RE - 3695 - Sessão: 08/03/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de prestação de contas anual do DIRETÓRIO MUNICIPAL do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de TRÊS ARROIOS, referente ao exercício de 2016 (fls. 02-37), cuja autuação é integrada pelo órgão partidário e pelos respectivos dirigentes do período.

Sucederam-se o exame da prestação de contas (fls. 46-48), sobre o qual o partido se manifestou às fls. 52-74, e o parecer conclusivo (fls. 75-76v.).

Indo os autos com vista ao Ministério Público Eleitoral (MPE), este opinou pela desaprovação das contas (fl. 77v.).

Citados, partido e responsáveis, apenas a agremiação se manifestou (fls. 86-88v.), da seguinte forma:

a) no que se refere aos R$ 1.000,00 de origem não identificada, tal valor decorre de equívoco dos filiados ao realizarem, no decorrer do ano de 2016, a devolução de R$ 9.500,00 à conta do partido, quantia que havia sido sacada daquela conta no decorrer de 2015;

b) o apontamento sobre doações de fontes vedadas deve ser afastado, pois representaria violação ao princípio da autonomia partidária, consagrada no art. 17, § 1º, da CF. As contribuições financeiras seriam obrigação dos filiados com a grei, previstas em estatuto (art. 184), de forma que seriam inafastáveis, mesmo aos ocupantes de cargo demissível ad nutum, e, nessa senda, não seriam ilegais;

c) a doação foi realizada por vereador, que é detentor de cargo eletivo, não se tratando de cargo em comissão, razão pela qual não se inclui no conceito de autoridade pública dado pela resolução.

Sobreveio sentença de desaprovação das contas (fls. 93-95v.), limitando-se a decisão à irregularidade nas contribuições efetuadas por autoridade pública, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), com fundamento nos arts. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15. Determinada a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, com base no art. 48 da Resolução TSE n. 23.432/14, e o recolhimento/desconto, ao Tesouro Nacional, do valor indevidamente recebido, acrescido de multa de 5% sobre a quantia apontada como irregular.

Irresignado, o partido recorreu (fls. 98-101), reprisando os argumentos de afronta à autonomia partidária e à ausência de ilegalidade nas contribuições impugnadas. Requereu o provimento do recurso para que sejam aprovadas as contas.

Com vistas dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou (fls. 106-114), preliminarmente, pela nulidade da sentença e retorno dos autos à origem e, no mérito, pelo desprovimento do recurso e determinação, de ofício, de transferência da quantia de origem não identificada, no total de R$ 1.000,00, ao Tesouro Nacional, sem prejuízo de arbitramento de multa de até 20% além do valor já estipulado na sentença.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 96 e 98) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Preliminar

A Procuradoria Regional Eleitoral arguiu preliminar de nulidade da sentença, com fundamento nos arts. 11 e 489, § 1º, ambos do Código de Processo Civil.

Afirmou o Parquet que o parecer técnico conclusivo (fls. 75-76v.) constatou recursos advindos de origem não identificada, na quantia de R$ 1.000,00, além do recebimento de valores oriundos de fonte vedada. Aduziu que o magistrado a quo, apesar de não contrariar o teor do parecer conclusivo e desaprovar as contas, deixou de fazer menção aos recursos percebidos de origem não identificada e de aplicar as sanções correlatas. Concluiu que a sentença teria negado vigência aos arts. 13, caput e parágrafo único, inc. II, e 14, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15, matéria de ordem pública, impondo-se o reconhecimento da nulidade da decisão.

Tenho que a situação dos autos difere daquela em que o juízo a quo, em que pese reconhecer a existência de irregularidade – recursos de origem não identificada –, deixa de determinar o recolhimento da respectiva quantia ao Tesouro Nacional.

In casu, a sentença de primeiro grau deixou de abordar irregularidade constante do Parecer Técnico Conclusivo (fl. 75-76v.) após a apresentação de defesa pelos prestadores (fls. 86-88v.).

No julgamento do RE n. 659-88, de relatoria do Dr. Losekann, em 19.12.2017, este Tribunal se manifestou quanto à ausência de nulidade na hipótese dos autos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. MATÉRIA PRELIMINAR. NÃO CONFIGURADA NULIDADE NA SENTENÇA QUE DEIXOU DE ANALISAR IRREGULARIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. REALIZADA INTIMAÇÃO REGULAR DO PRESTADOR. NÃO ADMITIDO EFEITO SUSPENSIVO NA SENTENÇA QUE JULGA AS CONTAS. MÉRITO. CESSÃO DE VEÍCULO. EXTRAPOLADO O LIMITE DE GASTOS. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO NEGADO.

1. Matéria preliminar. 1.1. Omissão na sentença quanto à configuração de irregularidade, silenciando sobre a questão de fundo. Apelo interposto pelo prestador. Vedada a reformatio in pejus. Não acolhida, assim, a nulidade da sentença suscitada pelo Ministério Público por não aplicação de norma de ordem pública. 1.2. Não caracterizado o cerceamento de defesa. Evidenciadas a intimação regular do prestador e a sua manifestação sobre o parecer técnico conclusivo. 1.3. Admissível a concessão de efeito suspensivo quando a decisão atacada resultar na cassação de registro, no afastamento do titular ou na perda de mandato eletivo, consoante art. 257, §2º, do Código Eleitoral. Efeitos não vislumbrados na sentença que julga as contas eleitorais. Pedido não acolhido.

