RE - 29410 - Sessão: 26/02/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) e, bem assim, por FREDERICO ARCARI BECKER (candidato reeleito ao cargo de prefeito) e SÉRGIO FRANCISCO VARELA (candidato ao cargo de vice-prefeito) contra a sentença de fls. 327-333, proferida pela Juíza da 63ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedentes duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE (ns. 294-10 e 300-17, a última acostada no Apenso 2) movidas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor de FREDERICO ARCARI BECKER, SÉRGIO FRANCISCO VARELA, SUMAYA VELHO TURELLA e COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO.

A fim de evitar despicienda repetição, transcrevo parte do relatório constante do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 390-391v.):

O juízo a quo acolheu parcialmente o pleito do Parquet para condenar o Prefeito Municipal de Bom Jesus, o investigado Frederico Arcari Becker, ao pagamento de multa de 6.000 UFIRs, e condenar a Coligação e o Vice-Prefeito, investigado Sérgio Francisco Varela, ao pagamento de 5.000 UFIRs.

Em suas razões (fls. 339/352), alega o Ministério Público Federal, em relação à conduta vedada prevista no art. 73, inc. VIII, da Lei 9.504/97: a) que o Prefeito Frederico Arcari Becker teve a iniciativa da revisão da remuneração no período vedado, tratando-se de ato complexo; b) que é indiferente à conduta vedada se a revisão da remuneração decorre de aumento de verba indenizatória; c) que no ano eleitoral o suposto reajuste da verba indenizatória foi bem superior ao IGP-M, não sendo justificável que a reposição de uma inflação de 9 anos se dê exatamente no ano eleitoral; d) com o aumento acima da inflação, não há que se falar em aumento de verba meramente indenizatória; e) traduziu-se em cumprimento de promessa eleitoral; f) que a gravidade da conduta, a qual importa em aumento salarial de todos os servidores, em um pleito em que seria suficiente influenciar 383 eleitores, configura igualmente o abuso de poder de autoridade.

No tocante à conduta vedada tipificada no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, sustenta o Ministério Público Eleitoral: a) que o juízo desconsiderou as alegações da Vereadora Lucila prestadas no inquérito civil, pois não foi ouvida como testemunha no processo, porém deveria ter levado em consideração as demais provas documentais produzidas; b) que, ainda que o programa de entrega de cestas básicas fosse aprovado por lei e já estivesse em execução orçamentária no ano anterior, foi violado o § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 quando não houve a comunicação prévia da entrega das cestas ao Ministério Público para que pudesse acompanhar sua execução; c) o empenho foi emitido no mesmo dia da homologação da licitação, demonstrando a pressa dos réus na compra das cestas básicas, que foram adquiridas no mesmo dia; d) que houve a entrega de 91 cestas básicas para 80 pessoas consideradas em situação emergencial, conforme indicado no item I da alínea “B” da certidão às fls. 215, verso, à 217, verso, fato que não ocorreu nos anos anteriores, sendo que não foi editado nenhum Decreto de Estado de Calamidade que amparasse essa doação, tampouco houve menção a Estado de Calamidade na licitação; e) que as compras nos anos de 2014 e 2015 destoam das compras realizadas no ano eleitoral; f) das 400 cestas adquiridas, 218 foram destinadas a idosos já cadastrados, 91 para pessoas consideradas em situação emergencial, 24 foram mantidas no estoque da Prefeitura; faltando 67 cestas com destinação não identificada; g) somente foi encontrado cadastro de idosos para o ano de 2016; h) foi descumprido o art. 3º do Decreto n. 6.681/2015, pois não houve estudo e avaliação para enquadramento em programa social, conforme documento juntado na fl. 288; i) que a doação de 376 cestas básicas, em uma eleição em que seria suficiente cooptar 383 votos, teve potencialidade de influenciar no resultado do pleito, importando em abuso do poder político e econômico.

Em relação à conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei 9.504/97, o Parquet aduziu: a) que, apesar de reconhecida a conduta vedada no que diz com as contratações temporárias em período eleitoral, quando já havia concurso homologado, foi aplicada apenas a pena de multa, inadequada para integral reequilíbrio da ordem jurídica violada; b) diante da gravidade da conduta (envolvendo diversos contratados e com burla à nomeação de candidatos aprovados em concurso público vigente), igualmente o quantum da multa fixada é desproporcional, importando em proteção deficiente do ordenamento jurídico, servido para estimular novas práticas ilícitas.

Finalmente, sustenta que esse conjunto de condutas vedadas, caracterizador de abuso de poder político e econômico, teve o condão de afetar a normalidade do pleito, importando em desequilíbrio na disputa, ensejando a aplicação das sanções de cassação do diploma e inelegibilidade por oito anos.

Os demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA, em suas razões (fls. 354-361), por sua vez, postulam seja afastada a pena de multa a eles imposta. Alegam que a prorrogação de contrato não importa contratação de servidor temporário em período vedado, considerando inclusive a interpretação restritiva que deve incidir sobre os tipos do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Justificam que houve parecer favorável da empresa que presta assessoria ao município. Por fim, sustentam a ausência de gravidade da conduta praticada.

