação mais igualitária para cada gênero, visto que a participação feminina na política é um tanto quanto branda.

Portanto, desarrazoado é considerar que uma simples obrigação formal, desprovida de qualquer conteúdo valorativo e real, é o bastante para se ver satisfeita aquela aspiração legal. (Grifei.)

De igual relevo o recente julgamento publicado em 27.09.2017, proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, tendo como relator o Juiz Substituto Astrogildo Mendes de Assunção Filho, que igualmente reconheceu a fraude, com consequente abuso de poder político e burla ao instituto das cotas de gênero.

A par de reconhecer que “as candidaturas registradas com único propósito de preencher o regramento do art. 10, parágrafo 3º, da Lei n. 9.504/97, comprometendo a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições proporcionais”, assevera que:

(...)

3. A existência de vício ou fraude na cota de gênero contamina toda a chapa, porquanto o vício está na origem, ou seja, o seu efeito é ex tunc e, assim, impede a disputa por todos os envolvidos.

4. Reconhecida a fraude, devem ser cassados os diplomas e registros dos candidatos eleitos, suplentes e não eleitos, respectivamente declarando nulos os votos a eles atribuídos, com a imperiosa recontagem total dos votos e novo cálculo do quociente eleitoral. (Grifei).

E assim deve sê-lo, como proficientemente decidiu o nobre relator Eduardo Bayni neste processo, chancelando a irretocável sentença monocrática, mormente se atentarmos aos ditames constitucionais aplicáveis à espécie.

Ao consagrar o princípio constitucional da igualdade como máxima, a Constituição Federal de 1988 estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Em verdade, a Constituição Cidadã é uma referência na luta por igualdade de gênero e contra a discriminação, pois vivemos um contexto histórico em que a mulher sempre foi tratada de forma discriminatória.

Tal conclusão se reforça quando avaliamos a representação feminina na política, onde, a par dos dados antes elencados, é possível concluir que as mulheres não estão exercendo os direitos políticos e eleitorais em condições de igualdade.

Conforme apontado por Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos, “as leis de cotas surgem com a finalidade de efetivar esse direito intrinsecamente relacionado à democracia: a igualdade e a participação de adultos – homens e mulheres – nas tomadas de decisões da vida política” [7].

Basta remontarmos ao início dos debates para a aprovação do sufrágio feminino para que percebamos o apego ao conservadorismo, incluindo-se a perda da rara oportunidade histórica de termos sido pioneiros nesse tema.

É o que nos mostra Débora Vicente, servidora integrante deste TRE/RS, em sua Dissertação de Mestrado, aprovada com nota 10, intitulada ‘O Impacto das Nações Unidas no Direito Internacional das Mulheres e seu Reflexo no Brasil’, verbis:

O Brasil poderia ter sido a primeira nação do mundo a aprovar o sufrágio feminino. No dia 1º de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda de autoria de Saldanha Marinho ao projeto da primeira Constituição Republicana, conferindo direito de voto à mulher. A pressão, no entanto, foi tamanha, que Epitácio Pessoa, um dos subscritores da emenda, dez dias depois retirou o seu apoio. Entre aqueles que se mantiveram a favor da emenda constitucional estiveram Nilo Peçanha, Érico Coelho, Índio do Brasil, César Zama, Lamounier Godofredo e Fonseca Hermes [8].

Em votação no plenário, a maioria dos constituintes foi contrário à emenda, rejeitando-a. Resume-se o pensamento dominante do Congresso nas palavras do deputado Pedro Américo, durante a sessão de 27 de janeiro de 1891:

A maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialética exibida em prol da mulher-votante, não quis a responsabilidade de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano [9].

E foi dessa forma que o Brasil perdeu para a Nova Zelândia a chance de ser o primeiro país do mundo a conceder o direito de voto às mulheres [10]. César Zama, defensor do sufrágio universal, assim lamentou o fato: "Bastará que qualquer país importante da Europa confira-lhes direitos políticos e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação [11].

Nessa toada, não causa perplexidade a dificuldade para que se logre implementar os ditames da lei no que tange às cotas de gênero.