2. Mérito. As cessões de uso de veículos doadas por pessoa física para a campanha submetem-se ao registro formal nas contas e devem ser computadas para fins de apuração do limite de gastos fixado pela Resolução TSE n. 23.459/15. Parâmetro extrapolado pelo candidato. Inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, haja vista o elevado percentual da irregularidade. Manutenção da sentença.

Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 659-88, relator Dr. Luciano André Losekann, julgado em 19.12.2017.) (Grifei.)

Colaciono trecho do citado precedente:

[…] Por seu turno, in casu, a Procuradoria Regional Eleitoral aponta que a sentença silenciou a respeito da própria configuração da irregularidade, ou seja, sobre a questão de fundo acerca da adequação das transações bancárias, e não apenas sobre a aplicação dos consectários legais decorrentes da conclusão pela caracterização da conduta ilícita.

Portanto, não há de se falar em nulidade por não aplicação de norma de ordem pública. A discussão envolve tão somente o acerto ou desacerto da sentença na seleção e análise das condutas apontadas pelo parecer técnico, a partir do revolvimento fático probatório dos autos.

Nesse panorama, tratando-se de apelo interposto pelo prestador, entendo que o Tribunal está adstrito tanto ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum quanto à vedação da reformatio em pejus, sendo incabível a análise do ponto sem o aviamento do adequado recurso pelo Ministério Público Eleitoral a obstaculizar os efeitos da preclusão.

Com essas considerações, rejeito a prefacial. (Grifei.)

Dessa forma, com essas ponderações, afasto a preliminar suscitada.

Mérito

O DIRETÓRIO MUNICIPAL do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de TRÊS ARROIOS interpôs recurso contra sentença do Juízo da 20ª Zona Eleitoral que desaprovou a prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2016, em razão de irregularidade nas contribuições efetuadas por autoridade pública, no valor de R$ 800,00, com fundamento nos arts. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

O parecer conclusivo (fls. 75-76) constatou que parte das doações recebidas pelo PT de Três Arroios, no exercício de 2016, são recursos oriundos de fonte vedada. De acordo com o examinador técnico, foi identificada a quantia de R$ 800,00, decorrente de transferências realizadas pelo Diretório Nacional do PT, cujo doador originário enquadra-se na condição de autoridade pública.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 – vigente à época – veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; (...)

Em seu recurso, o partido calça sua pretensão de ver reformada a sentença na autonomia partidária, que conferiria às agremiações o poder de estabelecer sua estrutura interna e de exigir dos filiados contribuição financeira para sua manutenção.

Como bem observado pelo magistrado, “… a autonomia partidária, que confere aos partidos o poder de estabelecer sua estrutura interna e de exigir dos filiados uma contribuição pecuniária para a própria manutenção, note-se que ela não é um cheque em branco. A estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos pode ser por eles regulada, desde que respeitados os limites impostos pelo ordenamento jurídico, como ocorre a qualquer outra pessoa jurídica de direito privado.” (fl. 94v.).

Entendo preciso e irrepreensível o raciocínio do magistrado, de modo que o argumento da agremiação não abriga ou torna legal qualquer tipo de contribuição. Ao contrário: trata-se de liberalidade, um ato volitivo do filiado, que não pode ser exigido pela grei. Nesse sentido, colho da sentença o julgado do TSE:

CONSULTA. QUESTIONAMENTOS. ART. 12, INCISO XII E § 2º, DA RES. TSE N. 23.432. FONTE VEDADA. AUTORIDADE PÚBLICA.

1. Os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado. (…)

(Consulta n. 35.664, Acórdão de 05.11.2015, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data 02.12.2015, Página 57.) (Grifei.)

Assim, tenho por afastar essa alegação.

Destaco que todas as contribuições elencadas como irregulares são advindas de transferência do Diretório Nacional do PT, o qual identificou como doador originário o Sr. Ademir Pertussatti, vereador do Município de Três Arroios.

Nesse passo, assiste razão ao recorrente, ao afirmar que a doação, realizada por vereador, não se inclui no conceito de autoridade pública dado pela resolução.

E isso porque, a partir do julgamento do RE n. 13-93 e RE n. 14-78, ambos apreciados na sessão de 6.12.2017 em acórdãos de relatoria do Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, este Tribunal passou a reconhecer a licitude de doações feitas por detentores de mandato eletivo, por não se enquadrarem no conceito de autoridade pública a que alude o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, independentemente do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas.

Transcrevo, a seguir, a ementa do acórdão prolatado nos autos do RE n. 13-93:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de vereador. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo vereador. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE-RS, RE n. 13-93, Relator Des. Federal Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 6.12.2017.) (Grifei.)

Desse modo, as doações realizadas por ocupantes de cargo eletivo – vereador – devem ser consideradas regulares, de maneira que, inexistindo outra falha, impõe-se a reforma da sentença e a consequente aprovação das contas.

Por derradeiro, com relação ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a qual também opina, no mérito, pela transferência, de ofício, do valor de origem não identificada – no total de R$ 1.000,00, ao Tesouro Nacional, sem prejuízo do arbitramento de multa de até 20% –, não merece ser acolhido, em razão de ser o recurso exclusivo do partido e sob pena de configurar reformatio in pejus.

 

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar aventada pela Procuradoria Regional Eleitoral, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e aprovar as contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de TRÊS ARROIOS referentes ao exercício financeiro de 2016.