Com contrarrazões pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 363-364v.) e por FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO VARELA (fls. 377-384v.), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL no tocante às sanções cuja aplicação foi requerida pelo Parquet, decorrentes da prática das condutas vedadas previstas no inc. V e § 10 da Lei n. 9.504/97 e do abuso de poder político; bem como pelo desprovimento do recurso dos demandados (fls. 390-401v.).

É o relatório.

 

(Após sustentação oral pela procuradora dos representados e proferido o parecer do Ministério Público Eleitoral, pediu vista o Des. Jorge Luís Dall'Agnol. Julgamento suspenso.)           

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

VOTOS

SESSÃO DO DIA 06.03.2018

Dr. Luciano André Losekann (relator):

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

Os recursos são tempestivos.

A sentença foi publicada no DEJERS em 12.9.2017, terça-feira (fl. 336), tendo sido o Ministério Público intimado na mesma data (fl. 338). Os recursos foram interpostos pelo Ministério Público Eleitoral no dia 13.9.2017 (fl. 339) e pelos representados em 15.9.2017 (fl. 354), dentro do tríduo legal.

Por conseguinte, interpostos os recursos no prazo legal, deles conheço.

2. Mérito

Em sua inicial, o Ministério Público Eleitoral imputa aos representados o cometimento de condutas vedadas tipificadas nos incs. V e VIII, e § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, e abuso de poder político e de autoridade.

A sentença recorrida reconheceu apenas a prática da conduta vedada prevista no inc. V do art. 73 da Lei das Eleições, condenando FREDERICO ARCARI BECKER (candidato reeleito ao cargo de prefeito) ao pagamento de multa de 6.000 UFIRs, assim como SÉRGIO FRANCISCO VARELA (candidato ao cargo de vice-prefeito) e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de 5.000 UFIRs cada.

Tal como já consignado no relatório, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL recorre, postulando a total procedência do pedido inicial.

Por sua vez, os demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA requerem o provimento de seu recurso a fim de que a demanda seja julgada totalmente improcedente.

Passo à análise individualizada dos fatos.

2.1. Da conduta vedada prevista no inc. VIII do art. 73 da Lei n. 9.504/97

O Ministério Público Eleitoral alegou que o demandado FREDERICO ARCARI BECKER, na condição de prefeito de Bom Jesus, então candidato à reeleição, autorizou aumento da remuneração dos servidores daquele município e da autarquia de radiodifusão Aparados da Serra em período proibido pela legislação eleitoral.

Referida conduta enquadra-se, em tese, no inc. VIII do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que a seguir transcrevo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

No caso dos autos, o aumento do vale-refeição dos servidores municipais e da autarquia de radiodifusão Aparados da Serra mostrou-se incontroverso. Do caderno probatório, constam cópias das leis municipais de números 3.241/16 e 3.242/16, ambas promulgadas em 08.11.2016 e de iniciativa do prefeito demandado, encaminhadas à Câmara em 24.10.2016.

Ademais, é sabido que o período da vedação de revisão geral de remuneração que exceda a recomposição do poder aquisitivo ao longo do ano da eleição vai de 180 dias antes do pleito até a posse dos eleitos. No caso das eleições municipais de 2016, esse interregno teve início em 5 de abril daquele ano e findou com a posse dos eleitos, no início de janeiro de 2017.

Entretanto, a magistrada de primeiro grau deixou de reconhecer a prática da aludida conduta vedada, por compreender: (1) que o prefeito apenas encaminhou o projeto de lei de reajuste do vale-refeição à Câmara Municipal de Bom Jesus, sendo o encaminhamento e a aprovação institutos diversos, razão pela qual o prefeito não teria sequer legitimidade passiva para figurar no feito, bem como o verbo "encaminhar" não se enquadraria no núcleo do tipo previsto no inc. VIII do art. 73 da Lei n. 9.504/97; (2) que vale-refeição é categoria que possui natureza indenizatória, não se tratando de parcela salarial, motivo pelo qual não pode ser caracterizado o aumento daquele como revisão geral; e (3) que o projeto de lei foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Bom Jesus, contando com os votos da oposição e, inclusive, com o da candidata denunciante Lucila, situação que afasta o caráter eleitoreiro do aumento.

Pois bem. De igual modo, compreendo que a conduta vedada não restou caracterizada, mas por fundamentos diversos dos apontados pela magistrada sentenciante.

Explico.

Em primeiro lugar, é necessário ter em mente que a revisão da remuneração de servidores públicos municipais é ato complexo, que depende da iniciativa do prefeito e se perfectibiliza com a aprovação e promulgação de lei pela Câmara Municipal.

Assim, não afasta a caracterização da conduta vedada o fato de que uma lei que implique revisão salarial acima da inflação, em período vedado, tenha sido aprovada e promulgada pela Câmara de Vereadores. E, pelos mesmos argumentos, concluo que descabe, para a análise do enquadramento da conduta, o fato de a lei ter, ou não, sido aprovada pela unanimidade dos membros da Casa Legislativa, pois tal fato em nada afasta a configuração da prática vedada.