O Brasil vive uma sub-representação feminina muito grande. É preciso ser reconhecido que não basta garantir o número de vagas, sendo necessário conferir às candidatas mulheres as mesmas condições, mesmo espaço político e igualdade de oportunidades, e não lançar verdadeiras candidaturas fictícias com objetivo único de cumprir a proporção imposta pela lei.

A participação feminina nos espaços de poder é necessária para o aperfeiçoamento e a consolidação da democracia. Apesar dos avanços obtidos, muito ainda há o que ser feito para mudar o quadro atual da pouca presença de mulheres na esfera político-partidária no Brasil e superar a desigualdade de gênero na política, cabendo à Justiça Eleitoral um decisivo papel na fiscalização do desenvolvimento das candidaturas de cada pleito.

Em importante artigo sobre o tema, a ex-Ministra Luciana Lóssio refere que a participação da mulher no cenário político eleitoral brasileiro é desoladora, apontando:

O discurso de que a mulher brasileira é despida de ambição política — eleitoral, a justificar sua irrelevante participação na definição do futuro do país, não se sustenta. Basta olharmos para as salas de aula, onde a metade, pelo menos, dos que buscam se aprimorar e crescer profissionalmente são mulheres. E o mesmo se pode dizer em relação aos partidos políticos, já que somos 44% dos filiados [12].

 Segundo a ex-Ministra, não se trata de desinteresse feminino, mas de omissão por parte dos partidos políticos na disponibilização de legenda, de tempo de acesso aos programas políticos e de maior alcance ao Fundo Partidário.

Outra voz que ecoa no mesmo diapasão é a de Luciana Diniz Nepomuceno, ex-Juíza do TRE/SP, ao destacar que:

É necessário, além de medidas, um desejo da sociedade civil de que mais mulheres queiram participar das eleições e sejam devidamente incentivas e apoiadas. A presença, cada vez maior, de mulheres na vida político-partidária brasileira é fundamental para o fortalecimento da democracia e da representação feminina [13].

Débora Vicente registra, invocando destaque da “Revisão de 20 anos da Plataforma de Pequim”, que a participação das mulheres na política é fundamental não só por razões de justiça e igualdade, mas porque a presença ativa das mulheres pode promover maior inclusão das questões de gênero nos espaços de deliberação e decisão, além de incentivar o acompanhamento da implementação de políticas e programas favoráveis aos direitos das mulheres [14].

A participação feminina – aduz Débora - é algo que extrapola a presença numérica em fóruns de tomada de decisão. Trata-se, em realidade, de uma questão de representação democrática, pluralismo político, valores e princípios previstos na Constituição da República Federativa do Brasil [15].

Dada a importância do tema, a Corte Superior Eleitoral possibilita o ajuizamento de ação a fim de verificar se o partido político e/ou a coligação efetivamente respeitam a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico, relativamente à regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições. Ou, em hipótese diversa, se há o lançamento de candidaturas apenas para “legendar”, conforme reconheceu a candidata à vereança Dirce Coser Zanin no áudio contido nos autos, degravação essa destacada pelo juízo monocrático e reproduzida no voto do eminente relator.

No presente caso restou provada a total negligência para com as candidaturas, o menosprezo com a seriedade do processo eleitoral, além do manifesto descaso da coligação com o respeito às regras das eleições proporcionais, especialmente quanto ao acompanhamento de candidaturas para que nenhuma candidata terminasse a campanha com o placar zerado nas urnas.

A prova dos autos demonstra um quadro notório de negligência partidária, sendo evidente que a candidata Dirce foi usada – e se prestou a isso - pelos partidos políticos que integraram sua coligação para garantir um elenco maior de homens na candidatura proporcional.

Nesse aspecto, o probo juiz monocrático, Dr. Fernando Vieira Dos Santos, ao firmar convencimento absolutamente induvidoso acerca do procedimento das candidaturas femininas que considerou em fraude, assim as definiu:

(…) não correspondem a uma intenção efetiva de concorrer, senão a um embuste engendrado pela própria coligação interessada, e em benefício claro a todos os candidatos homens da mesma coligação, para burlar as exigências legais e induzir as autoridades eleitorais a erro quanto à regularidade dos atos partidários e à obediência fictícia aos termos da legislação de regência. (Grifei).

