RE - 50746 - Sessão: 19/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JULIO MIGUEL NUNES VIEIRA e ALENCAR FURLAN contra a decisão do Juízo da 53ª Zona Eleitoral (fls. 2171-2226), que julgou improcedente a representação ajuizada contra LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MAYERHOFER, candidatos eleitos respectivamente aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Sobradinho, entendendo que os fatos descritos na denúncia não caracterizaram abuso de poder nem conduta vedada pela Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 2228-2298), preliminarmente, suscitam a suspeição do representante ministerial de primeiro grau, por ter afinidade com o PMDB. No mérito, sustentam ter havido emprego irregular do fundo habitacional, com a realização de auxílio a pessoas não enquadradas na lei municipal pertinente. Aduzem que no ano eleitoral foram empregados mais recursos e atendidos mais eleitores que nos três anos anteriores, com a finalidade de extrair benefícios eleitorais. Argumentam ter realizado gastos elevados com combustível no ano eleitoral, comparado com os outros anos de sua gestão. Sustentam que houve a distribuição de brita para eleitores por ordem do prefeito, com finalidade eleitoral, com a confirmação de prova testemunhal. Sustentam que houve um incremento nos serviços prestados à comunidade durante o ano eleitoral, com a construção de pontes e bueiros em benefício de eleitores específicos. Argumentam que houve a disponibilização de escavadeira para locação pelos munícipes, sem a juntada de provas de pedidos prévios do serviço, lista de espera ou guias de cobrança pela locação da máquina. Requerem a procedência da ação.

Com as contrarrazões (fls. 2362-2375), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso (fls. 2380-2390v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo. Os recorrentes foram intimados da sentença no dia 22.8.2017 (fl. 2227) e o recurso foi interposto no dia 24 do mesmo mês (fl. 2228), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral.

Razões recursais

Ainda em matéria preliminar, os recorridos suscitam preliminar de não conhecimento do recurso, pois a parte recorrente teria se limitado a reproduzir o texto de sua defesa e alegações finais, sem enfrentar o fundamento da sentença.

A preliminar não merece prosperar. Embora grande parte do recurso acabe repetindo os argumentos tecidos nas peças anteriores, os recorrentes buscaram afastar os fundamentos empregados na sentença, destacando testemunhos que, no seu entender, não foram devidamente sopesados pelo juízo de primeiro grau.

Trata-se de um processo extenso, composto de um grande número de provas e circunstâncias fáticas. Nesse contexto, é inevitável que alguns argumentos tecidos anteriormente voltem a ser invocados em sede recursal. A renovação dessas alegações, entretanto, está adequada ao enfrentamento da sentença, sendo possível reconhecer que o recurso expôs as suas razões de reforma da decisão, motivo pelo qual estão presentes os requisitos para o seu conhecimento.

Suspeição da representante ministerial de primeiro grau

Sustentam os recorrentes que deve ser declarada a suspeição da representante do Ministério Público que atuou em primeiro grau de jurisdição, em razão da regra de extensão dos motivos de suspeição estabelecida no art. 148, inc. I, do CPC.

Aduzem os recorrentes que a representante ministerial possui declarada afeição pelo PMDB – partido dos ora representados –, sendo o seu genitor um político tradicional, que ocupou cargos eletivos em eleições passadas.

A digna Promotora de Justiça Eleitoral manifestou-se, alegando que o presente feito é originário de Sobradinho e que seu pai e parentes são candidatos no Município de Gramado Xavier, não havendo relação entre o interesse das partes no processo e sua preferência política. Aduz não ter afinidade com o partido, mas com seus familiares, os quais teriam seu apoio independente da agremiação em que filiados.

A preliminar merece ser acolhida.

O processo somente pode ser considerado legítimo com um juiz equidistante das partes, por isso a legislação se ocupou em garantir que esses agentes públicos não atuem em feitos quando presentes determinados interesses ou situações capazes de prejudicar sua imparcialidade.