Em segundo lugar, a ilustre magistrada de piso compreendeu que o vale-refeição é verba indenizatória, não se enquadrando no conceito de remuneração trazido na lei.

Nesse passo, estou a dissentir do entendimento da operosa julgadora singular.

Conforme bem leciona Rodrigo López Zilio, o conceito de remuneração para o fim de enquadramento na conduta vedada prevista no inc. VIII do art. 73 da Lei das Eleições abrange qualquer verba auferida pelos servidores acima da inflação do período, ainda que indenizatória.

Transcrevo excerto da obra do doutrinador quanto a este aspecto:

A norma proibitiva alcança, também, a vedação à supressão ou readaptação de vantagens, no prazo vedado. DIOGENES GASPARINI (pp. 205/206) classifica as vantagens pecuniárias em adicionais (por tempo de serviço e de função), gratificações (de serviço – v.g., risco de vida, serviços extraordinários – e pessoais – v.g., salário-família, salário-educação) e indenizações (ajudas de custo, diárias e transporte). Por conseguinte, ficam proibidas, nos três meses antes do pleito até a posse dos eleitos, a eliminação ou readaptação de todas estas vantagens – seja na espécie de adicionais, gratificações ou indenizações. (ZILIO, Rodrigo López. Crimes Eleitorais. Jus Podivm, 2014. p. 571.)

Contudo, não vejo razões para divergir do argumento da magistrada no sentido de que o aumento geral não teria sido acima da inflação.

Essa questão foi analisada de forma minudente pelo douto Procurador Regional Eleitoral, razão pela qual peço vênia para transcrever seu raciocínio, elaborado em consonância com a sentença, adotando-o também como razões de decidir, in verbis:

De fato, pode-se dizer que para servidores que recebem até um salário mínimo, considerando o reajuste global (do salário e do vale-refeição), o aumento acima da inflação teria sido irrisório (R$ 4,00), já para servidores que recebem dois salários mínimos não teria havido reposição acima da inflação. Senão vejamos.

Conforme constou na sentença, não tendo sido impugnado no recurso do MPE, o Projeto de Lei 3.647/2016 (fls. 63/67 do Apenso 2 – AIJE 300-17) previu reajuste salarial anual de 5,23%, sendo o IGPM acumulado de outubro de 2015 a outubro de 2016 (mês da elaboração do PL) de 8,79%, portanto houve uma defasagem de 3,56%. Isso para um servidor que recebesse o salário mínimo (R$ 880,00) representaria uma perda de R$ 31,32.

O vale-refeição, que no ano de 2015 era de R$ 170,00, passou para R$ 220,00, um aumento de 29,41%, 20,62% acima da inflação. O percentual que excedeu a inflação representou R$ 35,05; portanto a soma desse aumento acima da inflação, com o reajuste anual abaixo da inflação, importou, apenas para quem recebesse o equivalente a um salário mínimo, um aumento acima da inflação de R$ 3,73.

Agora, se considerarmos um servidor que recebia dois salários mínimos (R$ 1.760,00), a sua defasagem pela revisão geral abaixo da inflação seria de R$ 62,64, logo os R$ 35,05 recebidos acima da inflação a título de vale-refeição, não seriam suficientes para assegurar-lhe um aumento da sua remuneração acima da inflação no período. E isso ocorreu com todos os servidores municipais que recebiam mais de um salário mínimo.

Desse modo, tal como consignado na sentença e reforçado no parecer do eminente Procurador Regional Eleitoral, embora o reajuste do vale-refeição tenha ficado acima do índice de inflação do período, tal diferença restou compensada pela revisão geral dos servidores, que foi inferior à inflação do período. Consequentemente, conclui-se que a maioria dos servidores municipais não receberam aumento de remuneração acima da inflação no período eleitoral e, para os demais, o reajuste foi de menos de R$ 4,00.

Sob este ângulo, não vejo razões para a modificação da sentença recorrida.

2.2. Da conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97

Prosseguindo, o Ministério Público Eleitoral sustenta que os representados FREDERICO ARCARI BECKER, Prefeito de Bom Jesus, e SUMAYA VELHO TURELLA, Secretária de Assistência Social daquele município, teriam distribuído cestas básicas irregularmente no período eleitoral, caracterizando a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97.

Assim dispõe o art. 73, § 10, da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Segundo alega o Ministério Público Eleitoral, a Prefeitura de Bom Jesus teria distribuído, no ano de 2016, 376 das 400 cestas básicas adquiridas por meio de procedimento licitatório.

Contudo, a magistrada sentenciante afastou a caracterização da conduta vedada, bem como o abuso de poder político ou de autoridade, sob os seguintes argumentos:

(…) a doação de cestas básicas, prevista pela Lei Municipal nº 2.865/2013, já estava em execução orçamentária, caracterizando-se, consequentemente, na exceção à conduta vedada do art. 73, §10º, da Lei nº 9.504/97. Nesse sentido, registro que inaplicável ao caso a exigência de decreto de calamidade pública, visto que a concessão das cestas básicas não se realizou por tal situação, mas em decorrência de programa assistencial com base legal e em execução orçamentária.