De consequência, é de todo legítima e devida a cassação dos mandatos eletivos dos candidatos que se beneficiaram com a candidatura fictícia, devendo a penalidade servir de lição para que, doravante, nos futuros pleitos, os candidatos e os partidos que integraram a coligação trabalhem conjuntamente em prol do desenvolvimento das efetivas candidaturas femininas, dentro do espírito da lei.

Aponte-se que não socorre aos recorrentes o argumento, trazido em sede de memoriais pelo competente advogado Dr. Caetano Cuervo Lo Pumo, de que a penalidade é demasiado severa porque o prefeito eleito administrará o município sem base aliada no parlamento local, com governabilidade prejudicada.

Muito oportuna a inteligente observação, para que percebam todos os candidatos que precisam agir em conformidade com a Lei Eleitoral e, em especial, com os ditames constitucionais, que não podem ser ignorados, notadamente na questão das cotas de gênero.

Impõe-se lembrar que a boa-fé, em nosso sistema jurídico, é a regra e se presume. A má-fé se prova. Todavia, considerando o estado da técnica e o nível de informação disponibilizado pela INTERNET, não mais se admite a presunção de ingenuidade, até porque ninguém se escusa de cumprir a lei dizendo ignorá-la.

Assim, penso, e o faço em tom de apelo, que é chegada a hora de perceberem os candidatos que todos quantos pretendam assumir um múnus público precisam agir com lealdade.

Não basta apenas ter a ficha limpa. Sobretudo, e em face da comunidade onde pretendem exercer a representação, é preciso restaurar a prática da política em sua verdadeira essência, direcionada ao bem comum, com ética e responsabilidade.

É preciso o respeito às diferenças, e, nesse quesito, o reconhecimento de que as cotas de gêneros sejam preenchidas divorciadas do intuito fraudatório, com estímulo eficaz a que mulheres com seriedade de propósitos possam trazer sua contribuição a um novo tempo na política.

O processo democrático e o exercício do sufrágio não podem ser ludibriados por candidatura de mulheres complacentes e submissas a interesses escusos, que envergonham e alijam do processo mulheres outras que aspiram se eleger cônscias do dever a ser cumprido.

Destarte, a difícil situação de governabilidade e as consequências ora apontadas deveriam ter sido avaliadas para evitar a prática fraudatória, por parte do partido, coligação e, sobretudo, dos próprios candidatos, quando da escolha e formação das listas na Convenção, ou ainda, em momento seguinte, quando dos registros de candidatura dos nomes daqueles que compuseram o DRAP.

Coniventes, ou deliberadamente omissos no controle e na escolha dos candidatos, sem que homens e mulheres adotassem uma postura firme em cumprir a lei em seus verdadeiros ditames, é exclusiva dos integrantes da coligação a responsabilidade pelas dificuldades impostas ao prefeito eleito, que terá de com elas conviver em decorrência da fraude praticada pela - ou aos olhos da - própria coligação que o elegeu.

Oxalá consigamos, ao apagar das luzes deste 2017, com a proficiência da bem-lançada sentença, integralmente mantida por este Tribunal e complementada pelos votos do e. relator e de seus pares, somar com os demais TREs e com o TSE, no sentido de estancar procedimentos fraudatórios.

Já se disse algures da importância de acender uma vela ao invés de permanecer na escuridão, até mesmo na esperança de que ilumine uma nova caminhada, onde, a par de interesses partidários muitas vezes antagônicos, tenham todos os competidores a consciência de que só com o cumprimento da lei obterão o devido amparo ao exercício da boa política, ao fortalecimento dos partidos e da democracia.

De outro lado, comungo com o e. relator quanto à não aplicação do artigo 224 do Código Eleitoral, adotando as mesmas judiciosas razões, porquanto não é possível ampliar os efeitos nefastos para prejudicar a coligação adversária que agiu de boa-fé e licitamente obteve os votos que elegeram três vereadores.

Nessa medida, a cassação do DRAP para a candidatura proporcional, com a consequente cassação dos mandatos eletivos dos vereadores eleitos com burla à legislação é medida imperativa, pois os votos por eles obtidos são nulos de pleno direito.

Tenho, assim, que as sanções fixadas na sentença mostram-se adequadas e proporcionais ao caso em tela, devido à grave e insanável ofensa à legitimidade da eleição.