Também o membro do Ministério Público, pela importância de sua atuação como fiscal da ordem pública, deve se manter equidistante das partes, tanto que o Código de Processo Civil lhe impõe a mesma impessoalidade, estendendo a ele as causas de impedimento e suspeição do juiz:

Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:

I - ao membro do Ministério Público;

Na hipótese, a representante do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau se mostrou publicamente favorável ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, com manifestações em rede social de afeição à agremiação, como demonstra o documento da folha 2301 dos autos, no qual se vê um comentário à propaganda eleitoral de seu pai em que afirma: “quem compara vota 15!”.

Trata-se de um comentário genérico, de claro apoio somente à agremiação, não apenas à pessoa de seu genitor. Ademais, o comentário, ao mesmo tempo em que indica a preferência pelo partido, reduz a qualidade das demais agremiações, ao afirmar que a comparação entre as siglas partidárias leva à inevitável consequência de “votar 15”.

A Promotora de Justiça Eleitoral afirma que o comentário se deu exclusivamente em razão de seu pai, como se pode extrair inclusive das demais manifestações de apoio aos seus familiares, as quais nada tinham a ver com a preferência partidária.

De fato, nada há de irregular em declarar apoio especificamente aos seus familiares, como foi feito nos demais comentários retratados nos autos (fls. 2299-2303). O problema surge quando tal apoio se dá, não de forma dirigida a um familiar, mas unicamente à agremiação, de forma genérica. A manifestação de apoio ao “15” não exalta seu genitor, sua equipe ou suas atitudes, mas apenas a sua sigla partidária.

Não se duvida do prestígio que o cargo de promotor confere aos seus ocupantes, especialmente em cidades interioranas de menor estatura. Nessas localidades, o membro do Ministério Público assume posição destacada frente à população, e é visto como verdadeira autoridade pública.

Daí a responsabilidade que devem ter em suas manifestações, a fim de que não pairem dúvidas acerca de sua imparcialidade no exercício do ofício.

Assim, o quadro apresentado mostra um membro ministerial que nas redes sociais se manifestou favorável ao PMDB, a ponto de expressar que “quem compara vota 15!”, e veio a dar parecer em processo no qual se busca a cassação de candidatos eleitos pela mesma sigla partidária.

As circunstâncias caracterizam causa de suspeição da Promotora Amanda Giovanaz, nos termos do art. 145, inc. IV, do CPC, pois se mostra interessada “no julgamento do processo em favor de uma das partes”, tendo em vista que a agremiação pela qual manifestou pública preferência – PMDB – é a mesma sigla partidária pela qual concorreram os representados, ora recorridos, Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer.

A suspeição não se ocupa do efetivo favorecimento das partes ou do desvio de função de juízes e promotores. Ao contrário, busca assegurar o equilíbrio entre as partes, evitando situações de potencial parcialidade dos sujeitos imparciais. Para tanto elenca situações nas quais o próprio juízo de justiça pode ser prejudicado, independente da boa-fé dos agentes públicos.

Acerca da suspeição, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já registrou que as hipóteses legais “atestam a dúvida do legislador acerca da atuação jurisdicional imparcial nessas hipóteses, que representam, muitas vezes, tênues e situacionais ligações do magistrado com os demais sujeitos processuais, sendo mera possibilidade de parcialidade” (STJ, RHC 57.488/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 17.06.2016).

Trata-se de verdadeira garantia dos cidadãos, e não de uma conveniência da atuação jurisdicional.

A atuação do membro do Ministério Público em processo no qual uma das partes concorreu pelo PMDB, mesma agremiação de preferência da Promotora Eleitoral caracteriza essa tênue ligação subjetiva a uma das partes, apta a gerar dúvidas sobre da parcialidade do membro do Ministério Público.

Uma vez reconhecida a sua suspeição, devem ser anulados os atos processuais praticados a partir do ingresso da Promotora Amanda Giovanaz no feito, nos termos do art. 146, § 7º, do CPC, o que ocorreu na data de 17.5.2017 (fl. 2054), primeira manifestação sua no processo, que foi acompanhado, até então, por outro membro do Ministério Público.

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a preliminar de nulidade do processo, em razão da suspeição da Promotora Amanda Giovanaz, e decreto a nulidade dos atos processuais praticados desde 17.5.2017, com o retorno dos autos à origem para renovação dos atos invalidados.

Destaco.