Também, a falta de comunicação ao Ministério Público por parte dos réus para promover o acompanhamento da execução do benefício não pode ser levado à conta de irregularidade, na medida em que o §10 daquele artigo de lei consigna que “o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”. Não há, por conseguinte, qualquer obrigação de comunicação imposta aos réus, inclusive porque o acompanhamento da execução é mera possibilidade legal ao órgão ministerial, por isso não restando configurado qualquer prejuízo à sua atuação.

De fato, tal como consignado pela julgadora, a Lei Municipal n. 2.865/13, em seu art. 5º, inc. III e parágrafo único c/c art. 11, inc. I, autoriza a entrega de cestas básicas a pessoas idosas e a famílias, à criança, à pessoa com deficiência, à gestante e à nutriz. Senão vejamos:

Art. 5º – São formas de Benefícios Eventuais: […] III – outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária ou de emergência. Parágrafo Único – A prioridade na concessão dos benefícios eventuais será para a criança, a família, o idoso, a pessoa com deficiência, a gestante, a nutriz e os casos de calamidade pública.

Art. 11 – Os demais Benefícios Eventuais decorrentes de situação de vulnerabilidade temporária ou de ações emergenciais de caráter transitório, são os seguintes: I – Auxílio alimentação (cesta básica) […]

Ademais, conforme certidão expedida pela Secretária de Diligências da Promotoria Eleitoral de Bom Jesus (fl. 216 do Anexo I), o programa social em comento encontrava-se em execução já no ano de 2015, quando foram doadas 1.260 cestas básicas, diga-se, 360 cestas a mais do que as distribuídas no ano de 2016.

Portanto, sob essa perspectiva, é de se concluir que as cestas básicas foram distribuídas em conformidade com a exceção prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97.

Ainda, quanto à irresignação ministerial de que a distribuição das cestas básicas não foi comunicada ao Ministério Público para o devido acompanhamento, de igual modo entendo totalmente desarrazoada, pois a exceção contida no § 10 do art. 73 da Lei das Eleições não exige a prévia comunicação ao Ministério Público.

Desse modo, a circunstância de a Prefeitura de Bom Jesus não ter comunicado previamente ao Ministério Público acerca da distribuição das cestas não caracteriza, por si só, a conduta vedada aqui suscitada.

Entretanto, melhor sorte não socorre os demandados no que diz respeito à alegação ministerial de que 67 das cestas distribuídas não tiveram sua destinação identificada.

Segundo o órgão ministerial, das 400 cestas básicas adquiridas, 218 foram destinadas a idosos já cadastrados, 91 para pessoas consideradas em situação emergencial e 24 foram mantidas no estoque da Prefeitura. Ou seja, 67 cestas básicas não possuem destinação identificada.

De fato, conforme constatado e certificado pela Secretária de Diligências da Promotoria Eleitoral (fl. 224 do PA 00725.00127/2016 – Anexo 1), no site da Prefeitura Municipal de Bom Jesus – Portal da Transparência e demais documentos, extrai-se a informação de que, a partir do mês de setembro de 2016, em datas próximas ao pleito, foram distribuídas 67 cestas básicas de destinação não identificada.

Quanto a este ponto, cabe ressaltar que os demandados não trouxeram aos autos qualquer esclarecimento sobre a distribuição destas cestas, tanto na contestação quanto nas contrarrazões ao recurso do Ministério Público.

E, embora a defesa tenha sustentado da tribuna que a identificação dos destinatários das 67 cestas básicas estaria esclarecida nas fls. 183 ou 187 dos autos, é forçoso reconhecer que não se encontra tal informação em nenhum dos 17 volumes do processo.

Por consequência, a doação de 67 cestas básicas sem que houvesse a regular identificação dos destinatários, e sem que realizado o estudo social exigido pelo Decreto Municipal n. 6.681/15 (fl. 202 do Anexo I), caracteriza situação de extrema gravidade que não pode ser enquadrada na exceção prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97, visto que tal circunstância inviabiliza a verificação da condição dos donatários, tornando impossível, por consequência, a certeza de que se encontravam amparados pelo programa assistencial regulado pela própria Lei Municipal n. 2.865/13.

À vista disso, é inevitável o reconhecimento da caracterização da conduta vedada trazida no § 10 do art. 73 da Lei das 9.504/97, pois a entrega de 67 cestas básicas em situação que não se enquadra na exceção prevista no aludido dispositivo legal evidencia situação que o legislador buscou evitar com a referida norma, ou seja, afastar a possibilidade de que aqueles que estão investidos no poder o utilizem em benefício próprio, de sua agremiação partidária ou de outrem.

Registra-se a desnecessidade do dolo específico em auferir qualquer vantagem político-eleitoral com a conduta irregular, bastando a simples prática do ato para que se tenha como configurada a conduta vedada prevista no § 10 da Lei das Eleições.

Contudo, cabe ressaltar que os demandados venceram o pleito majoritário de Bom Jesus por uma diferença de apenas 766 dos 7.152 votos válidos. Consequentemente, as 67 cestas básicas, entregues cada uma a uma família, têm o poder de cooptar votos e interferir sobremaneira no resultado do pleito, haja vista que 384 votos seriam suficientes para alterar o desfecho da eleição.