Por fim, peço vênia aos colegas para fazermos o registro de uma menção de louvor em reconhecimento ao excelente trabalho do juiz monocrático prolator da sentença, Dr. Fernando Vieira Dos Santos, com profundo zelo na condução do processo. Efetuou ele um exaustivo exame do conjunto probatório, análise individual e cotejo entre os diversos depoimentos das testemunhas, e prolatou uma sentença firme e ponderada, elegante e clara, com domínio da técnica e pleno conhecimento do direito eleitoral, em proceder que honra o cargo que desempenha.

Com essas considerações, acompanho, na íntegra, o ilustrado e muito bem-lançado voto do e. relator.

 

Notas:

[1] Matérias disponíveis em: <http://www.tre-pa.jus.br/imprensa/noticias-tre-pa/2016/Julho/tse-divulga-dados-oficiais-sobre-o-eleitorado> e <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/mais-de-16-mil-candidatos-tiveram-votacao-zerada-nas-eleicoes-2016>. Acesso em: 10 dez. 2017.

[2] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE. Estatísticas Eleitorais 2016. Eleitorado 2016. Brasília: TSE, 2016. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleicoes-2016 >. Acesso em: 22 Set. 2016.

[3] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE. Estatísticas de Eleições. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014-resultado.> Acesso em: 20 Set. 2016.

[4] Com a posse de Yeda Crusius, em Janeiro de 2017, como Deputada Federal do Rio Grande do Sul, eleita suplente do PSDB, em 2014, registra-se a maior bancada feminina na história da Câmara de Deputados.

[5] BRASIL. SENADO FEDERAL. Senadores em exercício. 55a Legislatura (2015-2019). Brasília: Senado, 2017. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio>. Acesso em: 11 Fev. 2017.

[6] Disponível em: <https://nacoesunidas.org/brasil-fica-em-167o-lugar-em-ranking-de-participacao-de-mulheres-no-executivo-alerta-onu/>. Acesso em: 10 dez. 2017.

[7] Participação política feminina e a regulamentação legal das cotas de gênero no Brasil: breve análise das eleições havidas entre 1990 e 2014. In: Adriana Campos Silva; Armando Albuquerque de Oliveira; José Filomeno de Moraes Filho. (Org.). Teorias da democracia e direitos políticos. 1 ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 427-448.

[8] RIBEIRO, Antônio Sérgio. A mulher e o voto. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2012. Disponível em: < http://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=277>. Acesso em: 19 Set. 2016.

[9]  AMERICO, Pedro, 1891 apud PEREIRA, Rodrigo Rodrigues; DANIEL, Teofilo Tostes. O Voto Feminino no Brasil. São Paulo: Procuradoria Regional da República 3a Região, 2009. Disponível em:< http://www.prr3.mpf.mp.br/institucional2/180-o-voto-feminino-no-brasil>. Acesso em: 25 Set. 2016.

[10] A Nova Zelândia foi o primeiro país no mundo a conceder o voto às mulheres em 1893.

[11] ZAMA, César, 1891 apud PEREIRA; DANIEL, 2009.

[12] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-13/luciana-lossio-participacao-mulher-politica-desoladora>. Acesso em: 10 dez. 2017.

[13] NEPOMUCENO, Luciana Diniz. Trecho da palestra proferida na recente Conferência Nacional da Advocacia, realizada em São Paulo, em 27.11.2017.

[14] ONU, 2015b. CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL – ECOSOC. Relatório. E/CN.6/2015/3, Nova York, 2015. Review and appraisal of the implementation of the Beijing Declaration and Platform for Action and the outcomes of the twenty-third special session of the General Assembly. New York: ONU, 2015, p. 103, parágrafo 385. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/CN.6/2015/3&referer=http://www.unwomen.org/en/digital-library/publications/2015/02/beijing-synthesis-report&Lang=E>. Acesso em: 4 Jul.2016.

[15] VICENTE, Débora do Carmo. O Impacto das Nações Unidas no Direito Internacional das Mulheres e seu Reflexo no Brasil. Dissertação de Mestrado, defendida na UFRGS, em 14.07.2017, aprovada com nota 10 e ainda pendente de publicação. Capítulo ‘Mulheres no Poder e na Liderança’.