Ante o exposto, a conduta mostra-se grave o suficiente para ensejar a cassação do diploma dos eleitos, tal como prevê o § 5º do art. 73 da Lei 9.504/97, além da sanção de multa, que deve ser aplicada aos responsáveis e beneficiados pela prática da aludida conduta vedada, ou seja, aos demandados FREDERICO ARCARI BECKER, SÉRGIO FRANCISCO VARELA, SUMAYA VELHO TURELLA e COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO (§§ 4º e 8º do art. 73 da Lei 9.504/97).

2.3. Da conduta vedada prevista no inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97

O Ministério Público Eleitoral sustenta que a simples aplicação de multa é insuficiente diante da gravidade da conduta do Chefe do Poder Executivo de Bom Jesus, que realizou contratação temporária de servidores em período vedado pelo inc. V do art. 73 da Lei 9.504/97, fato reconhecido pela sentença ora recorrida.

Assim dispõe o art. 73, inciso V, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

Segundo o MPE, o Prefeito FREDERICO ARCARI BECKER promoveu a contratação temporária de 26 servidores em agosto de 2016, dentro do período vedado pelo inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

A tese esgrimida pelo Ministério Público Eleitoral foi reconhecida pela magistrada de primeiro grau.

Contudo, a julgadora deixou de aplicar a sanção de cassação dos diplomas dos demandados, ao argumento de que a conduta não constituiu fato grave, motivo pelo qual afastou também a caracterização de abuso de poder econômico ou de autoridade. Volto à sentença:

Destarte, deve-se levar em conta que o princípio da continuidade dos serviços públicos possui relevância, ao passo que as renovações de contrato daqueles servidores, sem sombra de dúvidas (porque finalidade ínsita a si), procuraram atendê-lo. Também, os serviços contratados iniciaram antes do período vedado, o que demonstra não haver ligação entre as contratações e a campanha eleitoral. Feitas essas considerações, embora perfectibilizada como conduta vedada, não ficou assentado nos autos constituir-se de conduta grave, motivo pelo qual fixo as penas de multa no mínimo legal para a Coligação e para o Vice-Prefeito – 5.000 UFIRs para cada – e um pouco acima do mínimo legal para o Prefeito Municipal – 6.000 UFIRs –, visto que ele era quem tinha o poder de decisão sobre as contratações e responsável direto sobre aquelas.

Por fim, a contração temporária deu-se em número pequeno de servidores (26), revelando-se incapaz de atingir a margem de votos auferida pela Coligação vencedora (766), ao que também acrescento as considerações feitas no parágrafo anterior acerca da falta de gravidade da conduta, tudo isso elidindo a hipótese de abuso de poder econômico ou de autoridade.

E é deste ponto que recorre o ente ministerial, pois em sua compreensão o fato está revestido de gravidade suficiente para ensejar a condenação dos demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA nas sanções de cassação do registro ou diploma, bem como na inelegibilidade por oito anos destes e da demandada SUMAYA VELHO TURELLA, além do aumento da pena de multa e da exclusão dos partidos da COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO de recebimento dos recursos do Fundo Partidário.

De outro lado, em suas razões, os demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA requerem seja afastada a pena de multa a eles imposta. Alegam que a prorrogação de contrato não importa contratação de servidor em período vedado, considerando inclusive a interpretação restritiva que deve incidir sobre as condutas descritas no tipo do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Justificam que houve parecer favorável da empresa que presta assessoria ao município. Por fim, sustentam a ausência de gravidade da conduta praticada.

Pois bem.

Não vejo razão para alterar a sentença quanto a este tópico, pois a prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97 restou amplamente comprovada pelo conjunto probatório coligido aos autos.

Verifica-se com clareza que embora houvesse concurso público homologado antes do prazo de 3 meses da data do pleito (mais especificamente em 01.07.2016), a Administração Municipal optou, de forma injustificada, por renovar a contratação de servidores temporários (em agosto de 2016), ao invés de nomear os candidatos aprovados regularmente no certame, situação esta que estaria amparada pela ressalva da alínea “c” do inc. V do art. 73 da Lei 9.504/97.

E quanto a este ponto, descabe a alegação dos demandados de que não houve nova contratação, mas sim a renovação de contrato já existente. Isso porque a contratação temporária por excepcional interesse público não pode se dar em detrimento de candidatos aprovados em regular concurso público homologado em momento anterior ao período vedado pela lei eleitoral, tal como ocorreu no caso dos autos.

E nessa linha são os precedentes do STJ e do STF, segundo os quais a expectativa de direito daquele candidato inserido em cadastro reserva se convola em direito subjetivo à nomeação caso demonstrado, de forma cabal, que a Administração, durante o período de validade do certame, proveu cargo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público com prazo de validade em vigor, mediante contratação precária, fato que configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade, equivalente à preterição da ordem de classificação no certame, fazendo nascer, para os concursados, o direito à nomeação, por imposição do art. 37, IV, da Constituição Federal (STF, RE 837.311/PI, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 15/12/2015; STJ, RMS 41.687/MT, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/02/2016; STJ, AgRg no RMS 46.935/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/11/2015).

Consequentemente, comprovada a necessidade de contratação de pessoal, deve-se nomear os candidatos aprovados no certame em vigor em detrimento da renovação de contrato temporário (Agravo regimental a que se nega provimento” (STF - AI 684.518-AgR, Rel. Min.Eros Grau, Segunda Turma, DJe 29.5.2009; STF - RE 555.141-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 24.2.2011).

E a sentença foi irretocável ao abordar essa questão, concluindo pelo enquadramento da situação sob análise como conduta vedada, razão pela qual transcrevo o excerto pertinente, adotando-o também como razões de decidir (fl. 331v.):

É de fácil conclusão que os aprovados no concurso poderiam ter sido nomeados. O quadro à época delineado demonstra que a hipótese era justamente a da exceção à conduta vedada! Mas, sem qualquer justificativa plausível – a defesa não apresentou qualquer explicação para tanto –, a Administração Pública optou por renovar as contratações temporárias, em vez de nomear os aprovados. Foram 26 servidores temporários contratados de agosto de 2016 até 15 dias antes do pleito, todos indubitavelmente no período defeso, amoldando-se o caso, consequentemente, à conduta vedada descrita no caput e no inciso V do artigo antes transcrito. Registro, por oportuno, que, em se tratando de condutas vedadas, basta a prática da conduta vedada, sendo despicienda a investigação sobre a finalidade de obtenção do voto ou a comprovação da potencialidade lesiva da conduta.

Na folha 165 do anexo P.A., verifica-se que a Lei n. 3.193 de 08.01.2016 autoriza o Poder Executivo Municipal a realizar contratação temporária pelo prazo de seis meses, podendo ser prorrogado por igual período dos cargos em debate. No entanto, óbvio que a possibilidade de renovação só poderia ser adotada caso não houvesse aprovados em concurso público homologado.

Dessa forma, a cominação da sanção de multa é consectário legal do reconhecimento da prática da conduta vedada, devendo ser imposta ao candidato à reeleição a Prefeito, ao candidato a Vice-Prefeito e à Coligação vencedora, porquanto todos beneficiários da conduta, ainda que os dois últimos não a tenham praticado diretamente.

À vista disso, razão assiste ao Ministério Público Eleitoral. A conduta é grave, desarrazoada, injustificada e enseja a cassação dos diplomas dos beneficiados.

E, por comungar do mesmo entendimento, peço vênia para transcrever os argumentos expostos pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer:

Veja-se que a prática da conduta vedada ainda importou em burla à regra constitucional do concurso público, sendo que a prática proibida se deu em relação a 26 servidores. Considerando que esses 26 servidores temporários, cujos contratos foram renovados, não só votarão no candidato à reeleição, mas, igualmente, influenciarão outros eleitores, familiares e amigos, tem-se que a conduta vedada em tela pode desequilibrar uma disputa em que bastaria inverter 384 votos para alterar o resultado.

Portanto, a renovação pelo Chefe do Poder Executivo Municipal do contrato temporário de 26 servidores, na circunscrição do pleito, e dentro do período compreendido entre os três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sem que esteja tal ato justificado por quaisquer das situações previstas nas alíneas do inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, e havendo concurso público homologado para os mesmos cargos, configura sem sombra de dúvidas a prática de conduta vedada pela legislação eleitoral, razão pela qual deve ser mantida a sentença de primeiro grau também quanto a este aspecto.

Assim, pela gravidade da conduta aqui reconhecida como vedada, com real potencialidade de afetar o resultado do pleito, não vejo outro caminho a trilhar que não o da cassação dos mandatos dos demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA.

2.4. Do abuso de poder

Como já referido, a sentença deixou de reconhecer o abuso de poder político, considerando ausente a gravidade da conduta praticada.

Nessa trilha, o caput do art. 22 da LC n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifei.)

O abuso de poder político é reconhecido no âmbito da Justiça Eleitoral como abuso de autoridade, ou abuso no exercício de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta, praticado em infração às leis eleitorais brasileiras, para beneficiar abusivamente candidatos a cargos eletivos, principalmente candidatos à reeleição. É o uso indevido de cargo ou função pública com a finalidade de obter votos para determinado candidato.

Para Pedro Roberto Decomain, o abuso de poder político é o “emprego de serviços ou bens pertencentes à administração pública direta ou indireta, ou na realização de qualquer atividade administrativa, com o objetivo de propiciar a eleição de determinado candidato” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade & Inelegibilidade. Obra jurídica, 2000, p. 72).

Assim, o abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder se vale de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto, caracterizando-se, dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

No caso dos autos, como anteriormente analisado, foram devidamente comprovadas as seguintes condutas vedadas praticadas pelo Prefeito FREDERICO ARCARI BECKER, de modo que este e o candidato a Vice-Prefeito SÉRGIO FRANCISCO VARELA  são os beneficiários dos ilícitos:

a) distribuição de 67 cestas básicas irregularmente no período eleitoral, caracterizando a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97;

b) contratação temporária de 26 servidores em agosto de 2016, dentro do período vedado pelo inc.V do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Em relação à Secretária de Assistência Social, SUMAYA VELHO TURELLA, reconheceu-se a prática da conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 em virtude da distribuição de 67 cestas básicas irregularmente no período eleitoral.

Tais condutas são de gravidade inquestionável, caracterizando-se como evidente abuso de poder político e de autoridade.

Registro que a doação de 67 cestas básicas, capitaneada pelo Prefeito FREDERICO ARCARI BECKER e pela Secretária de Assistência Social SUMAYA VELHO TURELLA, sem que houvesse a regular identificação dos destinatários e sem que realizado o estudo social exigido pelo Decreto Municipal n. 6.681/2015 (fl. 202 do Anexo I), caracteriza, sim, situação de extrema gravidade que não pode ser enquadrada na exceção prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, visto que tal circunstância inviabiliza a verificação da condição dos donatários, tornando impossível ter certeza de que esses se encontravam amparados pelo programa assistencial regulado pela Lei Municipal n. 2.865/13.

Cabe gizar, mais uma vez, que os demandados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA venceram o pleito majoritário de Bom Jesus por uma diferença de 766 dos 7.152 votos válidos. Consequentemente, como já dito, 67 cestas básicas, entregues cada uma a uma família, têm o poder de cooptar votos e interferir decisivamente no resultado do pleito, pois que 384 votos seriam suficientes para alterar o desfecho da eleição.

Inegável, portanto, a ofensa à legitimidade do pleito.

De igual modo, a contratação temporária de 26 servidores realizada em agosto de 2016, dentro do período vedado pelo inc.V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, e na circunscrição do pleito, sem que tenha sido tal ato justificado por qualquer das situações previstas nas alíneas do inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, trouxe mácula à legitimidade da eleição, fazendo com que FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA obtivessem benefício de efeito extremamente nocivo, uma vez que angariaram vantagem em relação aos demais concorrentes, em virtude de o primeiro ser detentor do poder, ofendendo a lisura e isonomia do pleito.

A olho desarmado, visualizando-se as condutas isoladamente, até se poderia entender que elas não são graves, e que impor a cassação dos registros e dos diplomas dos recorrentes FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA seria uma demasia.

Contudo, o conjunto de fatos é que faz com que se dê a tudo isso, sim, contornos de seriedade e gravidade.

Veja-se que Bom Jesus é um município pequeno – que na época da eleição contava com 7.880 eleitores –, onde todos se conhecem. Se tais fatos ocorressem em municípios como Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria, Passo Fundo e assim por diante, talvez sequer chegassem ao conhecimento dos adversários políticos, do Ministério Público ou da Justiça Eleitoral; e, aí sim, não se teria a possibilidade real e concreta de afetar a isonomia entre os candidatos a cargos públicos. Não é o caso, concessa venia, de Bom Jesus. Pensar diversamente seria esvaziar totalmente o sentido das proibições contidas no art. 73 da Lei das Eleições!

Tenho dito que o só fato de se possibilitar a reeleição de ocupantes dos cargos de Chefes do Poder Executivo nos três níveis de governo é, hoje, fonte de grandes questionamentos, mormente porque o uso da máquina pública, vale dizer, a prática de condutas vedadas e, bem assim, de abuso de poder político e econômico é uma constante. E foi o que, infelizmente, se constatou nos casos trazidos ao conhecimento desta Justiça Especializada por meio da AIJE aqui proposta.

É de se indagar qual a percepção que os eleitores de Bom Jesus teriam, caso o Judiciário Eleitoral dissesse, alto e bom som, que os atos descritos “não são graves” e não ensejam a cassação do registro e do diploma? Entenderiam, ou passariam a entender, que tudo pode, tudo vale, que nada ocorre! Na próxima eleição, certamente, esses atos voltariam a se repetir, de maneira mais ou menos velada!

Já afirmei em outra oportunidade que atos deste jaez têm um nome genérico: corrupção eleitoral.

Nesse sentido, o controle das fraudes eleitorais, da corrupção, e das chamadas "práticas sujas" (aqui antevistas nas condutas vedadas) é objetivo de qualquer sistema de regulação de candidatos e partidos políticos. E esse, o objetivo maior dos dispositivos aqui invocados da Lei n. 9.504/97.

Quando uma eleição é levada a cabo, é essencial assegurar que todos os cidadãos tenham confiança na integridade do processo, independentemente de terem apoiado os ganhadores ou os perdedores. A seriedade da fraude eleitoral, da corrupção, e as práticas injustas põem em dúvida a confiabilidade do processo eleitoral e, dessa forma, vulneram a própria democracia.

Portanto, concluo que as condutas ilícitas perpetradas pelo Chefe do Poder Executivo de Bom Jesus FREDERICO ARCARI BECKER, com a nítida utilização da máquina pública, configuraram, sim, abuso de poder político e de autoridade apto a ensejar o juízo condenatório, razão pela qual deve ser declarada a sua inelegibilidade pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

Da mesma forma, compreendo que deva ser declarada a inelegibilidade da Secretária de Assistência Social SUMAYA VELHO TURELLA pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

Em relação ao candidato a Vice-Prefeito SÉRGIO FRANCISCO VARELA, embora tenha sido beneficiado pelas condutas ilícitas, a ele não se pode imputar ato de abuso de autoridade, haja vista não estar investido em cargo público que tornasse tal circunstância perfectível, razão pela qual deixo de declarar a inelegibilidade deste demandado.

3. Das sanções

Conforme já mencionado, a magistrada de primeiro grau reconheceu o enquadramento da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97 e condenou FREDERICO ARCARI BECKER (candidato reeleito ao cargo de prefeito) ao pagamento de multa de 6.000 UFIRs, assim como SÉRGIO FRANCISCO VARELA (candidato ao cargo de vice-prefeito) e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de 5.000 UFIRs cada.

Adianto que não vejo razão para alterar as sanções de multa já cominadas pela julgadora quanto a esta conduta.

Cabe, apenas, de ofício, fazer a readequação para que sejam sancionadas em Reais, ao invés da extinta UFIR, razão pela qual as sanções trazidas no dispositivo devem ser alteradas, restando FREDERICO ARCARI BECKER (candidato reeleito ao cargo de prefeito) condenado ao pagamento de multa de R$ 6.385,00, assim como SÉRGIO FRANCISCO VARELA (candidato ao cargo de vice-prefeito) e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de R$ 5.320,50 cada.

Por outro lado, em relação à conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 – distribuição de 67 cestas básicas irregularmente no período eleitoral –, tenho por condenar FREDERICO ARCARI BECKER (candidato reeleito ao cargo de prefeito) ao pagamento de multa de R$ 6.385,00, bem como a Secretária de Assistência Social SUMAYA VELHO TURELLA e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de R$ 5.320,50 cada.

Em virtude da gravidade das condutas vedadas praticadas pelo Prefeito FREDERICO ARCARI BECKER, cabe ainda a aplicação da sanção de cassação dos diplomas deste e do vice-prefeito SÉRGIO FRANCISCO VARELA.

Por fim, cabe ainda condenar os Diretórios Municipais de Bom Jesus do PARTIDO PROGRESSISTA (PP), PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO (PRB), PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) e PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), todos componentes da COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO, à exclusão na distribuição dos recursos do Fundo Partidário, prevista no art. 73, § 9º, da Lei n. 9.504/97, em face da aplicação da multa prevista no § 4º, do referido dispositivo legal.

4. Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, VOTO:

A) pelo parcial provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para:

a1) condenar FREDERICO ARCARI BECKER ao pagamento de multa de R$ 6.385,00, bem como SÉRGIO FRANCISCO VARELA, SUMAYA VELHO TURELLA e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de R$ 5.320,50 cada, conforme prevê o art. 62, § 4º, da Resolução TSE n. 23.547/15, dispositivo que regulamenta o art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, pela conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 – distribuição de 67 cestas básicas irregularmente no período eleitoral;

a2) cassar os diplomas dos representados FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA, sanção prevista no art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; e

a3) declarar a inelegibilidade de FREDERICO ARCARI BECKER e SUMAYA VELHO TURELLA pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, pelo abuso de poder político e de autoridade;

a4) condenar os Diretórios Municipais de Bom Jesus do PARTIDO PROGRESSISTA (PP), PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO (PRB), PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) e PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), todos componentes da COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO, à exclusão na distribuição dos recursos do Fundo Partidário, prevista no art. 73, § 9º, da Lei n. 9.504/97, em face da aplicação da multa disposta no § 4º do referido dispositivo legal.

B) por, de ofício, readequar de UFIR para Real o valor da multa imposta no dispositivo da sentença (fl. 332v.), restando FREDERICO ARCARI BECKER condenado ao pagamento de multa de R$ 6.385,00, assim como SÉRGIO FRANCISCO VARELA e a COLIGAÇÃO SUPERANDO DESAFIOS COM TRABALHO E DEDICAÇÃO ao pagamento de multa de R$ 5.320,50 cada, conforme prevê o art. 62, § 4º, da Resolução TSE n. 23.547/15, dispositivo que regulamenta o art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, pela conduta vedada prevista no inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97;

C) pelo desprovimento do recurso de FREDERICO ARCARI BECKER e SÉRGIO FRANCISCO VARELA;

D) para que, após transcorrido o prazo para eventuais embargos de declaração e o seu respectivo julgamento, seja comunicado o Juízo Eleitoral de origem a fim de que adote as providências pertinentes:

d1) à cassação dos diplomas de FREDERICO ARCARI BECKER (prefeito) e SÉRGIO FRANCISCO VARELA (vice-prefeito), com a consequente assunção do presidente da Câmara Municipal de Vereadores de BOM JESUS ao cargo de prefeito ; e

d2) à realização de novas eleições municipais majoritárias no Município de BOM JESUS, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.

É como voto, senhor Presidente.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol (voto-vista):

Acompanho o relator.

 

(Demais membros de acordo com o relator.)